Afrodite De Cnido E A Nudez Feminina Na Escultura Grega Clássica (projeto De Pesquisa Em Arqueologia) 4j1050

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS FACULDADE DE HISTÓRIA PROJETO DE PESQUISA EM ARQUEOLOGIA

A deusa Afrodite e a nudez feminina na escultura grega: A Afrodite de Cnido (séc. IV a.C.)

Ana Paula de Souza Freitas – RA: 14642813 Professor Dr. Fabio Augusto Morales

Campinas Junho de 2015

I.

RESUMO:

Através das esculturas de nu feminino do período clássico, temos uma imagem do que seriam a nudez e a sexualidade femininas para os gregos antigos. Especificamente, as esculturas da deusa Afrodite, que mostram uma imensa sensualidade em suas representações. Essas esculturas nos revelam pontos muito importantes acerca da mentalidade da Grécia Antiga e suas concepções de sensualidade, beleza feminina, divindade e principalmente, de todos esses aspectos da deusa. A abordagem feita será sobre a concepção de corpo e nudez embasada na escultura Afrodite de Cnido, (séc. IV a.C.) por Praxíteles, que foi a introdução do nu feminino na escultura grega. Podemos entender as concepções gregas acerca disso analisando a estátua de Afrodite, pois não há melhor objeto de análise para discutir esses aspectos do que a deusa da beleza, amor e sexualidade, divindade feminina que representava todos esses aspectos de uma mulher. Além disso, podemos obter também concepções acerca de gênero e visão masculina sobre as mulheres e sobre o corpo feminino, principalmente pela representação de Afrodite e, após ela, de tantas outras mulheres na posição pudica, ou modest pose. II.

INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA HISTORIOGRÁFICA:

A proposta central é entender a percepção da sociedade grega a respeito do nu feminino e a visão masculina sob a mulher e seu corpo no período clássico, mais precisamente no século IV a. C. Além disso, é pretendido também abordar uma suposta misoginia existente nesse período e suas raízes, por conta de inúmeras representações de mulheres na posição pudica após a inauguração desta pose na Afrodite de Cnido e o uso destas estátuas para servir como objeto para o desejo heterossexual masculino. A hipótese é de que a mulher seria inferior ao homem e que sua nudez monumental, antes ausente, ou a existir para o prazer masculino, para despertar nos homens o desejo pelo corpo feminino. Porém, como a escultura representa uma deusa, procuraremos entender a influência de seu aspecto de divindade nessa representação. Para isso, serão usadas abordagens já feitas a respeito do papel da mulher na sociedade grega deste período e estudos sobre a estátua de Afrodite enquanto objeto e todos os significados que ela carrega. Qual a concepção grega acerca da escultura e principalmente da pose na qual foi feita, se tratando da deusa da sexualidade, é uma das questões que tentaremos responder. Entre 360 e 330 a. C. Praxíteles esculpiu a Afrodite de Cnido. Esta escultura foi o primeiro nu feminino na escultura grega de forma monumental. Foram esculpidas duas representações de Afrodite: Uma vestida e outra despida; Praxíteles colocou as duas estátuas a venda, ambas com o mesmo preço. A cidade de Cós comprou a estátua vestida, enquanto 1

 

Cnido comprou a Afrodite despida, o que posteriormente deu fama a cidade, que por conta do prestígio ocasionado por hospedar a estátua, se recusou a negociá-la até mesmo em troca de ter todos os seus débitos quitados. (HAVELOCK, 1995: 9-10). A escultura original de Praxíteles não sobreviveu; o que possuímos são fontes escritas falando sobre detalhes da estátua e seu prestígio e beleza, porém estas fontes são muito posteriores a “inauguração” da estátua. É provável que os gregos contemporâneos a Praxíteles e sua obra teriam reagido de forma diferente; é possível que a estátua, quando feita e exposta, possa ter sido confundida com a cortesã Friné ou alguma outra mulher mortal comum, ou mesmo a obra não fosse conhecida por ninguém que se dispôs a escrever sobre ela; Ou até mesmo algum possível registo pode simplesmente ter se perdido e não se teve o a ele (HAVELOCK, 1995: 134). Além disso, há moedas com gravuras do que seria a Afrodite de Cnido original e inúmeras cópias romanas. A cópia mais utilizada para exemplo é a Colonna Venus. A Afrodite de Cnido já foi designada como a mais popular escultura da antiguidade, e apresenta uma enorme influência na arte, tanto de seu tempo quanto do nosso. Com a Afrodite de Cnido, Praxíteles introduziu o nu feminino na escultura grega e um novo tópico era aberto na arte clássica. Na historiografia, vários trabalhos já foram publicados a respeito do corpo feminino e nudez feminina na antiguidade e citam a obra como referência. Para posições mais críticas quanto ao nu feminino nessa escultura e levando em conta as relações sociais e relações de poder, existe uma visão de que, sendo a primeira escultura monumental de uma mulher nua, a Afrodite de Cnido carrega uma tradição de representação da mulher na posição pudica: com a mão cobrindo seus genitais, como se estivesse com medo ou vergonha, o que não acontece nas estátuas de nu masculino, que são sempre nus frontais e introduzidos muito antes da nudez das mulheres, nos kouroi, desde o período Arcaico. A representação da mulher pra fazer paralelo aos kouroi eram as korai, que procuravam sempre valorizar os detalhes da vestimenta e dos ornamentos que a mulher usava, mas nunca possuindo a nudez. Essa visão pode ser encontrada no trabalho de Nanette Salomon, “Making a World of Difference: Gender, Asymmetry, and the Greek Nude” (1997), além de outros trabalhos com visão feminista sobre o assunto. A interpretação ligada a isso está no prazer homoerótico presente no corpo dos homens jovens, representados nos kouroi. A Afrodite de Cnido funcionou como uma chave para abrir o desejo heterossexual pelo corpo feminino, e a posição da deusa com a mão cobrindo sua genital, além da perfeição com que o escultor fez suas nádegas, que estão à mostra, constitui um paradigma do corpo feminino que é feito para ser apreciado por sua disponibilidade sexual. A escultura é repleta de sentido fetichista, como é captado por Plínio, o Velho, que conta uma anedota de um homem que ou a noite no 2

 

templo de Cnido com a estátua de Afrodite e manchou-a com sêmen1. A imagem de Afrodite enquanto deusa do amor é reduzida a luxúria mortal. A escultura se tornou uma construção política e social sob a ótica masculina para encorajar o desejo heterossexual e colocar o erotismo feminino a serviço do homem e de uma cidade-estado dominada por homens. (SALOMON, in KOLOSKI-OSTROW, LYONS, 1997: 197-99). Muitas vezes, quando se pensa em arte e escultura grega, pensa-se erroneamente que o nu feminino era dominante na arte clássica par excellence. No entanto, o que dominava a arte nos períodos arcaico e clássico era o nu masculino; o nu de Praxíteles só foi introduzido pelo menos três séculos após a primeira introdução do nu masculino de forma monumental. Com isso, voltamos à questão dos kouroi e das korai; à visão de que os kouroi eram representados como atrativos por seu corpo atlético e sua nudez, além da conotação sexual e homossexual que eles carregavam (as korai eram sempre representadas com roupas e ornamentos ricamente trabalhados; a mulher era como um elemento de decoração, enquanto o homem era atraente e tinha sua imagem de jovem atlético fetichizada). A mulher nessa representação em que nunca estava nua parecia ser vista como “menos inteira, menos essencial e menos eterna do que um homem”. O homem era o modelo para a anatomia e condição humana, e a nudez em geral parece ser uma afirmação da superioridade dos homens sob as mulheres. Além disso, a pose em que os kouroi são retratados, com as pernas mais separadas e os braços ao lado do corpo, os dá um potencial movimento, enquanto as korai estão sempre com suas pernas juntas e os braços estendidos para cima, o que mostra que elas são sempre estáticas. Essa diferença de posições e representações pode ser vistas como um reflexo das relações homem-mulher além das estátuas. Porém, mesmo com essas diferenças, não se pode dizer que as estátuas das korai não possuíam nenhuma conotação sexual. O tecido que vestem é frequentemente marcado nas nádegas, além de que a posição das mãos pode ser encontrada próximo ao seio ou a púbis. As mulheres representadas nas korai são jovens virgens, que frequentemente seguram uma romã, símbolo da fertilidade. Apesar disso, podemos ver algumas posições claras: A kore era uma jovem, na idade de casar, que devia estar vestida e ser fértil. A virgindade não era vista como algo bom por si só, mas com as possibilidades que abria para a fertilidade da mulher; é virgem, mas está na idade de casar, será fértil e irá gerar filhos. Essas representações distintas dos kouroi e das korai nos mostram, ainda no período arcaico, características da cultura e da instituição centradas no homem que a polis estava incorporando (BLUNDELL, 1995: 93-94). Após o período arcaico, já no clássico, século V, existem as esculturas da técnica do pano                                                                                                                         1

Para ler o texto de Plínio sobre a Afrodite de Cnido e no qual ele fala sobre este caso, ver J.J. Pollitt, The Art of Ancient Greece: Sources and Documents (Cambridge, Ing. 1990) 84, 86.       3

 

molhado, ou wet drapery. As curvas e traços do corpo feminino am a ser mais evidentes e marcados, através de um tecido aparentemente muito fino e molhado para marcar mais o corpo. Esculturas assim foram encontradas no frontão do Parthenon, por exemplo.

As

estátuas femininas evoluíram de kore para a técnica do pano molhado e então a Afrodite de Cnido, que estava completamente nua; interessa-nos aqui analisar o que levou a esta evolução ao fato de que o primeiro nu feminino na escultura grega foi justamente Afrodite, deusa da sexualidade, e qual a relação de seus atributos divinos com isto. A estátua de Afrodite inspirou e inspira a tradição ocidental em outros trabalhos de representação do nu feminino na posição pudica, ou modest pose, cobrindo a púbis. Muitos destes trabalhos são de artistas consagrados e que fizeram representações canonizadas da deusa, como por exemplo, a Vênus de Botticelli2, as Vênus de Picasso3 e inúmeros outros. A potência desta invenção cultural grega, a invenção de retratar a mulher cobrindo seu púbis e esse retrato ser tão reproduzido mesmo após milhares de anos se deve a enorme valorização da antiguidade clássica em geral; tende-se a se valorizar imensamente a cultura clássica grega e seus ideais de beleza e formas de representação. Estes trabalhos inspirados pela Afrodite de Cnido são das mais variadas formas e a tradição ocidental os reproduz sem grandes interrupções: desde quando a escultura foi feita, em todos ou quase todos os períodos da arte existem obras representando mulheres nuas na modest pose, especialmente Afrodite/Vênus. Obviamente, a posição e a representação têm seus significados variados de acordo com a época, lugar e mentalidade. Porém, o que estamos abordando é a naturalidade com que essa posição é concebida, nas mais variadas obras de nu feminino. O significado da modest pose interliga relações de poder e de gênero, desde que foi concebida até suas atuais reproduções. Publicado em 1995, “Aphrodite of Knidos and her successors”, de Christine Mitchell Havelock, apresenta uma visão mais suavizada sobre a Afrodite de Cnido e a visão masculina acerca dela. Para ela, os homens apenas enxergavam a estátua não somente como feita de mármore, mas como uma mulher viva, habitada pela própria Afrodite. Sua nudez a fazia incrivelmente sedutora, pois era algo novo em tamanho monumental, e podia ser vista facilmente por qualquer ângulo em que se entrasse em seu santuário. Afrodite enquanto deusa era descrita como vaidosa e condescendente, uma mulher orgulhosa de sua enorme lista de amantes, repleta de luxúria. A modest pose com que ela foi representada por Praxíteles só acentuava ainda mais que, ao mesmo tempo em que era sensual e erótica, era uma deusa; e era sagrada. Havia coisas ali que deviam ser cobertas, pois ela devia preservar seu status de                                                                                                                         2 3

Ver Sandro Botticelli, “O Nascimento de Vênus”, 1483 d. C. Ver Pablo Picasso, “Venus et l’amour”, 1957 d. C. 4

 

divindade. Além disso, existem fortes indícios de que a mulher que serviu de modelo a Praxíteles era sua amante, a cortesã Friné, que parecia compartilhar de uma identidade muito comum com a de Afrodite. As fontes analisadas pela autora que falam sobre essa hipótese parecem não distinguir Friné de Afrodite, como se atitudes “impróprias” da deusa que contribuíram para sua representação pudessem também ser atribuídas a ela. (HAVELOCK, 1995: 133). Percebe-se que as duas posições sobre o assunto podem ser relacionadas. Uma não precisa descartar a outra. O caso da Afrodite de Cnido deve ser estudado sob a perspectiva de ela ser, antes de deusa, mulher. É uma divindade feminina, e mesmo sendo concebida de forma diferente das demais mulheres por ser uma deusa, é uma figura feminina que é representada como uma mulher, e procuraremos entender a relação entre essas duas características de Afrodite; divindade e mulher. Enquanto divindade, Afrodite é a representação do amor, da sexualidade e do prazer. Afrodísia significa simplesmente o ato de amor. Nota-se no culto grego à Afrodite uma grande influência fenícia, com a deusa Isthar/Astarte, a deusa do amor, da lua, da sexualidade, da guerra, com várias semelhanças no culto, como por exemplo, as pombas (que estão presentes entre os cultos gregos apenas no de Afrodite); relação com jardins e mares; e a prostituição sagrada, que era uma das características mais fortes do culto de Isthar/Astarte. A Afrodite grega está sempre com remodelações secundárias devido à influência fenícia (BURKERT, 1977: 305). Suas origens históricas são complicadas, mas para nossa questão, não é algo fundamental e pode ser deixada em aberto, tendo em mente que o caráter fundamental da Afrodite aqui tratada é plenamente grego. Existe uma genealogia do nascimento da deusa que encontramos em Hesíodo4, encarada como a mais genuína. Afrodite teria nascido do sêmen de Urano, que teve seu membro cortado por Cronos e jogado ao mar. Do aphros5, surgiu uma moça, e “assim que pisa no solo, a terra inteira floresce aos seus pés”; Junto, estão Eros e Hímeros. Hesíodo diz que o quinhão de Afrodite entre deuses e homens vem a ser ‘fond murmuring of girls, and smiles, and tricks,/ And sweet delight, and friendliness, and charm’ (Hesíodo, Teogonia 205-6). Nesta narrativa, Afrodite aparece como a mais velha de todos os outros Olimpianos, pois estava presente na primeira etapa de formação do mundo, quando Céu e Terra foram separados. É uma visão de Afrodite como uma força cósmica vital. Esta visão do nascimento da deusa pode ser relacionada com o                                                                                                                         4

Ver Hesíodo, Teogonia, pp. 188-206. Aphros, em grego ἀφρός, οῦ, ὁ, é a espuma branca formada no mar após o órgão genital de Urano ser jogado nele.   5

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nascimento de Atena; as duas deusas nasceram de um homem que as gerou ‘sozinho’; porém, enquanto Afrodite nasce dos órgãos genitais de Urano após a derrubada de seu sêmen, Atena nasce do crânio de Zeus e ajuda a garantir sua supremacia. Assim, o nascimento de uma deusa conhecida por suas atividades sexuais é atribuído a um período em que o princípio feminino ainda é forte, enquanto a consolidação do controle masculino é marcada pelo advento de uma deusa que jura virgindade. Posteriormente, Atena é infalivelmente leal e útil para com seus adoradores, enquanto Afrodite é frequentemente vista como uma força feminina que coloca os homens para baixo6. É a única deusa olimpiana que é sexualmente promíscua e adúltera, símbolo de que a sexualidade feminina pode destruir um homem. (BLUNDELL, 1995: 3539). Não se pode esquecer que apesar de ser a representação da sexualidade e vista como promíscua, Afrodite é também mãe (Teve um filho com Hermes, Hermafrodito, e há versões em que Eros seria também seu filho) e este lado dela é frequentemente ignorado e esquecido no mito, parecendo que seu aspecto de deusa do desejo sexual não pode se misturar com a maternidade; Sexualidade e maternidade, nos mitos gregos, não costumam se misturar. Um exemplo disso é Deméter, que tem seu lado maternal sempre destacado, porém, apesar de não ser uma das deusas donzelas, tem seu aspecto sexual ignorado. Existe uma enorme tendência nas representações gregas mitológicas de separar mulheres poderosas em grupos de sexualmente ativas hostis (como principal exemplo, Afrodite, mas também Hera) e virgens prestativas (Atena, Ártemis, Héstia), sendo Deméter a única delas que exibe características de boa mãe; apesar de Hera ser a deusa da maternidade, não possui uma personalidade muito amável e há versões do mito em que ela jogou seu filho, Hefesto, do Monte Olimpo por ele ser feio7. Uma figura feminina não pode ser boa na sexualidade e boa na maternidade, pode possuir apenas uma dessas características. Afrodite tem sua sexualidade valorizada, mas falha como mãe; conjugar seu aspecto sexual com a maternidade daria a uma figura feminina um acúmulo de poder muito grande que a colocaria para além da órbita do controle masculino. Por esses aspectos, observa-se que características típicas de mulheres mortais são incorporadas à deusa. Na Afrodite de Cnido, Praxíteles obviamente teve uma mulher mortal como referência, o que mostra que a visão da sensualidade da deusa era a ideia de um corpo feminino comum, de uma mulher mortal, porém em aspecto monumental e com medidas “ideais” (ideais gregos da época, de acordo com a representação da grande maioria das                                                                                                                         6

No mito de Adônis, há um elemento sexual: ele morre prematuramente em consequência de seu relacionamento com uma figura feminina poderosa (Afrodite). 7 Hino Homérico III. 6

 

mulheres na escultura, que possuem essas medidas) ao se tratar da deusa que também representava a beleza. O interesse é analisar essas características “mortais” e femininas em Afrodite; obviamente, suas atitudes e aparência são ampliações e exageros de características de seres humanos, no caso, uma mulher. Entender como isso foi ampliado para colocar em uma única figura os poderes da sexualidade e beleza femininas, conciliar seus aspectos “mortais” com seus atributos divinos, buscando entender o que levou Praxíteles a representála da forma que representou, incluindo traços físicos, posição (a modest pose, que é repleta de significados) e quais feições da mentalidade antiga a fizeram ter tanto prestígio, mesmo que posteriormente à época na qual foi esculpida. III.

OBJETIVOS:

Esta pesquisa tem como objetivos gerais contribuir para a historiografia do gênero e do papel da mulher na antiguidade, bem como os estudos acerca de questões de gênero na escultura clássica e na arqueologia, analisando aspectos da sociedade grega clássica e sua mentalidade através da cultura material. Também é visado, como um dos objetivos mais fechados à questão, compreender a visão masculina sob a mulher no período em questão, se tratando de uma divindade que representava o desejo sexual e sua representação de nudez monumental, analisando diversos aspectos desta representação, interligando as duas facetas de Afrodite; divindade e mulher; além de analisar também o que levou a evolução da escultura feminina a chegar a justamente Afrodite como primeira representação de nudez monumental, relacionando seus atributos divinos a isso. O objetivo mais específico desta pesquisa é compreender essas duas facetas e suas respectivas influências na representação da deusa, sua nudez e características a ela atribuídas.

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IV.

PLANO DE TRABALHO E CRONOGRAMA DE SUA EXECUÇÃO: Semestres

Atividades (etapas)

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Levantamento de fontes

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Leitura inicial e fichamento das fontes

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bibliográfico, leitura e fichamento da bibliografia específica. x

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x

x

x

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Revisão historiográfica sobre o tema: Levantamento Estudos de língua grega como metodologia para tratamento das fontes

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Análise e sistematização das fontes Redação dos resultados obtidos sob a forma de tese V.

x

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MATERIAL E MÉTODOS:

A principal fonte para análise será a escultura Afrodite de Cnido (séc. IV a.C.), esculpida por Praxíteles, em mármore de Paros (de acordo com Lucian em uma das fontes). A escultura original não sobreviveu; possuímos descrições detalhadas dela, desenhos em moeda e cópias romanas. Devido ao fato de tantas cópias diferentes existirem, não se pode saber detalhadamente a aparência da estátua original. Quanto às moedas, existem duas; uma é uma moeda romana cunhada em Cnido pelo casal de imperadores Caracala e Fúlvia Plaucila, por volta de 211 a 218 d.C (fig. 1). Esta moeda mostra o desenho da estátua onde esta está se apoiando em sua perna direita enquanto sua perna esquerda tem uma leve inclinação. Sua mão direita cobre a púbis, enquanto seu braço esquerdo está segurando um tecido que está sob o topo de um alto vaso em cima de um pedestal. Nesta moeda, figura está retratada de perfil. Na segunda moeda, cunhada Tarso, na Cilícia, em aproximadamente 235-38 d.C., pelo imperador Maximino, a cabeça da figura aparece um pouco mais voltada para a esquerda, não tanto em perfil (fig. 2). No entanto, as duas moedas concordam que ela estava olhando para sua esquerda, mais do que a direita, e podemos concluir que esta seria a posição da estátua original. Além disso, ambas as moedas também concordam que a Afrodite estava se apoiando em sua perna direita, sendo assim, a posição dela na escultura é um exemplo clássico do contraposto (HAVELOCK, 1995: 11-12). Quanto ás cópias, elas se divergem em vários pontos da aparência da estátua, porém o gesto com a mão cobrindo a púbis, a modest pose, que é o elemento de maior interesse para

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nós, está presente em todas; em algumas ela cobre com a mão direita, enquanto em outras com a mão esquerda, porém é sempre o mesmo gesto. É impossível saber qual cópia seria mais parecida com a original; não podemos dar preferência a uma cópia para análise, pois existem cópias em tamanho real, cópias em tamanhos diminutos, e os desenhos nas moedas não deixam de serem cópias. Em aspectos gerais, podemos afirmar que a Afrodite de Cnido original estava na posição contraposto, e sua mão estava cobrindo a púbis; sua cabeça estava voltada para sua esquerda, o quanto, não podemos dizer; uma das mãos estava segurando um tecido o colocando sob um vaso, e que seus cabelos estavam divididos ao meio e presos por trás. Por ser uma estátua de templo, ela era provavelmente do tamanho de uma mulher real ou um pouco maior. A Colonna Venus (fig. 3), cópia mais utilizada para referência, atualmente no museu do Vaticano, possui 2,04m de altura. (HAVELOCK, 1995: 12-13). Existem estudos sobre as supostas cores da estátua; se era mármore polido ou não; mas o que nos cabe aqui é estudar a posição no qual a estátua foi feita e seus aspectos que são os mesmos em todas as representações e descrições.

Fig. 1: Afrodite de Cnido na moeda romana cunhada em Cnido.

Fig. 2: Afrodite de Cnido na moeda romana de Tarso.

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Fig. 3: Afrodite de Cnido, Colonna Venus, cópia romana, Roma, Vaticano 812.

Além das gravuras em moedas e cópias romanas, possuímos descrições detalhadas da Afrodite de Cnido, agens as quais, entre outras, C. M. Havelock usou para fazer sua análise da escultura, porém são as agens mais completas e que mais possuem detalhes sobre isso, e podem ser reinterpretadas. A primeira delas é uma agem de Plínio, O Velho. (…) For with that statue Praxiteles made Knidos famous. Its shrine is completely open, so that it is possible to observe the image of the goddess from every side; she herself, it is believed, favored its being made that way. Nor is one's iration of the statue less from any side. They say that a certain man was once overcome with love for the statue and that, after he had hidden himself [in the shrine] during the nighttime, he embraced it and that it thus bears a stain, an indication of his lust. (NH 36.20).8 A outra agem é de Lucian, escrita em cerca de 150-60 d.C. Nascido no império romano, escreveu em grego, era filósofo e especialista em retórica, viveu em Atenas por algum tempo.                                                                                                                         8

Ambas as agens citadas foram retiradas de J.J. Pollitt, The Art of Ancient Greece: Sources and Documents (Cambridge, Eng. 1990) 84, 86.   10

 

The goddess is set there in the middle of it [o templo (fig. 4)] - an exceedingly beautiful work of Parian marble - with a look of proud contempt and a slight smile which just reveals her teeth. The full extent of her beauty is unhidden by any clinging raiment, for her nudity is complete insofar as she holds one hand in front of her to hide ******her modesty. So strongly has the artist's art prevailed, that the recalcitrant and solid nature of the stone has become adapted to each limb.... The temple has two entrances, [the second being] for those who wish to see the goddess directly from the back, in order that nothing about the goddess should fail to be marveled at.... To see the goddess in her entire splendor, we went around to the back. As the doors were opened by the woman who was entrusted with the keys unforeseen amazement at the goddess' beauty seized us....

Fig. 4: Reconstituição do templo de Afrodite em Cnido, desenho de 1976.

Conciliando essas descrições com as gravuras que possuímos nas moedas e as cópias romanas, vemos que todas se encaixam em termos da posição da estátua, sua beleza e outros aspectos mais gerais. Analisar uma escultura como essa para compreender pontos acerca da 11

 

mentalidade de uma sociedade está diretamente relacionado com a cultura material. A escultura é cultura material, materialidade, e estão nela impressas características da sociedade na qual ela foi criada. A materialidade e as fontes materiais são imprescindíveis para que possamos compreender uma sociedade, e qualquer aspecto dela que se deseja estudar pode ser estudado através da cultura material; Ela é o segmento do meio físico que é socialmente apropriada pelo homem. O homem modela o meio físico segundo normas e propósitos culturais de sua sociedade; essa ação não é aleatória, e sim alinhada conforme padrões. Para que possamos analisar um objeto de cultura material, precisamos situá-la como e material, físico, imediatamente concreto, da produção e reprodução da vida social. Os artefatos devem ser considerados como produtos e vetores das relações sociais. Além de ser o resultado de certas formas específicas de organização dos homens em sociedade, são canalizadores e dão condições para que se produzam e se efetivem as relações sociais (MENESES, 1994: 112-13). Cultura material envolve o significado social do material; sem isso não é possível entender sua materialidade. Em nosso exemplo, a Afrodite de Cnido enquanto material, artefato, nos mostra diversos pontos da mentalidade grega: Suas concepções sobre corpo feminino e sobre o que seria um corpo ideal; a posição na qual ela foi retratada, além de estar se despindo; isso são construções culturais expressas no mármore do artefato, em forma de escultura. Se tratando da deusa da beleza, a representação desta tem tudo para ser de acordo com o que os gregos consideravam belo. Além disso, a escultura é um produto de várias construções culturais, como por exemplo, ela ter sido considerada bela o bastante para ser exposta no meio de um templo circular cheio de entradas, para ser vista o tempo todo por qualquer lado em que se entrasse; ter sido oferecido à cidade de Cnido um valor altíssimo pela estátua, que mesmo assim não foi vendida; e também o fato de ter sido produzida uma estátua em tamanho real ou maior para uma figura, uma deusa. O que levou a isso? Tudo isso está expresso na materialidade desta estátua, na escultura Afrodite de Cnido, a qual vamos analisar, com outras fontes auxiliares, para compreender alguns pontos da mentalidade grega clássica, a forma como esta sociedade enxergava suas mulheres, suas deusas, e o corpo feminino.

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