OBJETOS NA SALA DE AULA1 ULRICH, Laurel Tatcher2 Tradução: Pauline Kisner3
Sei por experiência própria que levar objetos para uma sala de aula pode melhorar o aprendizado. Ao longo de 25 anos, tenho usado centenas de objetos comuns para chamar a atenção, focar uma discussão, ilustrar processos e aumentar o entendimento dos alunos sobre como as coisas mudam. Aulas centradas em objetos funcionam com aprendentes de todas as idades. Tenho usado técnicas similares em workshops de férias para professores de escolas públicas, em palestras em museus, com a turma de 5º ano da minha filha e alunos de graduação e pós-graduação. Recentemente, um curador de museu e eu introduzimos um seminário para alunos de graduação da Harvard chamado "Confrontando Objetos/Interpretando culturas". É um curso bastante sofisticado, com muitas leituras sobre cultural material e filosofia da arte, mas nossa abordagem central pode ser adaptada em qualquer lugar. Nós insistimos que os alunos levem tanto tempo quanto seja possível para examinar um objeto antes que qualquer tentativa de interpretação seja feita. Observando nossos estudantes perplexos diante de um formato desconhecimento, nós evitamos fazer comentários. Eles logo descobrem como se mover de suas zonas de conforto intelectuais em direção ao desconhecido, enquanto se questionam ao descobrir marcas, ou tentam imaginar do que o objeto é feito ou como foi utilizado. Ano ado, ao fim do semestre, um de nossos alunos confessou que havia aplicado a mesma técnica à sua aula de História. Ele nos contou que, quando organizou a turma em torno de um artefato, conseguiu envolver alunos que haviam ado a maior parte do semestre letivo em silêncio. Entre meus artefatos de ensino favoritos estão um fogareiro com três pernas; um quilt4 de bebê dos anos 1930, gasto e desbotado; um sino de vaca feito de bronze; uma pilha de chapéus femininos dos anos 1950; uma camiseta do Museu Mashantucket Pequot; um guardanapo de renda feito por minha tia Fleda; uma réplica de um bule de chá do século XVIII, no estilo Chinese Chippendale5. 1
“Objects in the Classroom”, no original.Fonte: OAH Magazine of History, Vol. 17, No. 4, Witchcraft (Jul., 2003), pp. 5759. Traduzido sob permissão da autora.
2 Professora de História Colonial do Estados Unidos na Universidade de Harvard. 3 Historiadora, professora de História em Santa Catarina. 4 Técnica de costura que consiste na união de diversos retalhos de tecido, resultando em peças como cobertores e colchas com desenhos em diferentes padronagens. Foi muito praticada nos Estados Unidos ao longo de todo o século XVIII e XIX e ainda é uma técnica tradicional bastante popular naquele país.
5 Estilo arquitetônico e decorativo do século XVIII.
Minha coleção pessoal é recheada de têxteis e artefatos de uso doméstico, mas a mesma abordagem pode ser adaptada a praticamente tudo que um professor possa encontrar - memorabilia da Segunda Guerra Mundial, bottons políticos e até uma máquina de escrever. O segredo é encontrar objetos que sejam multiuso e que mostrem a mudança ao longo dos anos. Por sorte, isso não é difícil. Virtualmente tudo o que foi feito por mãos humanas carrega mais de uma história e qualquer coisa que tenha sobrevivido por alguns poucos anos provavelmente já mostrará sinais de mudanças. Meu melhor exemplo é a palestra que faço sobre a Festa do Chá de Boston. Começo com um bule de chá de verdade - uma reprodução do estilo Chinese Chippendale que foi usada no filme A Midwife's Tale (1997). Posso dedicar uma hora inteira, com a participação dos estudantes, explorando temas e processos relacionados ao bule. Nós falamos sobre comércio, hábitos de consumo, diferenças sociais na Boston Colonial, os rituais envolvidos em beber o chá, porcelana chinesa, a Companhia das Índias Ocidentais, impostos, motins urbanos, e finalmente a memória da Festa do Chá de Boston. Como Al Young explicou em "The Shoemaker and the Tea Party" (1999), não foi até os anos 1830 que os habitantes de Boston começaram a se referir àquela ação como "festa do chá". Uma aula similar poderia ser feita usando uma colcha de retalhos do século XIX, para discutir a expansão do cultivo do algodão, o impacto da escravidão, o surgimento das tecnologias de estamparia de algodão, relações de trabalho industrial, o culto à domesticidade e, outra vez, os usos da memória histórica.
Objetos tangíveis não apenas criam interesse, mas ajudam os alunos a
conectar contextos históricos amplos à vida das pessoas comuns. Focar em artefatos também auxilia os alunos a se tornaram mais conscientes do mundo em que vivem, abrindo seus olhos aos variados modos como as forças históricas moldam suas vidas aparentemente mundanas. Um tênis da Nike, por exemplo, nos fala sobre a história dos esportes, sobre consumo de massa, propaganda, globalização e mudanças nas noções de gênero e saúde. Outros objetos demonstram como significados podem ser transformados pelo desdobrar de eventos posteriores. Uma camiseta vendida no Museu Mashantucket Pequot, por exemplo, traz estampada uma das famosas pinturas do ataque inglês ao Forte Pequot em 1630. Reproduções dessa representação aparecem com frequência em livros didáticos para ilustrar a fúria quase genocida da conquista puritana. Na disciplina "Inventando a Nova Inglaterra", uso esta mesma figura para iniciar uma discussão sobre os vários modos como grupos indígenas contemporâneos estão reescrevendo a história da Nova Inglaterra. Com adolescentes, nada é tão eficiente quanto demonstrar a mudança ao longo do tempo quanto as modas do ado, especialmente quando acompanhada de imagens de revistas de moda ou anuários antigos. Mas, com alunos participativos, até mesmo um objeto aparentemente monótono de outro século pode funcionar. Certa vez, mantive um grupo envolvido por mais de uma hora com um lençol velho. Para ser honesta, era um lençol muito interessante, pelo menos para mim, embora não revelasse seus segredos com facilidade. À primeira vista, não parecia grande coisa. De fato, provavelmente poderia ter saído do cesto de retalhos de alguém. Um exame mais aproximado,
contudo, revelava que o tecido parecia mais fresco do que os lençóis de algodão que a maioria de nós conhece. O tecido era mais pesado, também, e havia pequenos pontos no centro, indicando que tinha sido construído pela junção de duas peças mais estreitas. As barras feitas à mão também confirmavam sua origem como sendo pré-industrial. Este era um lençol de linho, de fabricação certamente caseira, talvez de New Hampshire, onde o encontro. Mas aquele não era o vim da história. Cortando a costura manual havia outra, muito mais pesada que a primeira e claramente feita à mão. Depois de um tempo, os alunos perceberam que em algum momento de sua longa vida, alguém havia feito um reparo no lençol, usando uma máquina de costura - um aparelho que não estava disponível no mercado antes de 1850. Aquele lençol havia sido usado por pelo menos duas gerações, talvez mais. Quando usados como fontes primárias, artefatos podem transformar ao invés de simplesmente ilustrar nosso entendimento sobre processos históricos amplos, como a industrialização ou a ascensão da burguesia. Para mim, a descoberta das 'colchas de rosas' da Nova Inglaterra teve esse efeito. Enquanto eu estudava para um capítulo de "The Age of Homespun" (2001), comecei usando um exemplar bastante humilde daquelas colchas (comprado por um valor irrisório num antiquário do Maine) em sala de aula. Este objeto funciona bem em turmas pequenas por ser simples e ao mesmo tempo intrigante. É claramente de fabricação caseira, mas tem um curioso bordado em um dos cantos. Faço com que os estudantes falem sobre ele, que façam perguntas, desenvolvam hipóteses sobre sua origem ou fabricante, então começo a introduzir gradativamente outros materiais informações sobre inventores, feiras agrícolas, imagens de mapas antigos, até que eles comecem a perceber uma conexão entre aquele objetos em um contexto transatlântico e da América Colonial. Minha colcha de rosas da Nova Inglaterra revela sua própria conexão entre a produção local e mercados internacionais (estas colchas eram produtos altamente comerciais, vendidos no mundo todo), e entre agricultura, mudanças ambientais, republicanismo e domesticidade. Aulas centradas em objetos são mais eficientes quando os alunos podem olhar por si próprios. Mostrar coisas em frente à turma não é suficiente. Mesmo em circunstâncias onde o currículo permite pouco tempo livre para este tipo de atividade, explorações de objetos são possível. Em aulas para turmas grandes, frequentemente encaminho projetos finais que combinam análise de objetos e de documentos escritos. Se eu demonstro modelos suficientes de investigação na sala de aula e forneço informações claras, os estudantes podem seguir com sua própria investigação. Descobri isso por acidente quando lecionava uma disciplina sobre história das mulheres. Procurando por uma maneira de "costurar" uma série de leituras que eu pensava que acabariam se perdendo, usei um guardanapo de crochê feito pela minha tia Fleda para juntar os pontos de uma aula sobre as variantes do feminismo no século XX. Trabalhando com fragmentos da biografia da minha tia dentro da discussão, mostrei aos alunos como um objeto aparentemente tão simples pode provocar interpretações radicalmente diferentes. Era a minha tia uma vítima da "mística feminina" ou uma participante na complexa "cultura feminina"? Usei as rosas em destaque na trama para provocar discussões sobre a persistência do simbolismo sexual ao longo do tempo. O fio de algodão levou a turma numa jornada do campo à fábrica e à sala, levantando questões raciais e de gênero. Como
fechamento, puxei um segundo guardanapo, novo e quase idêntico, que eu havia comprado por $1.25 em uma lojinha em Connecticut. A etiqueta - "Feito na China" - nos levou além dos Estados Unidos, provocando questões e leituras sobre globalização e o feminismo internacional. Para meu deleite, muitos alunos puderam encontrar objetos em sua própria história familiar que os ajudaram a reunir material para seus projetos finais de forma semelhante. Em retrospecto, claro, não há nada de mágico no uso de artefatos. Eles são apenas mais um tipo de evidência histórica. Professores que gostam de trabalhar com fontes primárias não deveriam ter medo de aumentar seu repertório pedagógico com cultura material.