CENTRO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO AMAZONAS CURSO TÉCNICO EM REABILITAÇÃO DE DEPENDENTES QUÍMICOS
??
Profa. M.Sc. MARIA DAS GRAÇAS FERREIRA DE MEDEIROS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
3
1. PROCESSOS PSICOLÓGICOS BÁSICOS
5
2. TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
16
2.1. Teoria do Desenvolvimento de Piaget
17
2.2. O Desenvolvimento Infantil segundo Vigotski
19
2.3. Teoria do Desenvolvimento de Freud
20
2.4. Os Oito Estágios do Homem segundo Erikson
24
2.5. Rogers e a Teoria da Pessoa em Pleno Desenvolvimento 26 2.6. Desenvolvimento Psicológico e Personalidade 3. NOÇÕES DE PSICOLOGIA SOCIAL
28 34
4. FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS DO COMPORTAMENTO: DINÂMICA DE GRUPOS
37
5. NOÇÕES DE PSICOLOGIA COMUNITÁRIA
43
6. DROGAS X INTEGRIDADE PSICOSSOCIAL
46
BIBLIOGRAFIA
52
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
2
... as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas... (Guimarães Rosa)
INTRODUÇÃO
A
palavra Psicologia foi originada das palavras gregas psyche, que significa alma, e logos, que significa discurso, ou estudo. Pode-se dizer que a Psicologia
é tão antiga quanto o próprio homem, pois desde sempre se colocaram questões ao homem sobre si próprio e sobre o que vulgarmente se designava "alma". A Psicologia na antiguidade ganhou consistência com Sócrates, para quem a principal característica humana era a razão, condição que permitia ao homem sobrepor-se aos instintos. Seus sucessores mais proeminentes foram Platão e Aristóteles, que deixaram em seus estudos filosóficos a base para as principais correntes psicológicas. Platão procurou definir no corpo físico um “lugar” para a razão (ou alma), que seria a cabeça. Ao morrer, segundo ele, o corpo desaparecia e a alma ficava livre para ocupar outro corpo. Aristóteles acreditava que alma e corpo não podiam ser dissociados. Para ele tudo, mesmo os vegetais, possuíam a sua psyché ou alma, mas só o homem tinha a alma racional, com a função pensante. Duas teorias, assim, foram delineadas na antiguidade: a platônica, que postulava a imortalidade da alma, e a aristotélica, que afirmava a mortalidade da alma e a sua relação de pertencimento ao corpo. A preocupação de conhecer o comportamento humano tem sido marcada por tentativas baseadas nas crenças e nos conhecimentos de cada cultura. As crenças populares, transmitidas de geração em geração, também constituem formas de explicação do comportamento pelo senso comum. Quando se afirma que “o líder nasce feito”, há um pressuposto básico de que a hereditariedade é o fator determinante do comportamento, enquanto que provérbios como “as roupas fazem o homem” ou “diz-me com quem andas e te direi quem és” denotam a predominância
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
3
dos fatores ambientais, estabelecendo os principais pólos de referência ainda usados para a compreensão do humano: a hereditariedade e o meio ambiente. A Psicologia só se constituiu como campo de conhecimento científico no final no século 19, definindo como seu objeto de estudo em sentido amplo o homem, a partir de suas manifestações comportamentais. Considerando os diversos valores sociais que permitem várias concepções de homem, pode-se dizer que a ciência psicológica estuda os “diversos homens” concebidos pelo conjunto social. •
Visões Atuais da Psicologia Moderna A maioria dos cientistas do comportamento identificam-se mais com um ou
outro dos quatro pontos de vistas considerados mais importantes na atualidade – o psicanalítico, o neobehaviorista, o cognitivo e o humanista. Alguns preferem uma combinação entre as diferentes abordagens. O ponto de vista psicanalítico - A essência do método psicanalista é a observação dos fatos, consistindo o método da psicanálise em tirar inferências (conclusões) dos fatos observados, formular hipóteses, compará-las com os fatos posteriores que forem encontrados e eventualmente fundir um corpo organizado de material com o fim de verificar a validade das hipóteses. O método é utilizado principalmente para estudo da personalidade, o ajustamento, a anormalidade e o tratamento de pessoas psicologicamente perturbadas. O ponto de vista neobehaviorista - Os behavioristas modernos investigam, além dos estímulos, respostas observáveis e a aprendizagem, fenômenos complexos que não podem ser observados diretamente, como o amor, a empatia, a tensão, a confiança e a personalidade. Sua principal característica é o uso de perguntas precisas e bem delineadas e a utilização de métodos objetivos em pesquisas meticulosas. O ponto de vista cognitivo - A psicologia cognitiva tem como base de estudo os processos mentais como o pensamento, a percepção, a memória, a atenção, a resolução de problemas e a linguagem, visando a aquisição de conhecimentos precisos sobre como esses processos funcionam e como são
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
4
aplicados na vida cotidiana. Usam a introspecção informal para desenvolver intuições e os métodos objetivos para confirmar as impressões colhidas. O ponto de vista humanista - Os psicólogos humanistas consideram que o objetivo principal do psicólogo é ajudar as pessoas a compreender e desenvolver o seu potencial, visando o enriquecimento da vida. Os objetos principais das investigações psicológicas devem ser os problemas humanos significativos (objetivos de vida, auto-realização, criatividade etc), com foco na consciência subjetiva dos indivíduos, esforçando-se por compreender o individual, o excepcional e o imprevisível da experiência humana. Combinam métodos objetivos, estudos de caso, técnicas introspectivas informais e mesmo análise de obras literárias. A matéria-prima da Psicologia, então, é o homem em todas as suas expressões visíveis e invisíveis, singulares ou genéricas. A contribuição específica da Psicologia para a compreensão da totalidade da vida humana é o estudo da subjetividade, a maneira própria de cada indivíduo experienciar o mundo, construída aos poucos, ao mesmo tempo em que o homem atua sobre o mundo e sofre seus efeitos. Não
há,
então,
uma
psicologia,
mas
ciências
psicológicas
em
desenvolvimento e, mesmo tendo a Psicologia definido o seu objeto de estudo, este têm sido entendido de diferentes formas pelas teorias psicológicas. Estas teorias, no entanto, não são definitivas, sendo íveis de constante reformulação e atualização, uma vez que o comportamento não pode ser explicado por uma causa única, pois resulta de fatores psicológicos e não-psicológicos que interagem entre si.
1. PROCESSOS PSICOLÓGICOS BÁSICOS
Na compreensão do comportamento humano, o processo de aprendizagem constitui matéria-prima para os estudiosos, sendo esta geralmente definida como uma
mudança
relativamente
duradoura
no
comportamento,
induzida
pela
experiência (DAVIDOFF, 1983).
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
5
Aprender, no entanto, é uma atividade que ocorre dentro de um organismo e que não pode ser diretamente observada, e as mudanças do comportamento nem sempre podem ser atribuídas à experiência, uma vez que o cansaço, a motivação, as emoções e a maturação também alteram o comportamento, daí a importância de compreensão dos processos psicológicos básicos que estão envolvidos na aprendizagem e, consequentemente, na base do comportamento.
PERCEPÇÃO 1 A percepção é a atividade cognitiva mais fundamental, da qual emergem todas as outras. Na percepção estão envolvidas numerosas atividades cognitivas, como consciência, memória, pensamento e linguagem. A atenção precede a percepção, pois é uma abertura seletiva para uma pequena porção de fenômenos sensoriais. Estudos sugerem que a atenção se ativa em diversas ocasiões e pode ser caracterizada por intensidade, capacidade e direção. Necessidades, interesses e valores têm sido citados como influências importantes sobre a atenção. O processo perceptivo complexo depende tanto dos sistemas sensórios quanto do cérebro. Nosso organismo é equipado com sistemas especiais de captação de informações, que denominamos sentidos ou sistemas sensoriais. Onze sentidos humanos foram identificados cientificamente, agrupados nos cinco sentidos perceptivos: 1) visual (vista); 2) auditivo (audição); 3) somato-sensorial (tato, pressão profunda, calor, dor – mais combinações como cócegas, comichão e maciez); 4) químico (paladar, olfato); 5) proprioceptivo (sentido vestibular, sentido cinestésico). O sentido cinestésico depende dos receptores dos músculos, tendões e articulações, e informa o posicionamento relativo das partes do corpo durante o movimento; o sentido vestibular (sentido de orientação ou equilíbrio), informa a respeito do movimento e da orientação de sua cabeça e corpo com relação à terra. Muitas condições ambientais durante a infância são essenciais ao desenvolvimento de uma capacidade madura de percepção. Nos primórdios da vida, experiências negativas ou ausência de experiências necessárias podem destruir o desenvolvimento das aptidões normais, como os efeitos da luz, de experiências 1
Cf. DAVIDOFF, Linda. Introdução à Psicologia.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
6
visuais padronizadas e do movimento ativo. A privação sensorial afeta as pessoas de modo diferentes, dependendo de fatores como a duração, as condições durante a privação e as características pessoais dos indivíduos. A motivação pessoal, as emoções, os valores, os objetivos, os interesses, as expectativas e outros estados mentais influenciam o que as pessoas percebem. A tendência do indivíduo é dar ênfase aos aspectos dos dados de realidade que se acham em harmonia com suas crenças; as expectativas influenciam as ações que, por sua vez, afetam a conduta das pessoas percebidas. Assim também as vivências culturais podem influenciar o modo de processar a informação percebida.
ATENÇÃO 2 A atenção pode ser definida como a direção da consciência, o estado de concentração da atividade mental sobre determinado objeto. Quanto à natureza da atenção podem ser distinguidos dois tipos básicos: a atenção voluntária, que exprime a concentração ativa e intencional sobre um objeto, e a atenção espontânea, suscitada pelo interesse momentâneo, aumentada nos estados mentais em que o indivíduo tem pouco controle voluntário sobre sua atividade mental. Quanto à direção da atenção podem ser discriminadas duas formas básicas: a atenção externa, projetada para fora do mundo subjetivo do sujeito (mundo exterior) e a atenção interna, voltada para os processos mentais do próprio indivíduo (atenção reflexiva, introspectiva e meditativa). Em relação à amplitude da atenção, identifica-se uma atenção focal, centrada sobre um campo delimitado da consciência, e a atenção dispersa, que se espalha por um campo mais amplo. Denomina-se atenção seletiva à capacidade de seleção de estímulos e objetos específicos e estabelecimento de prioridades da atividade consciente; e atenção sustentada refere-se à manutenção da atenção seletiva. CONSCIÊNCIA 2
Cf. DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
7
O termo consciência tem significado múltiplo. Utilizamos a palavra para nos referirmos ao total estado de uma pessoa e/ou ao seu estado normal de vigília. Consciência, na definição neuropsicológica, é fundamentalmente o estado de estar desperto, acordado, vigil, lúcido. Na definição psicológica é a capacidade do indivíduo de entrar em contato com a realidade, perceber e conhecer os seus objetos (DALGALARRONDO, 2000). A consciência pode se alterar por processos fisiológicos e patológicos. No sono normal o indivíduo “perde” em vários graus (níveis de profundidade do sono), por um período determinado de tempo, a sua consciência. Em quadros neurológicos e psicopatológicos, o nível de consciência diminui de forma progressiva, desde o estado normal, até o estado de coma profundo. Os graus de rebaixamento da consciência (alterações quantitativas) são3: 1) Obnubilação (ou turvamento) da consciência – rebaixamento em grau leve ou moderado. Diminuição do grau de clareza do sensório, lentidão da compreensão e dificuldade de concentração. 2) Sopor – estado de marcante turvação da consciência, com psicomotricidade mais inibida, sonolência acentuada. 3) Coma – grau mais profundo de rebaixamento da consciência, onde não é possível qualquer atividade voluntária consciente. Nas alterações qualitativas da consciência, uma certa parte do campo da consciência está preservada, normal, e a outra parte alterada: 1) Estados crepusculares – estreitamento transitório do campo da consciência, com conservação de atividade psicomotora global mais ou menos coordenada. Surge e desaparece de forma abrupta e tem duração variável de horas a semanas. Com freqüência ocorrem atos explosivos violentos e descontrole emocional. 2) Dissociação da consciência – fragmentação ou divisão do campo da consciência, ocorrendo perda da unidade psíquica, resultando em estado semelhante ao sonho
(estado
onírico),
geralmente
desencadeado
por
acontecimentos
psicologicamente significativos. As crises duram minutos a horas. 3
Cf. DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
8
3) Transe – assemelha-se a um sonho acordado, diferindo pela presença de atividade motora automática e estereotipada. 4) Estado hipnótico – estado semelhante ao transe, no qual a sugestionabilidade do indivíduo está aumentada. Pode ser induzido por outra pessoa (hipnotizador). A atenção parece desempenhar importante papel no direcionamento do estado de consciência. A consciência comum em vigília está continuamente mudando, sendo influenciada pelas características pessoais persistentes e pelas circunstâncias ambientais, bem como os ritmos biológicos. As circunstâncias ambientais também estruturam o conteúdo da consciência.
MEMÓRIA A percepção e a consciência muitas vezes dependem de comparações entre o presente e o ado, a aprendizagem exige a retenção de hábitos ou de novas informações, e até as atividades corriqueiras dependem da capacidade de recordar. De acordo com estudos psicológicos, três processos básicos são necessários para todos os sistemas de memória: codificação, armazenamento e recuperação. A codificação refere-se a todo o preparo de informação para a armazenagem, o que acarreta a representação do material sob uma forma com a qual o sistema de armazenagem também possa lidar. Uma vez codificada a experiência, ela será armazenada e posteriormente recuperada. Os estudos modernos da memória baseiam principalmente em duas medidas: a recordação e o reconhecimento. Recordação é a capacidade de lembrar-se da informação desejada quando intimados por material associado denominado sinal, sondagem, indicador ou instigação. Reconhecimento é a capacidade de escolher uma resposta que foi vista, ouvida ou lida antes, comparando-se a informação dada com a que está armazenada na memória. Tipos de Memória:
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
9
Memória
sensorial
–
nossos
sentidos
estão
sendo
continuamente
bombardeados por grande volume de informações e, mesmo que não prestemos atenção, a informação é absorvida pelos sentidos e entra em um depósito sensorial. Memória icônica – refere-se à informação retida sob a forma de imagem. Devido à grande quantidade de estímulos recebidos, uma vasta proporção de informações icônicas se apaga após aprox. 250 milissegundos (processo de deterioração). Memória a curto prazo – as pessoa podem recordar das palavras mais recentes ditas ou ouvidas, mesmo que tenham prestado apenas ligeira atenção, entretanto essas informações são perdidas minutos mais tarde. A memória a curto prazo tem como função o armazenamento temporário. Memória a longo prazo – teoricamente o armazenamento na memória a longo prazo é feito por codificação (representado por seu significado). A recuperação de fatos requer uma estratégia chamada memória de reconstrução, de reintegração, de refabricação ou criativa, na qual preenchemos as lacunas com conjecturas. A teoria da deterioração é a explicação para o esquecimento: à medida que o tempo a, a lembrança vai se desintegrando. Quando usamos o termo aprendizagem, estamos falando sobre a codificação da memória a longo prazo e sua recuperação. O sucesso em tarefas complexas como a aprendizagem exige a concentração de esforços e atenção focalizada. Quando a pessoa tenta sobrecarregar a memória a longo prazo com fatos sem ter organizado as informações, tem muita dificuldade em recupera-los depois.
PENSAMENTO E LINGUAGEM A linguagem depende do pensamento e, até certo ponto, o pensamento depende da linguagem. Para dominar uma linguagem, uma pessoa tem que representar mentalmente alguma coisa; as palavras têm que “desfilar” em conjunto de modo ordenado. O pensamento, por sua vez, é influenciado pela linguagem, mas pode ocorrer sem ela, havendo situações em que as palavras podem até restringir ou limitar o pensamento. A linguagem é um sistema de signos arbitrários, que ganham significados específicos por meio de um sistema de convenções historicamente dado. A NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
10
linguagem é, portanto, uma criação social de cada um e de todos os grupos humanos. O que é o pensamento? Esta palavra é utilizada para atividades mentais variadas, tais como raciocinar, resolver problemas e formar conceitos. O pensamento pode ser caracterizado por suas metas ou elementos. Durante o tempo em que estamos acordados, as idéias se misturam com lembranças, imagens, fantasias, percepções e associações. A atividade mental errante sem meta específica é chamada de pensamento não dirigido, corrente de consciência ou consciência comum de vigília. O pensamento dirigido visa a uma determinada meta, podendo ser avaliado por padrões externos: raciocínio, solução de problemas e aprendizagem são exemplos de pensamento dirigido. Os elementos intelectivos do pensamento dividem-se em conceitos, juízos e raciocínio. O conceito é o elemento estrutural básico do pensamento, nele se exprimem os caracteres essenciais dos objetos e fenômenos da natureza. O juízo expressa uma relação entre conceitos. O raciocínio representa a ligação entre conceitos. O que caracteriza o pensamento normal é ser regido pela lógica formal, bem como orientar-se segundo a realidade e os princípios de racionalidade da cultura na qual o indivíduo se insere.
MOTIVAÇÂO Motivo ou motivação refere-se a um estado interno que resulta de uma necessidade e que ativa ou desperta comportamento usualmente dirigido ao cumprimento da necessidade ativante. Geralmente os motivos são estudados nas seguintes categorias: Impulsos básicos – visam a satisfação de necessidades relativas à sobrevivência (fome, sede, sexo, homeostase etc). Motivos sociais – satisfação de necessidade de sentir-se amado, aceito, aprovado e estimado. Motivos para estimulação sensorial – satisfação de necessidades de experiências sensoriais (modificações ambientais, atividades estimulantes, novos experiências etc). NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
11
Motivos de crescimento – satisfação de necessidade de desenvolver competências e realizar o potencial (intimamente ligados aos motivos de estimulação, exploração e manipulação sensorial). Idéias como motivos – necessidade de valores, crenças e metas como guias do
comportamento.
A
necessidade
de
coerência
intelectual
ou
cognitiva
frequentemente motiva comportamento, no sentido de reduzir a dissonância cognitiva (ansiedade produzida pela colisão entre conhecimentos, idéias e percepções). Ocorre dissonância quando as condições pessoais do indivíduo não são coerentes com os padrões sociais; quando uma pessoa espera uma coisa e ocorre outra; ou quando os indivíduos se empenham em comportamento que não está de acordo com suas atitudes gerais.
EMOÇÃO As emoções (ou afetos) são estados internos caracterizados por cognições, sensações, reações fisiológicas e comportamento específico expressivo, que tendem a aparecer subitamente e ser de difícil controle. Durante os afetos, as reações fisiológicas são geradas pelo sistema nervoso central e autônomo e pelas glândulas endócrinas. Os circuitos dentro do Sistema Nervoso Central (SNC) despertam, regulam e integram as respostas feitas durante uma emoção. Os pensamentos, expectativas e percepções que surgem aqui desempenham papéis importantes em manter e dissolver afetos e o comportamento que os acompanha. O sistema límbico, um grupo de circuitos inter-relacionados profundamente dentro do núcleo do cérebro, desempenha um papel regulatório nas emoções e nos motivos. O hipotálamo é responsável pela ativação do sistema nervoso simpático durante emergências e também está envolvido no medo e na raiva, bem como na fome, sede e sexo. Durante uma emoção intensa, muitas vezes as pessoas estão conscientes de um tumulto interno (coração acelerado, pulso mais rápido, músculos tensos, tremores etc). Estas respostas são chamadas reações autônomas porque são iniciadas pelo Sistema Nervoso Autônomo (SNA), que consiste em nervos que vão da medula espinhal e do cérebro para os músculos lisos dos órgãos internos, (glândulas, coração e vasos sanguíneos). Os dois ramos do SNA, sistemas NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
12
simpático e parassimpático, mantêm o equilíbrio: o parassimpático tende a ser mais ativo quando as pessoas estão calmas, e o simpático assume quando surgem emergências. Quando ocorrem experiências despertadoras de emoções, as glândulas supra-renais liberam os hormônios adrenalina e noradrenalina. Estes mensageiros químicos estimulam muitos dos mesmos centros que o sistema nervoso simpático já ativou (incluindo os circulatório e respiratório). Enquanto o corpo permanecer alerta e ativo – até que a crise tenha ado ou que haja exaustão – estes hormônios são continuamente secretados. O padrão de resposta fisiológica de uma pessoa a determinadas emoções é influenciado por idade, sexo, drogas, dieta, personalidade etc. Durante uma emoção, o comportamento, assim como os pensamentos, pode modificar as sensações. Aparentemente, as componentes variadas de uma emoção podem alterar-se mutuamente. As emoções não apenas estão misturadas umas às outras; elas também estão ligadas aos motivos. As emoções, por sua vez, geram motivos e comportamentos.
AFETIVIDADE O termo afetividade compreende várias modalidades de vivências afetivas, distinguindo-se 5 tipos básicos: 1) Humor ou estado de ânimo – estado emocional basal, ou disposição afetiva de fundo na qual se encontra a pessoa em determinado momento. Há uma vertente somática (em boa parte o humor é vivido corporalmente) e uma vertente psíquica. 2) Emoções
–
são
estados
originados/desencadeado
por
afetivos estímulos
intensos,
de
significativos
curta
duração,
conscientes
ou
inconscientes. Assim como o humor, as emoções são experiências psíquicas e somáticas ao mesmo tempo.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
13
3) Sentimentos – são estados e configurações afetivas atenuados em intensidade e menos reativos a estímulos ageiros. Estão geralmente associados a conteúdos intelectuais, valores, representações e constituem fenômeno muito mais mental do que somático. 4) Afetos – qualidade e tônus emocional que acompanham uma idéia ou representação mental (inespecificamente, qualquer estado de humor, sentimento ou emoção). 5) Paixões – estado afetivo muito intenso, que domina a atividade psíquica como um todo. Variando de um momento para o outro, a vida afetiva ocorre sempre em um contexto amplo de relações, caracterizando-se a afetividade particularmente por sua dimensão de reatividade. Quanto à reação afetiva do indivíduo pode-se distinguir a sintonização afetiva, quanto à capacidade de o indivíduo ser influenciado afetivamente por estímulos externos (ocorrências e eventos que o alegram ou entristecem); irradiação afetiva, quanto à capacidade de contaminar os outros com o seu estado afetivo momentâneo; e rigidez afetiva, quando o indivíduo tem dificuldade ou impossibilidade tanto de sintonizar quanto irradiar afetivamente (não produz reações nem reage afetivamente).
INTELIGÊNCIA Inteligência pode ser definida como uma capacidade para atividade mental que não pode ser medida diretamente, pois consiste em muitas capacidades cognitivas distintas, inclusive as envolvidas em percepção, memória, pensamento e linguagem, cujos processos variam em eficiência. A inteligência se aplica em ajustamento em todas as esferas da vida. Tanto a hereditariedade quanto o ambiente influenciam as diferenças em inteligência medida, constatando-se as diferenças em ambientes empobrecidos e estimuladores da inteligência para as crianças. Para Dalgalarrondo (2002) a inteligência pode ser definida como a totalidade das habilidades cognitivas do indivíduo. Refere-se à capacidade de identificar e resolver problemas novos, de reconhecer adequadamente as situações vivenciais cambiantes e encontrar soluções satisfatórias para si e de acordo com as exigências NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
14
do ambiente. De acordo com Piaget, a inteligência, os processos mentais que criam, organizam e utilizam adaptativamente os conceitos e raciocínios não são inatos, pois mudam ao longo da vida; não são também apenas aprendidos dos adultos, mas foram sendo adquiridos ao longo do desenvolvimento pessoal do indivíduo. A inteligência, portanto, é algo difícil de mensurar, pois temos inteligências diversificadas, e umas mais evidenciadas do que outras. Nossa cultura, porém, valoriza mais a inteligência lógico-matemática e ser inteligente geralmente está associado a um desempenho muito bom em áreas ligadas a este tipo de inteligência. A teoria das inteligências múltiplas foi elaborada a partir dos anos 80 por pesquisadores da universidade norte-americana de Harvard, liderados pelo psicólogo Howard Gardner. Segundo Gardner, excetuando-se os casos de lesões, todos nascem com o potencial das várias inteligências. A partir das relações como o ambiente, incluindo os estímulos culturais, desenvolvemos mais algumas e deixamos de aprimorar outras. Isso dá a cada pessoa um perfil particular de inteligências, o "espectro". Para ele a inteligência é considerada como um conjunto de habilidades e talentos que permitem à pessoa resolver problemas que são conseqüência de um ambiente cultural próprio. O psicólogo estabeleceu vários critérios para que uma inteligência seja considerada como tal, desde sua possível manifestação em todos os grupos culturais até a localização de sua área no cérebro. Tipos de Inteligências propostos por Gardner: Lógico-matemática: determina a habilidade para raciocínio dedutivo, além da capacidade para solucionar problemas envolvendo números e demais elementos matemáticos. É a competência mais diretamente associada ao pensamento cientifico, portanto, à idéia tradicional de inteligência. Pictórica: faculdade de organizar elementos visuais de forma harmônica, estabelecendo relações estéticas entre eles. Musical: permite organizar sons de maneira criativa, a partir da discriminação de elementos como tons, timbres e temas. Intrapessoal: competência de uma pessoa para se conhecer e estar bem consigo, istrando seus sentimentos e emoções a favor de seus projetos (característica dos indivíduos "bem resolvidos", como se diz na linguagem popular). Interpessoal: capacidade de uma pessoa dar-se bem com as demais, compreendendo-as, percebendo suas NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
15
motivações e sabendo como satisfazer suas expectativas emocionais. Espacial: capacidade de formar um modelo mental preciso de uma situação espacial e utilizálo para orientar-se entre objetos ou transformar as características de um determinado espaço. Lingüística: habilidade para lidar criativamente com as palavras nos diferentes níveis da linguagem (semântica, sintaxe), tanto na formal como na escrita. Corporal-cinestésica: habilidade para utilizar o próprios corpo de diversas maneiras; envolve tanto o autocontrole corporal quanto a destreza para manipular objetos. Sempre envolvemos mais de uma habilidade na solução de problemas, embora existam predominâncias, portanto as inteligências se integram. Em sua definição de inteligência, Gardner enfatiza que é necessário que duas tendências sejam consideradas no estudo da inteligência: uma é o reconhecimento de que a inteligência é contextualizada e, portanto, deve ser considerada no contexto de culturas particulares. A segunda é que se deve levar em consideração a forma pela qual as pessoas operam com as ferramentas e a tecnologia em cada sociedade.
2. TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
O desenvolvimento humano tem sido abordado pelos estudiosos a partir de quatro aspectos básicos: a) aspecto físico-motor – refere-se ao crescimento orgânico, maturação neurofisiológica; b) aspecto intelectual – é a capacidade de pensamento, raciocínio; c) aspecto afetivo-emocional – é o modo particular de o indivíduo integrar as suas experiências; e d) aspecto social – é a maneira como o indivíduo reage diante das situações que envolvem outras pessoas. Um ponto fundamental para a compreensão do comportamento humano, sem dúvida, é o estudo dos fatores biológicos e sociais e das condições em que esses fatores influenciam a formação e o desenvolvimento das características individuais. Hereditariedade e meio ambiente constituem os fatores básicos ou o background do comportamento.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
16
O processo de desenvolvimento da estrutura biológica do ser humano é denominado maturação e ocorre em etapas, dependendo da hereditariedade. Estudos sobre maturação têm indicado que são necessárias condições ambientais adequadas para que o indivíduo consiga alcançar sua maturação biológica. Condições pré-natais adversas, tais como falta de oxigênio no útero materno ou uso de drogas, dificultam ou impedem o processo de maturação. A falta de espaço físico e de alimentação adequada também interferem no processo, indicando que a maturação biológica depende da hereditariedade, mas pode ser dificultada por fatores ambientais. Do ponto de vista psicológico, o meio é definido como a soma total de estímulos que o indivíduo recebe desde a concepção até a morte (AGUIAR, 1981). O meio psicológico do ser humano é integrado pelos meios pré-natal (condições ambientais anteriores ao nascimento), intercelular (células somáticas circundantes e substâncias que cada célula contém) e social (grupo/sociedade onde a criança nasce e cresce). A sociedade é um grupo de pessoas dependentes umas das outras, que desenvolveram padrões de organização capazes de lhes tornar possível viver juntos e
sobreviverem
como
um
grupo.
A
sociedade
desenvolve
padrões
de
comportamento e os transmite para seus membros, e os pais são os principais transmissores desses padrões, indicativos de aspectos da cultura (conjunto de valores, expectativas, atitudes, crenças e costumes compartilhados pelos membros de um grupo). A cultura influencia o desenvolvimento de características individuais. Todas as teorias que estudam o desenvolvimento humano partem do pressuposto de que os quatro aspectos mencionados são indissociados, mas costumam enfatizar aspectos diferentes, dando ênfase a um deles especificamente. Algumas das principais teorias são:
2.1 Teoria do Desenvolvimento de Piaget Piaget divide os períodos do desenvolvimento humano de acordo com o aparecimento de novas qualidades do pensamento, que, por sua vez, interfere no desenvolvimento global: NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
17
Período Sensório-Motor (0 a 2 anos) – vida mental reduzida ao exercício dos aparelhos reflexos, de fundo hereditário. Ao longo desse período irá ocorrer uma diferenciação progressiva entre o seu eu e o mundo exterior também no plano afetivo, manifestando-se na escolha dos objetos. Por volta dos 2 anos, a criança evolui de um estado ivo para uma atitude ativa e participante e uma maior integração no ambiente. Período Pré-Operatório (2 a 7 anos) – aparecimento da linguagem, acelerando o desenvolvimento do pensamento. Ao contrário do início do período, quando transformava o real em função de seus desejos e fantasias (jogo simbólico), posteriormente a a procurar a razão de tudo (fase dos porquês). Por estar centrada em si mesma, ocorre uma primazia do próprio ponto de vista, na medida em que a criança não consegue colocar-se do ponto de vista do outro. No aspecto afetivo surgem os sentimentos interindividuais, sendo um dos mais relevantes o respeito por aqueles julgados superiores (pais e professores, p. ex.). Com relação às regras, concebe-as como imutáveis e determinadas externamente. Amplia o interesse pelas diferentes atividades e objetos, dando surgimento ao uma escala própria de valores, pela qual a a avaliar suas próprias ações. Desenvolvimento da coordenação motora fina e de novas habilidades. Período das Operações Concretas (7 a 12 anos) – capacidade de estabelecer relações que permitam a coordenação de pontos de vista diferentes e sua integração de modo lógico e coerente. No plano afetivo, capacidade de cooperar com os outros, de trabalhar em grupo e, ao mesmo tempo, ter autonomia pessoal. Intelectualmente, surgimento de nova capacidade mental (as operações), sendo capaz de empreender uma ação física ou mental e revertê-la, mas sempre com referência a objetos concretos presentes ou já experienciados (objetos reais). Em nível de pensamento, a criança consegue estabelecer relações de causa e efeito, seqüenciar idéias ou eventos e trabalhar simultaneamente com dois pontos de vista. No aspecto afetivo, aparece a vontade e há aquisição de uma autonomia crescente em relação ao adulto, ando a organizar seus próprios valores morais.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
18
O sentimento de pertencer ao grupo torna-se mais forte, com diminuição gradual da grupalização com o sexo oposto. Período das Operações Formais (11 ou 12 anos em diante) – agem do pensamento concreto para o formal, abstrato, sendo as operações realizadas no plano das idéias. Desenvolvimento de conceitos, crescente capacidade de abstração, generalização e formulação de hipóteses. a por uma fase de interiorização e posteriormente atinge o equilíbrio entre pensamento e realidade. Afetivamente o indivíduo vive conflitos, deseja ser aceito e tem no grupo um importante referencial. Começa a estabelecer sua moral individual, referenciada à moral do grupo. De acordo com Piaget, a personalidade começa a se formar no final da infância, entre 8 e 12 anos, com a organização autônoma das regras, dos valores e afirmação da vontade. Esses aspectos vão ser exteriorizados na construção de um projeto de vida, que vai nortear o indivíduo em sua adaptação ativa à realidade, que ocorre com a sua inserção no mundo do trabalho, quando ocorre um equilíbrio entre o real e os ideais do indivíduo. Na idade adulta não surge nenhuma nova estrutura mental, e o indivíduo caminha para um aumento gradual do desenvolvimento cognitivo, em profundidade, e uma maior compreensão dos problemas e das realidades significativas que o atingem, influenciando os conteúdos afetivo-emocionais e sua forma de estar no mundo.
2.2 O Desenvolvimento Infantil segundo Vigotski Para Vigotski, o desenvolvimento infantil é visto a partir de três aspectos: •
O aspecto instrumental – por esse prisma, não apenas respondemos aos estímulos apresentados no ambiente, mas os alteramos e usamos suas modificações como um instrumento de nosso comportamento.
•
O aspecto cultural - envolve os meios socialmente estruturados pelos quais a sociedade organiza os tipos de tarefa que a criança em desenvolvimento
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
19
enfrenta, e os tipos de instrumento que ela dispõe para dominar aquelas tarefas, sendo a linguagem um dos principais. •
O aspecto histórico - funde-se com o cultural, pois os instrumentos usados para dominar o ambiente foram criados e modificados ao longo da história social da civilização. Os instrumentos culturais expandiram os poderes do homem e estruturam seu pensamento. Assim, a história da sociedade e o desenvolvimento do homem caminham
juntos e intrincados. As crianças, desde o nascimento, estão em constante interação com os adultos, e é através dessa mediação que os processos psicológicos mais complexos tomam forma: primeiramente são interpsíquicos (partilhados), depois, à medida que a criança cresce, tornam-se intrapsíquicos. O desenvolvimento está alicerçado sobre o plano das interações. Por meio da fala a criança começa a fazer distinções para si mesma e vai adquirindo a função de auto-direção. A fala inicial da criança tem, portanto, um papel fundamental no desenvolvimento de suas funções. Vigotski acredita que as funções psicológicas emergem e se consolidam no plano da ação entre pessoas e tornam-se internalizadas. Do plano interpsíquico, as ações am para o plano intrapsíquico, sendo as relações sociais, portanto, consideradas como constitutivas das funções psicológicas do homem, o que caracteriza o caráter interacionista da visão de Vigotski, que deu ênfase ao processo de internalização como mecanismo que intervêm no desenvolvimento das funções psicológicas complexas, fundado nas ações, nas interações sociais e na linguagem. Vigotski enfatiza o aspecto interacionista, pois considera que é no plano intersubjetivo, na troca entre as pessoas, que têm origem as funções mentais superiores, e também apresenta um aspecto construtivista, quando explica o aparecimento de inovações e mudanças no desenvolvimento a partir do mecanismo da internalização.
2.3 Teoria do Desenvolvimento de Freud Uma das mais controvertidas teorias a respeito do desenvolvimento é a teoria psicossexual proposta por Freud, na qual o desenvolvimento sexual é considerado o núcleo em torno do qual toda a personalidade é moldada. Segundo ele a energia NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
20
sexual, a que chamou libido, é o impulso para viver e para reproduzir e está envolvida em todos os aspectos do desenvolvimento. Fundado nessa hipótese, desenvolveu o princípio de que a energia libidinal (energia vital ou sexual) é erótica ou geradora de prazer quando expressa em comportamento. Em seus estudos sobre as causas e o funcionamento das neuroses, Freud identificou conflitos de ordem sexual localizados nos primeiros anos de vida do indivíduo, isto é, na vida infantil estavam as experiências de caráter traumático que se configuraram como origem de sintomas na vida adulta. No processo de desenvolvimento psicossexual, o indivíduo nos primeiros anos de vida tem a função sexual ligada à sobrevivência, portanto o prazer é erotizado, estando as zonas de excitação sexual localizadas em partes do corpo. Freud acreditava que a personalidade é moldada pelas experiências iniciais, quando as crianças am por uma seqüência de fases psicossexuais. Segundo ele, a libido (energia sexual) centra-se em diferentes regiões do corpo à medida que prossegue o desenvolvimento psicológico. Se as crianças têm concessões em excesso ou são privadas e frustradas de modo indevido em uma determinada fase, o desenvolvimento é interrompido e a libido se fixa lá. A fixação envolve deixar uma parte da libido – a quantidade varia com a seriedade do conflito – permanentemente instalada nesse nível do desenvolvimento. Freud postou as seguintes fases do desenvolvimento sexual: fase oral, quando a zona de erotização é a boca; fase anal, a zona de erotização é o ânus; fase fálica, a zona de erotização é o órgão sexual. Depois dessas fases vem um período de latência, que se prolonga até a puberdade, época em que é atingida a última fase, a fase genital , quando o objeto de erotização a a ser externo ao indivíduo. Um dos eventos considerados mais importantes para a estruturação da personalidade do indivíduo acontece entre os 3 e 5 anos, durante a fase fálica: é o Complexo de Édipo, quando a mãe é o objeto de desejo do menino, e o pai o rival. Para Freud, aquilo que para o indivíduo assume valor de realidade é a realidade psíquica, e é isso o que importa, mesmo que não corresponda à realidade objetiva. Sintoma, na teoria psicanalítica, seja um comportamento ou pensamento, é uma produção resultante de um conflito entre o desejo e os mecanismos de defesa.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
21
Ao mesmo tempo em que sinaliza, o sintoma busca encobrir um conflito e substituir a satisfação do desejo. O Ego emerge nas crianças em desenvolvimento a fim de tratar de suas transações diárias com o ambiente, à medida que aprendem que há uma realidade à parte de suas próprias necessidades e desejos. O Ego é controlado, realístico e lógico, atuando segundo o princípio da realidade, adiando a gratificação dos desejos do Id até que seja encontrada uma situação ou objeto apropriado. O Superego é formado do modo como as crianças se identificam com os pais e internalizam suas restrições, valores e costumes, sendo essencialmente uma consciência. Funciona de modo independente, recompensando o Ego por comportamento aceitável e criando sentimento de culpa quando as ações e pensamentos se colocam contra princípios morais. O Superego trabalha para atender a metas morais e forçar o Id a inibir impulsos primitivos. Segundo Freud, quanto mais intensos os conflitos, tanto mais energia psíquica é necessária para resolvê-los. Assim, na tentativa de enfrentar o Id, o Superego e a realidade, o Ego desenvolve mecanismos de defesa, modalidades de comportamento que aliviam a tensão, processos inconscientes pelos quais são excluídos da consciência os conteúdos indesejáveis. Com a finalidade de proteger o aparelho psíquico, o Ego mobiliza estes mecanismos, que suprimem ou dissimulam a percepção do perigo interno. Os principais Mecanismos de Defesa psicológicos descritos são 4 repressão, negação, racionalização, formação reativa, isolamento, projeção, regressão e sublimação. Estes mecanismos podem ser encontrados em indivíduos saudáveis, mas a sua presença excessiva é indicação de possíveis sintomas neuróticos. Repressão - A Repressão consiste em afastar uma determinada coisa do consciente, mantendo-a à distância (no inconsciente). A repressão afasta da consciência um evento, idéia ou percepção potencialmente provocadores de ansiedade, entretanto, o material reprimido continua fazendo parte da psique, apesar de inconsciente, e continua causando problemas.
4
Baseado em FADIMAN, J. e FRAGER, R., Teorias da Personalidade, 1980.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
22
Negação - Negação é a tentativa de não aceitar na consciência algum fato que perturba o Ego. Os adultos têm a tendência de fantasiar que certos acontecimentos não são, de fato, do jeito que são, ou que na verdade nunca aconteceram. O indivíduo recorda-se de um acontecimento de forma vívida, depois pode lembrar-se do incidente de maneira diferente e dar-se conta de que a primeira versão era uma construção defensiva. Racionalização - Racionalização é o processo de achar motivos lógicos e racionais aceitáveis para pensamentos e ações inaceitáveis. É um modo de disfarçar verdadeiros motivos e tornar o inaceitável mais aceitável. Usa-se a Racionalização para justificar comportamentos quando as razões para esses atos não são recomendáveis. A afirmação cotidiana de que "eu só estou fazendo isto para seu próprio bem" pode ser a racionalização do sentimento ou pensamento. Formação Reativa - Esse mecanismo substitui comportamentos e sentimentos que são opostos ao desejo real. Trata-se de uma inversão clara e, em geral, inconsciente do verdadeiro desejo. Não só a idéia original é reprimida, mas qualquer vergonha ou auto-reprovação que poderiam surgir ao itir tais pensamentos em si próprios também são excluídas da consciência. Certas posições puritanas e moralistas de algumas pessoas podem ser indicativas desse processo psicológico. Projeção - É um mecanismo pelo qual os aspectos da personalidade de um indivíduo são deslocados de dentro deste para o meio externo. A pessoa pode, então, lidar com sentimentos reais, mas sem itir ou estar consciente de que a idéia ou comportamento temido é dela mesma. Sempre que caracterizamos algo de fora de nós como sendo mau, perigoso ou imoral, sem reconhecermos que essas características podem também ser verdadeiras para nós, é provável que estejamos projetando. As pessoas que negam ter um determinado traço de personalidade são sempre mais críticas em relação a este traço quando o vêem nos outros. Regressão - Regressão é um retorno a um nível de desenvolvimento anterior ou a um modo de expressão mais simples ou mais infantil. É um modo de aliviar a ansiedade escapando do pensamento realístico para comportamentos que reduzem a ansiedade. A regressão é um modo de defesa bastante primitivo e, embora reduza a tensão, freqüentemente deixa sem solução a fonte de ansiedade original.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
23
Sublimação - A energia associada a impulsos e instintos socialmente e pessoalmente constrangedores é, na impossibilidade de realização destes, canalizada para atividades socialmente meritosas e reconhecidas. Deslocamento - É o mecanismo psicológico de defesa onde a pessoa substitui a finalidade inicial de uma pulsão por outra diferente e socialmente mais aceita. Durante uma discussão, por exemplo, a pessoa tem um forte impulso em socar o outro e acaba deslocando tal impulso para um copo, o qual atira ao chão. 2.4 Os Oito Estágios (ou Idades) do Homem, segundo Erik Erikson Segundo Erikson o que nós chamamos de "personalidade" resulta da interação contínua de 3 grandes sistemas: o biológico, o social e o individual, os quais são interdependentes e inseparáveis. O resultado da coordenação desses três sistemas será uma pessoa que domina ativamente o seu ambiente, mostra certa unidade de personalidade e é capaz de perceber corretamente o mundo e a si mesma. O ser humano psicologicamente saudável é aquele que desenvolveu um "firme sentido de identidade", significando o reconhecimento de que ele é uma pessoa única, com ado, presente e futuro particulares. A identidade, para Erikson, é algo que está sempre mudando e se desenvolvendo. É um processo de diferenciação crescente e cada vez mais abrangente à medida que o indivíduo se torna cada vez mais consciente das interações com outros indivíduos. Para Erikson, cada estágio da vida se desenrola de acordo com um plano de base definido, e apresenta ao indivíduo um desafio característico (conflitos nucleares), desde o nascimento até a morte. Cada conflito ou crise deixa sua marca no indivíduo e na sociedade, sublinhando a continuidade das experiências humanas.
1º. Estágio: Confiança Básica X Desconfiança Básica - Durante o primeiro período de vida, o modo segundo o qual o bebê integra as experiências é oral ou "incorporativo". Depende dos outros para a satisfação de suas necessidades, e sua "confiança" depende da regularidade e consistência com a qual as pessoas vão responder aos seus apelos. Neste período a criança aprende a "contar" ou não com as outras pessoas. O conflito "confiança x desconfiança", de natureza interpessoal, nunca será resolvido totalmente A necessidade de confiança num ser superior é NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
24
quase que universal entre os adultos, e a instituição cultural derivada desde primeiro estágio é a religião. A confiança do bebê é um precursor da fé na vida adulta.
2º. Estágio: Autonomia x Vergonha e Dúvida - Nesta fase a criança (aprox. 18 meses a 1 ano) ainda é muito dependente, mas já experimenta seu desejo de autonomia. Em um ime com os pais descobre-se ainda fraca e dependente, expondo-se a sentimentos de vergonha, por sua insensatez, e duvida quanto à sua própria capacidade (autonomia) e quanto à firmeza de seus pais. Neste período a vontade de fazer as coisas por si própria é evidenciado na criança, demandando dos pais a introdução de um respeito saudável, não opressivo, às regras e regulamentos.
3º. Estágio: Iniciativa X Culpa - A dependência da criança em relação aos pais continua a decrescer, enquanto aumenta a sua consciência das diferenças entre a sua própria autonomia e a dos outros. O sentimento de culpa origina-se agora da idéia de ter feito alguma coisa errada, em função de sua impulsividade, e ao medo de ser descoberta junta-se uma "voz interior", que induz a criança a uma autoobservação, auto-orientação e auto-punição. Se for vivida equilibradamente, sem culpa excessiva nem iniciativa descontrolada, esta fase pode resultar num sentimento moral que limita os horizontes do permissível e estabelece as diretrizes quanto às possibilidades futuras.
4º. Estágio: Produtividade X Inferioridade - Idade da escola elementar (aprox. 6 a 12 a). No início dos anos escolares a criança começa a adquirir as habilidades para o trabalho na sua sociedade, o que requer certo grau de disciplina, para transformar o sentido de iniciativa em "sentido de produtividade". Na escola começa o aprendizado sobre o "padrão de ação" da sociedade. O sentimento de produtividade competirá com um sentimento de inferioridade, em função de comparação de desempenho entre os membros do grupo, assim como a maneira como a criança é tratada. Este estágio está relacionado à auto-estima e competência futuras.
5º. Estágio: Identidade X Confusão de Papéis - Fase da adolescência, começo da formulação de uma identidade (identificação de características comuns em relação a outras pessoas e particulares). O processo de análise simultânea de muitas possiblidades e alternativas é intelectual, e depende de um conjunto de habilidades NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
25
cognitivas adquiridas antes da adolescência. O adolescente é pressionado familiar e socialmente, inclusive sobre suas possibilidades profissionais futuras, podendo também sentir-se desorientado e confuso nesta fase.
6º. Estágio: Intimidade X Isolamento - Uma auto-imagem firme (identidade) é necessária antes do estabelecimento de relação "íntima" verdadeira com outra pessoa. No romance adolescente, em razão da insegurança de ambos, há uma projeção recíproca de auto-imagens, na tentativa de auto-definição de uma identidade pessoal. A definição de identidade também pode ser procurada por meios destrutivos no relacionamento grupal. À medida que as oscilações entre os extremos desaparecem, emerge uma verdadeira capacidade de intimidade, contrabalançada por um sentimento de isolamento. A capacidade para o amor e o trabalho na vida adulta requer o equilíbrio entre essas duas tendências (intimidade e isolamento). Essa idade é caracterizada pela ampliação dos horizontes sociais e origem de um novo sentimento de participação e solidariedade.
7º. Estágio: Generatividade X Estagnação - Estágio maduro da vida, necessidade de dar continuidade à espécie através da procriação. Este impulso para a paternidade pode ser dirigido, em algumas pessoas, para outros interesses, assim como simplesmente gerar um filho não é suficiente para assegurar o sentimento de generatividade. Aqueles que o fazem por fazer, podem experimentar mais tarde um sentimento de estagnação.
8º. Estágio: Integridade X Desesperança - Fase da velhice, na qual, na maioria das culturas, costuma-se fazer uma avaliação do que foi feito e o que se conseguiu realizar no decorrer da vida. A desesperança é a imagem mais freqüente, em razão das limitações físicas, restrições sociais e parcas perspectivas futuras. Por outro lado, se a pessoa acredita que superou as crises com razoável sucesso, pode predominar o sentimento de integridade (sentimento de dever cumprido, sem lamentações, integrado ao presente e sem inquietações quanto ao futuro).
2.5 ROGERS e a Teoria da Pessoa em Pleno Desenvolvimento
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
26
A teoria de desenvolvimento do psicólogo Carl Rogers concentra-se na saúde psicológica ou maturidade pessoal. Para ele a mais importante espécie de desenvolvimento envolve os processos pelos quais as pessoas vêm a funcionar livre e plenamente. Rogers sugere que em cada um de nós há um impulso inerente em direção a sermos competentes e capazes tanto quanto o que estamos aptos a ser biologicamente. Assim como uma planta tende a tornar-se saudável, como uma semente contém dentro de si impulso para se tomar uma árvore, também uma pessoa é impelida a se tomar uma pessoa total, completa e auto-atualizada. As forças positivas em direção à saúde e ao crescimento são naturais e inerentes ao organismo e os indivíduos têm a capacidade de experienciar e de se tomarem conscientes de seus desajustamentos. Rogers vê o ajustamento não como um estado estático, mas como um processo no qual novas aprendizagens e novas experiências são cuidadosamente assimiladas. Aceitar-se a si mesmo é um prérequisito para uma aceitação mais fácil e genuína dos outros. Em compensação, ser aceito por outro conduz a uma vontade cada vez maior de aceitar a si próprio. Este ciclo de auto-correção e auto-incentivo, é a forma principal pela qual se minimizam obstáculos ao crescimento psicológico. Rogers sugere que os obstáculos aparecem na infância e são aspectos normais do desenvolvimento. O que a criança aprende em um estágio como benéfico deve ser reavaliado nos estágios posteriores: Motivos que predominam na primeira infância mais tarde podem inibir o desenvolvimento da personalidade. Quando a criança começa a tomar consciência do Self (si mesmo), desenvolve uma necessidade de amor ou de consideração positiva. Esta necessidade é universal, considerando-se que ela existe em todo ser humano e que se faz sentir de uma maneira contínua e penetrante. Uma vez que as crianças não separam suas ações de seu ser total, reagem à aprovação de uma ação como se fosse aprovação de si mesmas. Da mesma forma, reagem à punição de um ato como se estivessem sendo desaprovadas em geral. O amor é tão importante para a criança que ela acaba por ser guiada, não pelo caráter agradável ou desagradável de suas experiências e comportamentos, mas pela promessa de afeição que elas encerram. A criança começa a agir da forma que lhe garante amor ou aprovação, sejam os comportamentos saudáveis ou não para ela. As crianças podem agir contra seu próprio interesse, chegando a se NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
27
perceber em termos destinados, a princípio, a agradar ou apaziguar os outros. Teoricamente esta situação poderia não se desenvolver se a criança sempre se sentisse aceita e houvesse aprovação dos sentimentos mesmo que alguns comportamentos fossem inibidos. Em tal situação ideal a criança nunca seria pressionada a se despojar ou repudiar partes não atraentes, mas autênticas de sua personalidade. Comportamentos ou atitudes que negam algum aspecto do Self são chamados de condições de valor. Quando uma experiência relativa ao Eu é procurada ou evitada unicamente porque é percebida como mais ou menos digna de consideração de si, diz Rogers que o indivíduo adquiriu um modo de avaliação condicional. Condições de valor são os obstáculos básicos à exatidão da percepção e à tomada de consciência realista. Acumulamos certas condições, atitudes ou ações cujo cumprimento achamos necessário para permanecermos dignos. Na medida em que essas atitudes e ações são idealizadas, elas constituem áreas de incongruência pessoal. De forma extrema, as condições de valor são caracterizadas pela crença de que "preciso ser respeitado ou amado por todos aqueles com quem tenho contato". Quando a criança amadurece, o problema persiste. O crescimento é impedido na medida em que a pessoa nega impulsos diferentes do auto-conceito artificialmente "bom". Para sustentar a falsa auto-imagem a pessoa continua a distorcer experiências: quanto maior a distorção maior a probabilidade de erros e da criação de novos problemas. Os comportamentos, os erros e a confusão que resultam dão manifestações de distorções iniciais mais fundamentais. E a situação realimenta-se a si mesma. Cada experiência de incongruência entre o Self e a realidade aumenta a vulnerabilidade, a qual, por sua vez, ocasiona o aumento de defesas, interceptando experiências e criando novas ocasiões de incongruência. A terapia centrada no cliente de Rogers esforça-se por estabelecer uma atmosfera na qual condições de valor prejudiciais possam ser postas de lado, permitindo, portanto, que as forças saudáveis de uma pessoa retomem sua dominância original. Uma pessoa recupera a saúde reivindicando suas partes reprimidas ou negadas.
2.6 Desenvolvimento Psicológico e Personalidade
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
28
O estudo sistemático da personalidade e do caráter (traços de personalidade com sentido ético ou social) começou com Hipócrates, o primeiro a elaborar uma teoria de tipos. Considerando o temperamento o aspecto mais importante da personalidade, ele agrupou os homens em quatro tipos: coléricos, sanguíneos, fleumáticos e melancólicos. Essa tipologia foi adotada por Pavlov, com a diferença de atribuir ao constituinte nervoso (teoria fisiológica) a base para a classificação dos tipos. Atualmente as tipologias baseadas em morfologia e temperamento têm valor bem limitado. Hoje temos como mais aceita a definição de personalidade como um conjunto de traços e características singulares, típicas de uma pessoa, que a distinguem das demais. Esse conjunto abrange, necessariamente, a constituição física, alicerçada nas disposições hereditárias, os modos de interação do indivíduo com o mundo; seus hábitos, valores e capacidades; suas aspirações; seus modos experimentar afetos e de se comportar em sociedade e maneira peculiar de lidar com o mundo, incluindo as defesas para se proteger das pressões e ajustamento ao contexto social, constituindo um estilo de vida próprio. Assim sendo, a personalidade diz respeito à totalidade daquilo que somos, não apenas hoje, mas do que fomos e do que aspiramos ser no futuro. Implica, também, que esse modo de ser só pode ser entendido dentro de um contexto sóciohistórico, geográfico e cultural. Em que se alicerça essa totalidade dinâmica que é a personalidade, e como se processa a sua formação? Uma das principais controvérsias da psicologia diz respeito aos considerados dois grandes fatores na formação da personalidade: hereditariedade x meio. Estudos feitos com gêmeos univitelinos em casos de psicoses (Breuler) e práticas criminosas (Lange) e os estudos de Galton sobre genialidade com militares e artistas, a partir de árvores genealógicas, reforçaram a concepção de que a hereditariedade tem peso decisivo na formação da personalidade. Casos como o de Vítor, o selvagem de Aveyron (século XVIII) e de Amala e Kamala, de 2 e 7 anos, chamadas “meninas-lobo”, que viviam numa caverna em companhia de lobos, quanto à aprendizagem de condutas tipicamente humanas, serviram aos cientistas partidários da idéia de preponderância decisiva das influências ambientais na configuração da personalidade. NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
29
Hoje já não há dúvidas de que tanto a hereditariedade quanto meio são decisivos para a formação da personalidade, e que a sua constituição dependerá das interações entre um e outro fator. Por exemplo, nem o meio mais favorável poderá tornar um gênio uma pessoa cuja constituição genética tenha lhe reservado um déficit intelectual, assim como o processo de maturação, próprio da espécie humana, pode sofrer alterações importantes, favoráveis ou desfavoráveis ao indivíduo, em função da influência do meio. •
A aprendizagem cognitiva social na formação da personalidade Albert Bandura enfatizou que os seres humanos aprendem observando.
Segundo ele, a exposição a modelos adultos pode provocar uma variedade de efeitos, inclusive a elevação do nível de raciocínio moral ou um aumento do comportamento
agressivo.
Os
modelos
também
podem
influenciar
o
desenvolvimento de padrões de comportamento nas crianças. Um contexto social que transmite valores positivos para padrões elevados, leva à interiorização desses padrões nas crianças. Ele afirma que nada que não for observado será aprendido, enfatizando os processos de atenção, que são influenciados também pelas características do observador, como capacidades sensoriais, nível de excitação, motivação e reforços do ado. Os processos motivacionais foram considerados por Bandura como fator importante para a aprendizagem. Segundo ele, a não ser que esteja motivada, uma pessoa não produzirá um comportamento aprendido, e essa motivação provém de reforços externos ou baseados na observação de modelos que são recompensados. Bandura propôs o conceito de determinismo recíproco, o qual se refere à influência que a pessoa, o meio e o comportamento exercem uns sobre os outros, enfatizando que o meio não é apenas causa, mas também um efeito do comportamento. Bandura faz uma distinção entre auto-eficiência, a crença de que se tem a capacidade para desempenhar o comportamento, e expectativa de resultados, a crença de que, se for bem feito, o comportamento produzirá os resultados desejados. Um sentimento de auto-eficiência leva à persistência diante dos NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
30
contratempos e a eficiência aumenta quando os sujeitos adquirem um domínio progressivo da tarefa, melhorando gradualmente o seu desempenho. Além da eficiência individual, Bandura propõe que um senso de eficiência coletiva ocorre quando os grupos acreditam que conseguem fazer o que tem que ser feito. O seu modelo de determinismo recíproco sugere que a eficiência pessoal e a coletiva teria, efeitos adicionais sobre o comportamento e as situações. As forças sociais podem incentivar ou impedir o desenvolvimento individual e podem estimular ou desestimular as ações desejáveis. Com
base
nas
teorias
apresentadas
é
possível
observar
que
o
desenvolvimento cognitivo do indivíduo não ocorre independentemente do desenvolvimento emocional ou social. O processo é integrado e a dinâmica de desenvolvimento da personalidade não cessa durante toda a vida do indivíduo, dependente, em grande parte aos processos de interação social por ele vivenciados.
2.7 O Comportamento Anormal5 A diferenciação entre o que é “normal” e o que é “patológico” tem sido motivo de controvérsia na área de saúde, particularmente com relação aos aspectos psicológicos do indivíduo. Vários problemas são identificados quanto aos critérios que definem anormalidade psicológica (ou inadaptação psicológica), tidos como vagos e sem diretrizes claras para que distúrbios de comportamento sejam avaliados. Mesmo as classificações médicas aprovadas e utilizadas frequentemente, mostram efeitos danosos quanto à rotulação, pois é fato que estes influenciam não só o meio em que o indivíduo vive, mas até a maneira como os profissionais da área vêem as pessoas. Em Psicopatologia (DALGALARRONDO, 2000), alguns critérios foram estabelecidos para avaliar o nível de “normalidade” de uma pessoa, exclusivamente para efeito de diagnóstico e possível tratamento. Os limites da ciência psicopatológica, no entanto, consistem em que nunca se pode reduzir o ser humano a conceitos psicopatológicos, pois em todo indivíduo oculta-se algo que não
5
Extraído de DAVIDOFF, Linda. Introdução à Psicologia.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
31
se pode conhecer, aspectos essências das dimensões existenciais, éticas e metafísicas. a) Normalidade como ausência de doença – seria aquele indivíduo que não é portador de um transtorno mental definido. b) Normalidade ideal – baseada na adaptação do indivíduo às normas morais e políticas de determinada sociedade. c) Normalidade estatística – o normal a a ser aquilo que se observa com maior freqüência, e o anormal o que se situa estatisticamente fora (ou no extremo) de uma curva de distribuição normal. d) Normalidade como bem-estar – normal, no caso, é definido como saudável, ou seja, completo bem-estar físico, mental e social. e) Normalidade funcional – o patológico é o disfuncional, ou seja, provoca sofrimento para o próprio indivíduo ou para o seu grupo social. f) Normalidade como processo – nesse caso são considerados os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, das crises e mudanças próprias a certos períodos etários. g) Normalidade subjetiva – a ênfase é dada à percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação ao seu estado de saúde. h) Normalidade como liberdade – a doença mental é vista como perda da liberdade existencial, como constrangimento do ser, fechamento, fossilização das possibilidades existenciais (orientação fenomenológica e existencial). i) Normalidade operacional – tem finalidades pragmáticas, definindo a priori o que é normal e o que é patológico, para trabalhar operacionalmente a partir de tais conceitos, aceitando-se as conseqüências dessa definição prévia. É comum rotular-se um comportamento estranho como neurótico ou psicótico, porém estes termos são usados pelos profissionais de saúde de modo específico. Uma pessoa é considerada com psicose ou psicótica quando seu funcionamento mental está de tal modo prejudicado que interfere de modo considerável na sua capacidade de enfrentar as necessidades comuns da vida. Os problemas de comportamento geralmente manifestados podem provir de uma incapacidade para reconhecer a realidade, alterações de humor e/ou déficits intelectuais, bem como de situações de estresse e motivados por traumas psicológicos.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
32
Do ponto de vista da saúde mental, alguns distúrbios psíquicos são constantemente identificados como perturbadores do desenvolvimento individual, muitas vezes até incapacitantes, o que não significa que a pessoa não possa recuperar-se plenamente, particularmente nos casos dos distúrbios mais comuns, como os citados abaixo. A fobia, o pânico, a neurose obsessivo-compulsiva centram-se em torno da ansiedade. A fobia é um medo excessivo ou absurdo de uma situação ou objeto específico, controlados através de uma evitação permanente. O fóbico sabe que sua angústia não é proporcional ao perigo, mas sente-se impotente para controlar o sentimento. As pessoas que têm pânico ou neurose de angústia sofrem de ataques de angústia (ou pânico), que vêm subitamente em forma de terror inexplicável e incontrolável, geralmente acompanhados de outros graves sinais de tensão do sistema nervoso autônomo (taquicardia, náuseas, respiração difícil etc). As
pessoas
com
esse
tipo
de
problema
reagem
quase
sempre
desproporcionalmente às menores tensões e aborrecimentos, sendo os sintomas mais comuns a tensão muscular, problemas digestivos e cefaléia. A pessoa com distúrbio obsessivo-compulsivo é torturada por obsessões (pensamentos não desejados e recorrentes) e/ou compulsões (atos rituais recorrentes e não desejados). Os pensamentos e condutas variam bastante, podendo ser classificados de modo geral em: 1. dúvidas obsessivas – preocupação persistente com algum ato específico (ex. trancar uma porta); 2. pensamento obsessivo – uma cadeia infindável de pensamente, geralmente concernentes a acontecimentos futuros (ruminações obsessivas); 3. impulsos obsessivos – compulsão de realizar vários atos que podem variar desde os mais comuns até os mais graves (como assassinato, p. ex.); 4. medos obsessivos – preocupação com uma hipotética perda de controle que irá causar situações embaraçosas; 5. imagens obsessivas – imagens persistentes sobre um acontecimentos visto ou imaginado; 6. ceder a compulsões – efetuar atos sugeridos pelos pensamentos obsessivos; 7. compulsões de controle – usar certos expedientes para controlar os pensamentos indesejáveis. As obsessões e compulsões só são consideradas neuróticas quando não servem a nenhum propósito construtivo, são extremamente cansativas e atrapalham a vida do indivíduo, ou causam danos ao indivíduo ou a outrem.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
33
Os distúrbios afetivos (ou distúrbios da afetividade) caracterizam-se principalmente por tristeza excessiva ou excitação frenética. No primeiro caso está a depressão, o mais recorrente desses distúrbios. O indivíduo deprimido vive sem prazer, comporta-se de maneira iva ou letárgica ou de forma inquieta e irritada, e tende a largar ocupações rotineiras e negligenciar deveres e responsabilidade e a abandonar o convívio social. Crises recorrentes de depressão e mania (euforia e excitação) caracterizam uma pessoa com distúrbio bipolar. O número de episódios depressivos e maníacos varia, bem como a rapidez com que se alternam, tendendo a ser mais comum a ocorrência de episódios depressivos do que maníacos. De acordo com pesquisas recentes, a depressão envolve as cognições, porém não está claro se os pensamentos precedem e causam o estado depressivo, havendo também estudos sobre a contribuição dos problemas fisiológicos nos distúrbios da afetividade. A depressão, episódios maníacos e crises de pânico são muito comuns em quadros de drogadição, pois envolvem, além das alterações químicas, elementos da personalidade do indivíduo, bem como predisposições decorrentes da história de vida e da própria situação de instabilidade emocional na qual o indivíduo se situa.
3. NOÇÕES DE PSICOLOGIA SOCIAL 6
A Psicologia Social é a área da Psicologia que procura estudar a interação social. É o estudo das manifestações comportamentais suscitadas pela interação de uma pessoa com outras pessoas, ou pela mera expectativa de tal interação. Os principais conceitos são a percepção social; a comunicação; as atitudes; a mudança de atitudes; o processo de socialização; os grupos sociais e os papéis sociais. Percepção social – processo que vai desde a recepção do estímulo pelos órgãos dos sentidos, até a atribuição de significado ao estímulo.
6
Extraído de BOCK, Ana. Psicologias.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
34
Comunicação – é um processo que envolve codificação (formação de um sistema de códigos) e decodificação (entendimento da codificação) de mensagens, constituídas não apenas de código verbal. Atitudes – informações com forte carga afetiva, que predispõem o indivíduo para uma determinada ação (comportamento). Para a Psic. Social, nós desenvolvemos atitudes (crenças, valores, opiniões) em relação aos objetos do meio social. Mudança de atitudes – podem ocorrer a partir de novas informações, novos afetos, novos comportamentos ou situações, pois existe uma forte tendência a manter os componentes das atitudes em consonância. Processo de socialização – ocorre pela formação do conjunto de nossas crenças, valores e significações, quando o indivíduo torna-se membro de um determinado conjunto social, aprendendo seus códigos, normas e regras de relacionamento, apropriando-se do conjunto de conhecimentos já sistematizados e acumulados por esse conjunto. Grupos sociais – são pequenas organizações de indivíduos que, possuindo objetivos comuns, desenvolvem ações na direção desses objetivos. Para garantir essa organização, possuem normas, formas de pressão para a conformação dos membros às normas, um funcionamento determinado com distribuição de tarefas e funções; formas de cooperação e competição e mecanismos de coesão e manutenção do grupo. Papéis sociais – todas as expectativas de comportamento estabelecidas pelo conjunto social para os ocupantes de diferentes posições sociais determinam o chamado papel prescrito, e todos os comportamentos que manifestamos, de acordo ou não com a prescrição social, são chamados de papel desempenhado. Os papéis sociais são referências para a nossa percepção do outro e para o nosso próprio comportamento, e permitem que nos adaptemos às diferentes situações sociais. Hoje a Psicologia Social busca compreender como se dá a construção do mundo interno do indivíduo (o psiquismo humano) a partir das relações sociais vividas pelo homem, ando o mundo objetivo a ser visto não como fator de influência para o desenvolvimento da subjetividade, mas como fator constitutivo. NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
35
Para a nova Psicologia Social, o homem é um ser social, que constrói a si próprio, ao mesmo tempo que constrói, com os outros homens, a sociedade e sua história. O comportamento deixa de ser o objeto de estudo para ser uma das expressões do mundo psíquico e fonte importante de dados para a compreensão da subjetividade, por ele se encontra no nível do empírico e pode ser observado. Como conceitos básicos de análise, a nova Psicologia Social irá propor a consciência e a identidade, que são as propriedades ou características essenciais do homem e expressam o movimento humano. Consciência – expressa a forma como o homem se relaciona com o mundo objetivo. Não se limita ao saber lógico, inclui o saber das emoções e sentimentos do homem, o saber do inconsciente, é produto das relações sociais que os homens estabelecem. Como produto subjetivo e apropriação pelo homem do mundo objetivo, a consciência produz-se em um processo ativo, que tem como base a atividade sobre o mundo, a linguagem e as relações sociais. O homem encontra um mundo de objetos e significados já construídos pelos outros homens. Nas relações sociais, ele se apropria desse mundo cultural e desenvolve o “sentido pessoal”, produzindo uma compreensão sobre o mundo, sobre si mesmo e os outros, construído no processo de produção da existência, com a matéria-prima da realidade objetiva e social, mas que é própria do indivíduo. Estuda-se a consciência através de suas mediações, como as representações sociais, expressões da consciência, conjunto de idéias que articula os significados sociais, envolvendo crenças, valores e imagens que os indivíduos constroem, no decorrer de suas vidas, a partir da vivência na sociedade. Identidade – denominação dada às representações e sentimentos que o indivíduo desenvolve a respeito de si próprio, a partir do conjunto de suas vivências. A identidade é a síntese pessoal sobre o si-mesmo, incluindo dados pessoais, trajetória, atributos conferidos pelos outros, permitindo uma representação a respeito de si. A identidade psicossocial refere-se à sensação de pertencer a algo, ser parte de algo. É composta, portanto, de múltiplas identidades, como a identidade NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
36
sexual, a identidade étnica ou racial, a identidade religiosa, a profissional etc. Permite que o indivíduo oriente-se em relação às outras pessoas e ao seu meio ambiente, e é formada a partir do conjunto de identificações consciente e inconscientes que o indivíduo faz ao longo de seu desenvolvimento. Após a Segunda Guerra mundial, a psicologia social ganhou espaço. Kurt Lewin fixa novos objetivos em Psicologia Social ao trabalhar com a dinâmica dos fenômenos de grupo, apegando-se às dimensões concretas e existenciais. Para ele os fenômenos de grupos deveriam ser trabalhados no próprio campo psicológico, em vez de laboratório, criando o termo pesquisa-ação para esse procedimento. 4. FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS DO COMPORTAMENTO - DINÂMICA DE GRUPOS
De acordo com Bock (2002), a instituição é um valor ou regra social reproduzida no cotidiano como estatuto de verdade, que serve como guia básico de comportamento e de padrão ético para as pessoas em geral. O elemento que completa a dinâmica de construção social da realidade é o grupo, que realiza e promove os valores, assim como formula e reformula as regras. O grupo se caracteriza pela reunião de um número variável de pessoas com um determinado objetivo, compartilhado pelos seus membros, que podem desempenhar diferentes papéis para a execução desse objetivo. No campo teórico pode-se definir o grupo como um todo dinâmico, o que significa que ele é mais que a soma de seus membros, e que a mudança no estado de qualquer sub-parte modifica o grupo como um todo. Quando um grupo de estabelece, os fenômenos grupais am a atuar sobre as pessoas individualmente e sobre o grupo, ao que chamamos de processo grupal. A fidelidade de seus membros, o grau de aderência às regras de manutenção do grupo, é chamada de coesão grupal. Os motivos individuais são importantes para a adesão ao grupo, mas as diferenças individuais serão itidas desde que não interfiram nos objetivos centrais do grupo ou suas características básicas. Os objetivos do grupo irão sempre prevalecer aos motivos individuais e, quanto mais o grupo precisar garantir sua coesão, mais ele impedirá manifestações individuais que não estejam de acordo com seus objetivos. NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
37
A dinâmica de grupo como ciência empírica dos processos científicos depende de observação, quantificação, mensuração e experimentação. Não apenas os grupos constituem seu objeto de estudo, mas principalmente a dinâmica da vida coletiva, os fenômenos e os princípios que regem seu processo de desenvolvimento. As forças psicológicas e sociais que atuam no grupo se fazem sentir através de coesão, coerção, pressão social, atração, rejeição, resistência à mudança, interdependência, equilíbrio e quase-equilíbrio. Estes aspectos foram estudados pela dinâmica de grupo na formulação de teorias. Kurt lewin A construção fundamental, para K. Lewin, é a chamada teoria de campo. Campo é o espaço de vida de uma pessoa, sendo este constituído da pessoa e do meio psicológico, como ele existe para o indivíduo. O comportamento do indivíduo depende das mudanças que ocorrem em seu campo (espaço de vida) em determinado momento. O espaço de vida de um grupo consiste em elementos de um grupo e em um meio tal como existe para o grupo naquele momento. A representação do grupo e seu ambiente como um campo social são o instrumento básico para a análise de vida do grupo. Um grupo sobrevive quando tem três elementos fundamentais: existência, interdependência de seus membros e contemporaneidade (quer dizer que os determinantes do comportamento são as propriedades do campo naquele momento). A importância de cada grupo para o indivíduo depende da situação do momento, o que caracteriza a atmosfera do grupo. Os objetivos do grupo não precisam ser idênticos aos objetivos do indivíduo, mas as divergências entre o indivíduo e o grupo não podem ultraar determinados limites, além dos quais um rompimento é inevitável. Assim como o indivíduo e seu ambiente formam um campo psicológico, o grupo e seu ambiente formam um campo social. O conceito de campo social abarca a dinâmica e a estrutura desse espaço. A conduta de um grupo será, então, explicada em função das forças objetivas que decorrem da própria situação no momento. O campo social é uma totalidade dinâmica, estruturada em função da NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
38
posição relativa das entidades que o compõem. O comportamento social resulta da interrelaçao de tais entidades, tais como grupos, subgrupos, membros, barreiras, canais de comunicação etc., ou seja, da distribuição de forças em todo o campo. Moreno Jacob L. Moreno foi um dos iniciadores do trabalho de grupo. A estrutura latente dos grupos, na concepção de Moreno, representa para cada membro do grupo a forma como vivem o grupo e seus membros; a forma como vive sua própria situação dentro do grupo; a forma como percebe os outros e a distância social que experimenta em relação a eles; a forma como é percebido pelos outros.
A
organização das relações vividas é uma expressão de afetividade de suas formas e de colocação no grupo e das representações (percepção e conhecimento) que cada participante tem do grupo e dos outros. A atividade global do grupo – seus objetivos, seus programas e suas esperanças – influi na forma com que os membros do grupo se apercebem entre si, se aliam ou se excluem. Em relação aos horizontes reais do grupo e às necessidade, devem estar compreendidas a confiança ou a desconfiança, a solidariedade, a estima, a indiferença e o desprezo. Cada um pensa, sente e age em função de múltiplos papéis, no desempenho dos quais a pessoa sente-se congruente ou incongruente. Há momentos em que existem diversos papéis a serem representados, que ninguém vê claramente, e papéis efetivamente representados em relação ao grupo (pacificador, unificador, sabotador, coordenador, animador, censor etc). Todos esses papéis são expressos mediante atitudes que se adotam dentro do grupo, e que se desenvolvem ou se modificam, formando assim a dinâmica do grupo, à medida que se influenciam reciprocamente. Aprender a assumir os papéis necessários, ser capaz de mudar de papel de acordo com a situação, é indício, segundo Moreno, de ajustamento da personalidade social e abertura e afirmação da própria personalidade (conjunto de papéis que podemos representar e atitude para assumir o papel adaptado à situação atual). Moreno atribui ao psicodrama a capacidade de explorar a verdade dos seres humanos ou a realidade das situações. O grupo psicodramático opera uma catarse do “ado no presente” ou do “futuro no presente” pela representação dramática NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
39
de conflitos, com intensidade emocional ao vivo. O psicodrama também é uma experiência vivida em grupo, pelo grupo e para o grupo, onde o indivíduo compartilha seus problemas com os outros. Piaget Embora não tenha trabalhado com dinâmica de grupo, Piaget forneceu elementos valiosos ao estudar o desenvolvimento do pensamento, pondo em foco as condições intelectuais que tornam uma criança capaz de cooperar e explicam o efeito da cooperação na formação de sua mente. O valor e a dificuldade do intercâmbio cultural num grupo se baseiam na colocação do indivíduo diante de pontos de vista diferentes dos seus, sendo necessário que cada participante compreenda o ponto de vista alheio. Quando os conceitos de cada um não são rígidos, nem o indivíduo é dominado por seu limitado ponto de vista, é a condição para que sua mente se adapte a uma organização grupal. Outro tipo de comportamento que o grupo desenvolve é chamado reciprocidade. Essa estrutura do pensamento refere-se às contribuições de ajuda mútua, de colaboração. As condições intelectuais da cooperação foram cumpridas num grupo quando cada integrante for capaz de compreender os pontos de vista dos demais e de adaptar sua própria ação ou contribuição verbal à deles. O grupo só terá condições de funcionar equilibradamente quando seus elementos tiverem condições de pensar operativamente. O grupo favorece o desenvolvimento do chamado pensamento operatório: a resolução de problemas por equipe, de projetos em comum, tudo enriquecerá o repertório de atividades cooperativas e favorecerá o desenvolvimento do pensamento operatório. Implicitamente Piaget faz sentir a necessidade do trabalho de grupo no desenvolvimento da inteligência, quando afirma que é choque de nosso pensamento com o dos outros que produz a dúvida e a necessidade de provar. É a necessidade social de compartilhar o pensamento com os outros, de comunicar o nosso e de convencer, que está na origem de nossa necessidade de verificação. A cooperação é o ponto de partida de uma série de atitudes importantes para a constituição e o desenvolvimento da lógica. A cooperação é uma coordenação de pontos de vista ou de ações que emanam de diferentes indivíduos. A afinidade (e o desenvolvimento operatório) é interiorizada no indivíduo, tornando-o suscetível de cooperar com os NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
40
demais; ou a cooperação exterior, depois, interioriza-se nele, obrigando-o a agrupar suas ações em sistemas operatórios. Bion W. R. Bion (1952) centralizou o estudo do comportamento do grupo no fator emocional, defendendo a existência de quatro emoções básicas no processo grupal: combatividade, fuga, parceria e dependência. Em qualquer ponto da existência de um grupo, dá-se a predominância de uma dessas emoções (humor de briga, humor de parceria etc). Para Bion, o grupo trabalha no nível da tarefa , no sentido de colaboração, estando os elementos conscientes e em compatibilidade com do desempenho do eu no nível consciente. Também trabalha no nível de valência, capacidade que os indivíduos têm, reunidos em grupo, de se combinarem de modo instantâneo e involuntário. O grupo progride no momento em que as necessidades inconscientes convergem e se superpões às necessidades conscientes, ou quando as necessidades inconscientes são reconhecidas ou satisfeitas, isto é, quando há um encontro entre níveis de tarefa e níveis de valência. Na concepção de Bion um grupo cresce seguindo 3 etapas fundamentais. 1. dependência; 2. luta (fuga ou ataque, agressividade, afastamento); 3. pareamento (criação de subgrupos). No primeiro momento, o líder comanda; no segundo momento, início da maturidade, o grupo começa a romper o cordão umbilical; no terceiro momento o grupo liga-se ao líder e o considera um dos participantes. Pichón Rivière Enrique Pichón Rivière e outros introduziram os chamados grupos operativos no estudo da família, partindo da hipótese de que o grupo é um conjunto de pessoas que se propõem, de forma explícita ou implícita, a efetuar uma tarefa que constitui sua finalidade. A unidade grupal tem muitas vezes a característica de situação espontânea, mas os elementos desse campo grupal podem ser organizados e a interação poderá ser regulada para maior eficácia de seu objetivo.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
41
A técnica operativa nasce, assim, para instrumentar a ação grupal e caracteriza-se por estar centralizada na tarefa. Sejam quais foram os objetivos propostos aos grupos (diagnóstico institucional, aprendizagem, planificação, criação etc), a finalidade é que seus integrantes aprendam a pensar em uma co-participação do objeto do conhecimento, entendendo que pensamento e conhecimento não são fatos individuais, mas produções sociais. O conjunto de integrantes do grupo aborda as dificuldades que se apresentam em cada momento da tarefa, logrando situações de esclarecimento e mobilizando estruturas estereotipadas. O processo de crescimento do grupo operativo
fundamenta-se na
metodologia que Pichon chama didática, estratégia destinada não só a comunicar conhecimento (tarefa informativa), mas também desenvolver aptidões e modificar atitudes (tarefa formativa). A interação deve ser regulada para potencializar a unidade grupal, torná-la mais eficaz com vistas ao seu objetivo (planificação). A técnica operativa surge, assim, para instrumentar a ação grupal. O grupo operativo é o primeiro elemento de uma abordagem do cotidiano, no qual tendem a reproduzirse as relações cotidianas, os vínculos que põem em jogo modelos internos.
Processo grupal na família Malinowski acredita que é impossível pensar em qualquer forma de organização social quando ela é carente de estrutura familiar. Os estereótipos familiares, como um sistema de relação, são levados às organizações sociais e atuam em sua estruturação. Pichón Rivière diz que a família, como grupo primário, pode ser analisada em três níveis: Do ponto de vista psicológico – os problemas estudados seriam a conduta do indivíduo em função de seu meio familiar; as reações de agressão e o sentimento em relação a diferentes tipos de autoridade familiar; o impacto que significa o ingresso de novos membros na família, suas crenças e atitudes como resultado da educação e de experiências familiares. Os problemas deste tipo devem ser investigados por meio do estudo do campo psicológico do indivíduo, esclarecendo as noções e as idéias sobre sua família em conjunto e sobre cada membro em particular (grupo interno).
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
42
Do ponto de vista da dinâmica de grupo ou sociodinâmico – investigam-se os problemas
concernentes
a
determinadas
famílias,
segundo
determinadas
circunstâncias (perigos externos): morte, issão de novos membros, partida de membros para lugares distantes, relações de autoridade, prestígio etc. É importante medir os índices de rigidez ou de maleabilidade do grupo familiar. Do ponto de vista institucional – são problemas típicos os de estrutura da família em diversas classes sociais (meio urbano, rural, classes abastadas, favelados) e os de transformações da estrutura familiar devido a crises econômicas, guerras, mudanças de costumes. Assim, na análise pluridimensional da família como grupo, temos os níveis psicológico (grupo interno – conduta, reações de agressão e simpatia, autoridade, crenças e experiências familiares); sociodinâmico (grupo externo – perigos exteriores que ameaçam a segurança da família) e institucional (a estrutura da família em função do meio e de crises). Pichón Rivière acredita que a enfermidade mental não é uma enfermidade do indivíduo, e sim decorrência da unidade básica da estrutura social: o grupo familiar. O enfermo desempenha o papel (role) de porta-voz, emergente dessa situação total. O grupo família é o núcleo e o ponto de partida da interiorização do conceito grupal, e as distorções no sistema “família” interferem nas demais atividades grupais das quais o indivíduo participa. O grupo “doente” interioriza sistemas distorcidos de comportamento, principalmente naquele indivíduo que se torna o elemento emergente dessa “situação patológica”. A teoria freudiana centraliza a atenção no papel da família no modelamento da personalidade e da saúde mental da criança, mas dá prioridade aos instintos inatos. Enfatiza o núcleo biológico do homem e diminui o papel da sociedade. Detém-se muito na estruturação permanente da personalidade nos primeiros anos de vida e reduz a importância dos níveis posteriores de participação social. Freud concebia a família como o grupo disciplinador dos instintos biológicamente fixos da criança, que forçava a repressão de sua descarga espontânea.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
43
5. NOÇÕES DE PSICOLOGIA COMUNITÁRIA
A Psicologia Comunitária é um saber em construção, pragmático, derivado da Psicologia Social, bastante novo e amplo, por isso mesmo de difícil conceituação. Escovar (1979) e Montero (1984) apontam que o nome Psicologia Comunitária surgiu em 1965 nos Estados Unidos, com a proposta de formar uma disciplina que se dedicasse a trabalhar com a saúde mental das populações excluídas. Uma das primeiras definições da Psicologia Comunitária amplamente divulgada foi a de Montero (1982, p. 16), afirmando que esta disciplina constitui a "área da psicologia cujo objeto é o estudo dos fatores psicossociais que permitem desenvolver, fomentar e manter o controle e poder que os indivíduos podem exercer sobre seu ambiente individual e social, para solucionar problemas que os afetam e lograr mudanças nestes ambientes e na estrutura social". Seus princípios básicos são os de: 1) união entre teoria e prática; 2) transformação social como meta; 3) poder e controle dentro da comunidade; 4) conscientização e socialização; 5) autogestão e participação. De acordo com a autora, no espaço do coletivo, que deve trabalhar-se junto com o individual, o psicólogo trabalha como agente de mudança com um grupo, induzindo a tomada de consciência, a identificação de problemas e necessidades, a eleição de vias de ação, a tomada de decisões e, com isto, a mudança na relação entre indivíduo e seu ambiente, que é transformado (Montero, 1984). Alguns fundamentos podem ser identificados, assim, no conceito de Psicologia Comunitária: a) visão pragmática da psicologia, isto é, uma preocupação com a aplicação prática da psicologia a situações sociais concretas; b) ênfase psicológica na melhoria da qualidade de vida das comunidades como objeto do saber psicológico; c) foco nas questões interpessoais, da comunidade, em lugar da preocupação com o indivíduo e as questões intrapsíquicas. Outro conceito importante e necessário à compreensão da Psicologia Comunitária é o conceito de comunidade, seu objeto material e campo de atuação. O termo Comunidade, utilizado hoje em dia na Psicologia Social, é bastante amplo, NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
44
incluindo desde um pequeno grupo social, um bairro, uma vila, uma escola, um hospital, um sindicato, uma associação de moradores, uma organização nãogovernamental, até uma cidade inteira. As definições consideradas apontam para a comunidade como sendo um grupo social com certo grau de organização, que compartilha o mesmo espaço físico e psicológico, e alguns objetivos comuns derivados de crenças, valores e atitudes compartilhados e mantém um sistema de interação duradouro no tempo e no espaço. Neste sentido, a comunidade é o espaço privilegiado da práxis da psicologia social e será considerada como o lugar de construção do saber psicológico comunitário e da operacionalização de técnicas psicológicas eficazes na construção ou reconstrução desse saber. Na América Latina e no Brasil, a Psicologia Comunitária seguiu três grandes modelos teóricos: o modelo norte-americano de movimento em prol da saúde mental, de inspiração multidisciplinar, seguindo, contudo, o modelo adaptativo da psicologia; o modelo cognitivista, voltado para a psicologia do desenvolvimento social, também adaptativo; e a ação comunitária, que utiliza o método derivado do materialismo histórico, voltada para uma psicologia de transformação social. Do ponto de vista das teorias e das práticas empreendidas em nome da Psicologia Comunitária, algumas críticas são consideradas importantes para se compreender melhor este saber psicológico em construção no Brasil:
a) Comunitarismo - é a preocupação exacerbada desta Psicologia com os problemas comunitários, em detrimento da consideração pelos problemas de natureza teórica e metodológica suscitada por esta abordagem. b) Academicismo - preocupação voltada apenas para os problemas acadêmicos, desconsiderando o desenvolvimento de teorias e técnicas cientificamente relevantes e a importância social destes achados. c) Idealismo - resultado da visão de alguns psicólogos comunitários que reduzem os problemas sociais a fatores políticos, sem considerar a necessidade do conjunto da sociedade e, às vezes, as necessidades de mudança da própria psicologia.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
45
d) d) Assistencialismo - identificação da Psicologia com obras caritativas e assistências, que servem apenas para alimentar a dependência da comunidade.
Os psicólogos comunitários, no entanto, têm trabalhado no sentido de produzir teorias e técnicas capazes de superar os imes e criar formas mais validadas cientifica e eticamente de lidar com os problemas da comunidade no campo da saúde mental, do desenvolvimento comunitário e da própria organização comunitária, no âmbito do saber psicológico.
6.
DROGAS X INTEGRIDADE PSICOSSOCIAL: NOCIVIDADE DAS DROGAS EM NÍVEL INDIVIDUAL E SOCIAL
Como uma ciência que procura conhecer o homem em sua amplitude máxima, é do interesse da psicologia estudar os múltiplos fatores que envolvem o fenômeno da drogadicção, assim como as suas conseqüências individual e coletivamente, com o intuito de contribuir na busca de soluções para esta problemática que tanto compromete o equilíbrio psíquico do indivíduo e do corpo social. Sabe-se que o problema da drogadição é amplo e não se restringe a uma causa ou motivação, revelando, segundo estudiosos da questão, a existência de fatores de risco e fatores de proteção ao uso indevido de drogas. Esses analistas entendem que as propostas preventivas devem ser destinadas não apenas a prevenir o uso indevido de drogas, mas a resgatar toda uma dimensão humana desrespeitada. É uma tarefa difícil e complexa, pois envolve o ato de restabelecer sentidos para a vida social, devolvendo valores e normas éticas baseadas no respeito à pessoa e às suas diferenças, bem como ao ambiente e às tradições culturais, religiosas e históricas. Como fatores de risco entende-se aqueles que ocorrem antes do uso indevido de drogas e que estão associados, estatisticamente, a um aumento da probabilidade do abuso de drogas. São aqueles que poderão levar o indivíduo a colocar-se diante de agressões. Este enfoque procura prevenir o uso indevido de drogas, eliminando, reduzindo ou mitigando estes fatores. Como alguns exemplos de fatores de risco estão: NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
46
•
Fatores legais: a falta de cumprimento de pressupostos legais, como por exemplo, os que proíbem a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, ou a inexistência de legislação pertinente e atualizada, favorecem o abuso de drogas, tornando-se um fator de risco.
•
Disponibilidade da droga: dependendo das leis e normas da sociedade, sejam as drogas legais ou não, o seu uso pode estar associado à facilidade de o ao produto.
•
Fatores econômicos (pobreza ou alto poder aquisitivo): estão relacionados ao aumento da delinqüência pelos jovens bem como ao uso de drogas.
•
Fatores comunitários: constantes mudanças de residência, perda dos laços com a vizinhança, violência urbana, desorganizam a vida social do indivíduo.
•
Fatores familiares: a família pode ser uma das variáveis para o primeiro contato com as drogas, já que os hábitos e os conflitos que o jovem percebe a sua volta contribui para uma introdução à costumes e práticas sociais. Os pais que tem por hábito o uso de drogas podem representar um comportamento tolerante ou indutor do uso de drogas. A perda dos vínculos familiares e do vínculo maternal podem, também, estar relacionados ao uso de drogas.
•
Problemas de comportamento precoces e persistentes: distúrbios de conduta que se iniciam muito cedo e continuam durante a vida, podem favorecer o uso de drogas.
•
Problemas escolares: repetências, faltas, pouco compromisso com as atividades escolares.
•
Pressão de grupos: através do estímulo dos grupos de iguais ou, em alguns casos, conduzido por um colega que já fez uso de drogas. A droga a a ser um elemento socializador compartido, possibilitando a cumplicidade e um processo interativo com os amigos. Os fatores protetores são aqueles que protegem o indivíduo de fatos que
poderão agredí-lo física, psíquica ou socialmente, garantindo um desenvolvimento saudável. Estes fatores reduzem, abrandam ou eliminam as exposições aos fatores
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
47
de risco, seja reduzindo a vulnerabilidade ou aumentando a resistência das pessoas aos riscos. Podem ser: •
Dinâmica familiar estruturada;
•
Diversificação das opções de vida;
•
Rigor com a ética;
•
Respeito aos direitos humanos possibilitando o exercício pleno da cidadania;
•
Oferecimento de condições dignas de saúde, educação, trabalho, alimentação, entre tantas outras. O reconhecimento dos fatores de risco e o conhecimento precoce de
problemas de dependência reforçam a cadeia de intervenções, podendo-se evitar seu agravamento. Para a implementação dos fatores protetores é necessário o desenvolvimento de um processo participativo que identifique e multiplique as ações protetoras, potencializando os efeitos uns dos outros. Dentro desta concepção, não é mais possível, por exemplo, isolar a prevenção do uso indevido de drogas da prevenção da AIDS ou da prevenção de outros agressores à saúde. O crescente papel do uso de drogas injetáveis na transmissão do HIV tem despertado considerável preocupação em todo o mundo. As drogas injetáveis trazem em si considerável risco de infecções, como por exemplo a hepatite B, hepatite C e HIV. Já se estimou que existem cerca de 5 milhões de pessoas no mundo que se injetam drogas ilícitas. A prevalência de infecção por HIV entre os que usam drogas injetáveis é de 20 a 80% em muitas cidades. É fato que, além de interferências de ordem fisiológica, as influências do uso de drogas no âmbito emocional também são múltiplas. Pessoas que usam cocaína tendem a ser mais desajustadas emocionalmente, mais irritadiças, agitadas ou deprimidas. Além disso, complicações econômicas advindas da drogadicção também podem desestruturar o ambiente familiar, sendo prejudicial para o equilíbrio familiar e mesmo o desenvolvimento biológico de bebês, do caso de mães usuárias. No que diz respeito às implicações do consumo de opiáceos (como morfina e heroína) por mulheres grávidas, os bebês podem nascer prematuramente, podem nascer
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
48
viciados nas mesmas drogas e permanecer sob efeito do vício até por volta dos seis anos de idade. Os neonatos costumam ser inquietos e irritadiços e às vezes têm tremores, convulsões, febre, vômito e dificuldade para respirar. Com o decorrer do desenvolvimento a criança tende a ser mais desajustada, ter problemas de aprendizagem, ser ansiosa em situação social e ter dificuldade para fazer amigos. A cocaína usada pela mulher grávida pode causar aborto espontâneo, nascimento prematuro, bebê com baixo peso corporal e problemas neurológicos. O uso de cocaína por parte do pai também pode causar defeitos congênitos nos filhos.
•
Uso de drogas e transtorno mental (noções)7 De acordo com a OMS – Organização Mundial de Saúde, em torno de 70%
dos cocainômanos sofrem algum transtorno mental. Entre esses transtornos emocionais que existem concomitante à drogadicção por cocaína, estão os transtornos afetivos, tanto cíclicos como unipolares; as depressões e os quadros maníaco-depressivos; os transtornos do controle dos impulsos; os quadros de angústia; os transtornos de personalidade e a própria psicose cocaínica. As áreas cerebrais onde esta droga atua provocando disfunções são as mesmas dos casos de crises de angústia, crises compulsivas ou da psicose paranóide. Para o psiquiatra espanhol Luis Caballero, existe um ponto de encontro entre as áreas cerebrais sobre as quais atua a cocaína e as zonas cuja disfunção origina sintomas que levam o paciente a consultar o psiquiatra. Estudos recentes identificaram que, quando a cocaína entra no cérebro, ela causa uma grande descarga de dopamina das células cerebrais. Este grande fluxo de dopamina das células estimula as células mais próximas, causando uma euforia poderosa. Normalmente quando a dopamina é lançada das células cerebrais, ela volta às mesmas. Ao invés disso, as moléculas de cocaína bloqueiam os portões por onde a dopamina entraria de novo nas células. A dopamina permanece entre as 7
Extraído de Relatório Sobre a Saúde no Mundo, 2001 - Organização Panamericana da Saúde - Organização Mundial de Saúde – ONU.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
49
células e continuam a estimulá-las. As moléculas de cocaína podem continuar a bloquear os portões das células cerebrais por 72 horas. Depois de algum tempo, uma parte da dopamina é perdida. Como resultado, os níveis de dopamina caem e a pessoa “entra em parafuso”, tornando-se severamente deprimida. A cocaína pode causar também mudanças nos hormônios sexuais. Em alguns usuários, desejo pelo sexo e a capacidade de desempenho são reduzidos e pode demorar semanas para voltar ao normal depois do fim do uso da cocaína. Sensações de paranóia (ser desconfiado e suspeitoso sem razão) pode acompanhar o uso da cocaína, sobretudo quando a droga é fumada como baseado ou crack. Os usuários de cocaína podem ranger os dentes, ser super ativos e prolixos ou mesmo apresentar gagueira. A característica principal dos usuários de cocaína é sua mudança súbita de personalidade. Acreditava-se antes que a cocaína era apenas psicologicamente adictiva, mas com os conhecimentos avançados da adicção agora se sabe que é ela é fisicamente adictivo, pois causa mudanças químicas no cérebro. É isso que torna o indivíduo fisicamente adictivo e leva à síndrome de abstinência quando o usuário pára de tomá-la. Algumas das mudanças químicas podem demorar um ano para corrigir depois que o uso da cocaína termina. O profissional que lida com o tratamento de toxicômanos enfrenta importantes problemas, tendo em vista que a farmacologia para tratamento da adicção à cocaína é muito reduzida. A adição à cocaína tem sido mais difícil ainda, considerando-se não existirem substâncias agonistas e antagonistas efetivos para esta droga. Será necessário um maior conhecimento da psicopatologia e a psicofarmacologia, que já tem conseguido medicamentos eficazes na heroínomania e o alcoolismo. A questão da dependência, porém, ultraa a carência de uma droga agonista ou antagonista. De acordo com Caballero, a cocainomania é uma adicção com algumas peculiaridades que a diferenciam da adicção, por exemplo dos opiáceos e do álcool, pois se trata de um consumo mais intermitente mas, não obstante, mais adictivo e fora de controle, o qual leva a pessoa a muitas complicações clínicas.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
50
Na cocaína, os critérios de dependência são os mesmos que nos outros transtornos similares, mas o que caracteriza o cocainômano é a sensação subjetiva de perda de controle e a impossibilidade de parar de consumir a droga, apesar dos esforços para evitá-lo. As alterações cerebrais ocasionados pela adicção de cocaína interessam à psiquiatria e psiconeurologia devido às recentes constatações da atuação da droga em neuroreceptores e em determinadas áreas que estão igualmente implicadas nos sintomas de outras enfermidades mentais. Essas estimativas da carga de doenças e seu custo não levam em conta diversos efeitos sociais negativos que são causados pelo uso de drogas. O uso de fumo e álcool começa tipicamente durante a juventude e atua como facilitador do uso de outras drogas. Assim, o fumo e o álcool contribuem indiretamente para uma grande proporção da carga de outras drogas e para as doenças delas conseqüentes. Pergunta-se muitas vezes se os transtornos devidos ao uso de substâncias são realmente transtornos ou se devem ser considerados, antes, como comportamento desviante em pessoas que se entregam propositadamente a uma atividade que lhes causa danos. Embora a decisão de experimentar substâncias psicoativas geralmente tenha caráter pessoal, formar dependência após o uso repetido vem a ser, não uma decisão consciente e informada pela pessoa, nem o resultado de uma fraqueza moral, mas, antes, o produto de uma complexa combinação de fatores genéticos, fisiológicos e ambientais. É muito difícil determinar, com precisão, quando uma pessoa se torna dependente de uma substância (seja qual for o seu status legal), e há indicações de que, em vez de ser uma categoria claramente definida, a dependência se instala em forma progressiva, dos problemas iniciais sem dependência significativa, até uma dependência grave, com conseqüências físicas, mentais e sócio-econômicas. Estudos
experimentais
realizados
por
psicólogos
comportamentalistas
comprovam, todos os comportamentos que são reforçados por uma recompensa tendem a ser repetidos e aprendidos. E as sucessivas repetições tendem a fixar não só o comportamento que conduz à recompensa, mas, também, estímulos, sensações
e
situações
indiferentes
eventualmente
associados
a
esse
comportamento. Os usuários de drogas referem, por exemplo, que o ver certos
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
51
lugares ou pessoas, o ouvir certas músicas, etc., desencadeando-lhes a vontade de usar sua droga preferencial. Por outro lado, nos alcoolistas e outros dependentes em recuperação que continuam usando algum tipo de droga adictiva, mesmo em pequena proporção, o nível de químicos nas células de seus cérebros não voltará totalmente ao normal já que ainda estão usando um estimulante que altera o humor. Por estarem livres do álcool e outras drogas pesadas, seus corpos e cérebros entrarão em um “balanço” diferente do que quando estavam usando aqueles tipos de drogas. Contudo, este balanço não estará num nível totalmente livre de drogas. Em outras palavras, seus cérebros e corpos continuam adictos. Os indícios clínicos e os estudos científicos sobre a adicção parecem mostrar que a dependência de substâncias deve ser encarada, ao mesmo tempo, como doença médica crônica, como um distúrbio mental complexo, com possível base no funcionamento cerebral, e, por outro lado, como um problema social de grande complexidade, a ser trabalhado de forma abrangente e em vários níveis pessoais e sociais.
BIBLIOGRAFIA ATKINSON, Rita L. et al. Introdução à Psicologia. Tradução Dayse Batista. Porto Alegre: Artmed, 1995. BENDER, M.P. Psicologia na Comunidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. BOCK, Ana Maria et alii. Psicologias. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. BRAGHIROLLI, Elaine Maria el al. Psicologia Geral. 23 ed. Petrópolis: Vozes, 2003. BRANDÃO, Marcus. Psicofisiologia: as bases fisiológicas do comportamento. 2 ed. São Paulo : Atheneu, 2002. CARPIGIANE, B. Psicologia: das raízes aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Pioneira, 2002. DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2000.
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
52
DAVIDOFF, Linda. Introdução à Psicologia. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1983. ERIKSON, Erik H. Identidade, Juventude e Crise. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. FREIRE, I.R. Raízes da Psicologia. Petrópolis: Vozes, 2001. HALL, Calvin S.; LINDZEY, Gardner. Teorias da Personalidade. Vol. 2. Tradução Lauro Bretons. 18.ed. São Paulo: EPU, 1993. KAPLAN, Harold I.; SADOCK, Benjamin J.; GREBB, Jack. Compêndio de Psiquiatria – ciências do comportamento e psiquiatria clínica. 7 ed. Porto Alegre: Artmed, 1997. LANE, S. (1996). Histórico e fundamentos da psicologia comunitária no Brasil. In: CAMPOS, R. H. F. (org), Psicologia Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes, 1996. MONTERO, M. Fundamentos teóricos de la Psicología Social Comunitaria en Latinoamérica. AVEPSO,5(1):15-22, abril 1982. MONTERO, M. (1984). La Psicología Comunitaria: Orígenes, principios y fundamentos teóricos. Revista Latinoamericana de Psicología, 16(3): 387-400. MYERS, David. G. Introdução à Psicologia Geral. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1999. PISANI, E.; PEREIRA, S.; RIZZON, L. A. Temas de Psicologia Social. Petrópolis: Vozes, 1994. PULASKI, Mary Ann Spencer. Compreendendo Piaget – uma introdução ao desenvolvimento cognitivo da criança. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: LTC, 1986. RAPPAPORT, Clara Regina; FIORI, Wagner Rocha; DAVIS, Cláudia. A Idade escolar e a Adolescência. Psicologia do Desenvolvimento, Vol. 4. São Paulo: EPU, 1982. RELATÓRIO Sobre a Saúde no Mundo, 2001 - Organização Panamericana da Saúde / Organização Mundial de Saúde / ONU. ROSA, Merval. Introdução à Psicologia. Curso Moderno de Psicologia, V. I. Petrópolis: Vozes, 1995. ROSA, M. (1993). Psicologia Evolutiva. Psicologia da Idade Adulta. Petrópolis: Vozes, [s.d.]. SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ, Sydney Ellen. História da Psicologia Moderna. 8 ed. São Paulo : Cultrix, 1999. WEITEN, W. Introdução à Psicologia: temas e variações. 4 ed. São Paulo: Pioneira, 2002. NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
53
NOÇÕES DE PSICOLOGIA – Curso Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos
54