Sexualidade Começa Na Infância1 1l3b3z

Para Pais, Educadores e Profissionais da Saúde Desenvolvimento Sexual Infantil de 0 a 6 anos Como Implantar um Trabalho de Orientação Sexual

Sexualidade começa na infância Para Pais, Educadores e Profissionais da Saúde Desenvolvimento Sexual Infantil de 0 a 6 anos Como Implantar um Trabalho de Orientação Sexual

Maria Cecília Pereira da Silva Organizadora

Sexualidade começa na infância Para Pais, Educadores e Profissionais da Saúde Desenvolvimento Sexual Infantil de 0 a 6 anos Como Implantar um Trabalho de Orientação Sexual

AUTORES

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Adriana Canepa Barbosa, Carina Alvarez Gambale, Francisca Vieitas Vergueiro, José Ottoni Outeiral, Kátia Rodrigues Antunes, Letícia de Jesus Mello Gonçalves, Lucimar Medeiros Cabral França, Maria Cecília Pereira da Silva, Maria Cristina Domingues Pinto, Mary Ann Norris Castanho Rondas, Patricia Oliveira de Souza, Priscila de Oliveira Galvani, Rodrigo de Marco Veinert, Rosa Maria de Mello Galli, Rosely Aparecida Pereira, Solange de Souza Queiroz e Zélia dos Santos.

Casa do Psicólogo®

© 2007 Casapsi Livraria e Editora Ltda. É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer finalidade, sem autorização por escrito dos editores. 1“ Edição

2007 1" Reimpressão 20/0 Editores Sngo Bentd Güntert e Christkme Graãvohl Co/as Assistente Editorial Aparecida Ferraz da Silva Produção Gráfica & Editoração Eletrônica Renata Vieira Nunes Capa João Luiz Pereira da Silva

Revisão Patrícia Oliveira de Souza Lucimar Medeiros Cabral França Revisão Técnica Francisco Vi ei las Ve rguei ro Maria Aparecida Barbirato Maria Cecília Pereira da Silva Revisão Gráfica Jaci Dantas de Oliveira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (C1P) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Sexualidade começa na infância / Maria Cecília Pereira da Silva, organizadora . — São Paulo : Casa do Psicólogo®, 2010. Ia rcimpr. da 1. ed. de 2007. Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-85-7396-516-2 l. Crianças c sexo 2. Educação pré-escolar 3. Educação sexual para crianças 4. Psicologia infantil I. Silva, Maria Cecília Pereira da. 10-08206___________________________________________ CDD-155.4 índices para catálogo sistemático: 1. Sexualidade infantil : Psicologia infantil 155,4 Impresso no Brasil Printed in Braz.il Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à Casapsi Livraria e Editora Ltda.

Rua Santo Antônio, 1010 Jardim México • CEP 13253-400 Itatiba/SP - Brasil TeL Fax: (11)4524-6997 www.casadopsicologo.com.br

índice

Prefácio por Lino de Macedo........................................................... 9 Apresentação...................................................................................13

PARTEI INTRODUÇÃO................................................................................ 15 CAPÍTULO 1. Diálogo sobre sexualidade: da curiosidade à aprendizagem..........17 Maria Cecília Pereira da Silva CAPÍTULO 2. Educar nos tempos de hoje.............................................................27 José Ottoni Outeiral CAPÍTULO 3. Características da sexualidade infantil de zero a seis....................51 Maria Cecília Pereira da Silva

FALANDO DE TEMAS DIFÍCEIS................................................... 73 CAPÍTULO 4. Masturbação infantil........................................................................ 75 Francisca Vieitas Vergueiro e Rosa Maria de Mello Galii CAPÍTULOS. Homossexualidade em crianças: será que isto existe? Adriana Canepa Barbosa e Priscila de Oliveira Galvani

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Sexualidade começa na infância

CAPÍTULO 6. Violência sexual infantil................................................................... 95 Maria Cecília Pereira da Silva, Patricia Oliveira de Souza e Zélia dos Santos LIDANDO COM AS DIFERENÇAS.............................................. 113 CAPÍTULO 7. A sexualidade em crianças portadoras de deficiência....................115 Carina Alvarez Gambale, Maria Cecília Pereira da Silva e Patricia Oliveira de Souza CAPÍTULO 8. Aids, crianças e as escolas........................................................... 133 Kátia Rodrigues Antunes e Solange de Souza Queiroz Matos

PARTE II ORIENTAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA: QUEM ENVOLVER?......139 CAPÍTULO 9. O trabalho de sexualidade na escola e os pais............................ 141 Carina Alvarez Gambale, Francisca Vieitas Vergueiro e Maria Cecília Pereira da Silva CAPÍTUL010. Como ser multiplicador..................................................................149 Lucimar Medeiros Cabral França, Maria Cecília Pereira da Silva e Rodrigo de Marco Veinert

O PROJETO DE ORIENTAÇÃO SEXUAL INFANTIL NA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO Planejamento e estruturação..................................................... 157 CAPÍTUL011. Orientação Sexual nos CEIs: um trabalho inédito na SME da cidade de São Paulo................................................................................. 159 Maria Cecília Pereira da Silva

ÍNDICE

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CAPÍTUL012. Uma experiência de avaliação cooperativa...................................165 Mary Ann Norris Castanho Rondas

COLOCANDO EM PRÁTICA........................................................187 CAPÍTULO 13. Reflexos do projeto: atividades realizadas pelos educadores nos Centros de Educação Infantil........................................................ 189 Letícia de Jesus Mello Gonçalves, Mary Ann Norris Castanho Rondas e Rosely Aparecida Pereira CAPÍTUL014. Relato de duas experiências de supervisão................................. 211 Rosely Aparecida Pereira e Maria Cristina Domingues Pinto

DICAS: Para Ler, Assistir e Refletir...........................................221 Agradecimentos.............................................................................247 Sobre os autores

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Prefácio

Sexualidade começa na infância? Penso que muitos de nós, pais ou educadores, responderíamos que não, ou, então, teríamos alguma dúvida em afirmar isso. Mas o título deste livro, tão oportuno, nos propõe que é assim mesmo: a sexualidade começa na infância! E o texto como um todo nos convence - e bem - disso. Consideremos, a propósito, os temas analisados: curiosidade sexual e aprendiza­ gem, educação e orientação sexual nos tempos de hoje, carac­ terísticas da sexualidade infantil nos primeiros seis anos de vida, masturbação infantil, homossexualidade, violência sexual infan­ til, a sexualidade em crianças deficientes, Aids, orientação se­ xual na escola, orientação sexual dos pais, problemas ou casos envolvendo a problemática da sexualidade, o que ler, ver e pen­ sar sobre o tema? Gosto do livro por sua proposição, pela diversidade e oportunida­ de dos temas refletidos. Gosto, também, por ser um trabalho coletivo, produzido por muitos autores e construído no contexto de um Projeto de orientação sexual oferecido nas escolas municipais da Prefeitura da cidade de São Paulo. Pensemos um pouco. Se a sexualidade for considerada em ter­ mos amplos, então nada do que é humano, ou animal, lhe será estra­ nho. E não apenas do ponto de vista reprodutivo, senso estrito, pelas necessidades próprias ao ser vivo, mas a tudo aquilo que lhe serve de contexto, que lhe dá sentido e que nos possibilita considerá-la (a se­ xualidade) como nossa razão de vida. Se a sexualidade está no cor­ po, no pensamento, no sentimento, em nossas formas de comunica­ ção, na energia que alimenta e sustenta nossos movimentos e ativida­ des em relação a algo, então temos de pensá-la nesta escala maior.

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Sexualidade começa na infância

Em uma sociedade complexa como a nossa, em tempos em que a escola assume tanta importância, refletir, se posicionar, receber orien­ tação, fazer leituras e discussões sobre temas ligados à sexualidade é fundamental para todos nós. E, portanto, para quem trabalha ou cuida de crianças em seus primeiros anos de vida. Para quem necessita tocar, limpar, cuidar, alimentar, proteger, tanger um corpo que sente, que percebe, que vive suas experiências por aquilo que ele pode or­ ganizar através dele. Em resumo, para quem é responsável por tan­ tas iniciações fundamentais, tanto na vida pessoal como na escolar das crianças. Supor que sexualidade não é tema para quem cuida de crianças em seus primeiros seis anos de vida é ignorar ou ser indiferente a algo funda­ mental. Se esse tempo é o alicerce para nossa vida cognitiva, social e afetiva, por que não também para nossa vida sexual? Consideremos, a propósito, que neste campo fazemos muitas confusões, que somos centrados em nossa própria posição, que somos determinados por nossas próprias necessidades, dificuldades ou interesses. Consideremos que neste campo somos atravessados por tantas dúvidas, por tantas diferenças, por tantos medos, por tantas fantasias! Consideremos que hoje professores da Educação Infantil e educadores de creche am um tempo impor­ tante do dia (quatro horas) se relacionando com crianças em seus primei­ ros anos de vida. Eles têm as melhores oportunidades para observar e compartilhar as atividades das crianças em diferentes situações (higiene, alimentação, ensino em sala de aula, eios, rodas dc conversas, brin­ cadeiras, etc.). Eles são mediadores qualificados nas relações entre as crianças, nas suas relações com objetos, tarefas. O que pensam da sexu­ alidade das crianças? Como evitam, valorizam, confundem, consideram sua própria visão sobre a sexualidade humana, sua própria experiência sexual, os aspectos positivos ou negativos relacionados a isso? Como “pôr na roda”, discutir, argumentar, tomar decisões sobre os casos que hoje abundam na sala de aula sobre este tema? Como articular família com escola? Como articular o modo como educam seus filhos com a orientação defendida ou praticada pela escola? Como articular sexuali­ dade, família, casamento e escola?

PREFÁCIO

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O fato é que sexualidade não é um tema importante apenas para jovens e adultos, em boas condições de saúde e disponíveis para uma relação assim qualificada. Crianças, idosos, pessoas doentes, porta­ doras de deficiências, sozinhas, com trabalho ou sem trabalho, felizes ou infelizes, também têm sexualidade em suas vidas. Na escola, por mais que seu compromisso seja com a aprendizagem e o ensino do saber escolar, a sexualidade está em toda parte e atravessa as possi­ bilidades, as impossibilidades, a apetência ou inapetência em favor disso. Este livro nos ajuda a promover a inclusão desse assunto de um modo que me parece adequado e oportuno. Muito obrigado, pois, aos autores, à Editora e, principalmente, à Prefeitura de São Paulo pela oportunidade.

Li no de Macedo Professor Titular de Psicologia do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

Apresentação

Este livro foi escrito pensando em compartilhar, com todos que têm contato com crianças, os conhecimentos ligados ao desenvolvi­ mento sexual infantil, desde o nascimento até os seis anos. Apresentamos inicialmente as características da sexualidade in­ fantil e sua importância no desenvolvimento da curiosidade e da apren­ dizagem com seus desdobramentos nos tempos atuais. Nesse con­ texto, há alguns temas mais difíceis de lidar, tais como: masturbação infantil, violência sexual, homossexualidade, o desenvolvimento da sexualidade em crianças portadoras de deficiências ou soropositivas. Eles são aqui cuidadosamente contemplados e discutidos. A segunda parte deste livro é dedicada aos educadores infantis, detalhando os os para a implantação de um trabalho de orienta­ ção sexual Infantil nas escolas: a formação da postura do orientador sexual, relatos de atividades, o trabalho com os pais, a multiplicação deste projeto entre os educadores, exemplos de atividades a serem desenvolvidas e relato de uma avaliação cooperativa realizada com os educadores infantis da Prefeitura Municipal de São Paulo. Por fim, vocês encontrarão ao final deste livro Dicas de biblio­ grafia, vídeos, materiais didáticos e, ainda, algumas questões para refletir sobre cada um dos temas apresentados. Esperamos, assim, que ao contribuir para que as manifestações da sexualidade infantil sejam olhadas e consideradas pelos adultos com o respeito e o cuidado que merecem, as crianças do séc. XXI possam se desenvolver em todo seu potencial.

Maria Cecília Pereira da Silva

PARTE I

INTRODUÇÃO

Capítulo 1

DIALOGO SOBRE SEXUALIDADE: DA CURIOSIDADE APRENDIZAGEM2 Maria Cecília Pereira da Silva

Apesar de todos os trabalhos desenvolvidos por Freud, ainda no início do século ado, apontando a existência da sexualidade in­ fantil; apesar da curiosidade natural das crianças a respeito de sua origem e das dificuldades emocionais decorrentes quando elas não conseguem ter essas questões respondidas, alguns preconceitos e tabus dificultam pais e educadores de lidarem adequadamente com essas manifestações das crianças. Antes mesmo de nascermos, a sexualidade já está presente. Ela se inicia no exercício da maternidade, aliás muito antes, quando surge o desejo de ter um filho, quando o embrião foi fecundado numa relação sexual, em que supomos que um casal experimentou o prazer. A partir do momento em que descobrem que estão esperando um bebê, iniciase, no imaginário materno e paterno, a constituição deste sujeito. Isto é,

2. Parte deste capítulo foi publicado no Caderno Temático de Formação í - Leitura de

mundo, letromento e alfabetização: diversidade cultural, etnia, gênero e sexualidade. Autores diversos. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica n. 1, São Paulo, SME/ATP/DOT, 2003,

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começam a imaginar se será um menino ou uma menina, qual será a cor dos olhos, do cabelo, qual será seu nome e a construir expectativas sobre quem será. As marcas culturais da construção social da sexuali­ dade, na montagem da identidade de gênero, já começam a ser impres­ sas desde aí, no lugar a ser destinado ao futuro bebê. A sexualidade segue sendo construída nas primeiras experiênci­ as afetivas do bebê com a mãe e com o pai ou com quem cuida dele. Agregam-se as relações com a família, amigos e as influencias do meio cultural. Quando nascemos, nossa percepção é toda sensorial e nosso corpo também. E pelo coipo que sentimos o mundo. Os primei­ ros contatos da mãe com o bebê no banho, na amamentação e todos os outros carinhos, as trocas de olhar e o ninar fazem com que ele sinta muito prazer e se sinta vivo. Tudo isso vai compondo as primei­ ras sensações sensuais e será a base para o desenvolvimento da resposta erótica, da capacidade de construir os vínculos amorosos e do desejo de aprender. Esse prazer, se não nos “robotizarmos" de­ mais com a vida adulta dura que vivemos, vai se manifestai' num corpo todo erótico. A curiosidade sexual é a principal responsável pelo despertar da aprendizagem. A curiosidade sexual e o desejo de saber se manifestam logo no início da nossa vida. E por meio deles que compreende­ mos de onde e como viemos ao mundo e isso nos leva a querer enten­ der como é que funciona e o que é o resto das “coisas" do mundo. Assim começamos a conhecer e a pensar. Quando podemos levantar hipóteses, unir as idéias, construir teorias, podemos pensai'. Quando podemos pensar, podemos conhecer e estabelecer relações afetivas. Os vínculos afetivos também são ligações que resultam do desejo de saber e de conhecer o outro. A sexualidade se manifesta ao longo de toda nossa vida. Suas manifestações estão presentes nas conversas, brincadeiras, jogos, relacionamentos e dramatizações em grupo ou individuais. A sexuali­ dade está presente nos momentos em que o sujeito está interagindo afetivamente com outro ou outros e quando está isolado, só ou em momentos reflexivos. /

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Quando somos crianças, a curiosidade sexual se expressa por meio de perguntas e, principalmente, por meio de jogos e brincadeiras. A brincadeira sexual tem para a criança um sentido diferente daquele que é dado pelo adulto e é fundamental e sadia para o seu desenvolvi­ mento emocional e intelectual. Além dos impulsos sexuais, expressa­ mos também os impulsos hostis e ambos são responsáveis pela criatividade, enquanto expressão original de si mesmo no mundo. Diante da curiosidade sexual da criança, é muito importante pri­ meiro entender a pergunta e verificar o que ela quer saber. Ao com­ preendermos a amplitude e o conteúdo da pergunta, devemos dar uma resposta cientificamente correta e objetiva e corrigir informa­ ções errôneas: devemos responder sempre, mesmo que seja para dizer que não sabemos. Quando encontramos desde pequenos al­ guém próximo a nós, seja ele um familiar, amigo ou educador de nos­ sa confiança, que pode responder verdadeiramente nossas questões, mantemos vivos dentro de nós a esperança e o desejo de sempre poder vir a conhecer. A forma de a criança compreender o mundo se dá por meio das fantasias, uma forma não elaborada, não amadurecida de pensamen­ to. Somente com o tempo e por meio de um confronto entre a fanta­ sia e a realidade - que lhe é apresentado e decodificado pela mãe ou pela pessoa que exerce esta função - é que a criança vai poder crescer e se desenvolver. Este processo, no entanto, é algo lento, demorado e vai se desenvolvendo durante muitos anos de sua vida, inclusive ao longo de sua vida escolar. A principal maneira, pela qual a criança desde bem pequena in­ terfere no mundo, interage e se comunica, é através do brincar. En­ quanto os adultos se utilizam basicamente da linguagem oral paia se comunicar, a criança o faz por meio da brincadeira e do jogo. Ao brincar, as crianças vi venciam conflitos, expressam sentimentos, vi­ vem na fantasia diferentes papéis, inclusive os identificatórios, como os papéis parentais. O brincar e a curiosidade sexual são indicativos de um desenvol­ vimento infantil sadio e criativo. A criança que não está muito angus-

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tiada pode brincar, investigar seu corpo e o mundo de uma forma criativa. Sem o brincar, algumas ideias e fantasias se tornariam total mente ináveis, o que acarretaria um desequilíbrio grave para o ego da criança que ainda é muito frágil. E necessário observar sempre se uma criança apresenta uma dificuldade seja no brincar, no aprendizado, ou no contato social. De­ vemos, também, estai- atentos às brincadeiras muito repetitivas, tanto as de caráter sensual, como também as que não tenham esta carac­ terística, mas que nos revelem que há um nível de angústia excessiva em determinada criança, pois podem resultar de problemas emocio­ nais, gerando conseqüências para a aprendizagem e para seu desen­ volvimento geral. Procura-se, assim, favorecer um espaço real de comunicação e alívio dessas angústias; às vezes isso só é possível buscando ajuda de um profissional especializado. * E importante destacar que, quando conversamos sobre questões ligadas à sexualidade, possibilitamos a elaboração de dúvidas que muitos carregam desde a infância, assim como desvendamos e no­ meamos tabus e preconceitos que carregamos. Dessa forma, há mais possibilidade de incluir o prazer na vida, e, consequentemente, toda energia bloqueada, em função tanto dos tabus quanto das dúvidas, pode ser liberada para a construção de diversos conhecimentos. En­ tão, a todo o momento da vida, seja quando criança, adolescente ou adulto, um trabalho sistemático voltado para os temas ligados à sexua­ lidade é importante, pois a construção da sexualidade e da aprendiza­ gem se dão intersubjetivamente e na relação do sujeito com sua famí­ lia, escola, amigos, comunidade e meio sociocultural. Para que se possa favorecer o desenvolvimento e a aprendiza­ gem, - entendida como construção e apropriação do conhecimento é necessário contarmos com a paixão e a audácia dos educadores. Paulo Freire foi um desses professores. Dizia ele: Queria muito estudar, mas não podia porque nossa condi­ ção econômica não o permitia. Tentava ler ou prestar aten­ ção na sala de aula, mas não entendia nada, porque a

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fome era grande. Não é que eu fosse burro. Não era falta de interesse. Minha condição social não permitia que eu tivesse educação... A medida que comia melhor, comecei a compreender melhor o que lia. Foi aíy precisamente, que comecei a estudar gramática, porque adorava os proble­ mas da linguagem. Eu estudava filosofia da linguagem por conta própria, preparando-me, aos 18 ou 19 anos, para entender o estruturalismo e a linguagem. Comecei, então, a ensinar gramática portuguesa, com amor pela lingua­ gem e pela filosofia, e com a intuição de que deveria com­ preender as expectativas dos estudantes e fazê-los partici­ par do diálogo. Em algum momento, entre os 15 e os 23 anos, descobri o ensino como minha paixão f %

Comecei minha vida profissional na educação: sempre tive muita curiosidade em saber o que é que fazia com que alguns professores fossem entusiasmados com o formar e outros não. Mais tarde, já psicanalista, ei a me aprofundar no estudo desse tema e aprendi com os professores apaixonados que formar é3 4: levar o outro a achar seu próprio caminho, a se transformar, a evoluir, a refletir, a se mover e a se relacionar. E ir ao encontro dos seus temas de interesse. Nes­ se processo, o professor apaixonado se coloca como mediador, facilitador ou catalisador do processo de formação e, ao mesmo tem­ po, como alguém também se formando, movimcntando-se, transformando-se, evoluindo, relacionando-se com trocas enriquecedoras e significativas. E um processo que se dá internamente, isto é, para dentro e não para fora, tanto por parte de quem aprende como de quem ensina. Há algo de misterioso nisso. Ao lado do prazer, o pro­ cesso de formação é descrito como uma agem sofrida, dolorosa, que envolve ultraar umbrais, ficando evidente a angústia da for­ /

FREIRE, P, A sombra das mangueiras também se aprende. In: GADOTTI, M. Convite ã leitura de Paulo Freire. São Paulo, Scipione, 1989, p. 23. 3,

4, SILVA, M. C. P. A paixão deformar - da psicanálise à educação. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994,

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mação, vivida por ambas as partes: aquela de criar um movimento. A disponibilidade para o inesperado, para que o desconhecido tenha lu­ gar na atividade formativa, implica uma qualidade do educador no manejo das diferenças, das divergências, presentes em todas as rela­ ções humanas. A diferença se impõe como algo que vem a complementai', enri­ quecer, trazer a discórdia para que o novo e o desconhecido se des­ velem, e possa emergir a criação. Mais importante que buscar discí­ pulos submissos, trata-se de encontrar curiosos fiéis à investigação na tentativa de que o conhecimento se movimente, se desarranje e, então, como na arte, se represente e adquira novos significados. Como diz Winnicott (1975), “é no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança e/ou adulto fruem sua liberdade de criação”. E ainda: ”1' no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e usar sua personalidade integral: e é somen­ te sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)”.5 Usando o conceito cunhado por Winnicott, o formador cum­ pre a tarefa de ser mãe suficientemente boa, ilude e desilude, e ainda possibilita, transferencial mente, a superação da dependên­ cia do aluno em relação a suas figuras parentais, movimento este necessário desde o início da vida e, por extensão, em relação ao seu professor. O professor apaixonado seria a segunda mãe sufi­ cientemente boa, assim como a mãe que permite que o filho seja mãe, professor que permite que o aluno seja professor. Aqui, tam­ bém, está presente a concepção de Freud sobre o que seria uma educação bem-sucedida. Propiciar um campo de ilusão na relação professor - aluno, em que se dê vazão ao sonhar, à criatividade, à curiosidade e à esponta­ neidade, mantém vivo o processo de aprendizagem. Para isso é necessário que a instituição formadora, como repre­ sentante parental, dentro de uma visão pluralista e democrática, ofe­ reça um ambiente acolhedor e estimulante para as idéias ainda 5, WINNICOTT, D, W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro* Imago, 1975, pp, 79-80,

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incipientes de seus alunos, auxiliando o desabrochar do potencial de cada um. E isso tudo vale para os pais e todo profissional que se ocupa, em alguma medida, do formar o outro. Não encontrei no relato dos professores apaixonados nem re­ gras nem métodos que garantissem a eficiência de sua pedagogia. Tratam-se de recursos inconscientes, de sonhos e fontes de desejos infantis que não secam nunca, que nascem de si mesmos. E isto to­ dos nós temos. Só que para alguns isto está mais à mão para instrumentalizar suas aulas, isto é, a via do inconsciente-consciente está menos obstruída e, então, podem tomar posse desses recursos internos e tornar suas aulas apaixonantes, talvez suas vidas apaixonantes. Há nos educadores corações apaixonados, nos quais é possível a paixão de formar ter lugar, dar vazão e ser criativa, contribuindo para a práxis educativa. Um lugar onde o outro pode emergir como um ser pensante, assim como o professor também pode se manter criativo e pensante, sem que ambos se tornem escravos da paixão, sem cair no narcisismo escravizante da institucionalização, dando vazão a um saber livre e criativo. O professor apaixonado é, então, aquele cuja chama se mantém; sua paixão não se apaga pelo fator idealização, não se entrega à erotização da relação professor - aluno, atuando a libido da pulsão do saber-paixão que o esvaziaria e o levaria a sair do lugar de quem transmite o saber. Permite que o outro se diferencie, se discrimine, sem ter necessidade de tê-lo à sua imagem e semelhança. E, ainda assim, mantém vivo dentro de si a pulsão de saber, o entusiasmo, a curiosidade e o respeito pelas possibilidades de desenvolvimento e conhecimento de ambos, professor - aluno. Esse é o desafio para aquele que tem a paixão de formar: criar uma situação l údica, como jogo ou brincadeira, em que vai se dando a aprendizagem e o conhecimento se faz. Concluo este capítulo com as palavras de Rubem Alves, que ilustram sua curiosidade sexual infantil e seu desejo de conhecer que dão o que pensar...

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A gente aprendia por conta própria, movido por uma curi­ osidade incontrolãvel. Só tardiamente descobri ie meu pai era um mentiroso. Eu nada sabia sobre os fatos da vida e corria atrás dos galos machistas que subiam nas costas das galinhas segurando-as pela crista. Perguntei ao meu pai porque os galos assim batiam nas galinhas e ele me respondeu que, com certeza, era punição por alguma malcriação que tinham feito, o que me convenceu, em defi­ nitivo, a jamais fazer malcriações. A cena está absoluta­ mente clara na minha mente, como se fosse agora: eu, aga­ chado diante de um ninho onde uma galinha se esforçava por botar um ovo: imóvel, não se perturbava com a minha proximidade, olhos arregalados, o esforço era demais, e no orifício traseiro, róseo, o ovo que aparecia, Como pro­ fecia de um médico que não fui, eu fazia o “toque” para ver se faltava muito. Botado o ovo, eu o levava triunfante para a cozinha, onde o feto seria transformado em ovo frito. Havia, também, as moscas que voavam acopladas, em maravilhosa sincronia olímpica, na felicidade singular e poética de copular voando, graça que aos seres huma­ nos é dada em ocasiões muito especiais, quais sejam, na conjunção de astros, em eclipses de lua, ou quando os amantes riem enquanto fazem amor E havia também os cachorros, enganchados na mais ridícula das posições, um resfolegando, língua de fora, olhando para o norte, o ou­ tro resfolegando, língua de fora, olhando para o sul, o que nos fazia supor que o sexo era coisa ridícula, que não devia ser feito com a mulher amada. A gente aprendia olhando e pensando os objetos que ha­ bitavam o mesmo espaço que nós. E foi assim que eu, equivocadamente, elaborei um princípio pedagógico que diz que a aprendizagem acontece no espaço habitado, espaço onde criança, sensações, sentimentos, bichos, coisas, ferramentas, cenários, situações, pessoas e ativi­

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dades acontecem e formam um mundo. Eram os objetos do cotidiano, a gente não precisava de enciclopédia para fazer pesquisa. Pesquisa se fazia com os cinco sentidos e a curiosidade. Segundo o que penso, e seguindo minha filosofia da aprendizagem, o corpo aprende apenas aquelas coisas com as quais está em contato, A aprendizagem é uma fun­ ção do viver. A gente aprende para sobreviver e para vi­ ver melhor, com alegria. Mas a vida tem a ver com a rela­ ção direta do corpo com o seu meio. Por isso a aprendi­ zagem começa com os sentidos: o ver, o ouvir, o cheirar; o tocar e o gostar Para os que só pensam com o auxílio de citações: Ma g is ter dixit! Assim falou Marx, que a tarefa da história é a educação dos sentidos!6

6. ALVES, R. (1993) Sobre a vida amorosa das estrelas do mar. In: Cenas da vida. Campinas, Papirus, 1997, pp. 105-7.

Capítulo 2

EDUCAR NOS TEMPOS DE HOJE7 José Ottoni Outeiral8

A escola como espaço de promoção da saúde e prevenção da doença A escola hoje tem um currículo que necessariamente deve envolver promoção da saúde e prevenção da doença. É possí­ vel que muitas crianças e adolescentes encontrem, na escola, a segunda chance e talvez a última de conhecer um ambiente favorável ao seu desenvolvimento, porque a primeira sempre será a família. Quem não aprender alguma coisa de português ou de matemática esse ano, poderá fazê-lo no próximo ano. Entretanto, estar envolvido com a violência, com questões da sexualidade ou mesmo questões das drogas, esse é um proble­ ma para hoje, imediato, e nesse sentido, a tarefa do professor é extremamente importante na vida dessas crianças e desses adolescentes.

7. Palestra proferida no Encontro Temático EME1/CEI - Sexualidade infantil, gênero e diversidade, em 9 de setembro de 2004 / Círculo Müitar-SR 8, Médico psiquiatra e psicanalista.

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O espaço que nossas crianças e adolescentes habitam Há algumas estatísticas, que podem ser facilmente adas nos indicadores sociais do IBGE, que nos revelam que no último cen­ so, realizado há 2 anos, encontramos como causas de morte entre os nossos jovens: o homicídio como a primeira causa; a segunda causa são acidentes; a terceira causa é o suicídio e só depois começam as assim chamadas doenças físicas e orgânicas. Ou seja, as três primei­ ras causas de morte dos jovens no nosso país se devem ao que nós chamamos “causas externas ligadas à violência”. Estes achados nos colocam frente a questões que todos aqueles que trabalham com crian­ ças e adolescentes devem levar a uma reflexão bastante profunda. Não tenho a menor dúvida de que os educadores terão um papel fundamental na prevenção da doença e na promoção da saúde. No penúltimo censo, feito há 12 anos, o homicídio, que hoje é a primeira causa, era a quinta causa de morte. Isso significa que o homicídio, em 12 anos, se deslocou da quinta posição para a primeira. O que aconteceu? Nós tivemos na sociedade transformações muito profundas, muito intensas. Podemos pensar na nossa população. Na década de 1970 (do século ado), havia, por exemplo, uma músi­ ca, comemorando o campeonato mundial dc futebol, em que o Brasil havia vencido, que tinha como refrão mais ou menos o seguinte: “No­ venta milhões em ação...”. Hoje nós somos cerca de 180 milhões de habitantes. Eu sou mais velho que a cidade de Brasília, que tem 45 anos. Se pensarmos que determinadas cidades como Campo Grande, Londrina, com quase 1 milhão de habitantes, não têm ainda 70 anos, somos levados a constatar o fato de que, em um curto espaço de tempo, houve uma grande migração para as grandes metrópoles, que não tiveram um verdadeiro desenvolvimento. Um médico caracterizaria o crescimento destas metrópoles como um tumor, ou seja, um crescimento desordenado, desorganizado, anô­ malo. Enquanto nas pequenas cidades ou no interior existe solidarie­ dade, uma rede social de amparo, paradoxalmente, no grande centro

EDUCAR NOSTEMPOS DEHOJE

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urbano, o que existe na multidão é isolamento e desamparo. A família “ampla’" ou “patriarcal"’, com vários adultos, por vezes inseridos no mesmo modo de produção e habitando próximos uns dos outros, deu lugar à família “nuclear”, a família dos grandes centros urbanos, pe­ queno grupo familiar no qual um terço dos pais não está mais em casa e que a mãe tem de educar e prover o sustento de seus filhos sozinha.

As transformações nas últimas três décadas: nas famílias, nas crianças e adolescentes Desde 1971, pude observar, como médico, duas transformações ao longo dessas três décadas. A primeira seriam as transformações nas famílias; depois, nas crianças e adolescentes. Na década de 70, quando não havia ainda acontecido essa gran­ de migração para os centros urbanos, nas pequenas cidades ou no campo havia uma estrutura familiar que era uma rede ampla de apoio, onde na eventual idade da falta, de dificuldade de um dos pais, sempre havia um tio, um avô, um amigo, um padrinho que se fazia a cargo do cuidado da criança: a família “patriarcal”. Quando há a migração para os grandes centros urbanos, nós encontramos uma pequena fa­ mília, a família “nuclear”, distante do grupo familiar de origem. Assim é que, exatamente no fim dos anos 60, início dos anos 70, crianças e adolescentes começam a chamar os adultos, em geral, e os professo­ res, em particular, de “tios”. Eu sei que o Paulo Freire escreveu um breve texto, dizendo que “professora não é tia”: ele queria valorizar o trabalho do professor. Mas a minha forma de compreender o fato, de que eles - crianças e adolescentes - desde o fim dos anos 60, nos chamam de “tios”, é que eles têm a necessidade de recompor uma rede familiar mais ampla, que lhes dê segurança, escolhendo paren­ tes no vizinho, no pai de um amigo ou no professor e na professora. Cerzindo o tecido social esgarçado, construindo novas “relações de parentesco”, não baseadas na linha familiar, me arriscaria a dizer

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que, na agem do século, os educadores não só serão chamados de “tios”, mas as crianças e adolescentes serão levados também a buscar neles funções parentais, de pais e mães. Porque tanto na rede privada como na rede pública das escolas, os pais, muitas famílias, na sua perplexidade, nesse mundo de tantas mudanças, terceiriza para a escola os cuidados parentais, assim como uma empresa terceiriza segurança, limpeza e alimentação. Isso exige de nós uma discussão muito profunda. Na última década, questões novas em relação à família surgi­ ram. Se, nos anos 60-70, o professor, que tinha entrado na sala de aula, imaginava “um tipo de família” para seus alunos, hoje, ele terá de lidar com a diversidade, com a singularidade, com o fato de que naquela sala de aula seus alunos vêm de diferentes estruturas familia­ res, de distintas culturas familiares. Um exemplo muito claro é quan­ do o filho da Cássia Eller, com a morte da cantora, não ficou sob a guarda do avô com o qual tinha laços de sangue, mas foi criada uma nova jurisprudência, que deixou a guarda da criança à companheira de Cássia Eller. Foi reconhecida na justiça, através desta jurisprudên­ cia, uma nova configuração familiar. Há uma transformação grande. Por exemplo, o apresentador de TV, Gugu, resolveu ser pai, e esco­ lheu uma mulher que provavelmente cuida bem de crianças, uma pediatra. Ele mora num lugar e ela no outro e Gugu escreveu um livro sobre paternidade, que é um sucesso nas bancas. A minha conterrânea Xuxa, como o Gugu, é adulta, se sustenta, resolve ter um filho e este é um direito que reconhecemos. Ela escolheu o homem que lhe pare­ ceu, obviamente, ser bem apessoado, teve o bebê e resolveu, depois de algum tempo, separar-se do pai e cuidar da criança com o auxílio de Marlene Matos. Quando houve o “espetáculo” (a sociedade con­ temporânea busca o “espetáculo”) do primeiro aniversário da meni­ na, o pai compareceu para tirar fotos para uma revista de variedades. Não me arriscaria a dizer que crianças nascidas destas novas confi­ gurações familiares serão crianças de risco. Isso que nos produz sur­ presa, ansiedade, riso, escárnio, se deve às nossas dificuldades de lidar com as novas circunstâncias. A diversidade e a singularidade

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vão se colocando e nós não sabemos ainda como trabalhar com isso. Acredito que, assim como em Porto Alegre, na minha cidade, como em São Paulo, nas periferias, quem cuida das crianças é, muitas ve­ zes, a avó. Porque os pais são adolescentes, ou não estão em casa, ou estão vivendo a adolescência. Mas não só as avós na periferia cuidam das crianças; outras circunstâncias fazem com que os pais deleguem os cuidados parentais também à escola. Mas não mudou só a família. Nós somos obrigados hoje a pensar em famílias, pois cerca de 1/3 dos homens não está na casa, como no ambiente familiar. Fisicamente o pai não está presente. Mas nós te­ mos que imaginar que a própria infância e a própria adolescência se transformam, o que traz questões extremamente importantes para a escola. A criança sempre existiu, mas o conceito de “infância”, como período de desenvolvimento, com necessidades e direitos específi­ cos, tem cerca de 200 anos. Foi uma grande conquista da modernidade o conceito de “infância”. Acontece que nós, na sociedade contempo­ rânea, estamos, segundo vários autores, “des-inventando" a infância. E é extremamente importante que a escola lute pela preservação desse conceito. Nesse desenho vou colocar parte desse processo.

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Imaginem vocês que a adolescência é o período constituído en­ tre os 10 e os 20 anos, segundo a Organização Mundial de Saúde, ou entre os 12 e os 18 anos, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Nós temos a infância, a adolescência e o mundo adulto. Se a infância, esse conceito tão importante, tem cerca de 200 anos, é possível que a adolescência tenha começado a ter uma existência mais facilmente identificada na primeira metade do século ado, correspondendo, entre outras coisas, ao grande crescimento das cidades e ao ingresso da mulher no mercado de trabalho, no período pós-guerras (19141918/1939-1945), dentre inúmeros outros fatores. A outra questão a ser comentada, a partir de minha experiência dessas três décadas trabalhando com crianças, adolescentes e famí­ lias, é que: na década de 1970 alguém se tornava púbere (transfor­ mações físicas - puber vem de pêlos) e depois f icava adolescente. Na década de 1980, começou um fenômeno distinto: a puberdade e o fenômeno psicológico-social adolescência ocorrendo juntos. Na últi­ ma década, a observação é muito singular: algumas crianças não são púberes ainda, têm 7, 8, 9 anos, e têm a conduta adolescente. A ado­ lescência é um fenômeno psicossocial. Ou seja, se vocês esperam encontrar, hoje, conduta adolescente, como diz o ECA, depois dos 12 anos, estão muito enganados; vão encontrar adolescentes antes dos 10 anos, não púberes ainda. Ou seja, a adolescência começa a invadir os anos da infância e vai invadindo particularmente os anos escolares, trazendo todo o tur­ bilhão adolescente para estes anos, de tal forma que vai produzir particularmente dois tipos de dificuldades: de aprendizado e na for­ mação dos códigos de relacionamento entre as pessoas, dificuldades na constituição de uma ética e de uma moral. Quando nós trazemos a sombra da adolescência, o turbilhão adolescente sobre a infância, nós trazemos diversas questões para uma mente ainda não habilitada a lidar com isso. E esse turbilhão vai interferir nessas duas áreas. Como isso se dá? Eu poderia listar muitas maneiras em que nós começamos a construir a “des-invenção" da infância. Urna delas é pela erotização genital precoce. Nosso problema não é só a prostituição infantil. A

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nossa cultura, como um todo, promove a erotização genital de crian­ ças. Por exemplo, há poucos dias eu trabalhava com uma mãe cuja filha de 5 anos, freqüentando a pré-escola, não queria ir à aula porque as coleguinhas de 5 anos iam para a escola de sutiã e ela não tinha ganhado um. Pois é, existem sutiãs hoje para meninas de 5 anos... E difícil encontrar uma sandália para uma menina de 8, 10 anos que não tenha salto, desaconselhável pelos ortopedistas, mas sobre a qual a cultura incide fortemente. Ao assistir a um desfile de “moda”, encon­ traremos meninas de 12 anos, vestidas de uma forma extremamente insinuante e erotizada. Há pouco tempo, havia um programa de TV que apresentava meninas muito pequenas, de 5, 6 a 7 anos, dançando a “dança da garrafa'1. A Promotoria e o Conselho Tutelar demoraram a intervir, proibindo essa parte do programa. Todos nós estamos en­ volvidos nessa discussão, no esclarecimento dessas questões, coni­ ventes ou não. Um segundo ponto, com relação à “des-invenção" da infância, é o fato de que nós vivemos numa sociedade extremamente voltada ao consumo e que descobriu nas crianças um grande mercado consumi­ dor que é capaz de influenciar inclusive o consumo dos pais. Como tornar uma criança uma grande consumidora? Atingindo um ponto fundamental da infância, que é o “brincar A sociedade de consumo, e nós somos parte ativa desta sociedade, incluindo a escola, começa a “des-inventar" o brincar. O importante é comprar o brinquedo. O prazer está em comprar o brinquedo. Comprado o brinquedo, há um tédio muito grande do qual só se escapa comprando um novo brin­ quedo. A “des-invenção” do brincar é muito clara. Se nós prestarmos atenção em determinados jogos ou em certas brincadeiras infantis, veremos que elas estão sendo substituídas por outras. Por exemplo, peça a uma criança para fazer uma pipa. Ela corta a taquara (vareta) em quatro, faz armação de cordão, papel amanteigado, e na hora de colai' o papel surge um grande problema, não tem cola! Como colar ? As crianças de hoje são incapazes de ir até a cozinha e fazer um grude com água e farinha para colar a pipa. Costumo brincar dizendo que quem não sabe fazer grude é um sério candidato a uma vida sem /

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cidadania. Brincar é fundamental e vou retomar essa questão logo a seguir. Vou dar um outro exemplo: quando eu era menino, aos 9 anos, ainda no curso primário como se chamava, não havia rádio portátil. Imagine a revolução tecnológica desses últimos anos. Quando o rá­ dio portátil surgiu, era algo muito caro. Mas circulava na sala de aula um esquema, como comprar um cristal, um resistor, um alto-falante e construir um rádio - chamava-se “galena"’. Os meninos e meninas, as crianças, faziam o rádio. Eram capazes de brincar com uma bola feita de meias usadas. Hoje, se não houver uma bola, do pentacampeonato, às vezes não sai jogo. O jogo do computador, por exemplo, não é o verdadeiro brincar. Brincar é sinônimo de criatividade, espontaneidade. No computador alguém se torna, apenas, um exímio repetidor, ou seja, quanto mais eu repito habilmente, o para outra fase, porque toda a criatividade está tolhida pelo “soft" do jogo, que já vem pronto. E função da escola preservar o brincar. Então, não só há uma “des-invenção" da infância, mas observa­ mos outro fenômeno que atrapalha de forma significativa esses dois momentos evolutivos fundamentais, primeiro a infância e depois a adolescência, que é a “des-invenção” do adulto. A adolescência não só aborta, invade parte da infância, como começa a invadir a própria vida adulta. Existe uma palavra que cons­ ta de dicionário que se chama “adultescer”, que é uma junção de adulto com adolescente, e que significa que nas grandes cidades oci­ dentais o objetivo de muitos adultos é, ao menos, parecer adolescen­ te. Com isso, não só “des-inventamos” a infância, mas começamos a des-inventar o adulto. Existem professores que ficam tão amigos de seus alunos, mas tão amigos, que am a ser “adultescentes" e não mais adultos. A criança e a escola precisam da preservação do adul­ to, do pai e da mãe. Pai ou mãe não é amigo, amigo é cúmplice. Pai e mãe c pai e mãe. Amigos nós temos muitos, mas pai ou mãe só temos um. Pai e mãe pressupõem amizade, mas os pais que são muito ami­ gos dos seus filhos, às vezes, têm nisso uma forma de abdicar de sua função de adulto, pois exige confronto, conflito, colocação de limites.

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Isso é tão sério que, por vezes, eu vejo na pré-escola essa erotização genital precoce. Pais de crianças da pré-escola comentando como o seu filho é namorado da sua coleguinha, que tem às vezes 3, 4, 5 anos. E os pais dizem: O meu filho “tá namorando a Maninha’’. E os pais da “Maninha” corroboram essa fantasia. Isso é muito mais uma projeção nas crianças de uma vida insatisfatória sexual dos adultos que começam a erotizar os filhos muito precocemente, distorcendo a verdadeira concepção saudável do que é a sexualidade humana. Se­ xualidade humana pressupõe vários elementos ligados à maturação e ao desenvolvimento e, quando nós antecipamos, de maneira demasia­ damente precoce, alguma dessas etapas, o indivíduo se torna incapaz de lidar com a questão que lhe é trazida. Não bastasse muitos adultos “adultescer”, alguns são “adultkids”, ou seja, adultos cujo objetivo é ser criança (Caderno Mais da Folha de S. Paulo, agosto, 2004). Ou seja, como se não bastasse abrir mão da posição da identidade de adultos, buscando parecer adolescentes, alguns am a agir como se eles próprios fossem crianças, neces­ sitando de limites e se portando como se fossem crianças pequenas. Tudo isso produz na sala de aula fenômenos muito interessantes que a sociedade de consumo, rapidamente, trata de aproveitar para vender algum de seus produtos. As vezes, na sala de aula, lá no fun­ do, tem alguma criança que anda de um lado para o outro, com difi­ culdades para permanecer numa tarefa, e, por vezes, vem à mente do professor um diagnóstico muito frequente: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, e uma substância, a Ritalina. Esta medica­ ção, Ritalina, tem aumentado muito suas vendas, tanto que nós psi­ quiatras brincamos: é criança, então tem transtorno de déficit de aten­ ção; se é adulto, transtorno bipolar; se é velho, Alzheimer. Sempre existe um rótulo. Mas essa criança, e a maioria absoluta delas, não sofre do assim considerado transtorno de déficit de atenção; sofrem, sim, de falta de atenção dos adultos em relação a elas. Falta atenção dos pais em casa para com a criança e falta um acolhimento da esco­ la. Através dessa conduta, a criança ainda busca, com esperança, que alguma atenção, e não uma medicação, lhe seja dada. O Trans-

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torno de déficit de atenção é um nome novo para o que o professor Letevre, há mais de 30 anos, descreveu como disfunção cerebral mínima, com os mesmos procedimentos diagnósticos e o mesmo tra­ tamento. Então, modificou-se a embalagem do produto para vendê-lo com mais eficácia: uma reinvenção da roda. O que eu proponho é que nós temos que prescrever “atenção" para essas crianças e um cuidado muito grande paia evitar medicalizar ou homogeneizai- com­ portamentos com remédios, tanto do ponto de vista médico, psi­ quiátrico, como psicanalítico. O que a escola pode fazer para se tornar um ponto de promoção da saúde e prevenção da doença?

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Sustentar o sonho, a utopia e o desejo Em primeiro lugar, a escola deve sustentar o sonho, deve susten­ tar a utopia e o desejo. A escola, de certa forma, seguindo a idéia da sociedade industrial, expulsou o prazer e a alegria de aprender da sala de aula. Por vezes, se confunde seriedade no trabalho com ex­ clusão da alegria c do prazer. E, muitas vezes, os próprios professo­ res não têm uma “paixão"' suficiente para educar e uma alegria sufi­ ciente de estar em contato com os seus alunos. A escola tem que resgatar a capacidade de acreditar numa utopia. A utopia não precisa acontecer, a gente tem que desejá-la: a utopia do respeito pelo outro. Se o John Lennon disse que “O sonho acabou"’, ele estava nos avi­ sando, dentre várias coisas, de que a escola é um lugar que tem que sustentar o sonho. A escola tem que ser algo mágico, muito alem da fórmula de Báskara, de Dom Casmurro, do present continuous, dos afluentes do rio Amazonas: é o local do sonho, da utopia e do desejo.

Brincar Em segundo lugar, brincar. Brincar vem do latim vínculum, vín­ culo. Quando, no nosso idioma, o v é trocado pelo b, lá pelo século XVI, vínculo se transformou em brinco, aquele que prende na ore­ lha, e originou o brincar. Quando alguém brinca, não é só expressão de desenvolvimento psicomotor. Quando alguém brinca, cria um vín­ culo. Onde se brinca, a droga entra com mais dificuldade. Quando se brinca, a violência tem mais dificuldade de se impor. O brincar é a primeira posse de cidadania. A primeira assunção da cidadania não é quando se vota aos 16 anos. A criança que brinca verdadeiramente começa, então, a se tornar um cidadão. Cito um exemplo: no meu Estado, há uma multinacional, cuja sede é em Porto Alegre, e o setor de recursos humanos dessa grande siderúrgica leva seus gerentes para ensiná-los a brincar em seminários com corridas de saco e jogos

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de subir em árvores. Por quê? Porque faltam criatividade e esponta­ neidade em seus funcionários. A escola pode criar esse espaço de brincar, não para que eles em a trabalhar para as grandes indústrias. Absolutamente. Mas para que eles construam e possuam cidadania. E os professores tam­ bém vão ter que re-aprender a brincar.

Pensar Terceiro lugar, pensar. A escola é o local onde se pode ensinai' a pensar. Os jesuítas começaram a ensinar os curumins 50 anos depois de descoberto o Brasil. O José de Anchieta começou aqui em São Paulo a ensinar aos curumins o latim. Lá em Porto Alegre existe um colégio, Colégio Anchieta, onde um grande outdoor em frente diz assim: “Esta escola ensina a pensar. Colégio Anchieta”. Os jesuítas trabalham na educação há tanto tempo e acreditam que as crianças chegam na escola sem pensar? Exatamente! Tem muita gente que a pela vida sem nunca ter pensado. Sabe o endereço, sabe o F, sabe o nome da mãe, o nome do pai, talvez, se orienta, trabalha. Entretanto, nunca pensou ou não pensa com freqiiência. Pensar sig­ nifica reflexão, crítica. Ele repete, repete como no jogo de computa­ dor, quanto mais repete a a um outro nível do jogo. Mas só como repetidor. Pensar é extremamente difícil. Pensai’ é perigoso. Vou contar uma pequena história para vocês de como pensar é perigoso e sur­ preende o próprio pensador. Imaginei que essa história era de Monteiro Lobato, mas depois uma professora de literatura me disse que Monteiro Lobato nunca escreveu essa história. Devo ter sonhado a história e para torná-la mais verossímil dizia que era de Monteiro Lobato: a história é minha. A história é assim: Era uma vez uma pequena cidade do interior, com um padre bem velho, em que os fiéis rezavam só repelindo uma ladainha. Eles reza­ vam rapidamente: “Ave Maria, cheia de graça...” Um dia, morreu o

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padre velho subitamente. Mandaram um padre novo da capital. O padre novo chegou, começou a missa e eles começaram a rezar rapi­ damente a Ave Maria. Então, o padre novo disse: Parem com isso! Rezar, religare, nós vamos pegar cada frase da oração e vamos pensar sobre ela. E assim rezaram. A noite, uma beata estava sozi­ nha, se aqueceu embaixo das cobertas e pensou: Vou rezar que nem o padre novo ensinou. Aí ela pensou Ave, e veio uma imagem em sua cabeça que a assustou muito. Quando ela disse Ave, ela pensou numa galinha. Ficou ansiosa, mas resolveu seguir adiante. Cheia de Graça. Aí ela se assustou muito, porque viu a imagem de um galo e várias galinhas. A beata estava nervosa e aí teve um terceiro pensa­ mento que a apavorou, ela pensou: Ainda bem que esse padre velho morreu e agora nós temos um padre novo e bonito. Moral da história: primeiro, quando nós pensamos, somos surpreendidos pelos nossos próprios pensamentos; segundo, nós nos assustamos com os nossos pensamentos; terceiro, todo o pensamento é uma trans­ gressão; e quarto, é fundamental pensar.

Preservar o conceito de infância e a existência do mundo adulto Uma outra função da escola é preservar o conceito de infância e a existência do mundo adulto. Uma escola pressupõe não apenas um grupo de crianças ou um grupo de adolescentes; a escola pressupõe a existência de adultos, não de “adultescentes” ou de “adultkids”, mas de adultos que serão capazes de dizer não e assumir suas res­ ponsabilidades como adultos. Aprendendo com as crianças que, inici­ almente, dizem não antes do sim, nós temos que protegê-las, estabe­ lecer limites. Limite não é bater na criança nem humilhá-la. Limite é proteger, permitir o viver criativo. Estar vivo não é sinônimo de saú­ de. Saúde é o viver criativo, que inclui a agressão, que inclui a trans­ gressão, que inclui o questionamento, que inclui a espontaneidade e a criatividade.

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O tema da “des-invenção” da infância ocorre na sociedade con­ temporânea, que alguns chamam de alta modernidade, e alguns fran­ ceses, de pós-modernidade. Cabe a escola lutar pela preservação da infância. Acredito que é fundamental incluir esta tarefa do brincar ou a alegria nas atividades pedagógicas. E fundamental a introdução de técnicas pedagógicas que incluam verdadeiramente o brincar, inclusi­ ve para que a escola não se constitua numa das causas da evasão escolar. A escola, num sentido amplo, é chata, repetitiva e bolorenta. A formação dos educadores mantém como marcos referencias a for­ mação dos anos 70, 80, talvez 90, para crianças do século XXI. O que nos instrumenta na graduação para lidar com esse personagem que frequenta as nossas salas de aula hoje? Imaginamos que virá um Pedrinho, do Monteiro Lobato, menino da modernidade, que respeita o outro e acredita no seu país. Não, quem vem para a sala de aula é uma mistura de Pedrinho do Monteiro Lobato com Luke Sky walker, o adolescente de Guerra nas Estrelas. Na verdade, temos um Pedrinho Skywalker. Isso traz uma dificuldade importante, para o que não temos respostas. Aliás, vale lembrar que o pior que pode acontecer a uma boa pergunta é uma resposta. A função do professor não é responder. A função do professor é despertar a curiosidade e orientar a busca da resposta em cada um dos alunos.

Matricular os pais na escola Por último, destaco a importância da integração dos pais na escola. E fundamental que a escola mude a sua atitude em relação aos pais. A escola brasileira tem uma tradição complexa. Gilberto Freire escreve sobre isso no Casa Grande e Senzala. Os jesuítas pega­ vam as crianças e as separavam de suas famílias, levando-as para as escolas jesuítas. Afastavam os pais das crianças, e nós mantemos, ainda hoje, essa tradição de, por exemplo, só chamar os pais às esco­ las quando alguma coisa de ruim está acontecendo. Cada vez que um *

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dos meus filhos chegava com um bilhete da escola, eu já sabia: algu­ ma coisa ruim aconteceu. A comunicação que a escola tenta estabe­ lecer com os pais não era de integração de uma tarefa, a educação. Mas, ao contrário, era uma reclamação, uma crítica, uma observação que só produz angústia nos pais. Talvez fosse desejável que, quando os pais fossem matricular o filho na escola, preenchessem uma ficha de matrícula. E deveria haver um conselho de classe para o qual os pais pudessem trazer as questões que observassem em seus filhos, em suas casas, e discuti-las com o que observa o professor na sala de aula. Essa integração com os pais pude constatar na declaração de um homem, que certamente não tinha mais do que cinco anos de estudo, e era um líder da comunidade: “Não sei por que as escolas (e as escolas do município de Porto Alegre são muito boas, têm estádios cobertos, refei­ tórios etc.) ficam fechadas no fim de semana e as crian­ ças têm de brincar na rua. Por que a escola tem que fun­ cionar das 7h30 da manhã às 6h00 da tarde e não funcio­ na sábado e domingo? Talvez no pátio da escola pudesse ter churrasqueiras para as famílias organizarem chur­ rascos". Os pais queriam entrar e se integrar na escola. Esse mesmo homem ainda acrescentou que na comunida­ de dele haviam coletado R$ 200,00 para edugar um salão da igreja para uma festa de 15 anos, e perguntou: ‘‘Por que não se faz que nem em filme americano onde as fes­ tas dos adolescentes acontecem principalmente dentro do estádio da própria escola?". E necessário atualizar a formação e a estrutura curricular para o novo século. A nossa escola repete a exclusão, possui muros que afastam a comunidade. Nós precisamos pensar formas de poder es­ tabelecer canais de comunicação mais efetivos com o grupo familiar. Tomar a escola não só mais atrativa como também mais atualizada.

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Sobre os limites A erotização sob a ótica de “limites” é um tema importante para todos nós, especialmente para a escola. E necessário que possamos saber que ninguém nasce com limite. Limite é uma coisa que se obtém no contato entre a mãe e o bebê. A mãe, quando toma o seu bebê nos braços, apresenta a primeira impressão do limite. Se algum de nós tiver uma ansiedade e alguém nos pegar na mão, haverá uma tranquilização. Por que um abraço acalma o desespero? Por que o abraço ajuda no desespero? O abraço não precisa ser tocar, pode ser escutar ou olhar. Abraçar com o olhar, com a escuta. Porque quando alguém em deses­ pero é abraçado, lança mão de uma memória inconsciente, de um ado onde uma mãe o abraçava, e isso o tranquiliza. E possível que muitas crianças na sala de aula não tiveram essa experiência suficiente com suas mães. As crianças que não tiveram este abraço inicial, quan­ do abraçadas sentem medo, desconfiança. Mas é fundamental esse primeiro momento. Podemos abraçá-la com o olhar e a escuta. Uma vez fui a um congresso no Uruguai num avião velho da Pluna, uma companhia uruguaia que estava em falência. O piloto entrou com­ binando com as aeromoças a noite em Montevidéu. Pensei comigo: estou em dificuldade nesse avião tão velho. Quando ele foi aterrissar no aeroporto de Montevidéu, onde sempre venta, deu uma “tesoura de vento" e ele teve que arremeter de novo. A sensação é de que o avião ia cair. Na fileira ao lado da minha, estava, na janela, um colega meu, um homem adulto, Pedro Ferreira, psiquiatra. Na carreira do meio es­ tava Eloísa, a mulher dele, e na cadeira do corredor um estagiário bem jovem. Eu estava do outro lado. Quando o avião começou a tremer, Pedro Ferreira pegou a mão de sua mulher c o estagiário perguntou: “doutor Pedro, posso pegar a mão de Eloísa?". Pois bem, dois homens adultos acreditavam que pegando a mão de uma mulher seria mais ável a idéia de que o avião caísse. Por quê? Porque tiveram uma mãe no ado que, provavelmente, nos momentos de não-integração, de desespero, os abraçava. Só isso, entretanto, não basta. É necessário um segundo momento, que é a entrada de um terceiro na relação: a *

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entrada do pai. Depois deste momento inicial, de fusão mãe-bebê, é necessária a entrada de um terceiro, o pai. Quem faz o nascimento biológico da criança é o obstetra. Quem faz o nascimento psicológico da criança é o pai ou quem exerce a função paterna. Um terço dos pais não está em casa. A função pa­ terna, a mulher a pode exercer, e a função materna, o homem a pode fazer. Aliás, a primeira função do pai é cuidar da mãe e do bebê como se ele fosse uma boa mãe. Então, a primeira função do pai é ser uma boa mãe. Depois, ele separa a mãe do bebê, permitindo que o bebe exerça sua autonomia, seduzindo a mãe de volta para ele. O pai tem que ser um grande sedutor, sabendo que depois que a mulher tem um filho nunca mais vai amá-lo como antes, pois parte do amor fica no filho. O pai tem que ar isso, colocando nesse vazio que se criou o amor parental. Isso não é fácil. A mãe pega a criança na horizontal, o rostinho da criança volta­ do para o rosto dela. O pai pega a criança na vertical, com o rosto da criança virado para o mundo. E o pai tem um brinquedo, o de jogar a criança e a mãe muitas vezes diz: não faz assim, o pescocinho dele é mole. E se a mãe insistir muito, o pai pode dizer à mãe o seguinte: “não, eu vou fazer isso, mostrar o mundo para o meu filho, senão ele vai terminar que nem a tua irmã ou o teu irmão, que os teus pais não mostraram o mundo para eles e olha no que deu esses cunhados que eu tenho!" Sempre que vocês falarem mal de um cunhado vão acer­ tar, pelo menos um pouquinho.

Sobre a atençao e o olhar Uma das coisas mais importantes para o desenvolvimento da criança é o olhar da mãe para o bebê. Existe um filme que vale a pena discutir com os professores, que se chama Janelas da Alma, um documentário do David Martins sobre o olhar. Para tomar o tema da atenção, o que ajuda organizar a atenção de um bebê? É o olhar da mãe no olho do bebê. A função especular do olhar da mãe. Se a

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mãe não olha o bebê no olho do bebê, o bebê olha para a lâmpada, olha para a janela, olha para televisão. A atenção é organizada na atenção que o adulto presta à criança. Por outro lado, em segundo lugar, o olhai'do adulto dá uma satisfação. Os analistas dizem: “libidiniza a criança"; ou seja, dá auto-estima e amor próprio, através do olhar. Não gosto muito de usar datashow. Por quê ? Porque geralmen­ te quando a gente vai usar datashow apagam a luz e as pessoas começam a olhar a imagem e não a mim. Quando eu dou aula, eu gosto de olhar no olho de quem me assiste. Acredito que esta experiên­ cia de podermos olhai' um no rosto do outro promove uma identifica­ ção recíproca. Essa identificação pode ser fundamental no trabalho com as crianças em geral, principalmente com os pequenos. Isso que c vínculo. Brincar. Quando o bebê de 18 meses começa a andar, ele está andando e se volta paia a mãe. Ele quer ver se a mãe está ali; se aparecer um gato ou uma pomba, a mãe vai protegê-lo, mas ele quer ver outra coisa. Ele quer ver o olhai" da mãe. Se ele se volta para a mãe e a mãe olha com um olhar de encorajamento, de alegria e de satisfação, vendo o desenvolvimento do filho, a criança continua andando. Se o bebê ou a criança pequena olha para mãe e a mãe tem um olhar de angústia, de medo, a criança volta correndo para ela. A professora tem que ter uma habilidade muito grande de fazer essa separação, entendendo o quanto nós sofremos com a independentização dos nos­ sos filhos, não só os bebês, mas inclusive os adolescentes. A partir do que Descartes escreveu, “Penso, logo existo", Winnicott, um psicanalista inglês, disse: “Olho, sou visto. Logo existo". O que nós estamos falando dc olhar significa o sustentar o sonho que a pergunta refere.

Função dos pais e do professor Pai e mãe não são “amigos”, cúmplices, não são da mesma faixa etária. Eles têm que transmitir uma experiência aos filhos e a trans-

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missão dessa experiência significa muitas vezes dizer não; não aban­ donar a condição de adulto. E atritos existem muitos. Ser pai é muito mais que ser amigo; pressupõe amizade, obviamente, mas não se reduz a amizade. É muito mais complexo. O professor também é convidado a ocupar um lugar de pai e mãe, embora sua função seja pedagógica. Por isso, a função de pro­ fessor também é diferente da de amigo. O professor não pode usur­ par o papel dos pais, o que não significa que muitas vezes ele seja levado a exercer funções parentais. Ajudando, por exemplo, a crian­ ça na entrada na sala de aula, fazendo esse corte entre a ligação forte entre o bebê e sua mãe, entre a mãe e o bebê. Na sala de aula, na agem do último século, como já apontei, os educadores não só serão chamados de tios e tias, mas serão solicitados a exercer funções maternas e paternas. As famílias, perplexas, terceirizam para a escola, tanto a escola particular como a escola pública, cuidados parentais e, mais, a escola talvez seja a última chance que essas crianças tenham de encontrar um ambiente favorável ao desenvolvimento. A es­ cola deve fazer isso sem usurpar o papel dos pais, absolutamente. Por exemplo: vamos supor que uma professora disse para a mãe: “Pode ir para casa, deixa o teu filho entrar aqui”, - ela está exercendo função paterna. Quando a criança está dispersa no fundo da sala e a professora diz: “Senta aqui comigo”, está exercendo a função materna. Quando a professora da pré-escola ou da creche diz à mãe: “Dei­ xa teu filho comigo”, ela separa a mãe da criança pequena. E a mãe se ressente com isso. A mãe é capaz de chegar em casa e dizer: “Eu não sei nada dessa professora, mas alguma coisa me diz que ela não é confiável". Ou seja, é uma mãe que foi separada do filho. E os mamíferos, principal mente os humanos, têm uma relação muito es­ treita com seus filhotes. Eu diria que a professora da creche, a cuidadora da creche, tem que ter uma habilidade muito grande para deixar bem claro a essa mãe que não é uma competição, que ambas estão juntas. Isso pode tranquilizar o bebê, a mãe e a professora. O lugar de professor é o lugar do pedagógico, do educativo e daquele que tem coisas a transmitir desse lugar e o de colocar limites.

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Sobre a curiosidade e desejo de conhecer Imaginem que uma criança, na parede da casa, da sala, recémpintada, pega um pincel e faz um desenho. A primeira representação da figura humana. E diz, chamando o pai e a mãe: Essa é minha mãe.

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Figura 3 Quando alguém fecha o círculo, significa que é capaz de conhccer dentro e fora, interno e externo, um e o outro. E capaz de começar a compreender de maneira bastante significativa as re­ gras de convivência. Na parede da sala recém-pintada ou na pare­ de da classe é necessário colocar um limite. Sempre que houver dificuldade sobre o que fazer, deve-se pensar sobre o que não deve ser feito e por exclusão chegamos perto daquilo que é mais razoá­ vel de ser feito. Primeira coisa a não fazer: usar violência. A violência é errada, por exemplo: “A próxima vez que tu fizeres um desenho desse vou te arrebentar a pau, tu nunca mais vais repelir”. A segunda coisa: encher de culpa a criança. A culpa seria o seguinte: “Tu sabes o quanto papai c mamãe te amam, mas sabes

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quantas horas nós trabalhamos para pintar essa parede e tu fazes essa sujeira? Vai para o quarto, quando tiveres te arrependido, pede perdão e nós te amamos tanto que vamos te absolver desse pecado”. Terceiro: Desqualificar o outro. A desqualificação é o seguinte. A criança diz muito contente: “Essa é a mamãe!” (desenho do bone­ co A da figura 3). Aí o pai ou a mãe diz: “Isso aqui é a mamãe? Não tem pupila, não tem os cílios, não tem sobrancelha. Isso é nariz que se faça? Não tem boca, não botou orelha, não tem os cabelos da mamãe. Não sabes que mãe tem 5 dedos? Vai ver não sabes nem que mãe tem mão. Isso é vestido que se faça? Não fez os pés da mamãe, só desenha palitinho. Põe linha de terra que professora gosta de linha de terra.” (Desenho B, sobreposição sobre o desenho A da figura 3) Quando alguém faz isso, destrói a auto-estima, destrói a criatividade e destrói a espontaneidade, que são três funções do de­ sejo de conhecer. São três funções ligadas estreitamente à curiosida­ de. Quando nós destruímos a capacidade para o desejo-de-conhecer (pulsão epistemofílica), como no exemplo anterior através da violên­ cia, da culpa, da desqualificação, destruímos a auto-estima, a criatividade, a espontaneidade: a curiosidade é atingida. Isso que al­ gum doutor vai chamai' de função epistemofílica. A função que nos leva ao desejo de conhecer. E muito fácil destruir o desejo de conhe­ cer do outro. Só podemos ficar atentos a isso, na sala de aula, se estivermos olhando as crianças, subjetivando, conhecendo-as pelo nome, conhe­ cendo a história dessas crianças, historicizando as crianças. Enfim, evitando o que na modernidade nós identificamos como dessubjetivação, des-historicização. Por exemplo, em Porto Alegre, numa escola do município, há um trabalho de subjetivação e historicização das crianças em que eles trazem retratos, objetos dos seus anteados. Estudam os locais dc migração, da pequena cidade do campo para Porto Alegre, estudam um pouco das crianças. De onde vem o nome? Nenhum de nós leva um nome sem que nisso esteja uma fantasia dos pais. Imaginem al/

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José Ottoni Outeiral

guém que se chama César Augusto - é hipotônico e bem pequenini­ nho? Outros levam metade do nome da mãe, metade do nome do pai. Outros, como falta de criatividade dos pais, levam o nome do santo do dia. O meu nome, por exemplo, meu sobrenome Outeiral, surgiu assim: os portugueses vinham lutar na fronteira da Espanha. No Rio Grande do Sul, portugueses e espanhóis eram trazidos como militares no século XVIII. Então, meu anteado desceu na primeira cidade do Rio Gran­ de do Sul, num forte que havia lá na fronteira, e perguntaram para ele: “Como é o teu nome?”. E ele disse: “Manoel”. “De onde vens?” “Ve­ nho do outeiro". Morro em Portugal pode ser chamado de outeiro, como o outeiro da Glória. Ele morava em cima do morro. “Então vai se chamar Manoel Outeiral", disse o recortador. ou a se chamar as­ sim. Um outro, que era pescador lá na costa da Alemanha, ou a se chamar, quando foi para a cidade, Fisherman, o homem que pesca. Cada um de nós tem uma identidade no nome. E importante trabalhar isso com as crianças. Os afluentes do Amazonas, não se preocupem, felizmente eles vão esquecer brevemente lodos os afluentes decora­ dos. Assim como ler Dom Casmurro só tem sentido se se discute na sala de aula o que é uma mulher com “olhar de ressaca". O que é isso numa mulher? Isso é o que interessa. Para concluir, proponho um aforismo de Nietzsche: “O que en­ louquece não é a dúvida, é a certeza". Isso é verdade. Se eu for ao hospício e o meu paciente disser: “Outeiral, te comporte frente a mim como um imperador que sou: Napoleão Bonaparte”. Ao ouvir isto, escrevo no prontuário do paciente: “O enfermo não evolui bem”. No outro dia, se a enfermagem me informa: “O paciente está muito mal, doutor!". E o paciente, apavorado, me diz: “Doutor, eu li que Napoleão Bonaparte tinha 1 metro e 52 e eu tenho 1 metro e 90. Será que eu não sou Napoleão Bonaparte?”. Então, escrevo no prontuário: “Paciente evolui bem, melhorou o prognóstico. Tem dúvidas em rela­ ção ao delírio”. Acredito que, para exercer a dura tarefa de educar, nós deve­ mos abandonar a idéia de que somos Napoleão Bonaparte, ar a /

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incerteza, a dúvida de não saber e, na nossa prática cotidiana, ter confiança suficiente em nós mesmos. E, como dizem os versos do Antonio Machado, o poeta espanhol: Caminhante, não há cami­ nho, caminho se faz no caminhar.

Capítulo 3

CARACTERÍSTICAS DA SEXUALIDADE INFANTIL DE ZERO A SEIS Maria Cecília Pereira da Silva

Compreender a sexualidade infantil requer algo para além do conhecimento do desenvolvimento da sexualidade. E preciso associála ao desenvolvimento emocional como um todo, bem como às pecu­ liaridades masculinas e femininas nas diversas idades compreendidas entre zero e seis anos9. Apesar dos escritos e apontamentos de Freud, bem como da revolução sexual, questões relacionadas à sexualidade ainda nos sur­ preendem, embaraçam e envergonham. Seja diante da criança, do adolescente ou do adulto, as manifestações da sexualidade mexem com todo mundo. Costumamos pensar em sexo e nas manifestações da sexualida­ de com a cabeça de gente grande, com a experiência do adulto, es­ quecendo de como fomos e vivemos a nossa sexualidade até chegar à vida adulta. 9. Agradeço a Maria Aparecida Barbirato, pelos exemplos oferecidos a este capítulo e a Rosely Aparecida Pereira por sua leitura cuidadosa e sugestões.

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Se fizermos um exercício de pensar em quais são as partes eróticas do homem e da mulher, imaginando o corpo todo, de imediato pensaríamos nos órgãos genitais externos masculinos e femininos, na boca, nos mamilos, no pescoço e talvez atrás da orelha e nas nádegas. Pensando mais um pouco, surgirão em nossa imaginação as pernas, os braços, as axilas, as costas, o ventre etc., enfim, o corpo todo. Pois é, o corpo todo é erótico! Com isso, podemos dizer que a sexualidade, de imediato, está diretamente associada à genitalidade, mas, no entanto, ao refletirmos um pouco mais, cons­ tatamos que todo o corpo é erótico. Além disso, a vida e a nossa relação com ela, com a natureza, com o trabalho, pode estar repleta de prazer. Portanto, o prazer não está só na relação sexual, no ato sexual ou na masturbação. Mas por que será que o corpo todo é erótico? Porque quando nascemos é pelo corpo que sentimos o mundo. A proximidade física e mental dos pais cria no bebê uma sensação de segurança e amor. E no início da vida que o ser humano adquire a imagem boa ou frustradora da mãe e do pai. Cada um de nós carregará, ao longo da vida, essa imagem, a qual influenciará nossa capacidade amorosa e nossa sensação íntima de bem-estar, mesmo nas situações mais difíceis. Portanto, o desenvolvimento afetivo-sexual da pessoa será re­ sultado da combinação do componente biológico (índole inata do bebê) com o ambiente e o meio cultural (do qual os pais são parte fundamental). Vários discípulos de Freud se dedicaram a estudar o desenvolvi­ mento precoce do psiquismo. Melanie Klein10 e Bion11 destacaramse por estudar a importância das primeiras relações mãe-bebê. Bion chamou a atenção para a capacidade da mãe em tolerar o choro e a angústia do bebê, e além disso transformá-los, buscando atender as necessidades do bebê. Essa capacidade da mãe em ficar com seu 10. KLEIN, M. (1882-1960) A psicanálise de crianças. Trad. de Liana Finto Chaves, Revisão técnica de José A. Fedro Ferreira. Rio de Janeiro, Imago, 1997, 352p. (Obras Completas de Melanie Klein, v. II) 11, BION, W, R. (1962) Aprendiendo de la experiencia. México, Piados, 1991.

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bebê, sem se desesperar, é o que favorecerá as condições para o seu desenvolvimento emocional. Bion chamou essa capacidade da mãe de função de rêverie, indicando um estado de receptividade tanto emocional quanto cognitivo aos sinais que provêm do bebê. Essa capacidade de rêverie, da mãe ou de quem cuida do bebê, vai ao encontro das necessidades dele, procurando acolher, aceitar, digerir e nomear as inúmeras emoções do bebê para que ele possa aos poucos reconhecê-las. Ao nascer, o bebê perde a tranquilidade do útero materno lugar protegido onde nada falta - e chega em um mundo estranho e frustrador no qual ele vai ter que se adaptar. A capacidade de rêverie da mãe é que permitirá que o bebê possa lidar com suas fantasias, desconfortos e medos muitas vezes aterrorizadores, pois ele nasce com poucos recursos para lidar com essa situação de total desamparo. Se a mãe é capaz de rêverie, ela a a afli­ ção do bebê e, pela sua capacidade de tolerar, digerir e nomear a angústia, faz com que o bebê e melhor a própria ansiedade. Quando a mãe possui esta capacidade, aos poucos a criança tam­ bém a desenvolve, criando dentro de si mesma os meios para tole­ rar a frustração e a dor. Pela rêverie, a mãe transforma a turbulência emocional do bebê, tolerando em si a angústia do filho, nomeando-a de forma a ser tole­ rável para ele e oferecendo algum sentido. Só então o bebê torna-se capaz de armazenar, simbolizar, pensar e sonhar sobre tais experiên­ cias. Assim, a criança vai desenvolvendo sua capacidade para tolerar frustrações e para pensar. Portanto, a capacidade de rêverie da mãe permite que o bebê vá “alfabetizando" seus sentimentos. Quando isso não ocorre adequadamente, é possível que se desencadeiem qua­ dros de transtornos globais de desenvolvimento, como a psicose in­ fantil ou o autismo. A auto-exploração é outra experiência fundamental para o de­ senvolvimento saudável da sexualidade da criança. Muito cedo, às vezes antes de um ano de idade, ela aprende a brincar e a ter prazer com o próprio corpo. Há ocasiões em que o bebê se contrai, relaxa e

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contrai novamente o corpo, reagindo negativamente se interrompido, pois está tendo prazer com a brincadeira. A relação boa com a mãe possibilita um auto-erotismo genital. Isso parece ser a condição essencial para que o corpo e o aparelho genital sejam investidos libidinalmente, o que possibilitará o prazer sexual e a alegria de viver no adulto. A teoria do desenvolvimento da sexualidade foi construída por Freud12 em várias fases, uma consecutiva à outra. Iremos tratar de cada uma delas, mas devemos compreendê-las como um todo articu­ lado, pois todas elas, de uma forma ou de outra, vão compor a nossa sexualidade adulta. Quando somos bebês, vivemos a primazia da fase oral, isto é, a boca é a região do corpo na qual mais temos prazer. No decorrer da vida, ela vai se manifestar no prazer de comer, de beijar, de fumai', de falar etc. Isso significa também que o bebê utiliza-se da boca para descobrir o mundo. Ele experimenta o mundo pela boca, e põe tudo nela. A partir de um ano e meio e dois anos vivemos a primazia da zona anal. E o momento em que iniciamos as crianças no controle dos esfíncteres. O controle dos esfíncteres gera grande prazer nas crianças, pois as fezes e a urina representam suas primeiras produ­ ções. Vocês já pensaram nisso, que as primeiras coisas que fizemos e colocamos no mundo foram nossas fezes e urina? Esse prazer vai se manifestai' depois, especialmente nas artes plásticas, e, não só, mas em todas as coisas que produzimos, desde textos, teses, até mesmo as produções virtuais via internet. As vivências da fase anal ofere­ cem à criança a primeira possibilidade de controle ativo, sobre si mesma e também sobre o mundo que a rodeia, por meio dos primeiros produ­ tos que ela consegue identificar como seus. Está nessas experiências a origem da estruturação da autonomia. O cocô e o xixi assumem, na fantasia das crianças, todos os tipos de poderes mágicos. A conduta dos adultos, quando ficam muito 12. FREUD, S. (1905) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freudl v. VII, Rio de Janeiro, Imago, 1974,

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preocupados com a regularidade intestinal, confirma para elas a fan­ tasia de terem uma arma perigosa nas fezes. O “prender’’, não fazer no urinol ou fazer nas calças parece ser, realmente, uma arma peri­ gosa contra os pais. Pode ocorrer que o valor oposto se aplique a isso, como algo precioso, um dom maravilhoso que se pode conceder ou não, à vontade. Desde a mais tenra infância, as fezes e a urina se mesclam, imaginariamente, de qualidades intimamente ligadas ao relacionamento da criança com os pais. Pouco a pouco ela pode exprimir verbalmen­ te certos aspectos de algumas dessas fantasias. Se soubermos o grau do significado das fantasias que as crianças emprestam aos produtos corporais, não nos surpreenderemos com as oscilações dos primeiros anos de educação higiênica, mesmo nas famílias mais disciplinadas. Depois desse período, por volta de três anos, surge o que Freud chamou de fase fálica. E quando as crianças não param de nos fazer perguntas, a fase dos por quês: O que é isso? Pra que serve aquilo? Como faz isso? De onde vem isso? E como é aquilo? E quando a criança é capaz de manifestar sua curiosidade sexual. Se estivermos atentos, em algum momento ela vai querer saber como veio parar nesse mundo. Um menininho de pouco menos de três anos ou se­ manas perguntando à sua mãe, a cada tanto, como se fazem montanhas, carros, árvore, televisão, nuvens, casa, e variadas outras coisas que se tornavam objeto de sua atenção. Esta curiosidade irrestrita culminou, num dia, com a seguinte pergunta: “Mamãe, como se faz gente pequenininha?”. Se essa curiosidade sexual puder ser atendida, respondida, toda a curiosidade epistemofílica será despertada e a capacidade de apren­ dizagem poderá se desenvolver com facilidade. Além da curiosidade através de perguntas, é muito comum as crianças entre dois e três anos erguerem suas blusas ou levantarem a roupa e ficar se olhando

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ou mostrando a barriga, genitais aos outros, ou ainda tentando ver o do outro. Crianças de dois anos e meio a três anos brincavam usando uma família de bonecos. A primeira coisa que as crianças fizeram foi tirar-lhes a roupa e observar tudo, e uma de­ las, com surpresa perguntou: “Por que o vovô tem pipi?". Bebei, de três anos, vivia atrás dos meninos na escola, principalmente de um que ela mais gostava e não perdia a oportunidade de abaixar-lhe as calças. Ao ser interrogada porque abaixava as calças do amigo ela, rindo e com certa vergonha, disse: “E que o dele é pequeno e o do meu pai é grande!”. /

E nessa fase que a criança viverá mais intensamente a frustra­ ção de perceber que a mamãe, no caso do menino, pertence ao pai e que o pai pertence à mãe, no caso da menina. A isto l-reud chamou de vivências e conflitos do complexo de Edipo. A criança de três anos mal deixou de ser um bebê, o que não quer dizer que ela se comporte sempre como um bebezinho. Ainda não é fácil se socializar, sua tendência é ser inflexível e rejeitar inovações. E a idade do não, dos extremos, na qual é difícil compartilhar. A criança tenta descobrir quem ela é opondo-se ao que existe, de forma semelhante ao que acontecerá mais tarde na adolescência. Aos três anos, a criança começa a se libertar da sua completa dependência anterior da mãe e do pai. Ela anda e corre com maior segu­ rança, começa a usai' palavras de maneira adulta e se diverte em reunilas em combinações interessantes, mesmo que, em outras ocasiões, pos­ sa se atrapalhai' com essas mesmas palavras, balbuciando e gaguejando. O mundo para a criança dessa idade consiste nos familiares mais próximos: pais, irmãos e irmãs; é como se ela não conseguisse con­ ceber a idéia de outras pessoas fazendo parte desse mundo. O pai e a mãe é que são amados, irados e importantes.

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O amor do menino pela mãe tem conotações definidas de sexua­ lidade masculina, da mesma forma que o amor da menina pelo pai 6 muito feminino. Ligadas a esse sentimento estão fantasias de um relacionamento exclusivo, de dormir com o genitor do sexo oposto, como a criança sabe que papai e mamãe dormem juntos em uma cama no mesmo quarto. A atividade noturna dos pais é um mistério para a criança. Ela tem suas próprias idéias sobre o assunto, mais ou menos próximas da verdade. Se a criança tiver um irmão mais novo, provavelmente, ela já terá estabelecido alguma ligação entre o dormir dos pais num quarto e o aparecimento de um novo bebê. As crianças geralmente percebem muito mais do que se a na família do que julgam os adultos. Esses desejos de ter a mamãe para si, de expulsar o papai do quarto da mãe (ou o oposto) são universais. Esta situação triangular de amor, de ciúmes ao compreender que o pai não desistirá da mãe para que o menino possa tomar seu lugar; de rivalidade, ódio e culpa por esses pensamentos em relação ao pai - que é também muito amado - é carregada de sofrimento. Ela é muito real e imensamente importante para a criança. Se pudermos reconhecer a intensidade dos sentimentos da crian­ ça, seremos capazes de ter mais tato e ajudá-la neste período tão conturbado. O menininho do exemplo anterior, interessado na origem dos bebês, ao completar três anos, declarou à mãe: “Ma­ mãe, eu amo você!”. Ao que ela lhe respondeu: “Eu tam­ bém te amo!”. Ele então perguntou: “E quem ama o pa­ pai?”. Ela lhe disse: “Eu e você!’’. E ele retrucou: “Mas eu não vou dizer isso para ele. ” A criança tem ciúme do relacionamento entre os pais e se sente excluída. Ela demonstra isso através do desejo de introduzir-se no quarto de dormir ou na cama dos pais, por meio da dificuldade para dormir, ou das tentativas de jogar o pai contra a mãe, e vice-versa;

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pode ser que a criança se comporte bem só com o pai ou com a mãe, mas se torne de trato difícil se estiver com os dois juntos. O menino quer crescer para casar com a mãe e quer ficar como o pai. Deseja “calçar os sapatos do pai”. As meninas, muitas vezes o fazem literalmente. Na brincadeira pode acontecer oscilação entre independência, brincar alegremente sozinha, imitar os adultos, e de­ pendência infantil com necessidade de apoio. Tudo isso também faz parte do complexo de Edipo. A menina brinca de ser como a mamãe ou, no caso do menino, de ser como o papai; contudo, às vezes os papéis se invertem. As meninas são mães de família e têm filhos de quem cuidar nas brincadeiras e os meninos têm atividades masculinas. Os meninos também brincam de fazer trabalhos domésticos ou de ter bonecas como bebês e as meni­ nas de serem como o pai. Na maioria das meninas há características de garoto travesso, e existem traços femininos nos meninos. Pralicamente todas as crianças am por fases de querer ser do outro sexo. As crianças iram e gostariam de ter a capacidade da mãe, de ter filhos, seios, e de alimentar o bebê. Também iram a impor­ tância e a força do pai, e percebem intuitivamente seu papel na famí­ lia. O pênis do pai é fonte de iração e inveja para as crianças de ambos os sexos. E natural para uma criança obter satisfação ao brincai- com seu corpo e descobrir agradáveis sensações ao tocar os órgãos genitais. Crianças, mesmo bebês, buscam conforto em tais atividades, especial­ mente se estão sós. Sentimentos de culpa podem surgir porque a masturbação não é usada somente para trazer conforto. Geralmente ela tem íntima ligação com sentimentos de ciúme e conflitos de rela­ cionamento com os pais. Na imaginação, o menino de três anos, ao ter uma ereção ou masturbação, pode sentir que ele é seu pai, que tem o pênis grande como o do pai, e pode possuir a mãe da forma que ele imagina que o pai a possui. Devido a essa inveja do papel do pai e ao seu sentimento de exclusão, a criança pode desabafar a raiva, tornando doloroso o relacionamento imaginário entre pai e mãe, no qual um deles, ou ambos, ou os filhos, são prejudicados. Isto porque a /

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masturbação freqüentemente inclui fantasias cruéis e a criança sente culpa em relação a elas. Esses tipos de fantasias são universais aos três anos e, pratica­ mente, todas as crianças se masturbam com esta idade. Se a masturbação se tornar excessiva ou excluir outras atividades, pode indicar alguma dificuldade emocional. É evidente que, como as crian­ ças pequenas já se sentem culpadas em relação à masturbação, não se deve reforçar esse sentimento sugerindo que a masturbação faz mal ou é daninha. Podemos dizer algo como: isso é gostoso mas aqui não é lugar para isso. Ou isso é muito gostoso mas devemos fazê-lo quando estamos sozinhos... Basicamente todos os medos se ligam aos fortes impulsos da criança e seus sentimentos de amor e ódio podem ter conexão com o temor por sua própria segurança ou de sua família; ou medo de ferir, em intenção ou ações, alguém a quem ame. Medo da comida, dos movimentos intestinais, da urina ou do vaso sanitário, da excitação masturbatória e dos órgãos genitais é muito comum nessa idade. A maior parte das crianças de três anos chupa um dedo, um lençol ou um cobertor de ninar quando vai dormir, e algumas crianças também de dia. Podem recorrer a isso como apoio, quando se sentem cansadas ou tristes. Podem querer estar dizendo que ainda têm ne­ cessidades de bebê. O uso de objetos que vêm desde bebê tem mui­ tas ligações com as fantasias da criança. No começo eram, prova­ velmente, um substituto do relacionamento imaginário com a mãe na ausência dela, sem recorrer às brincadeiras com o próprio corpo. À medida que a o tempo, o brinquedo, o cobertor ou peça de roupa favorita assumirá diversos significados: às vezes, representará uma parte da criança, ou de um bebê, mãe ou pai, irmão ou irmã, e ajudará a criança em ocasiões de solidão, raiva e frustração. Brincar com o próprio corpo é um meio de obter conhecimentos sobre si mesmo c de adquirir uma “sensação" de si próprio como pessoa separada da mãe. Esse conhecimento vai sendo adquirido, igualmente, por meio da curiosidade pelo seu corpo, expressa em forma de brincadeira. Brincar é o modo da criança aprender sobre si

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mesma e acerca do mundo, de pessoas e coisas que a rodeiam. E verdade, como se diz sempre, brincar é o trabalho da criança. Além de ajudar" a criança a adquirir conhecimento e habilidade, o ato de brincar a auxilia a lidar com seus sentimentos, algumas vezes conflitantes e esmagadores. Por meio da brincadeira, a criança pode aprender a lidar com seus sentimentos intensos de amor e ódio, medo e tristeza, distantes do ponto de origem desses sentimentos. O ursi­ nho ou as bonecas podem agir como substitutos de pais, irmãos ou irmãs. A criança pode, sem inibição, expressar seus sentimentos apai­ xonados em relação a seus brinquedos, enquanto expressá-los à fa­ mília pode ser mais perigoso. No brincar, a criança pode elaborar fantasias de ter sido má em algum momento. Nesta atividade, a recuperação mágica e a ressur­ reição constituem a regra, não a exceção. O impulso de reparar o dano é importante e ajuda a criança a ter mais esperança em poder desfazer o mal de seu relacionamento verdadeiro com a família. Muitos medos das crianças pequenas se ligam à incapacidade de distinguir entre fantasia, ou realidade interior e realidade externa. Aos três anos, a criança se preocupa muito em separar o imaginário do “real”. A criança quer explorar espaço, tamanho, distância, quer saber sobre materiais diferentes, sobre sons e o que os produz. A mente da criança se ocupa a tal ponto em observar e testar que, às vezes, suas demandas se tornam exaustivas para os pais e educadores. A criança se preocupa muito com os fatos mais básicos da vida e da existência e com lodos os acontecimentos do círculo familiar mais próximo. A criança saudável tem curiosidade sobre a concepção e o nascimento, sobre o relacionamento sexual dos pais e sobre a morte. A capacidade de usar melhor as palavras a ajuda a identificar as coisas, classificar e comparar. Sua capacidade de raciocínio é assim liberada. As palavras são um instrumento essencial do pensamento. Não quer dizer que a razão, nesta fase, ou mesmo em fases posteri­ ores, possa divorciar-se da emoção. Algumas perguntas infantis nascem do interesse de saber como

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funcionam as coisas, um interesse mais ou menos intelectual. Muitas vezes, porém, pode-se notar um tom ansioso e emocional na pergun­ ta. Outras vezes, a ansiedade se faz patente na repetição infindável da pergunta. Por exemplo, o desejo de experimentar cientificamente e descobrir o que quebra e o que não quebra pode estar ligado às perguntas ansiosas sobre parte do corpo que podem se quebrar. Tudo será questionado: por que as coisas são feitas deste modo e não daquele, como funcionam as coisas, e principalmente, como é a profissão e o trabalho das pessoas. Por que os corpos das pessoas são assim, referindo-se às diferenças sexuais anatômicas, como se fazem os bebês e como nascem, por que as pessoas morrem. Em uma escola, uma menina de três anos viu a mãe de um colega que estava grávida e perguntou para a professo­ ra se precisava casar para ter um nenê. A professora per­ guntou quem lhe havia dito isto e a menina disse que foi a sua mãe e que também lhe disse que é uma sementinha que tem lá dentro e cresce. Uma coleguinha que ouvia a conversa, perguntou em seguida, “Tia, tem água?”, e a professora novamente questionou o porquê da pergunta. A coleguinha disse: “E que a minha mãe falou que é bar­ riga d'água”. Pode às vezes ser difícil saber como responder a essas pergun­ tas das crianças e muitas vezes podemos não saber as respostas. Pode ser que a criança não acredite nisso, mas é muito importante que os pais, assim como os educadores, reconheçam tanto sua igno­ rância como seus erros. As vezes a criança faz a mesma pergunta várias vezes, parece insatisfeita com as respostas recebidas, ou se esquece das respostas. Pode ser que subjacente à pergunta haja ou­ tra, não explicitada, mas muito mais urgente, que não consegue pôr em palavras. Talvez tenha medo de perguntar. Nessas situações, como já assinalado na introdução, é muito im­ portante primeiro entender a pergunta da criança, o tamanho e o con-

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teúdo da pergunta e dar uma resposta cientificamente correta, do tamanho da sua pergunta, corrigindo informações errôneas. Deve­ mos responder sempre, mesmo que seja para dizer que não sabemos, pois quando encontramos desde pequenos alguém próximo a nós, seja ele um familiar, amigo ou educador de nossa confiança, que pode responder verdadeiramente nossas questões, mantemos vivos dentro de nós a esperança e o desejo de sempre poder vir a conhecer. Aos quatro anos, geralmente, a criança já tem consciência da sua identidade sexual, isto é, se é homem ou mulher. A criança de quatro, cinco anos já estabelece limites entre o “eu” e o “outro”. E comum a manipulação auto-erótica, como se estivesse sozinha, sem repressão: tudo indica que esta é uma ativida­ de para se “certificar" de que está tudo bem dentro da calcinha ou da cueca. Ela se toma mais ativa, entra no período de maior desenvolvi­ mento da linguagem e a a ouvir e compreender o que lhe é dito diretamente. A criança de quatro anos fala muito sozinha e dá forma à sua imaginação, que come solta. Ela sente muito medo e necessita de heróis para protegê-la de suas fantasias. É capaz de cooperar com os pais e deseja a aprovação deles. Nessa fase os amigos am a ter importância, apesar de a criança continuar briguenta e autoritária. Ela tem muita energia e fala sem parar. Esse período exige uma firmeza extra dos pais. Ela está muito interessada em aprender o que é real em seu mundo, e em separá-lo do mundo de faz-de-conta de sua imaginação. Sua brincadeira reflete o modo como oscila entre esses dois mundos e, ao mesmo tempo, a ajuda a compreender melhor a diferença entre eles. A brincadeira também expressa os sentimentos turbulentos. Após uma visita ao médico, por exemplo, a criança pode resolver seus medos atuando como o “doutor" em sua dramatização. Na brincadeira, c mais fácil controlar seus sentimentos reprimi­ dos, porque cm sua dramatização a criança é seu próprio patrão. Até certo ponto é útil ter por perto um adulto que não a desaprove, o que dá à criança a confiança de que é aceita em suas brincadeiras. Ou­ tras vezes, é melhor poder brincar sem um adulto por perto, como a /

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mãe, pois ela pode ser objeto de expressão de sentimentos diversos, até mesmo os mais hostis. Algumas crianças, nesta idade, ainda têm amigos imaginários. Podem ser outras crianças, um animal, ou, ocasionalmente, um adul­ to, que são encenados pela criança em pequenas peças sobre as quais pode ter total controle. O mais importante é oferecermos às crianças a oportunidade de brincarem. Nessa idade, as crianças começam a compreender o que é ser "homem" e “mulher", “menino" e “menina”. Os meninos se identifi­ cam com o pai e querem se parecer com ele, às vezes serem ainda melhores. Há um senso de rivalidade nisso, rivalidade que pode in­ cluir o desejo de tomar o lugar do pai e cuidar da mãe. Por sua vez, as meninas começam a se identificar com a mamãe, a copiá-la e podem também querer tomai- o lugar da mãe. O desejo de imitar e sentir-se como a mamãe e o papai faz parte do crescer. As crianças vão se sentindo mais seguras quando os pais deixam bem claro que há uma hierarquia, que eles são mamãe e papai e não podem ser substituídos. Apesar de todo seu desenvolvimento motor e verbal, a criança de quatro anos ainda é muito dependente dos adultos paia ajudá-la a controlar seus impulsos, e se isso não acontece ela sente muito medo de ser tomada por eles. Com freqüência procurará testar os que a rodeiam, especialmente novos adultos, para ver até onde a deixarão ir. Se a sua tirania pode ser engraçada em alguns momentos, também pode ser muito irritante e embaraçosa. Muitos dos problemas que surgem diante de criança mandona e dominadora podem ser resolvi­ dos se esse comportamento for considerado como parte da experi­ mentação para a descoberta dos próprios limites e se os adultos man­ tiverem a hierarquia da relação. Nessa idade ela ainda pensa de modo muito concreto; suas idéias estão relacionadas com os objetos reais que ela pode ver e tocar. As crianças aprendem com os adultos a explicação de regras. Respon­ der: “Porque papai lhe dará umas palmadas se você não fizer" é diferente de: “Porque você machucará alguém se eu não te segurar”. Há uma clara diferença nas lições de causa e efeito que esses dois

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métodos ensinam. Ao explicarmos as razões, nós a ajudaremos a aprender que existem razões para as coisas que vê a sua volta e razões para as coisas que lhe pedem que faça, mais do que apenas regras sem explicações. De todos os anos da infância, esse é o que leva ao auge a inda­ gação. Muito da tagarelice dc uma criança de quatro anos é pura alegria com o uso da linguagem. Meninos e meninas farão o maior uso possível da fala para descobrir tudo o que está a sua volta. Elas se tornam muito interessadas em falar de: Deus, morte e sexo. Quan­ do percebem que essas questões são tabus elas não fazem pergun­ tas, mesmo estando preocupadas com elas. Muitas dessas questões se referem aos bebês: de onde vêm, como são feitos. Um novo bebê na família estimulará a curiosidade, resultando em novas perguntas. Querem saber de suas próprias ori­ gens, se também poderão ter filhos e sobre as diferenças entre meni­ nos e meninas. Essa curiosidade é natural e saudável, e não requer necessariamente explicações anatômicas. Freqüentemente as crianças confundem a origem dos bebês com comida e excreções. E importante deixar claro que, depois de ter ficado um tempo dentro da barriga da mãe, o bebê sai por um buraco especial existente entre as pernas de sua mãe. Falar sobre o papel do pai pode ser embaraçoso para muitos pais. Ainda não é necessário dar uma completa descrição do ato sexual, basta dizer que o pai colo­ ca uma célula no coipo da mãe. A maioria das famílias tem seus nomes especiais para os órgãos sexuais, porém se não existirem é menos embaraçoso usar os termos científicos. Existem livros que podem ajudar os pais, com ilustrações que auxiliarão suas explica­ ções {ver dicas no final do livro). Respostas francas, à medida que surgem as perguntas, geralmente são o bastante. /

Uma menina de quatro anos chora angustiada ao ver o álbum de casamento de seus pais e pergunta a sua mãe: '‘Porque eu não fui ao seu casamento? Por que eu não estou nas fotos?”. A mãe embaraçada disse: “Porque você

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ainda não tinha nascido. ” A criança insiste: "Onde eu estava então?”. E chora. O pai do banheiro escuta e res­ ponde: “Porque você estava no meu saco. ” E eia imedia­ tamente se acalma. A criança de quatro anos pensa em termos concretos e explica o que não compreende de forma mágica. Nessa idade, as crianças precisam dos contos de fadas porque os contos expressam suas próprias ansiedades em torno da magia. Encontram segurança nos finais felizes, que as tranqüilizam de que não serão dominadas pelas coisas aterrorizantes de sua própria imaginação. Um garoto de quatro anos dizia à sua mãe, com certa fre­ quência, o quanto desejaria ser um rei e viver em um caste­ lo. Um dia a mãe resolveu perguntar por que queria tanto isso, e ele lhe respondeu: "Porque se eu fosse o reit eu poderia fazer você virar uma rainha e me casaria com você e teríamos muitos filhos e viveríamos felizes para sempre!”. Aos quatro anos está muito presente o mais importante de todos os medos: o de perder a mãe ou de ser abandonado por ela. Esses medos podem estar relacionados às pessoas que a criança julga po­ derem afastá-la de casa, ou a fatos que foram associados a ser dei­ xada por algum tempo. Medo de animais ffeqüentemente surge associado aos sentimentos de raiva transferidos para o animal. E um jeito da criança se livrar deles, porém o animal se toma apavorante. Assim como não podemos proteger a criança de todos os peri­ gos - senão nunca se tomará independente - também não podemos protegê-la contra lodos os medos, próprios ou nossos. Aceitar algu­ ma frustração e lutar com os sentimentos que isso desperta é parte necessária do crescimento. A criança de cinco anos já tem um vocabulário amplo, usa frases corretas e complexas, quer saber como funcionam as coisas e consegue

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expressai" melhor suas dúvidas. A mesma curiosidade que as leva a des­ truir os brinquedos para ver como são por dentro também as motiva a perguntar de onde vêm os bebês e como funciona o corpo delas. O mesmo menino que aos três anos queria saber como se faz gente pequenininha, aos cinco anos foi confirmar com a mãe a informação de que, para fazer um bebê, ele de­ veria colocar uma sementinha. Tendo essa informação confirmada, quis saber: “E onde eu pego essa sementinha?”. A mãe lhe disse que não precisaria pegála, que esta sementinha fica dentro do corpo. Ele quis então saber onde estava e onde deveria colocá-la. A mãe respondeu que as sementinhas do homem ficam no saco e que são colocadas na vagina da mulher. Ele quis saber como. A mãe disse que colocando o pênis dentro da vagi­ na. Então ele falou: “ Já entendi. Vamos fazer isso ago­ ra?". Ao que a mãe lhe disse: "Isso, você só pode fazer quando for grande, e nunca com a mamãe ”, Nessa etapa, as crianças adoram dizer que têm namorado ou namorada e, muitas vezes, arriscam um beijo na boca. am tam­ bém a ler um melhor relacionamento com o outro sexo; só aos sete anos é que formam o clube do Bolinha ou da Luluzinha. Aos cinco anos, a criança já tem capacidade de ceder e coope­ rar. Ainda cria amigos imaginários e gosta de mostrar força e capaci­ dade. Faz perguntas complexas, tanto sobre sexo como sobre a vida em geral. Por que feijão faz ficar forte? Por que chove? O que c trovão? Como nascem os bebês? Como entram na barriga da mãe? Essas ainda são perguntas comuns nessa idade, embora tenham sido feitas de forma mais simples na fase anterior. As crianças dão a mesma importância a todas as perguntas que fazem, não diferencian­ do aquelas que têm conotação sexual. Seu senso de realidade é maior, o que a ajuda a tolerar alguma frustração; a criança já aprendeu que, no mundo real, não pode fazer

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as coisas acontecerem tão logo o deseje. Compreende melhor como uma coisa leva à outra, é mais capaz de se lembrar de pessoas e lugares e de se dar conta de que muitas coisas são permanentes e não desaparecem. Tudo isto possibilita que espere um pouco e adie a vontade de ter seus desejos imediatamente satisfeitos, em grau muito maior do que podia antes tolerar. Seu autocontrole é muito maior: os sentimentos podem ainda ser intensos, mas há muitos modos pelos quais podem ser transmitidos construtivamente. Tudo isso é muito importante na aprendizagem, pois capacita a criança a esperar que a professora confirme que sua lição está certa ou a tentar resolver um problema, ao invés de buscar uma resposta mágica. Antes de poder aprender a ler, escrever, ou somar, a criança precisa aprender a idéia de que uma coisa pode substituir outra, corno um código. O maior exercício nesse campo é o uso da linguagem: descobrir que as palavras podem representar coisas reais. A necessidade do brincar criativo, porém, continua presente. Sem a oportunidade de brincadeiras espontâneas, das atividades que as crianças inventam para si próprias, o aspecto criativo de sua inteli­ gência pode embotar-se ou simplesmente perder-se. A liberdade para expressar os sentimentos é ainda muito importante. Também para a criança os sentimentos são confusos. Em alguns aspectos, ela gostaria de se agarrar aos prazeres da infância; em outros, quer igualar-se aos adultos. Cada vez mais, o menino se esforça para ser como o pai e a menina para ser como a mãe. As fantasias em torno de virem a to­ mar o lugar de um dos pais são menos definidas e os sentimentos a esse respeito são geralmente menos intensos. Mas os pais ainda são a coisa mais importante do mundo. As crianças de cinco anos se debatem com os conceitos de cer­ to ou errado, e começam a desenvolver uma consciência moral. Ao tentarem chegar a um acordo com essa consciência, as crianças es­ tabelecem normas em suas brincadeiras, muito mais severas e infle­ xíveis do que as que jamais enfrentaram na vida real, embora não consigam mantê-las por muito tempo. Juntamente com as regras rígi-

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das, podem existir fantasias de punições muito severas, que jamais sofreram, e que, evidentemente, não as ajudariam em nada. Isso fica muito evidente nas brincadeiras com bonecos e bonecas. Há maior tendência de brincarem separadamente por sexo, es­ colhendo jogos e brinquedos diversos e de se diferenciarem um pou­ co nas coisas que fazem. Ambos ainda precisam muito de exercícios físicos, mas os meninos, em geral, se orgulham cada vez mais de suas habilidades esportivas. As meninas costumam estar mais adiantadas no uso da linguagem. Permanece nos meninos algo de menina, e vice-versa nas meni­ nas. Um menino precisa entender um pouco o que é sentir-se como menina, e a menina, o oposto. Muitas meninas atravessam uma fase em que adotam “atitudes de garoto agressivo". Freqíientemente, nós aceitamos esse aspecto “amolecado" das meninas mais facilmente do que o lado feminino dos meninos. Talvez porque nos preocupemos mais com a homossexualidade masculina. Como resultado, muitos meninos crescem envergonhados de seus sentimentos mais ternos e têm grande dificuldade em expressá-los. Do exemplo de seus irmãos e irmãs, as crianças ampliam suas idéias sobre as diferenças entre meninos e meninas e homens e mu­ lheres. Porém nem todas as crianças têm famílias mistas e, assim, é na escola que podem aprender a dar e receber entre os colegas, nas atividades conjuntas das salas de aula. Em todos os níveis de idade as crianças precisam da oportunida­ de de ficar só se quiserem, de repousai- e descansar longe das outras. A ida para a escola não é o único período em que uma criança de cinco anos pode estar longe de casa. A medida que vai fazendo no­ vos amigos, pode ser convidada a ir às suas casas para brincar, lan­ char ou até para pernoitar. Esses eios fazem parte do crescimento da criança dessa idade. Contudo, ar a noite fora de casa é uma grande aventura para ela, mesmo que já conheça a família anfitriã. Se ela tiver um brinquedo favorito de hora de dormir, é importante levá-lo com ela, por segurança, assim como se deve deixar explícito quanto tempo vai %

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durar a aventura. Ê possível que sinta dificuldade na hora de se deitar quando, por algum tempo, podem vir à tona antigos temores relacio­ nados a estar longe de casa, daí ter com ela seu brinquedo predileto na hora de dormir. Aos cinco anos, urinar na cama também é comum, e é necessário antecipar providências a respeito para que a criança não fique ansiosa, em caso de “acidente". Dormir na casa de um amigo pode, porém, funcionar como um incentivo extra para a aquisi­ ção do controle, se este ainda não for total. Férias representam um período de folga, quando as normas po­ dem ser relaxadas sem medo de estragar as crianças para a época de voltarem à rotina. As crianças de cinco anos são geralmente ca­ pazes de entender que essa é uma ocasião especial. O pensamento imaginativo é tão precioso quanto qualquer ou­ tra forma de inteligência. A capacidade de perceber algo sob novo aspecto ou um novo emprego para um objeto comum, propicia grandes descobertas. As atividades que mantêm a imaginação viva e fértil são valiosas. A criança precisa de tempo para descobrir como lidar com materiais de artes plásticas do seu jeito, até pro­ duzir algo genuinamente seu. Quando ela tiver acabado uma obra de arte podemos perguntar “qual a história de seu desenho?”. Ela poderá contar os sentimentos que a motivaram, sem se sentir julgada ou criticada. A imaginação está presente em muitas brincadeiras: teatrinho, construção com blocos, música, movimento etc. As fadas e as bru­ xas, os heróis e os monstros expressam as partes mais esperançosas e temerosas da criança. Se ela consegue aceitá-las, à medida que constata que os outros respeitam os sentimentos que ela expressa em suas histórias e pinturas, toma-se uma pessoa mais integrada. Tomase mais capaz de expressar todos os tipos de sentimentos de modo construtivo e de chegar a um acordo consigo mesma. Quando a criança coloca na brincadeira sua imaginação, cia fica concentrada e calma. Enquanto a observarmos brincar nessas ocasiões, podemos entendê-la melhor e participar um pouco da magia de seu mundo.

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Aos cinco anos vão querer saber por que as meninas não têm pênis, se os meninos podem perder o deles ou por que só as meninas podem ter bebês. Essas perguntas, como vimos, são comuns nas crian­ ças de quatro anos, mas as de cinco também as fazem, e devem ser respondidas de maneira simples e informativa, deixando de lado deta­ lhes elaborados que cias não poderão compreender. A partir mais ou menos dos seis anos até mais ou menos os nove há um período bastante controvertido atualmente chamado de latência. Freud descreve que a latência é um período em que as ener­ gias libidinais são bastante mitigadas em função do desejo de apren­ der e de saber. A esse movimento Freud chamou de sublimação. Esse conceito atualmente é bastante discutido entre os psicanalistas porque, apesar de ser um período em que as crianças assimilam e acumulam muito conhecimento e se tornam mais independentes e mais competentes, observamos várias manifestações da sexualidade durante as brincadeiras, jogos lúdicos e a curiosidade por questões ligadas à sexualidade. Aos seis anos a criança fala fluentemente, mas com um vocabu­ lário limitado. Aqui, a fala é a expressão de algo, diferentemente dos estágios anteriores quando o foco era a formação de palavras e a identificação de coisas. O impulso para crescer e o próprio crescimento são marcantes entre o sexto e oitavo ano de vida. As mudanças que ocorrem por volta dos seis anos são evidentes nas brincadeiras, devaneios e histó­ rias que as crianças contam. O desenvolvimento da consciência é mais difícil para crianças cujos pais são extremamente críticos ou complacentes. Nessas situações, a criança de seis anos pode desen­ volver, de um lado, autopunição extremada, e de outro, tendências marcantes para se colocar em situações em que será punida. Nesta idade sua autoconfiança ainda não está total mente estabelecida e há oscilações entre auto-suficiência e dependência infantil. As diferenças sexuais já são claras, mas a tendência marcante de separação dos sexos começa a surgir a partir do final do sexto ano

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de vida, ficando evidente na formação de grupos na hora do recreio. Esse comportamento os ajuda a descobrir quem são e com quem se parecem. Esta é uma idade de se relacionar e fazer amigos, e crianças solitárias devem ser observadas. Normalmente nessa idade as amizades são duradouras, mas meninos e meninas deixam de brincai-juntos fora de casa. As meni­ nas dão mais valor a um amigo que os meninos a uma amiga. Meninas fazem tentativas mais assíduas para participar de uma tur­ ma de meninos, como a única menina do grupo. Poucos meninos desejam ser o único menino de um grupo de meninas. A rixa entre meninos e meninas também é presente quando se deposita no outro grupo todas as vergonhas e desconfortos relaciona­ dos ao próprio sexo. Nesta idade a criança expressa seu envolvimento com a vida por meio de perguntas, explorações, descobertas e busca de explicações pelos sentidos das coisas. A agem do tempo, o envelhecimento e a vida antes de seu nascimento são assuntos de muito interesse. A morte é um tema de curiosidade e interesse das crianças, seja pela morte de um parente ou pessoa próxima, pelo noticiário datelevisão ou perda de um bichinho de estimação. E bom responder ho­ nesta e diretamente. E, em caso de morte de um parente querido, participá-la do fato e deixá-la partilhar do luto (por exemplo: enterro) é muito importante, além de lhe dar a sensação de que também pode cuidar de seus pais num momento difícil. A exploração do próprio coipo e o do sexo oposto é natural, inclusive nas brincadeiras de médico e enfermeira. Somente a obsessividade é preocupante. A criança, nesta idade, já tem suas próprias teorias sobre a ori­ gem dos bebês, as diferenças sexuais e sobre o ato sexual, por mais fantasiosas c distorcidas que sejam. E importante responder somente o que foi perguntado, sem expô-la ao excesso, nem mentir ou fingir que não ouviu. Quanto à origem dos bebês, querem saber também como comem, dormem e sobrevivem lá dentro. /

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Uma professora estava grávida e conta que uma de suas alunas de seis anos lhe perguntou um dia: “Como o nenê fica aí dentro? O que é que ele faz?”. Deus e questões religiosas são fonte de ansiedade para a crian­ ça, que se depara com uma diversidade de pontos de vista e de cren­ ças. A criança se sente dividida entre a crença dos pais e professo­ res, bem como aflita por precisar de lógica e coesão no seu mundo. As fantasias e os contos de fadas ainda são importantes aos seis anos, pois o mundo de fantasia ainda não está bem diferenciado da realidade. Apesar de já distinguir algumas fantasias da realidade, a criança ainda precisa de fantasias por achá-las divertidas (por exem­ plo, a de que Papai Noel existe ou a de que é o coelho que traz os ovinhos da Páscoa). Quanto à disciplina, a criança aqui já tem alguma noção de certo/ errado e é mais capaz de controlar seus impulsos destrutivos e anti­ sociais, no entanto, ainda precisa dos pais em alguns momentos. O autocontrole e a disciplina vão se constituindo desde o início, com a firmeza dos pais quanto ao certo e ao errado, mas permitindo certa liberdade para o jeito de ser da criança. A medida que a criança adquire um conhecimento geral de como é o mundo, e como ele funciona, descobre a permanência do que não pode mais ver, mas sabe que existe. A última fase sexual, definida por Freud, é a fase genital. Essa se fará presente a partir dos nove anos, quando se inicia a puberdade com as mudanças hormonais - e a adolescência - com todas as transformações emocionais e sociais.

FALANDO DE TEMAS DIFÍCEIS

Capítulo 4

MASTURBAÇÃO INFANTIL Francisco, Vieiras Vergueiro Rosa Maria de Mello Ga Ui

Breve histórico Dentro da palavra masturbação, encontram-se as palavras: mas, turba e ação. Turba significa multidão em desordem, povo, muitas pessoas reunidas. Ação quer dizer manifestação de uma força, de uma energia. Já a conjunção mas, normalmente, vem antes de algu­ ma restrição. E interessante como tudo isso se relaciona à palavra Masturbação. Todos os seres humanos, dos bebês aos idosos, a pra­ ticam ou já a praticaram. Está ligada à manifestação/liberação da energia sexual, bem como ela tem sido sistematicamente reprimida e sempre chega a nós cercada de ressalvas... Masturbar vem do latim masturbare e quer dizer provocar o orgasmo pela fricção da mão ou por meio de instrumento adequado ou ainda, excitar os órgãos sexuais pelo contato da mão ou de objeto, com o intuito de obter prazer. Masturbar-se aparece nos dicionários como sinônimo de onanizar-se e pode-se chamar de masturbador ou onanista quem pratica a masturbação. Por que onanista?

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Graças ao personagem Onã, que nos relatos bíblicos foi obrigado a manter relações sexuais com a cunhada, pois rezava a tradição judaica que na morte de um irmão, outro assumiria seu lugar junto à viúva, para garantir um herdeiro ao morto. Pois bem, Onã não queria ter um filho com Tamar, para ser criado como herdeiro de seu irmão morto, Er, e assim, ao fazer sexo com ela, deixava o sêmen cair por terra... Apesar deste ato caracterizar coito interrompido, o nome de Onã e seu derivativo, onanismo, tem sido associado à masturbação. E ao "jogar fora” seu esperma, Onã estava colocando em risco toda uma descendência que desembocaria (com a ajuda de seu pai, Judá, que engravidou a nora), em Davi, Salomão e, posteriormente. Jesus. Assim, o “desperdício” do sêmen era visto como pecado, porque contrariava a necessidade de a espécie humana de se multiplicar. Já a questão da masturbação feminina era deixada de lado, como a própria mulher, e seria sobre o homem que a suposta ira divina se manifestaria. E importante lembrarmos que o termo sêmen vem dc semente, pois na Antigüidade acreditava-se que o esperma continha tudo o que era necessário para gerar uma nova vida, sendo a mulher apenas um recipiente. Além disso, pensava-se que o esperma era finito; logo, não usá-lo paia a reprodução poderia acarretar prejuízo para a per­ petuação das raças. A proibição do alo de se masturbai' está ligada ã cultura judaica e, conseqiientemente, à cultura cristã. Pouca coisa mudou de quatro mil anos atrás, quando este mito foi construído espelhando as crenças dos judeus, até o século XVII da era cristã, pois foi somente no século XVIII que a visão mística, religiosa, começou a ser substituída por uma compreensão mais raci­ onal e científica. E foi nessa época que foram construídos os tabus que, ainda hoje, alimentam os preconceitos contra algo inerente à natureza humana. Por ignorância, associava-se a masturbação a várias doenças, como se o ato de se masturbar desse origem a diversos males, de mão peluda a espinhas, de tuberculose a inúmeros tipos de demência. Na verdade, pessoas com pouca ou nenhuma sanidade mental tem

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sua capacidade crítica alterada, não têm percepção de limites, por isso se masturbam em público. A doença dá origem a isso e não o contrário (como se dizia: “Porque se masturbava, endoidou!"). Voltando para tempos mais antigos, fora da civilização judaica, entre os povos helénicos e os romanos, por exemplo, a masturbação era tolerada, mas ridicularizada, pois havia outras formas de satisfa­ ção sexual consideradas superiores, usando-se escravos, mulheres pobres ou prostitutas. Masturbar-se era digno dos seres inferiores e era um hábito que inspirava pena. Hoje sabemos que, mesmo entre parceiros que possuem uma boa vida sexual, a masturbação pode permanecer como mais uma variante agradável de prazer sexual. Na primeira metade do século XV1I1, em Londres, foi publicado um folheto que se espalhou pela Europa, intitulado Onania, que fala­ va dos males desse “hábito inominável", considerado pecado mortal pela Igreja Católica, a qual, aliás, considerava assim qualquer tipo de prazer. A influência do catolicismo começava a ser menor do que na Idade Média, e a mulher, mais visível, ando a masturbação femi­ nina a ser tão condenada quanto a masculina. Em 1760, o “0 Onanismo”, escrito pelo suíço Tissot, médico do rei da Inglaterra, alertava em nome da ciência (que substituía o apelo da religião), para os inúmeros malefícios do “vício maldito” e foi traduzido para várias línguas, sendo um fenômeno de vendas para a época. No início do século XX, as descobertas sobre as verdadeiras causas de algumas das doenças associadas à prática da masturbação foram derrubando alguns velhos mitos. É curioso que, no meio de tanta repressão ao ato, os médicos estavam liberados para massagearem manualmente os genitais de pacientes consideradas histéricas, como tratamento oficial, e o orgasmo era considerado o desfecho de uma crise de histeria. Nesse contexto, foram bem rece­ bidos os vários tipos de vibradores elétricos e outros artifícios que foram surgindo, para aliviar os doutores de sua “desagradável" fun­ ção de terem que realizar a tarefa usando as próprias mãos... Nessa mesma época, Sigmund Freud, com seus estudos que deram origem à psicanálise, jogou luzes sobre a sexualidade huma­

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na, em geral, e sobre a infantil, em particular. Freud, em 19051 ’, desenvolveu sua teoria da sexualidade, descrevendo suas várias fases e a natureza dos processos psíquicos que as caracteriza. Suas postulações sobre a sexualidade infantil e sobre a masturbação, como expressão inerente ao desenvolvimento psicossexual das crianças, configuraram um novo paradigma sobre a questão. Na metade do século XX, outros estudos vieram contribuir para liberar a masturbação como prática saudável e necessária para a construção de uma vida sexual satisfatória. Porém, não é fácil nos livrarmos de séculos de repressão, e da associação, muitas vezes inconsciente, que fazemos entre culpa e prazer. Hoje em dia, bebês e crianças pequenas am muito tempo nas creches, crianças am horas na frente da televisão, irmãos mais velhos cuidam dos menores enquanto os pais não chegam, e quando chegam, pouco podem dar atenção aos filhos, seja por falta de tempo ou por excesso de cansaço. Pensar sobre a programação de TV inadequada a que as crianças estão expostas e orientar os pais a assistirem os programas de forma crítica com seus filhos, parece um luxo, que poucos poderiam realizar. Depoimentos de educadores revelam que muitas mães, às sextas-feiras, queixam-se do longo pe­ ríodo do fim de semana, em que terão que ficar com os filhos. Tem­ pos difíceis esses nossos... Por isso mesmo, ao analisarmos um comportamento como a masturbação infantil, é necessário ter em mente todos os elementos que podem estar em jogo.

Por que as crianças se masturbam? Porque é gostoso. E não é exagero dizer que nisto elas estão acom­ panhadas de adultos, adolescentes e todos, enfim. A masturbação é uma atividade auto-erótica, o que quer dizer que é um prazer que se pode 13. FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago, v. VII, 1974,

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obter sozinho, sem a necessidade de outra pessoa estar junto. Chupar o dedo, a chupeta e cheirar o paninho também trazem sensações agradá­ veis, que podem ser acompanhadas de fantasias que a criança tem e que lhe trazem conforto e prazer. Qualquer pessoa vai concordai' que os seres humanos tendem a repetir tudo o que é prazeroso. Logo que o bebê adquire a possibilidade de explorar seu pró­ prio corpo, a região genital a a ser alvo de sua atenção e manipulação. E comum observarmos, durante a troca de fraldas, que a mãozinha do bebê vai direto para a região genital. Isto acon­ tece em casa, na escola, onde quer que a criança esteja. Uma educadora relata: /

Estava trocando um bebê de 18 meses que é bem gordi­ nho, e seu pênis aparece pouco em função disto. Ao se ver livre da fralda, ele imediatamente leva a mão ao pênis e fica mexendo nele, com uma expressão satisfeita. E ou­ tra educadora observa a cena e comenta: ele está procu­ rando o que não tem!,aludindo ao tamanho do pênis da criança e relacionando isto à impossibilidade de que sen­ tisse prazer sendo o pênis tão pequeno. É comum observarmos a naturalidade com que os bebês se to­ cam, procurando sensações agradáveis. Porém, na situação acima, é importante notar que a educadora já estava olhando a criança de forma estereotipada, como se o tamanho de seu pênis fosse proporcio­ nal ao prazer que pudesse sentir. Vejam só, um bebê de um ano já entrando no rol de preconceitos vigentes atualmente, que ditam nor­ mas rígidas sobre como os corpos devem ser! Aliás, as educadoras, que têm experiência com um número muito grande de bebês e crian­ ças, são unânimes em afirmar que apesar de todos os corpos se pare­ cerem, cada um é diferente do outro e tem suas características espe­ ciais, o que os toma únicos. E também bastante comum que as crianças, na hora do sono, deitadas nos colchonetes, se masturbem: “deitada de bruços, colo/

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ca as mãozinhas sob os órgãos genitais e se balança até dor­ mir". Geralmente, as outras crianças parecem não notar, ou não se incomodar. A situação se desenvolve com naturalidade, quando o educador compreende o momento da criança, o contexto em que este compor­ tamento acontece, não se assusta e pode deixar que a criança, num momento de recolhimento, se embale para adormecer. Já num outro contexto, uma educadora relata: Na roda de contar histórias, a criança (cinco anos) ouve interessada o que a professora fala e ao mesmo tempo fica brincando com seus órgãos genitais. Cria-se um tumulto na sala, porque uma das crianças anuncia em voz alta o que está acontecendo, todos riem e a professora não sabe O que fazer. Qual seria a atitude correta a tomar? Quando a masturbação acontece num ambiente de trabalho pedagógico, em público, é comum que as professoras fiquem con­ fusas. “Distrair" a atenção das crianças, evitando o constrangi­ mento do momento, c um dos recursos usados com frequência, tanto por professores quanto por pais, lios, e outros adultos. Pode funcionar momentaneamente, mas as crianças não deixarão de registrar, em algum nível, que aquele assunto é algo que a profes­ sora (ou outro adulto) evita. Mensagens sobre sexualidade são pas­ sadas assim: nem sempre explícitas, mas sempre estão lá, e quer se fale ou não, as crianças as captam. Levando isto em conta, seria melhor que o professor pudesse se posicionar com mais clareza, deixando claro que se masturbai' é gostoso, mas que a sala de aula não é o lugar para isso. Existem ocasiões em que as outras crianças notam o comporta­ mento do colega, mas seguem cm suas atividades. Porém, outras situações podem, inclusive, atrapalhar a concentração do grupo, e então fica mais difícil que a professora (ou outro adulto) simplesmen­ te finja que não viu.

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Uma menina costuma se masturbar com enorme frequên­ cia, roçando a região genital na perna da mesinha, ba­ lançando-se para frente e para trás. Usa uma ou duas mãos para se segurar à perna da mesa, com tal intensida­ de que a mesa fica instável, atrapalhando os colegas, além é claro, dela mesma não conseguir se concentrar em seu trabalho. Uma conversa particular com a criança que se masturba em situações de grupo pode ajudai', explicando-lhe que aquele ambiente é de trabalho, e alguns comportamentos íntimos, que dizem respeito apenas à própria pessoa, devem acontecer com privacidade, em lu­ gares reservados. Assim como com muitas outras normas de convi­ vência social, em geral, as crianças rapidamente entendem a diferen­ ça entre o que pode e o que não pode ser feito em público e procuram se adequar a elas. Pode acontecer, porém, que a criança não consiga se conter, e neste caso, uma observação mais cuidadosa se faz necessária. Nes­ te ponto, a discriminação entre um comportamento eventual e um comportamento compulsivo é fundamental. A masturbação é natural e faz parte da vida de todos, como já vimos, mas ela não deve absor­ ver toda a atenção da criança, afastando-a de suas outras atividades, brincadeiras e possibilidades de relacionamento. Quando isto aconte­ ce, deve ser entendido como um sinal de ansiedade, ou de que algu­ ma coisa não vai bem. O que precisa ser investigado não é a masturbação em si, mas o porquê dela estar ocorrendo desta forma. Problemas em casa, uma nova gravidez da mãe, dificuldades de aprendizagem, situações de violência e abuso sexual, solidão e até mesmo fome podem estar por trás da masturbação compulsiva, que, neste caso, é um sintoma, e não o problema em si. O professor e a equipe de orientação devem procurar levantai' um histórico da crian­ ça, observando: há quanto tempo este comportamento está ocorren­ do, que mudanças ocorreram na vida da criança neste período, em que situações isto acontece, se a criança deixou de se interessar pe-

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los amigos, por atividades pedagógicas e lúdicas. A conversa com a família é importante no sentido de colher dados sobre a criança, mas nunca no sentido acusatório. Com estes dados reunidos, é possível levantar hipóteses e encaminhar a criança para o atendimento espe­ cializado que se fizer necessário. Em todas as situações, e tão variadas elas são quanto variadas são as brincadeiras e a criatividade das crianças, o mais importante é que o educador ou pais ou profissionais de saúde possam, partindo de uma reflexão prévia sobre o assunto e utilizando sua capacidade de observação como instrumento, compreender a sexualidade da crian­ ça como um aspecto de vida, e suas várias formas de expressão, inerentes ao ser humano.

Capítulo 5

HOMOSSEXUALIDADE EM CRIANÇAS: SERÁ QUE ISTO EXISTE? Adriana Canepa Barbosa Priscila de Oliveira Galvani

André; de três anos e seis meses, frequenta uma creche desde os quatro meses e sempre gostou muito de dançar com um pedaço de pano. Este pano está com ele em todo lugar: Vira saia, põe na cabeça e faz mil e uma peripécias no seu mun­ do de fantasia. Segundo relato da mãe, ele faz isto em casa com as roupas dela, e os vizinhos a recriminam por isto, Um dia esta mãe disse: Será que meu filho vai ser bicha? João tem o comportamento social diferenciado. Gosta de brin­ car de bonecas e de casinha com as meninas. Quando per­ gunto a ele o porquê de brincar com bonecas ou de casinha, me responde imediatamente: uVocê não vê que isto não é boneca! E a minha filha, e estou cuidando dela. Quando eu casar vou ajudar minha mulher a cuidar de casa porque ela também vai trabalhar para me ajudar a comprar as coisas. ” Onde trabalho há uma garota de cinco anos e seis meses que

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não é nada feminina. Irei chamá-la de Renata. Em alguma brincadeira ou atividade em que são chamados os meninos, Renata vem e fica junto. Quando alguém fala: ‘mas você não é menino \ ela fica brava e diz que não gosta de ser menina. Brinca só com meninos, e quando a brincadeira é de namorar se refere ã outra menina como namorada. Wellington, quatro anos, quer sempre se fantasiar com as roupas femininas: noiva, bruxa, branca de neve, prince­ sa... tentei oferecer-lhe fantasias do super-homem, power ranger, homem aranha e príncipe. r/ré põe, mos ráo vê muita graça e logo troca novamente. Fico preocu­ pada com o que os pais possam pensar: Será c/we deveria falar com eles? Relatos de educadoras de Centros de Educação Infantil do Município de São Paulo. As situações descritas retratam a preocupação real de quem tra­ balha e convive com crianças. Pais, familiares, babás, profissionais de saúde e educadores em geral deparam-se constantemente com este tipo de situação. Elas são freqüentes, assim como a preocupação dos que estão com as crianças. Neste capítulo, tentaremos abordar as duas perspectivas, ocupando-se das crianças e daqueles que as cuidam. Para tanto, vale um olhar não só para a homossexualidade, bem como para o próprio desenvolvimento infantil. Conhecer o cruzamento entre eles é rever a pertinência de nossas intervenções e preocupações. Façamos, então, um rápido voo panorâmico sobre estas duas cartografias.

Um pouco da história Ao longo da história da humanidade, iodas as sociedades têm exibido formas de amor homossexual. “Podemos, portanto, concluir

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que o que chamamos hoje de homossexualidade é um aspecto per­ manente da natureza sexual do Homo Sapiens”14 15. Pesquisas antro­ pológicas em sociedades pré-históricas estabeleceram que relações homossexuais eram permissíveis e desempenhavam um importante papel no ritual de agem masculino. Vale a pena nos determos um pouco na civilização greco-romana, considerada o berço da civiliza­ ção ocidental, apesar da prática homossexual no oriente ter sido tão presente quanto no ocidente, como mostra Colin Spencer, no livro Homossexualidade: uma históriaL\ Na Grécia antiga, os meninos de 12 a 15 anos encontravam um amante com a aprovação da família e permaneciam ivos até os 25 anos, quando assumiam o papel ativo com os mais jovens. No Império Romano, foi promulgada uma lei, conhecida como Lex Scatina, destinada a regulamentar o comportamento sexual. Os ro­ manos não podiam amar os meninos livres - tal comportamento era punido com multa. Contudo, podiam ter relacionamentos sexuais com os meninos escravos. Já a homossexualidade feminina não tinha a mesma aceitação. “O lesbianismo afrontava a masculinidade roma­ na, porque roubava dela o direito de dar prazer. Era visto como uma tentativa de uma mulher usurpar o papel do homem"'16. Retornando um pouco a questão da sexualidade romana masculina, mesmo sendo a Lex Scatina uma tentativa de inibir a sedução e o amor pelos garo­ tos livres, na prática não impediu tal costume. Ignorando a lei, os homens continuaram a cortejar os meninos como sempre fizeram. No século II a.C., ocorreu aparentemente uma mudança nos costumes sexuais. A idéia do macho romano domi­ nante, do herói conquistador, foi sendo suavizada pela influência grega. O amor por meninos estava na moda.

14. SPENCER, C, Homossexualidade: Unta história. Rio de Janeiro, Editora RCB, 1996, 2 ed., p. 371. 15. SPENCER, C. op. cit, p. 420. 16. SPENCER, C, op. cit, p. 70.

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Se um romano queria assegurar afeição, respeito e fideli­ dade, então escolhia uma esposa. Mas se desejava pai­ xão sexual, angústia e ardor romântico, escolhia um jo­ vem... (...) O que os conquistadores romanos originais mais temiam parecia agora estar acontecendo: se os meninos nascidos livres tornavam-se os amores ivos adora­ dos de homens mais velhos, não poderiam quando adul­ tos ter ainda o desejo do amor ivo?17 Como podemos ver, a tentativa de normatizar o desejo sexual e discriminar os desejos homossexuais vêm de longa data.

A história do preconceito A rejeição ou aversão à homossexualidade tem raízes profundas, permanecendo até a atualidade. Isto fica evidenciado na utilização do termo homossexualismo, em que o sufixo "ismo" remete a uma no­ ção de doença. A Organização Mundial de Saúde já adotou o termo homossexualidade na tentativa de romper com esta pato logiz ação. E interessante podermos pensar em termos de atração e desejos sexuais, já que estes podem mudar ao longo da vida, ao invés de classificar­ mos as pessoas em homossexuais ou heterossexuais. Em diversas sociedades primitivas, encontramos o culto ao sê­ men como preciosa fonte de vida. Algumas tribos tinham rituais de espalhar o sêmen pelo solo como mágica da fertilidade. Essa reve­ rência ao sêmen e ao falo permanece de alguma maneira até os dias de hoje, representando a perpetuação da espécie humana. Assim, é possível que a prática homossexual seja ofensiva para alguns por colocar em risco a sobrevivência da própria espécie. Quando o cristianismo se tornou a religião oficial de Roma, a moralidade sexual cristã ainda não era lei. A transformação foi lenta /

17. SPENCER, C. op. cit, p. 71.

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e gradual, sendo que somente no século VI d.C. foi consumada. Por muito tempo, o que a religião dizia sobre a conduta sexual não era claro. Foi durante a Idade Media que tais pensamentos foram siste­ matizados, como, por exemplo, “sexo é apenas para a reprodução”, ligando o ato sexual ao divino e ao sagrado. Lutava-se, assim, contra o amor pelo mesmo sexo, principalmente nas congregações e entre os sacerdotes. "A sexualidade do homem estava agora tocada pela divindade de Deus e tornou-se sagrada...” “... Em termos práticos, qualquer expressão sexual fora do casamento que não fosse a pene­ tração vaginal na posição mais tradicional estava contaminada pelo demônio. Gradualmente, todos os atos ‘desviantes’ tornaram-se pe­ cados graves e flagrantes contra a divindade de Deus.”l!i É o nasci­ mento do estado homofóbico {medo do homossexual). A condenação do famoso escritor Oscar Wilde na Inglaterra no Final do século XIX marcou a institucionalização da homofobia. Após sua prisão, nenhum homossexual estava livre de ser preso e conde­ nado. No imaginário social, a homossexualidade era algo impensável e impronunciável, assim como o nome de Wilde, durante anos, mes­ mo em famílias mais liberais. A Segunda Guerra Mundial e os anos de domínio nazista que a antecederam ficaram marcados pela selvagem e repugnante perse­ guição aos homossexuais. Estima-se que 220.000 tenham sido exter­ minados, dos quais 50.000 foram documentados. Além dos maus tra­ tos dos campos de concentração, também foram usados como cobai­ as em tratamentos experimentais como lobotomias e tratamentos de choques com substâncias químicas. Estes e outros exemplos ajudam a relativizar o olhar contempo­ râneo. O termo homossexualidade foi criado a fim de contemplai' e incluir as relações amorosas e/ou sexuais entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, com ele, criou-se a noção de diferença, erro e exclusão. Além disto, os estereótipos dos gêneros masculino e femi­ nino e os estereótipos sexuais contribuem para o olhai' da discrimina­ ção e a perpetuação do preconceito. 18. SPENCER. C. op. cit, p, 229.

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O que é ser homem ou mulher nos dias atuais? Desde muito pequenas, as crianças já recebem informações de como devem se comportar em função de seu sexo. “Homem não chora e não brinca de casinha. Menina não pode falar palavrão nem jogar futebol”. No entanto, no mundo atual, os papéis e funções sociais ate então definidos não dão conta da realidade. O homem não é mais o único provedor e a mulher precisa trabalhar fora para aumentai- o orçamento familiar. Apesar disto, os valores vigentes pouco acompanharam as trans­ formações da atualidade. Observa-se isto em muitos casais, cuja re­ lação evidencia a desigualdade, com a submissão e a exploração da mulher. E uma época nebulosa quanto aos modelos, em que a cons­ trução de novos parâmetros faz-se necessária. Esqueçamos, por ora, o homem que não chora e não brinca de boneca; abandonemos, também, a mulher que não joga futebol nem fala palavrão. Busquemos, conjuntamente, formas mais adequadas à nova realidade.

O papel da escola Além do ambiente familiar, é na escola que aprendemos a nos relacionar e respeitar o outro em suas igualdades e desigualdades. Lá começamos a perceber como uma sociedade se organiza. Muitos educadores não sabem lidar com a questão da homossexualidade por estarem enraizados em seus preconceitos. Relacionar-se com alguém do mesmo sexo não é escolha ou opção voluntária, é uma questão do desejo. Apesar disto, mitos e tabus se acercaram do termo, aprisionando os aí designados. Doenças contagiosas, falhas de caráter, intervenção demoníaca, alteração genética, desequilíbrio hormonal e distúrbios psicológicos, entre outros, são algumas das crenças e explicações atuais. Genético, orgânico, psicológico ou religioso, o fenômeno per-

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manece no lugar de anomalia. As explicações variam, mas apontam sempre na mesma direção: o preconceito. Ora, se deu algo similar nos relatos apresentados no início. Ape­ sar de crianças, o medo e a discriminação também se fizeram pre­ sentes. Mas, será possível falar em homossexualidade infantil? Ou ainda, prevê-la a partir de tal ou qual comportamento? Como com­ preender estas e outras situações tão comuns ao mundo infantil?

A criança Os objetos transicionais A resposta não é única, e os caminhos são variados. Pegaremos, agora, um pequeno atalho, localizado bem à frente de nossos olhos: o próprio mundo infantil. Tentaremos, aqui, trilhai' um percurso por este universo, adentrando em seus mistérios e encantos. Nas proximida­ des do brincar e do crescer, compreenderemos suas particularidades. Esqueçamos os adultos, seus receios e preconceitos. Abandonemos, por ora, a homossexualidade e olhemos, apenas, para as crianças. Elas, certamente, irão nos ajudar. André, João, Renata e Wcllington serão nossos guias durante esse eio. Acompanhando seus movimentos, conheceremos, um pouco mais, suas realidades. Acompanhá-los, no entanto, não é tarefa sim­ ples: há agens difíceis aos olhos dos adultos. Resgatemos nossas próprias crianças e embarquemos com elas, nesta deliciosa aventura. Podemos dançar com André e seu paninho. Lá está ele, em mais uma coreografia, com seu pano na cabeça. Companheiros inseparáveis, dificilmente veremos um sem o outro. André tem o pano, Carol a boneca, Juliana o cobertor e Fábio o coelhinho. Mas por que o pano de André nos preocupa tanto? Por parecer um adorno feminino, virando saia, fita, cinto etc.? Eis um bom início para a nossa reflexão. André, como a maioria das crianças, está enfrentando o árduo processo de crescimento e amadurecimento. A separação da mãe e

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do seguro ambiente familiar representa um desafio a ser superado. No início da vida, mãe e bebê estabelecem uma unidade necessária ao desenvolvimento sadio. A mãe, conectada às necessidades de seu Filho, apresenta-lhe, no momento certo, a coisa certa. Se há fome, destina-lhe o seio; se há frio, esquenta-lhe nos braços; se há sono, o embala no adormecimento. E nesta presença materna que o bebe experimenta a onipotência de criar aquilo de que necessita: o seio, que veio da mãe, foi por ele concebido. Inaugura-se, assim, a possibi­ lidade da ilusão por parte do bebê. “A adaptação da mãe às necessidades do bebê, quando suficien­ temente boa, dá a este a ilusão de que existe uma realidade externa correspondente à sua própria capacidade de criar”19, A este fenômeno, ou melhor, a esta área intermediária entre re­ alidade externa e interna, entre o objetivamente percebido e o subje­ tivamente criado, Winnicott denominou fenômenos transicionais. Há, aí, a presença dos objetos transicionais, responsáveis por este intercâmbio. Mas, para que tudo isto, se o assunto era o paninho do André? Ora, este simples paninho pode ser muito importante em seu desen­ volvimento. Neste paninho localizamos um possível objeto transicional de André. E com ele, e através dele, que André experiencia a possi­ bilidade de criar uma realidade própria. O paninho vira aquilo que ele quer, no momento que assim o desejar. E um objeto real que a a existir conforme o seu desejo/necessidade. É neste, e em inúmeros trapos e bichinhos de pelúcia, que se encontra a semente de um desenvolvimento sadio. E uma etapa necessária até que outros elemen­ tos substituam, gradativamente, os paninhos, coelhinhos e ursinhos. Nós adultos, abdicamos dos bichinhos e pedaços de cobertor; no en­ tanto, ainda temos nossos objetos transicionais. /

/

A

Essa área intermediária da experiência, incontestada quanto a pertencer à realidade interna ou externa (com­ 19. WINNICOTT, D, W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro* Imago Editora, 1975, p. 27,

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partilhada), constitui a parte maior da experiência do bebê e, através da vida, é conservada na experimentação intensa que diz respeito às artes, à religião, ao viver ima­ ginativo e ao trabalho científico criador2". Assim como André, também temos nossos paninhos. Religião, expressões artísticas, idéias inusitadas, explicações teóricas... Podem chamar de loucura, excentricidade, pragmatismo e fanatismo. No entanto, em nós, isto adquire um sentido próprio; isto configura nossa própria percepção de mundo e do sentido da vida. O paninho dc André também! Não se pode afirmar qualidades homossexuais em seu uso, mas, apenas, elementos do mundo infantil. Mas, se o paninho não representa perigo, o que dizer de vestir-se com as roupas da mãe? E no caso de Wellington, que só se interessa pelas fantasias de fadas, princesas e de noivas, todas de personagens femininas? Não podemos negar que estas fantasias são muito mais vistosas, atraentes e exuberantes do que o simples macacão azul e vermelho do homem-aranha. Mas não é só da estética que se tia ta. Trata-se, sim, da importância do brincar e do fantasiar no mundo infantil.

O brincar Na coleção da Clínica Tavistock, Compreendendo seu Filho de 0 a 6 anos2', a questão do brincar é enfatizada em todos os volumes. E por meio da brincadeira que a criança pode experimentar diferentes papéis e criar, no seu mundo de fantasia, possíveis solu­ ções para dificuldades cotidianas. João, por exemplo, está numa brin­ cadeira imitativa, assumindo o papel do pai. Em sua fantasia, cuida de /

20. WINNICOTT. D. W. op. cit., p. 30. 21. MILLER, L, Compreendendo seu bebê. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago» 1992, 84 p. e Compreendendo seu filho de 1 até 6 anos, todos da Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago.

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sua filha para sua esposa trabalhar e ajuda-lo com as contas de casa. Não podemos afirmar se João está simplesmente reproduzindo seu modelo familiar, ou propondo uma solução criativa para um problema do seu dia-a-dia. Num ato de generosidade, João tenta dar um supor­ te às atividades domésticas de sua mãe, ou contribuir para o orça­ mento familiar. Se João será ou não um homossexual não é possível, ainda, afirmar. O que podemos pensar é que sua brincadeira, além de necessária, é natural para o seu desenvolvimento. Meninos e meni­ nas brincam de trocar de papéis como parte do desenvolvimento. O brincar também é importante na expressão dos diversos senti­ mentos. O escasso repertório da criança a impossibilita de colocar em palavras todos os afetos e emoções. Raiva, medo, ódio, ansieda­ de e amor são mais facilmente manifestados por meio da brincadeira. Renata deixa claro em suas escolhas lúdicas o inconformismo e a raiva por ser menina. Está sempre com os garotos, namorando inclu­ sive com as meninas. Não podemos negar que Renata insiste em ocupar um papel masculino. Independentemente de a escolha ser condizente ou não com seu sexo biológico, o preocupante, aqui, é a cristalização. Visto que é no brincar que a criança experimenta dife­ rentes papéis e possibilidades, a insistente repetição sempre chama atenção. O que será que Renata está tentando dizer? Por que tanta raiva de ser menina? Será que ser menino, na sua cabeça, é mais legal que ser menina? Será que tem algum irmão ou primo que ela acha que são mais amados do que ela, menina? Não temos a resposta, mas fica clara sua dificuldade de lidar com o feminino e a necessidade de que isto seja expresso. Seja por imitação, criatividade, jogo de faz-de-conta ou mera expressão de sentimentos, o mundo da fantasia está sempre presente; grande parte do crescimento se dá nestas brincadeiras. E ao redor dos quatro anos que a criança começa a diferenciar realidade de fantasia. A criança experimenta diferentes personagens e expressa as diferentes maneiras de se identificar com estes papéis de gênero. O problema não é o papel em si, e sim a estagnação em um único papel. O mais preocupante ainda é o não brincar. Se a criança não

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brinca, aí sim, às vezes, é um indicativo de algum problema emocional e se coloca a necessidade de uma ajuda especializada.

O momento da definição Se ate ao redor dos seis anos a criança está numa livre experi­ mentação de papéis e identificações, nesta idade, algo começa a se definir. Até aqui, menino e menina ainda acreditam ser possível ter a mamãe e o papai da mesma forma que eles se têm. Neste momento, no entanto, a noção de interdição a a fazer parte do mundo da criança. Papai e mamãe não são parceiros possíveis, mas um novo mundo se abre no campo da sexualidade. E aqui que se definem os processos de identificação com as figuras materna ou paterna, inse­ rindo a criança no circuito do desejo. Vale ressaltar que a faixa etária entre zero e seis anos é anterior a qualquer tipo de definição. *

Considerações finais Talvez este seja, de fato, o ponto final de nosso percurso. Per­ corremos os campos da homossexualidade bem como do mundo in­ fantil. Nosso trajeto realizou-se em duas etapas distintas, a fim de separar o que, às vezes, parece unido: criança e homossexualidade. Crianças homossexuais, ou com tendências a, é algo difícil de ser afirmado. Se o desejo homossexual existe, só podemos reconhecê-lo a partir de alguma identificação e atração sexual. Ao contrário do que se parece, a atitude infantil não é indício que comprove uma afirmação no que se refere à homossexualidade. E indício sim, de seu mundo em constituição, de seu existir por meio do brincar.

Capítulo 6

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Luís, de três anos, disse a sua professora: “Meu pai mordeu o peitinho da minha irmã e depois fez xixi em cima dela\ Como saber se o ocorrido é fantasia ou realidade? fíel de dois anos e meio, entrou embaixo da mesa e come­ çou a chupar o pipi de Ricardo de três anos. Como saber se é brincadeira, imitação do que a criança vê pas­ sivamente ou se é repetição do que fizeram com ela? De fato, o tema violência sexual infantil desperta nos adultos, educadores e profissionais de saúde, que lidam com crianças pequenas, muitas dúvidas e angústias. E um tema intrigante. Freud, no início de sua obra, entre 1895 e 1897, acreditava que suas pacientes histéricas haviam sofrido alguma experiência traumá­ tica durante a infância, quando relatavam fantasias incestuosas com seus pais. Teriam sido vítimas de uma sedução sexual efetuada por

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um adulto? - ele se perguntava. Tal violência consistia em algo que a paciente não era capaz de compreender e em uma intimidade sexual excessiva da qual não tinha nenhuma consciência. A criança, pensa­ va ele, por ser tão imatura, não tinha como entender o ocorrido, nem como se angustiar com algo tão brutal. A violência do trauma consis­ tiria neste excesso de afeto inconsciente. A idéia de que a origem da histeria estava no abuso sexual infantil ficou conhecida como teoria de sedução. Mas, em seu processo de auto-análise, por meio das cor­ respondências com Fliess (1897), Freud abandona aos poucos tal teo­ ria. Sua famosa frase “Eu não acredito mais em minhas histéricas" amplia o campo da fantasia paia a psicanálise. As revelações de suas pacientes poderiam ser produto de sua imaginação. Esta descoberta representou um marco fundamental na história da psicanálise, colocan­ do a fantasia como a realidade psíquica a ser considerada”. Por outro lado, Ferenczi22 23, psicanalista e discípulo de Freud, apre­ senta divergências com relação às idéias de Freud sobre o traumatismo. A avaliação clínica de seus pacientes reforçava sua hipótese de que experiências traumáticas reais haviam ocorrido em sua história e que não apenas fantasias de sedução e/ou violência poderiam estar na base de suas perturbações. Para Ferenczi, há três tempos do trau­ ma: o primeiro no momento em que a criança confia na estabilidade do objeto de amor; depois, quando ela se decepciona na convivência com esse objeto, seguida de ódio, revolta e medo; e, por último, quan­ do há a recusa e a negação da realidade (o "desmentido") das expe­ riências ocorridas com a criança, tanto da parte do adulto diretamen­ te envolvido, quanto daqueles que a rodeiam. Ferenczi24associou a linguagem da paixão à sexualidade adulta e a linguagem da ternura à sexualidade infantil. As crianças brincam 22. LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. Lisboa, Moraes Editores, 1977, 4 ed. 23. FERENCZI, S, Confusão de A análise ASSIM? de crianças com adultos. In: Obras completas de psicanálise IV. São Paulo, Martins Fontes, 1931, p. 79. 24. S. FERENCZI, S. (1933), Confusão de língua entre os adultos e as crianças (a linguagem da ternura e da paixão). In: Obras completas psicanálise IV. São Paulo, Martins Fontes, cap. 9, 1992, pp. 97-106,

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com a idéia de ocupar o lugar do progenitor do mesmo sexo, para tornar-se o cônjuge do sexo oposto, isto apenas na imaginação. Na realidade, elas não querem e nem podem dispensar a ternura, sobre­ tudo a ternura materna. Se, no momento dessa fase de ternura, se impõe às crianças mais amor, ou um amor diferente do que elas dese­ jam, isso pode acarretar em consequências patogênicas da mesma forma que a privação de amor pode invocar. Essas perturbações afe­ tam tanto as identificações que as crianças poderiam construir como podem interferir em seu desenvolvimento global. Fairbaim25 observou que crianças que tinham sido vítimas de ataques sexuais se aulo-recriminavam e eram muito envergonhadas. Ele ficou impressionado pela relutância dessas crianças em relata­ rem as experiências traumáticas a que tinham sido submetidas. Quanto mais inocente era a vítima, maior era a resistência à anamnese, e nos indivíduos que realmente tinham cometido ofensas sexuais, essa rea­ ção não era observada. Concluiu que as vítimas de ataques resistiam à reposição da memória traumática principalmente porque esta me­ mória representava um registro de uma relação com um objeto com características verdadeiramente más, uma experiência intolerável e vergonhosa. Na esteira das idéias de Freud, um exemplo de fantasia que se transformou em realidade aconteceu em março de 1994, publicada pela mídia paulistana. Baseada em fontes oficiais (polícia e laudos médicos) e em pessoas próximas (pais de alunos), a mídia denunciou seis pessoas por envolvimento em abuso sexual de crianças da Esco­ la Base, no Bairro Aclimação, em São Paulo. Esse fato simplesmente não existiu. Foi desencadeado provavelmente pela fantasia ou inten­ ção maldosa de alguém que queria prejudicar esse projeto educacio­ nal. A mídia e outros veículos de comunicação comprometeram os acusados com uma notícia inverossímil. Mais tarde os acusados fo­ ram inocentados c indenizados. 25. FAIRBA1RN, R. (1943), O recalcamento e a reaparição dos objetos inaus (com especial referência às “neuroses de guerra'1)- In: Estudos psicanalíticos da personalidade. Lisboa, Vega Edições, 2000,

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Em julho de 1993, o jornal Folha de S. Paulo escreveu sobre organizações de pessoas que sofreram abuso sexual, denominadas SIA (Sobreviventes de Incesto Anônimos)2'’, grupos de auto-ajuda que têm por objetivo compartilhar as experiências traumáticas, bus­ cando superá-las. Nesta matéria, a psicoterapeuta Rosita Koschar, especialista no tratamento de membros destes grupos, disse: “O pon­ to fundamental da terapia é acreditar no paciente. Qualquer ser hu­ mano pode ter fantasias de incesto, mas quando a pessoa fala o que houve, o terapeuta tem que acreditar.” (Folha cie S. Paulo, 04/07/ 93) Essa tem sido a postura dos terapeutas que trabalham com pes­ soas com esse tipo de experiência traumática. Lucas, de quatro anos, vivia dia, disse à sua professora: minha mãe e vi o meu pai (nove anos)”. Ele colocou a da bem que não foi comigo!"

quieto no canto cia sala. Um “Eu cheguei cia igreja com a por cima da minha irmãzinha mão na cabeça e disse: “Ain­

Tanto o caso de Lucas como o de Luís e Bei, da epígrafe do início deste capítulo, mobilizam angústias. Esses relatos sempre nos colocam dúvidas e questões e nos remetem às idéias de Freud e Ferenczi: seria realidade ou fantasia? O que fazer? Não saber o que fazer é uma situação recomente para a maioria das pessoas que se deparam com este problema. A violência sexual é um assunto difícil. Implica a violação de tabus sociais, como o inces­ to, ando a causar desconforto - para dizer o mínimo - na família, entre os profissionais da saúde e educadores envolvidos. Diante de testemunhos como os destas crianças, é comum os educadores e profissionais de saúde ficarem inseguros, não saberem lidar com a situação e não saberem o que fazer. Para começar, precisamos saber o que é violência sexual. *

26. O prime iro grupo de SIA foi fundado em Baltimore, no início dos anos 80, e hoje outros se espalham por todos os EUA e em quatro estados brasileiros.

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Definindo violência sexual Ocorre violência sexual quando uma pessoa utiliza-se de outra por meio da violência, do poder, da autoridade ou da diferença de idade - para obter prazer sexual. A violência sexual pode ser preve­ nida ou impedida. A etiologia e os fatores determinantes da violência sexual contra a criança têm implicações diversas. Envolvem ques­ tões culturais (incesto) e de relacionamento (dependência social e afetiva entre os membros da família), o que dificulta a comunicação e perpetua o “muro do silêncio”. Na maioria dos casos, o abusador é uma pessoa que a criança conhece, em quem confia e a quem, freqüentemente, ama. O uso do poder, pela assimetria entre abusador e abusado, é ingrediente por excelência de toda situação de violência sexual, baseando-se na su­ posta inferioridade da criança e no vínculo de dependência afetiva que ela estabelece, em geral, com o adulto. O abusador se aproveita do fato de a criança ter sua sexualidade despertada para consolidar a situação de acobertamento. A criança se sente culpada por não dar conta emocionalmente da excitação provocada e isso também é usa­ do pelo abusador para conseguir seu consentimento. Quando o assunto c o abuso praticado por alguém da família, o pacto é ainda mais inquebrantável. Como ajudar essas crianças, viti­ madas justamente pelas pessoas em quem mais deveriam confiar, a quebrar a barreira do silêncio? Nestes casos, a criança violentada “vive emparedada pelo seu próprio medo de falar e pela surdez de quem deveria ouvi-la”27. A issão de culpa e a vergonha resultante talvez sejam as razões básicas para que a criança molestada não fale. Outro fator é a sensação de que não irão acreditar em suas palavras. É comum pais, professores e profissionais da saúde alegarem que a criança tem “imaginação fértil". O impulso sexual infantil existe e da origem a fantasias, mas a criança que fantasia esse tipo de envolvimento

27. PIZÁ, G. Revista Veja, 2004.

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imaginário não relata o sofrimento, a dor física, o nojo, o medo, que uma vítima de violência real sente. “Quando a base é fantasiosa ou simplesmente mentirosa, a história não se sustenta”, afirma Graça Pizá28. Nesses casos, o mais importante é acolher essas crianças e con­ versar com elas, cuidadosamente, sem expô-las diante de outras crian­ ças ou de adultos. Se ela chegou a relatai' para um adulto o que se ou com ela é porque confia nele e se sente muito desamparada a ponto de falar. O caso de Bei, que encena uma situação de sexo oral ou que simula o ato sexual, pode indicar duas coisas: ou ela está repetindo o que fizeram com ela para compreender o que aconteceu ou, se não foi violentada fisicamente, pode estar encenando relações sexuais de adultos a que deve estar sendo exposta iva e freqüentemente, o que também se configura como uma violência, pois seu desenvolvimento emocional não consegue dar conta de ta­ manha excitação que essa situação provoca na mente da criança. Alem disso, essa brincadeira não faz parte do repertório de crianças entre 2 e 4 anos. Nessa faixa etária, elas estão mais interessadas no prazer auto-erótico. E comum as educadoras, diante da aflição que estas situações despertam, negarem ou arem a responsabilidade pelo caso para a diretora, que então se encarregaria de comunicar ao Conselho Tu­ telar. Mas, Conselho Tutelar adianta? A tentativa de preservar o núcleo familiar, o medo e a omissão impedem a família de comunicar a maioria dos casos de violência sexual. Já os educadores têm medo do que pode acontecer após a comunicação, as complicações para si e para a escola. Esse medo está ligado à crença de que a comunicação não vai adiantar ou de que o Conselho Tutelai' não vai agir em favor da criança. Mas não devemos deixar de comunicar ao Conselho ou aos órgãos competen­ tes, pois estes, por princípio, devem estar preparados para averiguar e investigar a procedência das comunicações e fazer cumprir as leis.

28. PIZÁ, G. op.cit.

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Todos nós temos o direito de cobrar que este trabalho seja realizado da melhor forma possível para que crianças vítimas de violência se­ xual fiquem protegidas e afastadas do abusador ou de outros tipos de violência.

Qual o papel da escola? A prevenção é a melhor forma de evitar as várias formas de violência sexual. Educadores, pais, profissionais da saúde, psicólo­ gos, advogados e a sociedade em geral devem buscar a promoção de um trabalho de orientação sexual. Por meio deste trabalho, a escola, como apontamos em outros capítulos, é um espaço privilegiado para realizar a prevenção da violência sexual, oferecendo orientação e informação, sensibilizando educadores, pais, crianças e adolescentes, toda a comunidade em torno da escola, sobre os fatores desencadeantes da violência sexual. Trata-se de um espaço em que se possa conversar e informar sobre sexualidade, refletir e questio­ nar posturas, tabus, crenças e valores a respeito dos relacionamentos e comportamentos sexuais, e discriminar o que é público e privado. Informar as crianças (ver dados abaixo) é uma forma de protegê-las de situações de violência. A escola deve dar e ao educador que ouvir um relato de violência sexual ou suspeitar da sua ocorrência. Ouvir as crianças que sofreram violências pode ser muito angustiante. Ajudá-las pode­ rá ser difícil sem o apoio da equipe de trabalho. É preferível que a direção da escola assuma a tarefa de comunicação ao Serviço de Denúncia de Violência, Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (tel. 100); caso isso não seja possível, o professor pode fazê-lo. Além disso, a escola deve encaminhar a criança que sofreu al­ gum tipo de violência para um trabalho terapêutico, pois o excesso de agressão ou de excitação sexual, sem possibilidade de elaboração, desencadeia distúrbios de aprendizagem, emocionais e de comporta-

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mento. E comum crianças que sofreram violência sexual se tornarem retraídas num primeiro momento e violentas posteriormente. No trabalho de orientação sexual, de forma adequada a cada faixa etária, as crianças devem ser informadas que29: O corpo delas lhes pertence; Todos, inclusive crianças, têm o direito de pedir aos outros que não loquem em seus corpos, quando não quiserem ser tocados; Existem razões pertinentes para alguns adultos olharem ou tocarem os corpos nus de crianças, tais como um mé­ dico que examina uma criança ou pai/mãe que dão banho em seu filho; Nenhum adulto deveria tocar as partes íntimas de uma criança, exceto por razões de saúde e higiene; A violência sexual ocorre quando alguém mais forte, mais poderoso ou mais velho olha ou toca os genitais de uma criança sem uma razão válida, ou se utiliza dela, por meio de coação, sedução ou alguma outra forma, para obter satisfação sexual; Tanto meninos quanto meninas podem ser vítimas de vio­ lência sexual; A violência sexual pode ocorrer dentro ou fora da família; A violência sexual sempre traz prejuízos emocionais às vítimas; Uma pessoa que está cometendo violência sexual costu­ ma ameaçar e pedir para a criança manter segredo; Crianças devem, desde cedo, conhecer seu próprio corpo e aprender a dizer não a adultos para se protegerem da violência sexual;

29. GTPOS, ECOS e ABIA (1994). Guia de orientação sexual - Diretrizes e metodologia. São Paulo, Casa do Psicólogo, 10a ed., 2004, pp. 124-5,

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Se uma pessoa estranha tentar forçar uma criança a acompanhá-la, a criança deve ser orientada a soltar-se rapidamente e comunicar a seu pai/mãe, professor (a), vizinho (a) ou outro adulto de sua confiança; A exposição da criança a relações sexuais de adultos é uma violência ao seu desenvolvimento emocional; Uma criança nunca é culpada por ser alvo de violência sexual, e todos, adultos e crianças, devem saber disso; E importante a criança saber que a maioria dos adultos e adolescentes não violenta sexualmente as crianças. Por outro lado, os adultos, pais, educadores e profissionais de saúde, devem: Estar bem informados sobre a realidade da violência se­ xual contra crianças; Ouvir as crianças e acreditar nelas, por mais absurdo que pareça o que estão contando; Dispor de tempo para a criança, dando-lhe atenção; Saber com quem a criança fica nos momentos de lazer; Saber que a exposição da criança a relações sexuais de adultos é uma violência ao seu desenvolvimento emocio­ nal e configura violência sexual; • Saber que o contato entre um adulto e uma criança pode ser lúdico, carinhoso e prazeroso, mas nunca deve estar a serviço do prazer sexual do adulto; Ter conhecimento de que no Brasil, a maioria dos casos de violência sexual ocorre em casa, por pessoas que a criança conhece, em quem confia e de quem gosta; Nos casos de suspeita ou confirmação de violência se­ xual, comunicar imediatamente ao Conselho Tutelar ou, na sua falta, ao Juizado da Infância e da Juventude do Município; Saber que compete às instituições que atendem crianças e adolescentes, inclusive à escola, encaminhá-las para diag-

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nóstico e tratamento especializado, quando vítimas ou em caso de suspeita de violência sexual; Saber que o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Cons­ tituição Federal e o Código Penal determinam penalidades contra qualquer forma de violência sexual tanto para o agressor quanto para quem se omite de comunicar tal violência; Ter consciência de que uma criança nunca é culpada por ser alvo de violência sexual, e todos, adultos e crianças devem saber disso. Como abordar e proteger a identidade da criança? X

E importante buscar um ambiente apropriado para con­ versar com uma criança que possivelmente está sofrendo violência sexual. A pessoa responsável pela conversa (edu­ cador, profissional da saúde, ou familiar) deve criai- um ambiente tranquilo e seguro e a criança deve ser ouvida sozinha, pois é fundamental respeitar sua privacidade. A criança deve ser protegida. E comum a criança sentirse responsável por tudo que está acontecendo, mas devese reiterar que ela não tem culpa pelo que ocorreu. Seu relato deve ser levado a sério, já que é raro uma criança mentir sobre essas questões. Lembrar de que é preciso coragem e determinação para uma criança contar a um adulto que está sofrendo ou sofreu alguma violência. As crianças podem temer a ameaça de violência contra elas próprias ou contra membros de sua família ou temer serem levadas para longe do lar. A criança deve ser tratada com carinho, dignidade e respeito. Proteger a identidade da criança sexualmente violentada deve ser um compromisso ético-profissional. As infor­

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mações referentes à criança só devem ser socializadas com aquelas pessoas que poderão ajudá-la. Mesmo as­ sim, devem ser usados codinomes. O nome verdadeiro da criança deve ficar ao menor número possível de pessoas. Há várias formas de violência sexual: 1. Violência sexual sem contato físico: violência sexual ver­ bal, telefonemas obscenos, exibicionismo, voyeurismo e outros, como mostrar para crianças fotos ou vídeos pornográficos ou fotografar crianças nuas em posições sedutoras com objetivos sexuais. Há uma ampla variedade de experiências impostas às crian­ ças que talvez nunca cheguem a envolver um efetivo contato físi­ co, mas que, ainda assim, criam uma atmosfera em que a criança se sente insegura e desnorteada. Susan Forward (1989) rotulou esses comportamentos de “incestos psicológicos”, que além dos já citados incluem a masturbação na frente da criança, as conver­ sas “picantes”, e até mesmo a erotização genital precoce, que invade a infância, nas diversas manifestações de um erotismo que nem sempre é compreensível para a criança (letras de músicas, vestimentas, apelos publicitários etc.), mas que dá o “direito" para alguns adultos interpretarem e até se associarem em grupos orga­ nizados que defendem a troca de carícias entre crianças e jovens, crianças e adultos. Confundem-se meninas com mulheres adultas, vulnerabilidade com provocação sexual, virilidade com agressividade. Algumas imagens da publicidade embaralham a dis­ tinção entre mulher e menina-criança. Enviam a mensagem de que as meninas assim como as mulheres podem ser - c devem ser - consumidas sexual mente. Este tipo de atitude pode distorcer as verdadeiras necessidades das crianças que sofrem contatos sexuais e ignorar a angústia que pode se instalar em quem vive experiências desse tipo.

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2. Violência sexual com contato físico: atos físico-genitais, com ou sem penetração vaginal, anal ou oral. com ou sem violência; por­ nografia e prostituição de crianças3".

Incesto O incesto pode se caracterizar em uma violência sexual com ou sem contato físico. Não é a agressão física que define o abuso, mas, sim, a violência emocional e social que está contida no ato30 31. E qualquer relação de caráter sexual entre um adulto e uma crian­ ça ou um adolescente, entre adolescente e uma criança, ou ainda entre adolescentes, quando existe um laço familiar, direto ou não, ou mesmo uma mera relação de responsabilidade em que a criança con­ fia, como módicos, educadores, padres ou pastores, entre outros. Na maioria das vezes, a relação incestuosa pode ser bastante longa, podendo durar meses ou anos. A criança sente dificuldade de lidar com a relação incestuosa por não ser claramente percebida como tal e sim como manifestação de carinho, aproximação, dificultando uma possível comunicação às autoridades. No entanto, a devastação causada pelo incesto é muito maior que a das violências sexuais não incestuosas, justamente por se inse­ rir na constelação das emoções e dos conflitos familiares.

Conseqüências da violência sexual A violência sexual pode trazer para a criança consequências or­ gânicas e psicológicas, como lesões da genitália ou do ânus, gravidez, doenças sexualmente transmissíveis, dificuldades emocionais na se­ xualidade, na aprendizagem e na socialização.

30. A terminologia “prostituição de crianças7' ou “prostituição infantil” é considerada inadequada, já que crianças não se prostituem e sim são prostituídas, 31. PINTO, M, C. D. Abuso Sexual - O Incesto. 2006* (www.gtpos.org.br)

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A violência sexual fornece a ambos, meninas e meninos, in­ formações errôneas sobre relacionamentos entre adultos e crian­ ças. Uma relação envolvendo violência sexual entre um adulto e uma criança é baseada em poder e conhecimento desiguais. À medida que crescem, estas crianças percebem que sua confian­ ça e seu amor foram traídos. Consequentemente, pode ser difícil para elas voltarem a confiar em alguém, e isso pode gerar pro­ blemas graves em seus relacionamentos sociais e sexuais na vida adulta32. Além disso, o excesso de excitação provocada por situações de violência sexual pode gerar descargas neurológicas que o sistema nervoso da criança não dá conta de ar, provocando quadros convulsivos, dificuldades na linguagem e seqüelas neurológicas irre­ mediáveis. Pessoas que tenham sido vítimas de violência sexual poderão ter sérias dificuldades emocionais e necessitar de apoio e trata­ mento. Recursos especiais da comunidade podem ajudar uma pes­ soa a se recuperar de uma violência sexual, (ver DICAS no final do livro) As crianças podem reagir ou experienciar a violência sexual de várias maneiras: Algumas fingem que não é com elas e tentam ver a vio­ lência sexual à distância; Outras tentam entrar em estado alterado de consciência, como se estivessem dormindo e pensam que a violência sexual foi um sonho; Outra maneira é dissociai' o coipo dos sentimentos. Algu­ mas negam a existência da parte inferior do corpo.

32. ABRA PI A. Abuso sexual contra crianças e adolescentes, 3a ed. Petrópolis, Editora Autores & Agentes & Associados, 2002, p. 44,

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Como identificar a violência sexual Os profissionais e pessoas envolvidas com crianças devem estar atentos para identificar situações de violência sexual tanto nos casos em que há evidências de violência física como naqueles em que não há marcas. Há vários comportamentos que podem ser observados em crianças abusadas sexualmente. Os comportamentos listados são norteadores para identificai" a violência sexual. Isolados, não signifi­ cam necessariamente que a criança tenha sido violentada, mas são um alerta para serem melhor investigados’3: • Altos níveis de ansiedade; imagem coiporal distorcida e baixa auto-estima; Distúrbios no aprendizado e de socialização; dificuldades de concentração e hiperatividade; Comportamento muito agressivo, apático ou isolado; Comportamento extremamente tenso, em “estado de alerta”; Regressão a um comportamento muito infantil; tristeza, abatimento profundo; choro sem causa aparente; Masturbação visível e constante, jogos sexuais agressivos; Desconfiança especialmente dos adultos que lhes são próximos; Faltar freqüentemente à escola; relutância em voltar para casa; * *

33. ABRAPIA, op. cit., p. 46. 34, Nas crianças vítimas de violência sexual, as perturbações podem expressar-se por meio de desenhos estereotipados que demonstram conhecimentos sexuais inadequados para sua idade, aparecendo sem nenhuma simbolização figuras humanas com atributos sexuais ou cenas de coito que são bem diferentes dos desenhos que os pré-adolescenles desenham. E comum notarmos nesses desenhos a presença de olhos persecutórios e mãos soltas no espaço, provavelmente, evocando a figura do agressor sexual. Isto remete à angústia persecutória, invariavelmente encontrada em crianças abusadas. (Azevedo, 2000) >*

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Expressão de afeto sensualizada ou mesmo certo grau de provocação erótica, inapropriado para uma criança; Brincadeiras sexuais persistentes com amigos, animais e brinquedos; Relato de avanços sexuais por parentes, responsáveis ou outros adultos; Desenhar órgãos genitais com detalhes e características além de sua capacidade etária34.

Além da violência sexual há vários tipos de violência contra as crianças que violam os direitos da criança e do adolescente e que também demandam cuidados especiais.

Violência doméstica /

E “todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsá­ veis contra criança e/ou adolescente que, sendo capaz de causar à vítima dor ou dano de natureza física, sexual e/ou psicológica, implica de um lado, uma transgressão de poder/dever de proteção do adulto. De outro, leva à coisificacão da infância. Isto é, a uma negação do direito de que crianças e adolescentes têm de serem tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.”35. Ela pode ser classificada em dois tipos: a já abordada violência sexual e os maus-tratos.

35. AZEVEDO, M. e GUERRA, V. N. A. (orgs.), Infância e violência doméstica: fronteiras do conhecimento, 3a. ed. São Paulo, Cortez, 2000.

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Maus-tratos36 Tipo de violência - também considerado crime - no qual as pes­ soas que deveriam cuidai' da criança e educá-la, tais como pais, res­ ponsáveis pela guarda, professores e médicos - terminam por expor a criança a perigos que comprometem o seu desenvolvimento saudá­ vel ou que ameaçam sua vida. Os maus-tratos podem ser agrupados em quatro tipos: negligência, abandono, violência psicológica e vio­ lência física. • negligência A negligência é uma das formas de violência caracterizada por um ato de omissão do responsável pela criança em prover as neces­ sidades básicas para seu desenvolvimento sadio. Pode significar omis­ são em termos de cuidados diários básicos tais como alimentação, cuidados médicos, vacinas, roupas adequadas, higiene, educação e/ ou falta de apoio psicológico e emocional às crianças. Normalmente, a falta de cuidados gerais está associada com a falta de apoio emocio­ nal e carinho para as crianças. Por isso, elas terminam por acreditar que não têm importância para os pais ou que eles não gostam delas. • abandono O abandono é uma forma de violência muito semelhante à negli­ gência. Segundo o Centro Latino Americano de Estudos a Violência e Saúde - CLAVES, ele se caracteriza pela ausência do responsável pela criança na educação e cuidados para com ela. O abandono par­ cial é a ausência temporária dos pais, expondo a criança a situações de risco. O abandono total é o afastamento do grupo familiar, ficando as crianças sem habitação, desamparadas, expostas a várias formas de perigo.

36. ÂBRAPIA (1997), Guia de orientação para educadores - Maus-tratos contra crianças e adolescentes, Proteção e Prevenção.

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• violência psicológica E um conjunto de atitudes, palavras e ações dirigidas a envergo­ nhar, censurar e pressionar a criança de modo permanente. Ela ocor­ re quando xingamos, rejeitamos, isolamos, aterrorizamos, exigimos demais das crianças e dos adolescentes, ou mesmo as utilizamos para atender às necessidades dos adultos. Apesar de ser extremamente freqiiente, esta modalidade de violência é uma das mais difíceis de serem identificadas e podem trazer danos ao desenvolvimento emo­ cional, físico e social da criança. • violência física A violência física é o uso da força física de forma intencional, não acidental, por um agente agressor adulto (ou mais velho que a criança). Normalmente esses agentes são os próprios pais ou res­ ponsáveis que agem com o objetivo de machucar a criança. Ocorre quando a criança é espancada com mãos, cintos, pedaços de paus. A violência física pode ou não deixar marcas evidentes e nos casos extremos pode causar a morte. O Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde enten­ de que em relação às crianças e adolescentes, a identificação, a pre­ venção primária e o cuidado mais abrangente dos casos de violência que chegam aos serviços de saúde e também às escolas, são possíveis, desde que se trabalhe num processo de sensibilização e de formação de profissionais, dando-lhes as devidas condições instrumentais, e es­ clarecendo suas responsabilidades para com as crianças. Em DICAS você encontrará uma bibliografia e filmografia para debates, além de apresentar alguns locais e organizações que ofere­ cem ajuda às crianças e familiares.

LIDANDO COM AS DIFERENÇAS

Capítulo 7

A SEXUALIDADE EM CRIANÇAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA Carina Alvarez Gambale Maria Cecília Pereira da Silva Patrícia Oliveira de Souza

Até que ponto as manifestações da sexualidade podem ser consideradas normais nas crianças com necessidades edu­ cacionais especiais ? Difícil tarefa falar de deficiências, escolhendo o tom e a medida, tentando abarcar tantas c tantas desigualdades e preconceitos arrai­ gados em nossas entranhas. Difícil nomear o imperfeito, as feridas, aquilo que não é simétrico. Sair do manual de como educar, como responder, como “fingir’’ que não fere. Há uma extensa bibliografia descrevendo uma variedade de subgrupos de excepcionais, bem como uma variedade de modelos teóricos utilizados em seu estudo e de áreas afetadas pelas incapaci­ dades intelectuais, físicas, emocionais e sociais. Como tratar este assunto? O que abordar? Como nomear? Excepcional, deficiente, portador de deficiência ou de necessi­ dades especiais? Parecia que o nome revelaria toda uma concepção,

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preconceituosa ou não. Lidar com o diferente é uma expressão re­ corrente, lidar com o diferente não é uma expressão, mas uma situa­ ção, atitude, desafio etc. que também parece uma daquelas receitas para falar de tudo que foge ao esperado, imaginado, como se fosse fácil fazer e viver a diferença. Nascer já é difícil em um campo cheio de expectativas... Fazerse singular é como nascer de novo, como nos lembra Carlos Drummond de Andrade, em seu poema Nascer de Novo (ver em DICAS). Fica o convite para explorar este território ainda tão desconhecido de sen­ sações e informações que serão mescladas neste capítulo.

Para nascer... Cada ser humano vem ao inundo com necessidades e deman­ das, chega para ocupar um lugar, que, na melhor das hipóteses, fica no encontro entre o que precisa e o que o ambiente lhe oferece. Para nascer, o bebê real, aquele que é de fato, precisa ser imaginado e esperado pelos pais. Os casais constroem para o bebê que vai chegar um mundo cheio de expectativas, fruto de desejos e identificações. A mais comum destas expectativas c que nasça perfeito e com saúde. Na chegada dos bebês, as mães entram num estado emocional especial para acolher e compreender suas necessidades emocionais. Os primeiros cuidados devotados ao bebê despertam nele as primei­ ras emoções e sentimentos associados às sensações de prazer e desprazer. O bebê vive com a mãe a experiência de continuidade do seu ser, podendo criar o sentido do self, de se sentir real, de ser. A medida que a criança vai crescendo, os pais vão contrapondo o bebê real, que ali está, com o bebê de suas fantasias e expectativas. E, inevitavelmente, várias frustrações virão à tona. Estas frustrações dizem respeito ao desencontro entre o imagi­ nado e o real. Os bebês não nascem e crescem mesmo iguaizinhos ao imaginado pelos pais, pois não são espelhos de perfeição. E no campo das frustrações e diferenças, como receber uma criança que, %

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por problemas genéticos ou congênitos, nasce bem diferente do bebê saudável e perfeito? Como lidar com esta imagem que muitas vezes fere o narcisismo dos pais? Como fica a formação do vínculo afetivo pais - bebê diante do desencontro entre o bebê sonhado e fantasiado e o que está diante deles?

Nascer na deficiência... E muito importante que logo ao nascer os pais sejam orientados por instituições competentes em como estimular seus bebês com ne­ cessidades especiais, pois, em geral, esses bebês são mais sonolentos e em função disso podem ficar muito tempo sem estimulação ade­ quada, ampliando seus déficits de desenvolvimento. A deficiência ameaça e desorganiza porque ela representa aquilo que foge ao esperado. Os pais iniciam sua caminhada junto ao filho sentindo-se muito abalados. Por um lado, existe a preocupação com a saúde de seu filho; por outro, uma frustração imediata de suas expec­ tativas. Mais rapidamente do que os outros pais, eles têm que se de­ frontar com o bebê real, pois a deficiência explicita mais cedo a limita­ ção dos filhos em atender as expectativas dos pais. Para aumentar ainda mais a angústia e desilusão, o futuro que se apresenta aos pais é quase sempre incógnito e sombrio, bem diferente daquele com que sonharam. E difícil para esses pais olhar para deficiência como dife­ rença e vislumbrar possibilidades naquele ser que está por vir. Tudo isso interfere na formação do vínculo afetivo entre o bebê e os pais, e, consequentemente, no desenvolvimento, inclusive o sexual. Para tratar desta complexa questão é importante distinguir al­ guns termos, a começar por deficiência e necessidades especiais. É comum ouvirmos estes dois termos como se fossem sinônimos ou como se, ao dizer necessidades especiais, estivéssemos diluindo a imagem da deficiência. O termo necessidades especiais não deve ser confundido com o termo deficiências. Os dois termos não são sinônimos. E também um

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termo não substitui o outro. A mesma pessoa pode ter deficiência e necessidades especiais, assim como pode ter deficiência e não ter necessidades especiais ou vice-versa. Quando as necessidades especiais ocorrem no campo educacio­ nal, referimo-nos a elas como “necessidades educacionais especiais”. Da mesma forma, no campo do trabalho, podemos identificai' as “ne­ cessidades profissionais especiais”; no campo da comunicação, tere­ mos as “necessidades comunicacionais especiais”, e assim por diante. As necessidades educacionais especiais, de acordo com o art. 5o da Resolução n° 2, do Conselho Nacional de Educação, decorrem de três situações: 1. Dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento, as quais podem ser vin­ culadas a uma causa orgânica (condições, disfunções, li­ mitações ou deficiências) ou podem ser vinculadas a uma causa não-orgânica; 2. Dificuldades de comunicação e sinalizações diferenciadas; 3. Altas habilidades/superdotação e grande facilidade de aprendizagem. Como causas não-orgânicas, podem ser citadas as causas sociais, culturais, políticas, geográficas, entre outras. Essas causas se refle­ tem na diversidade humana.37 Na realidade, se pensarmos que todo o ser humano é único e sin­ gular no seu desejo, diríamos que todos nascemos com necessidades especiais. Wumicott38 diria que se uma mãe tem oito filhos e criou todos iguais então temos oito mães diferentes porque as crianças são diferentes. Diferentes em necessidades e em demandas, inclusive na manifestação de sua sexualidade, que vai desde zero ano até o final da vida. Em poucas palavras, podemos dizer que a sexualidade faz parte da vida de todo ser humano. Vamos observar curiosidades e jogos se­ 37, SASSAKI, R. K. Necessidades especiais, deficiências, diversidade humana e diferenças individuais. In: Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro, WVA, 2002, 4:* ed. 38. WINNICOTT, D, W. Tudo começa em casa, São Paulo, Martins Fontes, 1967.

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xuais em todas as crianças, que devem ser compreendidas sem separálas do indivíduo como um todo. A sexualidade é parte integrante e intercomunicante de uma pessoa consigo mesma e com os outros; é muito mais do que simplesmente ter um coipo desenvolvido, ou em desenvolvimento, apto para procriar e apresentar desejos sexuais. A sexualidade vincula-se à intimidade, à afetividade, à ternura, a um modo de sentir e de se exprimir, vivendo o amor humano e as relações afetivosexuais, e manifesta-se em todas as fases da vida, sem distinção de raça cor, sexo, deficiência etc. Trata-se de uma forma peculiar que cada indivíduo desenvolve para viver suas relações pessoais e interpessoais, a partir de sua identidade de gênero. A forma como vamos viver nossa sexualidade depende muito do ambiente em que fomos criados e vivemos, partindo das primeiras relações afetivas e de cuidado até as relações na escola, com ami­ gos, no trabalho etc. A sexualidade é parte de um processo em cons­ trução e constante mudança.

O olhar na família, escola e na saúde "Quando olho, sou visto, logo existo. Agora tenho condi­ ções de olhar e ver. Agora olho criativamente, e O que eu apercebo eu também percebo. Na verdade, tomo cuidado para não ver o que não existe para ser visto. Para os pais, a deficiência fere a imagem do filho ideal - ou aluno ideal, para o educador. E para o profissional da saúde? A deficiência c muitas vezes negada pela própria criança e por aqueles que com ela se relacionam, pois nos lança à noção de que não somos perfeitos e infinitos como gostaríamos. A angústia e o temor de destruição são enormes, pois estamos diante do medo de um fracasso e do colapso de nossas estruturas emocionais.

39. WINNICOTT, D, W, O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, Imago,1975, p. 157.

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Assim, é preciso que cada um, envolvido no cuidado da criança, possa olhar e ver a deficiência, para que o grupo seja capaz de percebêla e compartilhá-la, propiciando um ambiente que acolha diferenças, facilitando o desenvolvimento de suas capacidades. Pais, profissio­ nais da área da saúde e da educação precisam lembrar de que a vivência sexual do deficiente, quando bem conduzida, implementa o desenvolvimento afetivo, a capacidade de estabelecer contatos interpessoais, propiciando o bem-estar e a inserção na comunidade. Muitos problemas não decorrem da deficiência em si, mas das condições ambientais insatisfatórias. É importante distinguir dificul­ dades decorrentes das limitações da deficiência de fatores dificultadores. Toda deficiência carrega especificidades, mas muitas destas crianças acabam tendo que se adaptar ao ambiente da deno­ minada “normalidade”. Temos hoje 10% da população mundial com algum tipo deficiência, entre mental, física, auditiva, múltipla e visual, mas o mundo continua sendo “desenhado" para os outros 90%. Um ambiente satisfatório é do tamanho, forma e cor da necessi­ dade da criança. Como pensar na criança portadora de deficiência e seu processo de socialização, suas curiosidades e necessidades? Os pais e a escola têm papel fundamental nesse processo e elas desejam ardentemente agradá-los e sentir confirmado seu amor e aprovação. Algumas crianças com deficiências nunca tiveram uma orienta­ ção ou educação sexual adequada que atendesse às suas curiosida­ des e necessidades. Com frequência, pais e profissionais parecem esquecer-se de que crianças, adolescentes e até adultos portadores de deficiência têm um corpo sexuado. A especificidade da deficiência não impede que a sexualidade se de­ senvolva como em todas as pessoas. Há uma idéia de que, se não podem ver, escutar, falar ou andar, não são setes sexuais. A sexualidade faz parte da vida de todo ser humano e as crianças com deficiências, antes de tudo, são seres humanos. A sexualidade independe da deficiência. A literatura médica aponta que, no deficiente, a não ser em cer­ tas síndromes, não há comprometimento do potencial biológico que impeça seu desenvolvimento sexual. Na síndrome de Down, porexem-

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plo, há diferenças quanto à função reprodutiva em ambos os sexos. No caso das mulheres, a fertilidade diminui porque algumas não apre­ sentam sinais dc ovulação, enquanto outras possuem variações na ovulação. No sexo masculino, a infertilidade é comprovada, embora a sua causa ainda seja motivo de estudos e controvérsias. Muitas pesquisas têm constatado que os meninos portadores dessa síndrome apresentam uma quantidade reduzida ou mesmo ausência de espermatozóides. Mas devemos ter sempre em mente que a função reprodutiva não tem nada a ver com a capacidade de sentir prazer. Vamos encontrar diferenças no desenvolvimento sexual dos de­ ficientes mentais com relação aos aspectos ligados à capacidade cognitiva e à capacidade adaptativa, entendida como a capacidade de ser independente e ter responsabilidade social em seu grupo cultu­ ral e etário. No caso das pessoas portadoras de deficiência mental, tanto uma quanto a outra capacidade estão diminuídas de acordo com o seu grau de comprometimento mental. Em decorrência disso, elas tem menor compreensão dos códigos que regem as normas sociais. Sem essa compreensão, não há estímulo para que se obedeça ao código e fica mais difícil adaptar-se às regras sociais. Os estudos atuais da neurociência têm mostrado como o cére­ bro, ao ser estimulado, é capaz de fazer novas conexões, sofrer trans­ formações e promover novas adaptações do indivíduo ao seu meio ambiente. Todo o contato afetivo bem como os estímulos psicomotores e sociais compõem o desenvolvimento das crianças. O deficiente não está impedido de ter prazer sexual e afetivo, podendo realizar-se, amar e ser amado.

Do desenvolvimento sexual na criança portadora de deficiência De modo geral, os comprometimentos na área sexual da criança portadora de deficiência estão relacionados ao contexto social e aos aspectos emocionais.

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No portador de deficiência mental, por exemplo, a diminuição da capacidade intelectual e adaptativa certamente afeta a forma como vivência sua sexualidade. Aí reside o desafio da orientação sexual. O agravamento das suas limitações só pode ser evitado se respeitarmos e compreendermos sua sexualidade. O estigma de que o portador de deficiência não tem capaci­ dade para aprender a se comportar acaba reforçando dois pre­ conceitos: que a sua sexualidade é mais exacerbada, e é entendi­ da, por muitas pessoas leigas, como mais um comprometimento da deficiência. Um menino de cinco anos de uma escola infantil, em algu­ mas ocasiões, na escola, abaixava as calças na presença de outras crianças, sendo adequadamente contido pela professora que, todavia, não aproveitava o incidente para uma conversa com ele. O que a impedia de fazê-lo era o diagnóstico da criança. Antes que tivesse tempo de apro­ veitar a oportunidade, o aluno perguntou a uma auxiliar já idosa, se ela tinha “perereca ”, Ela, surpresa e constran­ gida, disse que não. O menino, então, ou a mão na “perereca” dela e disse: “Tem sim!”. As crianças portadoras de deficiência, dependendo da gravida­ de, são capazes de realizar explorações corporais e estabelecer a diferenciação anatômica entre os sexos. Por meio de jogos sexuais, podem elaborai- e compreender os comportamentos associados às relações de gênero feminino e masculino e fazer identificações com pessoas ligadas afetivamente a elas. Quando o meio familiar e social respeita a individualidade dessas crianças, elas encontram condições de entender o significado da inti­ midade e do respeito ao outro, assegurando um avanço no seu desenvolvimento. Muitas vezes não sabem o significado da relação sexual e da reprodução, mas são capazes de desempenhar a atividade.

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Dependendo do grau e do comprometimento da deficiência, a formação de uma consciência de si mesmo e a diferenciação do ou­ tro podem ser preenchidas em sua totalidade. Quando crescem em ambientes favoráveis, abertos para rumos novos e diferentes, com estimulação, aceitação e confiança, evoluem, mesmo que lentamen­ te. Ao contrário, se os estímulos estão carregados de medo, temor, ansiedade, raiva e exigências incompatíveis com seu rendimento, isso exercerá uma influência negativa, retardando ou mesmo impedindo seu desenvolvimento. O portador de deficiência, geralmente, é afastado do contato com outros grupos sociais, Ficando isolado em sua casa ou em instituições especializadas. Para a família, esta segregação é uma forma de pro­ teção. No entanto, esta redoma também acaba restringindo a evolu­ ção do indivíduo. Privado do contato social, o deficiente tem dificul­ dade de compreender o que é um comportamento adequado fora do seu meio familiar. Para piorar, o portador de deficiência mental rara­ mente tem privacidade, o que dificulta o entendimento do que é priva­ do ou público. Quando pequena, a criança quer saber tudo o que lhe diz respei­ to, especialmente como ela nasceu. Os bebês e as barrigas de mulhe­ res grávidas exercem grande atração sobre ela, desencadeando uma série de perguntas do tipo: “Como se faz um bebê? Como ele entrou na barriga? Por onde saiu?”, Muitas vezes essas perguntas provêm de um deficiente mental somente aos 15 ou 16 anos, e os adultos tendem a ficar constrangidos e achar aquilo indelicado ou grosseiro. O fato é que os portadores de deficiência, em geral, vão atravessar essa fase numa etapa bem mais tardia de suas vidas. O corpo é adulto, mas a atitude é infantil. E, como ele possui uma aprendizagem mais lenta, é possível que venha a indagar a mesma coisa mais vezes do que a criança e exigir uma linguagem ainda mais clara. Mas a curiosidade pela diferença do sexo começa cedo e cabe aos pais, educadores e profissionais de saúde conversar com eles sobre isso. O portador de deficiência mental pode ter atitudes infantis, mas não é uma eterna criança.

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As educadoras de creche; costumam colocar em questão os critérios para entrada de uma criança com deficiência na escola. Em que sala deve ficar? Junto com crianças de que idade? O que deve ser considerado, a etapa do desenvolvimento da criança ou sua idade cronológica? Relatam histórias como: "Uma criança nasceu de cinco meses e quando tinha três anos foi encaminhada para a creche, Foi colocada no berçário... Um meninão no meio de bebezinhos. Não andava, não falava, arrastava-se para chegar onde queria. O chão de concreto machucava-o, mas não o impedia de buscar o que queria. Os colegas de três anos iam buscá-lo na sala de aula para fazer o lan­ che e as refeições. ” Na realidade, o grupo de crianças pode compreender e auxiliar uma criança com dificuldades e a questão da idade cronológica e potencial de adaptação deve ser considerada. Nos portadores de deficiência, a descoberta de que seu corpo proporciona prazer sexual pode ser alcançada numa idade cronológi­ ca que coincide com a chegada da puberdade. Isso tende a se tomar um fator complicador na adaptação do deficiente à sua nova condi­ ção corporal, pois é completamente diferente lidar com as curiosida­ des em relação ao corpo numa fase em que os caracteres sexuais secundários já estão formados e os hormônios agindo a todo o vapor. Na adolescência, a masturbação acaba sendo a solução para o alívio das tensões sexuais. Algumas crianças com profundas incapacidades de aprendiza­ do podem voltar-se para seus corpos na busca de conforto, se não há outro estímulo para elas. As vezes, crianças contra as quais fo­ ram cometidas violências sexuais masturbam-se em público e, as­ sim, indiretamente, comunicam o que lhes aconteceu. Muitos pais se assustam quando percebem que seus filhos se masturbam bas­ tante. Seja qual for a razão, é importante ressaltar que não é a deficiência que leva à masturbação excessiva. Deve-se informar à V

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criança que isto é gostoso, mas que ela deve se masturbar num lugar privado. Dependendo do seu comprometimento, a criança com deficiên­ cia não entende muito bem as sensações e o tipo de estímulo que elas produzem. Não é raro ouvirmos os meninos perguntarem: “Por que tenho pênis? Por que está sempre ficando duro? Por que dói e inco­ moda?”. O que muitas vezes pode criar situações embaraçosas e constrangedoras do ponto de vista social. Os adultos devem oferecer as informações solicitadas e orientá-las no sentido de discernir o que é público e o que é privado. Ao contrário do que se pensa, o portador de deficiência é alguém que pode ter completa consciência de sua limitação, o que é aflitivo e gera ansiedade. Eles têm noção do desejo de querer realizar algumas tarefas que dependem de um tipo de qualidade de compreensão que lhes falta. Essa “falta” pode gerar uma tal carência, que a pessoa acaba por deslocar a satisfação para uma única parte do corpo, como no caso da masturbação excessiva. No jogo de imitação e competição, a criança tende a imitar as atitudes sexuais do adulto, sobretudo os beijos e abraços que vê na televisão. Daí a importância de alguém estar por perto para interpre­ tar o conteúdo das imagens. Essas imitações podem acarretar preo­ cupação e medo nos pais e educadores, que tendem a interpretá-las como uma precocidade sexual. A criança portadora de deficiência, ao imitar os jogos sexuais, pode ser mal interpretada, marginalizada ou mesmo tornar-se vítima de um contexto que favoreça a violência sexual. E preciso lidar com estas manifestações com paciência, colo­ cando os limites necessários. A presença de jogos corporais de caráter exploratório com outra criança, que incluem uma mútua observação e tímidos contatos, é geralmente acompanhada de muita tensão, risadinhas e até mesmo pirraça. E podem ser realizados com crianças da mesma faixa etária e do mesmo sexo ou do sexo oposto. Os jogos sexuais são comuns na infância, servem para desenvolver funções psíquicas e para a cons­ trução da identidade sexual. Esse tipo de comportamento sexual, co-

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mum entre todas as crianças, também acontece com portadores de deficiência, que, mesmo já estando na puberdade, ainda mantêm um interesse sexual indiscriminado. Em outros termos, para a criança ou púbere portador de deficiência, o que importa é o contato com a sensa­ ção e as descobertas sexuais, independentemente de com quem isso aconteça. O interesse é decorrente dessa etapa do desenvolvimento na qual a sexualidade é expressa de uma maneira mais socializada. É fundamental uma conversa sobre as partes do corpo do menino e da menina, a origem dos bebês, utilizando vídeos, livros e materiais didáti­ cos (família de bonecos), para atender a esses interesses. Nem todas estas crianças atingem a fase de interação social. A maioria é solitária, e suas experiências de vida social, muito restritas. Com isso, tendem a apresentar mais dificuldades na hora de apren­ der códigos e regras sociais. Além, disso, essa falta de vida social pode ser responsável, em certos casos, por um interesse sexual mais exacerbado, uma vez que suas alternativas de prazer estão limitadas. Geralmente não participam de clubes, dificilmente têm amigos na rua ou no prédio e reunir grupos de crianças com deficiência pode ser muito trabalhoso para a pessoa encarregada de cuidar delas. As pessoas portadoras de deficiência têm mais dificuldade para lidai- com suas sensações sexuais, tanto quanto para controlai' a raiva ou outro impulso qualquer. Mas quando orientadas adequadamente, são capazes de aprender a conviver com esses sentimentos de forma aceitável pela sociedade, ou seja, procurando sua satisfação em am­ bientes privados. Porém, para algumas, tais impulsos não am de um desconforto que provoca inquietação e irritação, sobretudo quan­ do não sabem como se livrar deles. As crianças com deficiência mental, mesmo que atinjam a idade mental referente à adolescência, acabam, em sua maioria, relidas na fase em que o prazer sexual é auto-erótico. A masturbação permane­ ce sendo a fonte de prazer sexual que eles conseguem almejar. E, para outros, ela é apenas consequência de curiosidades ou atitudes infantis, embora ocorrendo num corpo desenvolvido biologicamente e ativado pelos hormônios sexuais.

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Limite e não limitação... Os pais podem reagir de três maneiras à crescente independên­ cia do filho: os superprotetores, que não permitem a descoberta de potencialidades para lidar com as situações novas, proporcionadas pela fase em que o filho se encontra. Os permissivos, que, por sua vez, largam o filho e deixam que aprenda tudo por si só, dificultando também seu desenvolvimento. A falta de limite pode tornar a criança medrosa ou totalmente inconveniente, aqueles “monstrinhos” que nin­ guém quer receber em casa. E, em terceiro lugar, os que tentam adotar uma posição de equilíbrio entre os dois extremos: ao obter estímulo para a aprendizagem de condutas que favorecem sua auto­ nomia e a percepção de suas limitações atuais, a criança sente-se bem, confiante e feliz com suas novas conquistas. Do contrário, sem apoio e oportunidade, não sabe do que é capaz, pode sentir-se fracas­ sada e não desenvolver bem sua auto-estima. A colocação de limites exige persistência, paciência e coerência: não se deve num momento dizer "não", noutro “talvez” e, quando se está com menos paciência, dizer “sim”. Para que a criança aprenda, de fato, é fundamental que se use uma linguagem clara, que ela en­ tenda bem, e se procure manter a coerência das atitudes. Falar de limite para crianças com deficiência pode ser ainda mais trabalhoso quando os pais têm dificuldades de enfrentar a condição de seu filho, pois essas crianças aprendem de forma mais lenta. Elas podem encontrar dif iculdades e ter muitos insucessos no início. Vão cair, molhar as calças, derramar a comida. Mas tudo isso faz parte da aprendizagem que não acontece do dia para noite, mas sim no dia-adia. Aos poucos, de acordo com suas possibilidades, aprenderão a agir por conta própria e com confiança. É importante que os pais e profissionais envolvidos com as crianças não desistam e acreditem nelas, dentro de perspectivas viáveis. Os limites são fundamentais. Por exemplo, quando as crianças portadoras de deficiência se masturbam em público, também deve­ mos dizer que, embora seja muito gostoso, não se deve fazer isso na

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presença de outras pessoas, ou que não é a hora, o local ou o momen­ to para se masturbar. Muitas vezes, o desânimo para colocar limites se instala em vir­ tude de expectativas de comportamentos distantes das possibilidades da criança. Outras vezes, por sentimentos de culpa ou por se confun­ dir o estabelecimento de limites com rejeição, lida-se com ela num contexto de total permissividade, como se a colocação de limites não tivesse importância para o deficiente. O fato é que isto é importante e necessário para o desenvolvimento de todas as crianças, não só as com deficiência. E por meio da aprendizagem de valores e comporta­ mentos introjetados na infância que, futuramente, na chegada da pu­ berdade, o ser humano será capaz de adotai- atitudes sexuais compa­ tíveis com o seu meio social.

Fazendo diferença... Há diferenças e há igualdades - nem tudo deve ser igual, assim como nem tudo deve ser diferente. Então, como con­ clui Santos (1995), é preciso que tenhamos o direito de ser­ mos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza e o direito de sermos iguais quando a diferença nos inferioriza.40 Para entender a relação entre diferença e desigualdade, pode­ mos pensar as políticas de inclusão. Será que consideramos de fato diferenças ou estas estão pautadas, como refere Mantoan41, na tole­ rância e no respeito? Se assim for, a diferença fica entendida como fixa e imutável, e cabe a nós aceitar: ele é deficiente, assim como católico, negro etc. Assim, a deficiência, como dissemos, fica no outro, naquele que precisa de cuidados e e diante do qual temos que ter resignação. 40. MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer?, São Paulo, Moderna, 2003. 41. MANTOAN, M. X E. op. cit.

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Diferença é élica e dinâmica e não moral e estática. Incluir não é necessariamente preparar um lugar na classe ou em uma escola es­ pecial para o aluno especial. Incluir não é igualar, equiparar, dar o mesmo direito, e, sim, possibilitai* subjetividades singulares. Temos um longo caminho a percorrer... Muito do desconhecido a visitar, pois reconhecer que uma boa parcela de indivíduos fica de fora e tentar colocá-la dentro do sistema não é suficiente para cons­ truir uma nova ética.

Sobre a deficiência... aos pais, educadores e profissionais da saúde 1. A deficiência não forma missionários nem santos, embora iremos aqueles indivíduos raros que conseguem se sobrepor às adversidades. 2. A deficiência não leva ao mau comportamento, embora possa esgotar os recursos emocionais da criança (e da família), deixando todos mais vulneráveis. 3. A deficiência necessita de atenção apropriada, reconheci­ mento e explicação. 4. Toda criança, qualquer que seja seu grau de deficiência, sabe que ele ou ela é portador (a) de deficiência e tem sentimentos e fantasias a respeito disto.

Dicas sobre como desenvolver um trabalho de orientação sexual A orientação sexual é um trabalho sistematizado desenvolvido na escola, na comunidade ou no centro de saúde com o objetivo de promover reflexões sobre os temas ligados à sexualidade, prevenir DST/Aids e gravidez não-planejada e de ampliar as informações a respeito dos cuidados com a saúde sexual, respeitando o direito ao

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prazer. No caso das crianças portadoras de deficiências, esse traba­ lho tem objetivos específicos: Levar as crianças a conhecer a origem dos bebês, o seu próprio corpo e o corpo do sexo oposto e a compreender as transformações físicas e emocionais que vão ocorrer com a chegada da puberdade; Garantir informações sobre as transformações que vão ocorrer no seu corpo, utilizando materiais didáticos e lin­ guagem direta e objetiva que permita que a criança com­ preenda seu significado e o sentido das palavras; Conhecer e respeitar os principais códigos sociais que re­ gem o comportamento sexual na escola, na família e na comunidade; Ajudá-los a se proteger de violências e assédios sexuais. Ninguém deve tocar o seu corpo sem que deseje, com exceção dos pais ou médicos por motivo de higiene e saú­ de. O orientador sexual deve estar atento quando os jogos sexuais ocorrem entre crianças de idades cronológicas muito distintas ou entre pessoas com níveis de deficiência diversos, pois podem envolver situações de violência se­ xual, acarretando problemas emocionais; Oferecer subsídios à família e à instituição para auxiliar o relacionamento entre elas no tocante às manifestações da sexualidade. A postura do orientador sexual deve ser a de criar um espaço que proporcione à criança vivenciar com segurança, para si mesma e para o outro, situações ligadas à sexualidade; compreender e siste­ matizar as informações recebidas para saber atuar, de forma ade­ quada, segundo sua cultura e valores familiares. O orientador não deve ditar valores morais quanto à forma de vivenciar a sexualidade, mas deve garantir as informações cientificamente corretas com rela­ ção à sexualidade.

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Para isso é importante que o orientador lenha consciência de seu próprio posicionamento face à sexualidade, seja capaz de olhar e ver diferenças, atendendo ao que a criança quer e pode saber. No trabalho de orientação sexual com crianças portadoras de deficiência, o orientador deve ser capaz de interpretar o que está acontecendo para poder abordá-las de forma adequada, consideran­ do o estágio cognitivo no qual se encontram suas curiosidades e o seu interesse sobre a sexualidade. Onde está inserido aquele fato? E im­ portante ter em mente que a criança pode se encontrar num estágio no qual o controle dos impulsos sexuais é muito dif ícil. A criança tem o direito de ter alguém que a ajude a decifrar o que está ocorrendo com ela. A maioria das pessoas carrega uma idéia padronizada da sexua­ lidade e espera, inutilmente, que os outros correspondam e se ajustem ao seu modelo do que é viver sexualmente feliz. E importante que a criança com deficiência possa desfrutar uma sexualidade com­ patível com suas necessidades, sem as expectativas ou determinação de um adulto. Não devemos esquecer que a intencionalidade e os interesses sexuais são pessoais e decorrentes do grau de desenvolvi­ mento psicossexual e do contexto sociocultural a que pertence cada indivíduo. Os pais e profissionais devem acreditar que as crianças possu­ em personalidade, preferências e um potencial a ser desenvolvido. Todo investimento realizado para desenvolver esse potencial possibi­ litará que elas tenham a oportunidade de usufruir o ambiente que as rodeia e descobrir fontes de prazer e de gratificação na vida.

Capítulo 8

AIDS, CRIANÇAS E AS ESCOLAS Kátia Rodrigues Antunes Solange de Souza Queiroz Matos

A pílula nos anos 70 provocou uma revolução sexual. Ela permi­ tiu que as mulheres e os homens pudessem exercer a sexualidade sem o grilo da gravidez não-planejada. Nos anos 80, a Aids criou uma outra revolução na nossa vida sexual. Ela nos colocou de frente com a necessidade de cuidarmos de nossa saúde sexual. Inaugurou o sexo pensante e com responsabi­ lidade. Isto é, obriga todo mundo a parar para pensar bem na hora mais gostosa de um relacionamento afetivo. A história da Aids começou no início dos anos 80, nos EUA, quando um elevado número de pessoas do sexo masculino apresen­ tava um tipo de câncer de pele muito raro (Sarcoma de Kaposi) ou uma grave pneumonia (por Pneumocystis carinii) e todas tinham em comum o comprometimento do sistema imunológico, levando à conclusão de que se tratava de uma nova doença, ainda não classifi­ cada, mas provavelmente de etiologia infecciosa e transmissível. Como muitas destas pessoas eram homossexuais, acreditava-se que era uma doença que atingia somente os gays. Gerou muito preconceito. Po­ rém, novos casos foram surgindo entre os hemofílicos e usuários de drogas injetáveis. O que deu origem à idéia de “grupos de risco”,

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centrada no biológico e no individual, sendo este conceito superado atualmente pelo conceito de vulnerabilidade, que retira do plano ape­ nas individual a questão da prevenção, incluindo as dimensões social, cultural e política que também são essenciais. Em 1982, foi dado o nome de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) a este quadro de doenças. E em 1983, cientistas descobriram que a Aids era causada por um vírus denominado HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana). Quando uma pessoa é porta­ dora do vírus HIV ela é chamada de soropositiva; só quando ela desenvolve a doença é que dizemos que ela tem Aids. As pessoas que não possuem o vírus HIV são soronegativas. Desde 1992 até os dias atuais, um grande aumento de casos por exposição heterossexual vem sendo observado, tomando-se cada vez mais expressivo o número de casos do sexo feminino. A epidemia da Aids traz consigo um longo histórico de mudan­ ças, lutas, conquistas, trabalho e quebra de tabus, promovendo refle­ xões e trazendo à tona diferentes questões no âmbito da sexualidade e atingindo as crianças que nascem de mães soropositxvas. Ainda nos dias de hoje, é um assunto que causa polêmica, susci­ ta sentimentos contraditórios, preconceitos e discriminação. Temos uma tendência a considerar a epidemia da Aids como algo que só acontece com os outros, que não é nossa realidade e de não a reco­ nhecer como uma questão que envolve todos nós, cidadãos. Neste capítulo, procuramos refletir sobre a inclusão de crianças soroposilivas na comunidade escolar, contribuindo para o seu desen­ volvimento e o de ações educativas. Atualmente, no Brasil, estima-se que cerca de 10.57742 crianças vivem com HIV/Aids e que outras milhares soronegativas convivem diretamente com pais, irmãos e outros parentes soropositivos. Ao trabalhar com educadores infantis, percebemos que, ao in­ troduzir o tema Aids, surgem os mais diversos questionamentos, tais como: O que é a Aids? Como se pega? Como não pega? Quando

42. Dados retirados do boletim epidemiológico de 2003 (www.aids.gov.br).

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uma criança soropositiva chega à escola, lodos os profissionais de­ vem saber de sua condição? Quais os cuidados que devemos ter com essa criança? Os pais das outras crianças devem saber que seu filho está convivendo com um colega soropositivo? Uma das barreiras para o trabalho com as questões relacionadas ao HlV/Aids é a falta de informação das formas de transmissão do vírus HIV, principal mente por parte de alguns profissionais que traba­ lham e/ou lidam com crianças. Em função disso, vamos apresentar algumas informações básicas: Uma pessoa pode se infectar com o vírus HIV através de relação sexual sem o uso de preservativo, em transfusões sangiiíneas recebendo sangue infectado, pela transmissão da mãe para o filho no momento do parto ou na amamentação e pelo uso de drogas injetáveis comparti­ lhando seringas. O HIV é o vírus da Imunodeficiência Humana; ele atinge o sistema imunológico (defesa) do corpo, enfraquecendoo e deixando o organismo vulnerável a infecções e doenças. A Aids é a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) causada pelo vírus HIV. Ter HIV não é o mesmo que ter Aids, pois o vírus HIV pode permanecer no organismo por meses ou anos, sem a manifestação de sintomas. Quando esses sintomas se manifestam no organismo, por meio de um conjunto de infecções, podemos dizer que o indivíduo desenvolveu a Aids. Atualmente existem medicamentos que ao abaixar a car­ ga virai (quantidade de vírus existente na corrente sangüínea) dos soropositivos, impedem o aparecimento de doenças oportunistas, melhorando sua condição de vida. E inadequado utilizar o termo “aidético" por este reduzir a pessoa à doença e ser um termo carregado de estigmas e

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preconceitos. Os termos mais adequados são: soropositivo, portador do HIV ou pessoa vivendo com HIV/Aids. Algumas situações relacionadas ã convivência com crianças soropositivas podem ser vistas com dificuldade, mas na verdade são questões do cotidiano que devem ser encaradas com serenida­ de: ferimentos causados por mordidas ou acidentes, o uso de talhe­ res, chupetas, paninhos, compartilhar lanche, beber o suco no mes­ mo copo, usar o mesmo banheiro e até mesmo com as demonstra­ ções de carinho (beijos e abraços). Ressaltamos que por meio do contato social entre as crianças, não há risco algum de uma criança que vive com HIV transmitir o vírus a outra, pois tais atividades e comportamentos não se enquadram nas vias de transmissão virai citadas. E quando a criança se machuca, qual deve ser o procedimento? O mesmo utilizado quando qualquer criança se fere. Se houver sangramento, os primeiros socorros - lavagem do ferimento, ou qual­ quer outro procedimento, deve incluir o uso de luvas com todas as crianças, independentemente de sua condição sorológica para o HIV. E preciso dcsconstruir o discurso de que crianças soropositivas precisam de cuidados e tratamentos especiais dentro da comunidade escolar. Observamos que, muitas vezes, embutido neste discurso está na verdade o medo, que gera preconceito, muito mais do que a preo­ cupação real com as crianças. Crianças soropositivas na escola são apenas crianças. Pode-se compreender que as pessoas sintam medo, porém quando podemos refletir sobre as diversas questões que a epidemia do HIV/ Aids nos traz em relação à infância eles vão ficando menores e no decorrer do processo se tornam até inexistentes. Para isso, é de grande relevância que os educadores, coordenadores, diretores, pais e pro­ fissionais de saúde possam falar sobre o assunto, compartilhar senti­ mentos e desenvolver ações conjuntas na comunidade escolar relacio­ nadas a esta temática. Esta prática será uma estratégia facilitadora de mudanças.

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O sigilo da condição de soropositivo deve ser respeitado, não sendo obrigatório informá-lo à direção, aos educadores, aos pais das demais crianças ou a qualquer outro membro da comunidade escolar. Este direito é garantido por meio da Lei n. 11.199, de 12/07/2002, que proíbe a discriminação aos portadores do vírus HIV ou às pessoas com Aids no trabalho, no atendimento médico, na escola e no conví­ vio social. Toda criança e lodo adolescente têm direito à educação, para seu desenvolvimento pleno, para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, tendo garantido, entre outros, o direito de ser respeita­ do por educadores e a igualdade de condições para o o e perma­ nência na escola (Pedrotti, 1992)43. Vale lembrar que a escola é um local por excelência para o desenvolvimento pleno das crianças. Seria interessante que os familiares ou cuidadores pudessem fa­ lar abertamente sobre sua condição quando vão matricular suas crian­ ças, mas ainda não é o que ocorre. Por medo do preconceito, da discriminação, muitos preferem guardar segredo sobre a soropositividade própria e de suas crianças, para preservar a si mes­ mos e a elas. Estão no seu pleno direito. A criança que vive com Hl V/Aids sofre muito com o preconcei­ to e a discriminação. Sofre por medo de ser isolada, de perder os amigos, de ninguém querer mais brincar com ela, sendo capaz de perceber através de olhares e gestos que há algo de diferente com ela. Neste sentido, é importante que procuremos rever conceitos, fa­ vorecendo, assim, como profissionais, a recuperação ou manutenção da cidadania destas crianças. Para trabalhar com Orientação sexual, é de suma importância que os educadores se sintam em condições de responder questões que envolvam o HlV/Aids para as crianças, utilizando uma lingua­ gem de fácil compreensão. Hoje estão disponíveis para nos auxiliar materiais pedagógicos que abordam o tema de maneira lúdica e in­ formativa para este público (ver DICAS no final do livro). 43. PEDROTTI, A. I, Texto jurídico da Aids e do Direito. AIDS e Ética Médica — Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2001, p. 40,

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Por fim, cabe ressaltar que é muito importante respeitarmos a diversidade, incluindo no convívio social e no processo educacional o respeito às diferenças, quebrando barreiras de preconceito e promo­ vendo a solidariedade. Desta forma manteremos a esperança de que algum dia o que já está escrito na lei seja exercido na prática.

PARTE II

ORIENTAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA: QUEM ENVOLVER?

Capítulo 9

O TRABALHO DE SEXUALIDADE NA ESCOLA E OS PAIS Carina Alvarez Gambale Francisco Vieilas Vergueiro Maria Cecília Pereira da Silva

Uma educadora, durante uma atividade sobre o corpo humano, explica aos seus alunos os nomes de várias par­ tes do corpo, entre elas, os órgãos genitais dos homens e das mulheres, No dia seguinte, na hora da entrada, quando todos os pais entregavam suas crianças aos professores, uma das mães fala em voz alta: “Que história é essa de ficar falando em pênis e vagina para o meu filho?". No silêncio tenso que se seguiu, a professora reuniu suas forças, e também em voz alta, para que todos ouvissem sua resposta, disse: “Estávamos trabalhando as partes do corpo e estes são os nomes das partes do corpo que todos nós temos". Felizmente, o preparo e a segurança desta professora, ao justifi­ car frente aos pais, numa situação imprevista, o trabalho na área da sexualidade, resultou ein avanço para esta escola. No entanto, o melhor é que os pais, de antemão, estejam informados sobre o fato de que o

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projeto pedagógico da escola inclui a abordagem de temas relativos à sexualidade. Durante o trabalho de orientação sexual uma questão recorrente é o fato de que não é tarefa fácil trabalhar com os pais. Muitas vezes o trabalho com as crianças fica impedido pelo temor à reação dos pais. Rapidamente os pais tornam-se depositários de todos os tabus que acompanham o tema. Esta questão, muitas vezes, é projetada na tradição, religião e no medo de romper as barreiras para discutir este tema. Sem dúvida, este é um tema a ser amplamente discutido, afinal, a escola é para os pais ou para as crianças? Como incluir estes pais, que muitas vezes não têm e não tiveram o à escola? Os pais, em geral, são referidos não pelo nome, mas por “pai" e “mãe" e, ao mesmo tempo em que são chamados à responsabilidade pelas dificul­ dades apresentadas pelos filhos, delegam à escola todo cuidado e responsabilidade pelas crianças. Nas questões da sexualidade, qual o limite entre o que cabe à família e o que é tarefa da escola? O que esperam os pais: que no final do dia suas crianças estejam limpas, penteadas, sem machucados ou que tenham aprendido e experimen­ tado coisas novas? Em qual espaço deixam seus filhos e quais as suas expectativas? O que é possível oferecer às crianças e pais? Distinguiremos, a seguir, o papel dos pais e da escola na forma­ ção da sexualidade infantil, enfatizando a importância da abordagem deste tema em ambos os espaços.

Noçao de orientação sexual versus educação sexual: o que é tarefa dos pais e o que cabe à escola Sexualidade é um processo que nos acompanha por toda a vida, o conjunto de tudo aquilo que recebemos de nossa família, ouvimos, vemos e sentimos. E este processo de formação que deve ser acom­ panhado: sanando dúvidas, orientando e possibilitando reflexão. Des­ de as primeiras manifestações infantis até o questionamento do jo­ /

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vem, cada resposta, repreensão e orientação vai dando forma ao con­ ceito de sexualidade que carregamos. Mitos, medos e falta de infor­ mação também são formados neste processo de encontro de cada um com o ambiente que o envolve. Sexualidade não é só algo da natureza, é cultura, requer informa­ ção, conversa e vivência. Este processo é parte da socialização do homem, e tarefa da família e da escola, de modos diferentes. Da forma como concebemos, educação sexual é diferente de orientação sexual. Na educação sexual, os agentes são os pais, os amigos, a TV, as revistas, a religião e todos os veículos da cultura que transmitem valores e informações. Ela pode ocorrer de modo informal e/ou for­ mal, transmite e inculca valores. Ocorre desde o nascimento e perdu­ ra por toda a vida. Desse ponto de vista todas as pessoas, sem exce­ ção, recebem “educação sexual”. Já a orientação sexual é um processo formal, isto é, sempre planejado e sistematizado. Acontece em um ambiente específico (sala de aula, posto de saúde etc.) e os agentes (educadores ou profissio­ nais de saúde) são especialmente preparados para desenvolvê-la. Busca debater valores, para que cada um possa hierarquizar e priorizar os seus e esclarecer preconceitos. Não tem como objetivo discutir questões íntimas nem se constituir em uma terapia. Ela acontece em momentos determinados da vida do indivíduo. Como se trata de um trabalho sistemático e específico, não é todo mundo que participa de grupos de orientação sexual. Diferente do que muitas vezes se pensa, aos pais cabe educar sexualmente, e à escola orientar, respeitando os valores e crenças de cada família. Por entender que a abordagem oferecida acontece a partir de uma visão pluralista de sexualidade e que o papel da escola é abrir espaço para que essa pluralidade de concepções, valores e crenças possa existir, não compete à escola, em nenhuma situação, julgar como certa ou errada a educação que cada família oferece. Antes, caberá à escola trabalhar o respeito às diferenças, a partir da sua própria atitude de

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respeitai- as diferenças expressas pelas famílias. A única exceção refe­ re-se às situações em que haja violação dos direitos das crianças e dos jovens. Nessa situação específica, cabe à escola posicionar-se, a fim de garantir a integridade de seus alunos - por exemplo, as situações de violência sexual contra crianças por parte de familiares devem ser no­ tificadas ao Conselho Tutelar (que poderá manter anonimato do notificante) ou autoridade correspondente (ver capítulo 6).

O trabalho de orientação sexual na escola Desde 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais incluem, no espectro da educação para a cidadania, a discussão de questões sociais. Estes temas são chamados Temas Transversais, e a orientação sexual é um deles. Isto significa que as diretrizes nacionais da educação con­ sideram a sexualidade um tema contemporâneo relevante que deve atravessar e interagir com as outras áreas do currículo. O projeto de orientação sexual nas escolas infantis visa à forma­ ção do educador sobre a sexualidade, por meio da discussão dos pre­ conceitos, tabus, sentimentos e questões sociopolítico-culturais que permeiam o tema. Possibilita que o educador ofereça à criança a oportunidade de ter sua curiosidade sexual adequadamente atendida, favorecendo o desenvolvimento da aprendizagem e de todas as suas capacidades.

Pressupostos e valores da orientação sexual Os pressupostos de um trabalho de orientação sexual são a ex­ pressão de valores pluralistas relacionados à sexualidade, em conso­ nância com os direitos de cidadania de uma sociedade democrática. Os pressupostos se apoiam nos seguintes valores44: 44. GTPOS, ECOS e ABIA (1994). Guia de orientação sexual - Diretrizes e metodologia. São Paulo, Casa do Psicólogo, 10a ed., 2004, p, 30,

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Toda pessoa tem dignidade e valor próprio. A sexualidade é parte da vida de todas as pessoas. A sexualidade inclui dimensões biológicas, éticas, espirituais, psicológicas e culturais. Os indivíduos expressam sua sexualidade de várias formas. O exercício da sexualidade compreende aprender o res­ peito ao corpo, aos próprios sentimentos e aos do outro. Numa sociedade pluralista, as pessoas deveriam respeitar a diversidade de valores e crenças nela existentes sobre a sexualidade. Todas as crianças deveriam ser amadas e cuidadas. Indivíduos e sociedade se beneficiam quando as crianças são capazes de conversar sobre sexualidade com seus pais e/ou outros adultos confiáveis. Todas as decisões sexuais tem efeitos ou consequências. Todas as pessoas deveriam fazer escolhas sexuais responsáveis. Explorar a própria sexualidade faz parte da busca do bemestar sexual. Relacionamentos sexuais nunca deveriam ser coercitivos ou exploradores. Todos têm direito ao o a informações e programas de saúde de qualidade.

Sexualidade dentro do programa pedagógico da escola - conversa com os pais E importante a participação de toda a equipe da escola na im­ plantação do trabalho de orientação sexual, integrando-o à proposta pedagógica geral. Assim, a sexualidade deve ser tema de reflexão de todos os educadores, diretores, coordenadores pedagógicos, inspeto­ res e todos os funcionários, para que sejam removidas as barreiras

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que possam prejudicai- o desenvolvimento de um trabalho em fase inicial. O trabalho de orientação sexual compreende a ação da escola como complementar à educação dada pela família. Assim, a escola deverá informar os familiares dos alunos sobre a inclusão de conteú­ dos de orientação sexual na proposta curricular e explicitar os princí­ pios norteadores da proposta. O diálogo entre escola e família deverá se dar de todas as formas pertinentes a essa relação.

É importante na reunião de pais ou numa conversa individual: apresentar aos pais a proposta da escola, buscando envolvê-los no projeto; trabalhar resistências, explicitando o que está subjacente aos obstáculos apresentados. Deixar claro que o trabalho não pretende estimular a vida sexual precoce; não pode substituir os pais; não pressionará ninguém a adotar quais­ quer comportamentos; enfatizar que atender adequadamente à curiosidade sexu­ al favorece o desenvolvimento da aprendizagem e de to­ das as suas capacidades. exemplificar para os pais o tipo de dúvidas que as crianças colocam e os temas que serão abordados, como conhecer o próprio corpo, de onde viemos, como um bebê se forma etc.

Motivos para implantação do projeto na escola: proteger através da informação. E total mente equivocada a idéia de que a “inocência" protege a criança. A ignorân­ cia é frequentemente geradora de sentimentos como an­ gústia, culpa, e algumas vezes mais tarde pode resultar em gravidez não-planejada. Além disso, toma crianças e adolescentes presas fáceis de violência sexual; o estado emocional interfere na capacidade de aprendiza­ do, podendo incentivá-lo ou bloqucá-lo.

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assuntos difíceis de serem abordados pelos pais, na escola podem ser discutidos com mais liberdade; resgatar a sexualidade da conotação de que é algo feio, sujo ou pornográfico.

No trabalho de orientação sexual não se pretende: • impor valores; propor modelos de conduta; substituir os pais; deve-se ter avaliação acadêmica dessas aulas; deve-se criar uma situação de terapia com pais, educado­ res e crianças; deve-se ar para os pais ou à diretoria informações veiculadas no trabalho.

A importância da postura do educador O professor deve entrar em contato com questões teóricas, lei­ turas e discussões sobre as temáticas específicas da sexualidade e suas diferentes abordagens; preparar-se para a intervenção junto dos alunos e ter o a um espaço grupai de supervisão dessa prática. A supervisão deve ocorrer de forma continuada e sistemática, cons­ tituindo, portanto, um espaço de reflexão sobre valores e preconcei­ tos dos próprios educadores envolvidos no trabalho de orientação sexual. Ao atuar como um profissional na área de orientação sexual in­ fantil, o professor deve ter discernimento para não transmitir valores pessoais, crenças e opiniões como verdades absolutas. Sabemos que o professor, assim como o aluno, possui expressão própria da sexua­ lidade, que se traduz em valores, crenças, opiniões e sentimentos par­ ticulares. Não se pode exigir do professor uma isenção absoluta no tratamento das questões ligadas à sexualidade, mas sim a consciên­

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cia sobre quais são os valores, crenças, opiniões e sentimentos que cultiva em relação à sexualidade, pois é um elemento importante para que desenvolva uma postura ética na sua atuação junto aos alunos. O trabalho coletivo da equipe escolar, definindo princípios educativos, ajudará cada professor em particular nessa tarefa. Para um bom trabalho de orientação sexual, é necessário que se estabeleça uma relação de confiança entre alunos e professor. Para isso, o professor deve se mostrar disponível para conversar a respei­ to das questões apresentadas, não emitir juízo de valor sobre as colo­ cações feitas pelos alunos e responder às perguntas de forma direta e esclarecedora. Informações corretas, do ponto de vista científico, ou esclarecimento sobre as questões trazidas pelos alunos, são fun­ damentais para seu bem-estar e tranquilidade e para uma maior cons­ ciência de seu próprio coipo. No trabalho com crianças de zero a seis anos, é importante que o educador esteja aberto à perguntas e curiosidades das crianças. Ao ser perguntado ele deve procurai- identificar a amplitude da pergunta e respondê-la adequadamente. Se ele não souber, ele deve informar isso à criança e procurar em outro momento respondê-la. Só assim se cria uma relação de confiança, não só em relação ao processo de aprendizagem mas em relação ao professor ou adulto, e a esperança de sempre poder pedir ajuda e contar com alguém. Na condução desse trabalho, a postura do educador é funda­ mental para que os valores básicos propostos possam ser conhecidos e legitimados de acordo com os objetivos apontados.

Capítulo 10

COMO SER MULTIPLICADOR Lucimar Medeiros Cabral França Maria Cecília Pereira da Silva Rodrigo de Marco Veinert

Haveis de entender, começou ele, que a virtude e o saber têm duas existências paralelas; uma no sujeito que as pos­ sui, outra no espírito dos que ouvem ou contemplam. Se pdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos em um sujeito solitário, remoto de todo con­ tato com outros homens, é como se eles não existissem.45 "Lá vêm as professoras de sexo!" - dizem e divertem-se as colegas de algumas educadoras que trabalham com orientação sexual na escola, A piada não é à-toa: sem duvida, as educadoras em ques­ tão estão se tomando "referências" no assunto dentro dos seus ambi­ entes de ensino. Mas o que isso significa? Será que elas se tomaram de fato especialistas em sexo, capazes de responder a quaisquer per­ guntas ou problemas relativos ao tema? Ou será, quem sabe, que estamos falando de pessoas com novas possibilidades de reflexão sobre situações ligadas à sexualidade? 45. ASSIS, M. O segredo do Bonzo. Papéis Avulsos, In: Obra completa de Machado de Assis (3 vo Is,). Organização de Afrânio Coutinho, Rio de Janeiro, Mova Agitilar, 1997.

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Para responder a essas perguntas e para começar a pensar sobre esse tema, precisamos retomar o significado do trabalho de orientação sexual. Sim, obviamente é verdade que quem participa de um processo de orientação sexual adquire uma série de informações relativas a sexo e sexualidade. São todos dados científicos de alto valor e extremamente importantes! Aprende-se, por exemplo, sobre as diferentes fases do de­ senvolvimento infantil, assunto imprescindível para quem trabalha com crianças. Estuda-se o corpo humano e a reprodução, os métodos contraceptivos, as fases da gestação, enfim, um apanhado de informa­ ções fundamentais para qualquer educador que esteja ligado ao assunto. Mas estas informações podem se tomar absolutamente irrelevantes se não pudermos desenvolver aquilo que é o objetivo principal do trabalho: a capacidade de refletir. Isso porque, diferente de outros assuntos, falar de sexualidade nos remete inevitavelmente às nossas crenças, tabus, preconceitos, emoções, valores a respeito de relacionamentos e compor­ tamentos sexuais. Temas que não trazem respostas prontas, concepções a respeito do ser humano e do mundo heterogêneas, opiniões múltiplas, assuntos delicados e muitas vezes polêmicos. Portanto, é somente atra­ vés da criação de um espaço rellexivo que o trabalho pode acontecer. Um espaço que busca, antes de responder às dúvidas e questões, criai' a possibilidade de discutir posições diferentes, criar a possibilidade de per­ guntar, questionar, reconsiderar atitudes e posturas frente à sexualidade. Dizendo em outras palavras, para responder é antes necessário poder perguntai', o que frequentemente já é muito difícil quando falamos de sexo e sexualidade (a orientação sexual não se propõe a transmitir valo­ res corretos, mas sim debatê-los). De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais: “A orientação sexual... será por meio do diálogo, da reflexão e da possibilidade de construir as informações, pautando-se sempre pelo respeito a si próprio e ao outro, que o aluno irá transformar ou reafir­ mar concepções e princípios, construindo de maneira significativa seu próprio código de valores”.4'' 46. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília, MEC/SEF, 1998, p, 307.

COMO SER MULTIPLICADOR

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Podemos agora voltar às nossas perguntas iniciais: Não, o edu­ cador que participa de um processo de orientação sexual não é um especialista em sexo e nem precisa saber responder todas as ques­ tões sobre o assunto, mesmo porque muitas delas não têm uma res­ posta certa ou errada. Mas deve, antes de qualquer coisa, estai" à vontade com a diversidade de opiniões e ter disponibilidade para dis­ cutir os diversos tabus e preconceitos ligados ao tema. Tendo em vista que para além do conhecimento teórico é necessário prioritariamente o desenvolvimento do olhar reflexivo e questionador, o Trabalho de orientação sexual divide sua estrutura em dois momen­ tos: um curso inicial em que se abordam os principais conceitos, in­ formações científicas, dados fundamentais sobre postura e metodologia em orientação sexual, e, em seguida, grupos de supervi­ são quinzenais. Esses últimos têm justamente o intuito de desenvol­ ver o espaço reflexivo permanente, através da discussão, aprofundamento e dramatizações de situações vividas em sala. E preciso destacar a importância destes espaços, que funcionam como um su­ porte imprescindível para os educadores. A supervisão é um lugar onde é possível experimentar um tipo de troca de experiências que não diz respeito somente ao âmbito conceituai. Os educadores con­ tam situações vividas nas escolas, falam de como se sentiram: me­ dos, anseios, dúvidas. Tudo isso permite que se constitua um conheci­ mento fundado nas próprias experiências, através do qual se faz pos­ sível uma mudança no olhar.

A multiplicação As considerações anteriores são imprescindíveis para pensar­ mos sobre o papel do multiplicador dentro do ambiente em que traba­ lha porque mostram por quais caminhos se faz possível que um edu­ cador desenvolva um olhar reflexivo no que diz respeito à sexualida­ de. Em outras palavras, tentaremos agora elucidar de que maneiras aqueles que participam das supervisões de orientação sexual podem

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multiplicar essa forma de olhar. O papel do multiplicador é ser agente de transformação, descobrindo caminhos, ajudando a pensar alterna­ tivas e revelar significados. No que diz respeito ao trabalho com crian­ ças, é muito importante que os educadores desenvolvam a capacida­ de de observação, uma vez que a orientação sexual nesta faixa etária não se estrutura sistematicamente. Nesse sentido, c preciso que haja um respaldo e uma mobilização por parte da escola ou instituição, e não apenas de um educador, o que muitas vezes é bastante difícil. Geralmentc, as primeiras etapas do processo de multiplicação se dão de formas discretas, aparentemente insignificantes. Começam com a simples presença, dentro da escola, de pessoas que já podem olhar para algumas situações ligadas à sexualidade infantil e levantar perguntas, questões, pequenos comentários, alguns apontamentos.47 Inicia-se, então, um discreto convite para olhar e conversar sobre o assunto, durante um café, no comedor, no meio de uma atividade. Gradativamente, o multiplicador começa a trazer o assunto para o dia-a-dia. Essas são etapas importantes na medida em que sensibili­ zam o grupo e criam um ambiente propício para o desenvolvimento do trabalho. E extremamente necessário que o educador crie um es­ paço de confiança e intimidade para abordar os temas e situações ligados à sexualidade. O exemplo a seguir ilustra uma situação em que é possível acom­ panhar o processo de transformação do olhar e de multiplicação des­ de o início. Uma educadora, que participou da formação e supervisão em orientação sexual, nos conta um pouco das mudanças dentro da sua escola. Anteriormente, havia quase que um consenso entre os educadores de que as manifestações sexuais das crianças deveriam ser reprimidas. Ao encontrar um dos seus alunos em uma brincadeira de abaixar as calças de meninos e meninas na classe, ela (a educado­ ra) afastou-o do resto dos colegas e disse que aquilo era muito feio.

47. Curioso notar que, após o início do trabalho de orientação sexual na escola, o número de educadores que diz observar brincadeiras e comportamentos sexuais infantis nas escolas

aumenta, o que nos leva a pensar que muitas pessoas ainda não estavam atentas o suficiente para identificá-las, ou não se sentiam autorizadas a falar sobre o assunto.

COMO SER MULTIPLICADOR

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No dia seguinte, a brincadeira voltou a aparecer, só que, desta vez, protagonizada não só pela primeira criança, mas por mais quatro coleguinhas. Nervosa e sem saber o que fazer, a educadora não conse­ guiu controlai* a turma. Trazendo a situação para a supervisão, foi possível identificar que o sentido da brincadeira tinha relação com a curiosidade sexual infantil e que, apesar de não ser uma brincadeira respeitosa, ela trazia em si a pergunta sobre a diferença entre meni­ nos e meninas. Esse entendimento tranqüilizou a professora, que per­ cebeu que sua atitude deveria ser repensada. Nos dias que se segui­ ram, quando a situação voltou a aparecer, ela não se precipitou e teve uma atitude diferente: chamou aqueles que participavam para uma conversa e mostrou-lhes um livro infantil com desenhos das diferen­ ças do corpo dos meninos e das meninas. Muitas perguntas surgiram e ela foi respondendo de acordo com a curiosidade deles. A partir desse dia, a brincadeira não apareceu mais. O mais importante neste exemplo vem a seguir. Uma outra educadora, que não frequenta as supervisões, presenciou a intervenção. Ao ver a tranquilidade com que sua colega enfrentou a situação, procurou-a para uma conversa. Contou que ficou surpresa e que gostaria de poder conversar com ela quando fosse possível para esclarecer dúvidas que ela própria tinha. A partir desse dia, elas aram a conversar freqüentemente. Cria­ ram, aos poucos, um clima de confiança, que permitia que uma se remetesse a outra sempre que surgisse uma dúvida, medo ou uma situação ligada à sexualidade infantil. É interessante perceber o que se ou nessa situação: foi pos­ sível criar e divulgar um espaço (tanto externo-objetivo, quanto inter­ no-subjetivo) onde se olha para a sexualidade infantil sem se alarmar. Aos poucos, essa educadora tornou-se mesmo uma referência no assunto dentro da escola. Muitas pessoas se remetiam a ela para esclarecer dúvidas e falar sobre situações difíceis que enfrentavam. O mais importante aí foi a possibilidade que cia instaurou de estar tranqüila frente à sexualidade das crianças, uma tranquilidade que ou a “contagiar” aqueles que trabalhavam com ela na medida em que permitia enfrentar situações para as quais antes não havia

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solução e por isso não eram nem olhadas. Surge então, da parte das outras educadoras, a ideia de anotar todas as questões, dúvidas ou sugestões referentes à sexualidade em um caderno coletivo. Com o tempo, a leitura desse caderno originou encontros planejados para discutir os temas e ações ligadas ao assunto, uma espécie de desdo­ bramento das supervisões, criando a oportunidade de desenvolvimento de um processo coletivo de discussão e reflexão dentro da escola. A apresentação do material didático nas reuniões de planeja­ mento também é uma boa maneira de iniciar um trabalho de mul­ tiplicação. Em algumas escolas, as educadoras organizaram espécies de “oficinas” de familiarização com o material, que depois também acabaram se tornando espaços sistemáticos para conversas sobre o tema. Nos primeiros encontros, elas opinavam sobre os livros, faziam piadas sobre os bonecos, imaginavam o que as crianças acha­ riam, e assim acabavam inaugurando um campo de troca de opini­ ões e reflexões sobre o assunto e criando confiança entre elas e com elas próprias para abordar a sexualidade e para fortalecer a postura do educador. Dito de uma maneira geral, o maior objetivo do multiplicador é possibilitar a criação de espaços sistemáticos que permitam discutir, refletir, pensar estratégias, veicular informações, construir um co­ nhecimento coletivo com relação à sexualidade infantil junto com a equipe de trabalho. Isso exige uma boa dose de criatividade, uma vez que em cada escola ou instituição encontra-se em situação muito peculiar. Algumas diretoras, por exemplo, acompanham de perto o trabalho e incentivam a sua ampliação. Em outros casos, o multiplicador se encontra sozinho, com dificuldade para inserir o trabalho em sua equipe. Os espaços de reunião pedagógica e a figura do coordenador pedagógico são fundamentais nesse ponto, pois viabilizam essas in­ tervenções. Palestras, cursos e aulas podem ser importantes, mas têm uma função limitada na medida em que não garantem a perma­ nência de um espaço reflexivo nem oferecem um conhecimento de construção mútua.

COMO SER MULTIPLICADOR

Dicas e considerações Ao multiplicador, é importante considerar e ar adiante: os pressupostos e valores do trabalho de orientação sexual, descritos no capítulo 9. a brincadeira sexual tem para a criança um sentido dife­ rente daquele que é dado pelo adulto e é fundamental para o seu desenvolvimento emocional e intelectual; com crianças, a orientação sexual não é uma intervenção sistemática, mas a cada momento que elas solicitem e do tamanho de suas curiosidades; a curiosidade sexual e a capacidade criativa de brincar são indicativos de que a criança está desenvolvendo suas capacidades e potencialidades.

O multiplicador deve ser capaz de: utilizar jogos e dinâmicas de grupo para promover a desinibição, a integração do grupo, a expressão dos senti­ mentos e a partilha de vivências; evitar situações de autoritarismo, não se colocar como modelo e nem ditar regras; evitar depoimentos sobre sua vida sexual; ter experiência da faixa etária com que vai trabalhar; ter disponibilidade para aprofundar conhecimentos sobre a sexualidade; estimular a manifestação de problemas, dúvidas e da curio­ sidade, possibilitando o apoio mútuo na busca de soluções; dar oportunidade para os indivíduos se conhecerem e con­ fiarem uns nos outros.

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O PROJETO DE ORIENTAÇÃO SEXUAL INFANTIL NA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO PLANEJAMENTO E ESTRUTURAÇÃO

Capítulo 11

ORIENTAÇÃO SEXUAL NOS CEIs: UM TRABALHO INÉDITO NA SME DA CIDADE DE SÃO PAULO Maria Cecília Pereira da Silva

Na década de 1990, o GTPOS (Grupo de Trabalho e Pesquisa em orientação sexual), a convite do saudoso professor Paulo Freire, Secretário Municipal de Educação no governo de Luíza Erundina, desenvolveu um projeto de orientação sexual nas EMEFs (Escola Municipal de Ensino Fundamental) e EMEIs (Escola Municipal de Educação Infantil) da prefeitura de São Paulo, financiado pela funda­ ção MacArthur. Marta Suplicy, na época membro do GTPOS, coor­ denou esse trabalho, que mais tarde foi publicado pela editora Olho d'Agua: Sexo se aprende na escola, em 1995. Em 2003 e 2004, no governo de Marta Suplicy, com Maria Aparecida Perez na Secretaria de Educação, tendo Antonio Carlos Egypto como Coordenador Geral e Técnico do GTPOS, e Maria Cecília Carlini Macedo como Assessora Técnica da Secretaria Mu­ nicipal de Educação, o projeto de orientação sexual na Escola foi novamente implementado pelo GTPOS nas 31 subprefeituras da ci­ dade, atingindo os CEIs (Centro de Educação Infantil, as creches), EMEIs (Escola Municipal de Educação Infantil), EMEFs (Escola

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Maria Cecília Pereira da Silva

Municipal de Ensino Fundamental), EMEEs {Escola Municipal de Educação Especial), EMEFMs (Escola Municipal de Ensino Funda­ mental e Médio) e os ClEJAs (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos). Este projeto alcançou um total de 2.310 educado­ res, de 1.113 escolas e creches, incluindo portanto educadores que trabalhavam com alunos de zero a 80 anos, nos anos de 2003 e 2004. O Projeto de orientação sexual nos Centros de Educação Infan­ til - CEIs, iniciou-se em agosto de 2003 a pedido das Coordenadorias de Educação e dos profissionais de CEI. Os CEIs trabalham com crianças de zero a seis anos. Foram realizados cursos iniciais de 16 horas, envolvendo 585 Professores de Desenvolvimento Infantil, Auxiliares de Desenvolvi­ mento Infantil e Coordenadores Pedagógicos. Após o curso, segui­ ram-se as supervisões de duas horas mensais em 2003 e quinzenais em 2004, contando com 361 educadores de 223 CEIs. Tivemos como objetivo: Oferecer uma formação ao educador sobre o desenvolvimento sexual e emocional infantis; discutir e refle­ tir sobre questões ligadas ã sexualidade, incluindo posturas, crenças, tabus e preconceitos, sentimentos e questões sociopolftico-culturais a ela associadas, sem a imposição de determinados valores sobre ou­ tros; e, ainda, possibilitar que o educador ofereça à criança a oportu­ nidade de ler sua curiosidade sexual adequadamente atendida, con­ tribuindo, assim, para seu processo de aprendizado e para o desen­ volvimento de todas as suas capacidades. Como os Diretores e Coordenadores Pedagógicos têm um rela­ cionamento muito próximo com as crianças, mobilizamo-nos em pro­ porcionar-lhes Oficinas de Sexualidade que os instrumentalizassem a lidar adequadamente com as manifestações da sexualidade das crian­ ças e oferecer-lhes um respaldo institucional. No mês de novembro de 2003, realizamos oficinas de 8 horas com 157 Diretores e Coorde­ nadores Pedagógicos de CEIs e EMEIs. Também com esses educadores, após o curso, seguiram-se as supervisões. A supervisão é um lugar de aprofundamento de temas e conceitos, reflexão e discussão sobre postura e metodologia. E um

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espaço para compartilhai' dúvidas e ações ligadas à sexualidade in­ fantil e ao projeto de orientação sexual. Procuramos criar um espaço de integração, levantar expectativas, selecionar os temas de maior interesse, dramatizar e problematizar cenas do cotidiano em que os comportamentos sexuais geram conflitos e dúvidas a respeito da pos­ tura do educador de crianças de 0 a 6 anos. Um questionário4* aplicado no início do projeto revelou dados in­ teressantes: o perfil das educadoras de CE1 caracteriza-se por mu­ lheres, na sua maioria acima dos 30 anos, com ensino médio comple­ to e com muitos anos de experiência em educação de crianças de três a seis anos. Deparamo-nos com um paradoxo: 80% das educadoras declara­ ram que conheciam muito pouco sobre o tema sexualidade, sendo que 57% delas nunca participaram de nenhuma atividade relacionada à orientação sexual e se sentiam pouco à vontade para lidar com temas da sexualidade. No entanto, quando questionadas sobre como lidar com certas situações que envolvem a sexualidade, elas demons­ traram que em seu cotidiano sabiam lidar com estas situações. Pare­ ce que se envergonhavam em declarar um conhecimento adquirido com a experiência de tantos anos. Ou será que não se davam conta de que sabiam? Com relação às questões de gênero, tema central num trabalho sobre sexualidade, mostraram-se capazes de lidar com as diferen­ ças. Quanto à homossexualidade, em geral, um tema protagonista de dificuldades e resistências dos educadores, não lhes parecia ameaça­ dor nesse momento do desenvolvimento infantil. Ao serem questionadas se observavam brincadeiras e compor­ tamentos sexuais entre as crianças, 90% responderam que raras ve­ zes, ou que não sabiam, o que é no mínimo curioso, pois as brincadei­ ras sexuais fazem parte do desenvolvimento de qualquer criança. Será que se elas revelassem o que observavam, seriam repreendidas pela diretora? - “Como que vocês não cuidam direito dessas cri- 48 48. Elaborado e realizado pelo IDECA - Instituto de Desenvolvimento Educacional Cultural e de Ação Comunitária, que responde pela avaliação do projeto.

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anças, deixando essas crianças brincarem assim?" - ou mesmo pelos pais? - “O que está acontecendo nessa escola que as crian­ ças ficam fazendo essas coisas, que professoras são essas?". No questionário, dentre as dificuldades elencadas, a maioria de­ las era com relação à masturbação infantil ou à curiosidade das crian­ ças em descobrir o sexo oposto. A tendência das educadoras, diante de um comportamento sexual com o qual não sabiam lidar, era mudar de assunto, tomar como doença ou reprimir severamente. Parece que esses comportamentos sexuais não eram considerados por elas como expressão da curiosidade e do brincar sexual infantil, o que provavelmente interferia na maneira de lidar com eles. O grande fantasma eram os pais: “O que eles vão dizer?”; “Sexualidade deve-se aprender em casa”; "Como lidar com os valores da família?”; "Os pais vão pensar que estamos ensinan­ do sexo para seus filhos”. Embora, de verdade, elas não soubes­ sem como os pais reagiriam ao saberem que há um trabalho de orien­ tação sexual no CE1. Será mesmo que os pais não aceitariam? Ou seria uma forma de expressarem seus medos, tabus e preconceitos que carregavam desde pequenos? Os pais não são um bicho-de-sete cabeças, muito menos as ma­ nifestações da sexualidade infantil. Ao contrário, a curiosidade sexu­ al das crianças é expressão de uma mente sadia capaz de pensar, de ter dúvidas, de perguntar, repleta de um potencial para vir a aprender e conhecer. Esse projeto foi inédito paia esses educadores. O entusiasmo, interesse e participação deles nos surpreenderam com uma adesão plena à proposta. Este interesse evidenciou-se também em sua pre­ sença maciça nos Encontros Temáticos sobre “Abuso Sexual”, reali­ zado em outubro de 2003 e “Sexualidade Infantil, Gênero e Diversi­ dade", em setembro de 2004. Muitas expectativas surgiram nas supervisões voltadas para apren­ der a resolver situações que envolviam comportamentos sexuais das crianças no pátio ou na sala de aula. Com os cursos iniciais e os encontros de supervisão, houve uma diminuição da ansiedade em

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desenvolver ações dentro da escola e em lidar com a curiosidade sexual das crianças. Descobrimos que as educadoras tinham um longo repertório com as crianças, mas lhes faltava formação teórica para nomeai- aquilo que elas tinham como dados vi venciados na relação com os alunos. Ao tratar do desenvolvimento da sexualidade infantil, este projeto trabalha com noções globais de desenvolvimento infantil e da relação professor - aluno, além de oferecer uma série de materiais para tra­ balhar o tema da sexualidade nos CEIs. As histórias discutidas nas supervisões foram muitas. Desde his­ tórias tenebrosas de violência sexual e violência doméstica, até aque­ las de perguntas muito simples de crianças curiosas: “Professora, por que a mamãe usa uma fraldinha de vez em quando?”. Durante as supervisões, foi fundamental unir os dados obtidos em muitos anos de observação de crianças com as informações teó­ ricas e científicas do desenvolvimento emocional e sexual infantis e, assim, possibilitar a reflexão. Quando dissemos que se masturbai' é inerente ao desenvolvimento da sexualidade, abrimos a possibilidade para um outro olhar sobre a criança e garantimos que as educadoras não repetissem com seus alunos exatamente o que lhes foi ensinado. Era como se esse projeto validasse aquilo que elas já percebiam, mas não registravam como aprendizado e conhecimento. As supervisões constroem um espaço reflexivo e a capacidade de observação e de intervenção na relação professor - aluno, que se amplia velozmente. A descoberta de que a sexualidade infantil e a curiosidade de aprender estão ligadas ampliou a concepção de edu­ cação de cada participante. Além disso, os educadores de CEI assu­ miram uma postura mais investigativa e reflexiva, deixando de espe­ rar dos formadores uma receita pronta, para construir com o grupo o conhecimento e a compreensão sobre as manifestações sexuais das crianças. Este projeto também nos surpreendeu com outros desdobramen­ tos relacionados à prevenção de dificuldades de aprendizagem e de problemas emocionais graves. A partir do relato dos educadores, foi

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Maria Cecília Pereira da Silva

possível detectar crianças com dificuldades de brincar, de se concen­ trar e de se relacionar. Com um olhar mais aguçado e uma postura adequada, os educadores puderam identificar e intervir precocemen­ te diante dessas situações, contribuindo para um desenvolvimento mais sadio das crianças.

Capítulo 12

UMA EXPERIÊNCIA DE AVALIAÇÃO COOPERATIVA Mary Ann Norris Castanho Rondas

Receios e desconfianças paulatinamente sendo superados, observa-se atualmente o crescente interesse na incorporação da avali­ ação como etapa do planejamento e da implementação de projetos sociais. São órgãos públicos, organizações não-governamentais e priva­ das que demonstram a valorização de sua atuação, procurando res­ postas a questões como: Até que ponto conseguimos alcançai- os objetivos e metas previstos pelo projeto? Será que nossas ações geraram outros resultados não pre­ vistos inicialmente? Utilizamos as melhores e mais adequadas estratégias con­ siderando nosso público-alvo e os objetivos que pretendía­ mos alcançar? Em que aspectos falhamos e em quais fomos bem sucedidos? Vale a pena dar continuidade ao projeto?

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Mary Ann Norris Castanho Rondas

Essas são algumas das questões que podem ser tratadas pela avaliação de projetos sociais e que orientam o foco ou focos que ela pode ter, de forma a fornecer informações confiáveis aos promoto­ res, executores e demais envolvidos em um projeto social. Para alguns pode parecer algo simples de ser feito: elabora-se um questionário com as questões mais importantes e aplica-se. Ou, então, basta conversai' com alguns beneficiários e se f ica sabendo se estão satisfeitos ou não. Nada contra questionários - são importantes instrumentos de levantamento de informações. Para utilizar esse recurso, no entanto, é necessário esclarecer antecipadamente: Como será elaborado? Como será definido o que é importante que contemple? Como selecio­ nar as questões mais relevantes? Que tipos de questões devem ser feitas? Quem responderá o questionário? Esse público tem capacida­ de para respondê-lo? Quando será aplicado? Essas respostas garan­ tirão as informações que desejamos saber sobre o projeto? Entrevista é outra técnica valiosa em avaliação desde que plane­ jada e elaborada criteriosamente, ou seja: O que se pretende saber com a entrevista? Qual a melhor forma para levantar essas informa­ ções - uma entrevista estruturada ou aberta? Os resultados das en­ trevistas deverão ser representativos daquele conj unto de beneficiários ou servirão para levantar indícios de algo que se pretende aprofundar posteriormente? E, ainda, como serão tratados e organizados os dados levanta­ dos? Quem os analisará e como serão interpretados? Como serão apresentados? Não parece tão simples. O que não significa, por outro lado, que a avaliação seja exclusividade de especialistas externos ao projeto. A organização executora pode perfeitamente delegar essa função a membro ou equipe própria que, respeitando os procedimentos metodológicos, procurará dc forma planejada desenvolver as ativida­ des de avaliação. O propósito desta introdução foi apenas chamar a atenção do leitor para o significado que a avaliação do projeto de orientação se­

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xual tinha para a equipe promotora e executora do GTPOS - Grupo de Trabalho e Pesquisa em orientação sexual, e como foi definida sua execução.

A avaliaçao do projeto de Orientação Sexual para o GTPOS Com vasta experiência no desenvolvimento de projetos de orien­ tação sexual, elaboração de materiais didáticos e publicações sobre a temática, membros da entidade, mesmo com o respeito reconhecido nacionalmente por sua atuação, ressentiam-se da falta de informa­ ções sistematizadas que demonstrassem os resultados desse traba­ lho. Como medir mudanças de valores e de posturas que envolvem ações de ensino-aprendizagem referentes à sexualidade'? Foi com esta questão que me deparei ao ser convidada pelo GTPOS, como membro do IDECA - Instituto de Desenvolvimento Educacional Cultural e de Ação Comunitária, para discutir a avalia­ ção do Projeto de orientação sexual para educadores da Rede Muni­ cipal de Ensino de São Paulo, em fevereiro de 2003. Realmente era um desafio. Além da temática, que exigia um tempo maior de duração para ser abordada e paia começar a gerar mudanças na prática docente, o projeto tinha como perspectiva atin­ gir educadores de educação infantil, incluindo os Centros de Educa­ ção Infantil - CEls - e pré-escolas, de ensino fundamental e médio e de educação de jovens e adultos, representantes de escolas das di­ versas regiões da cidade. Para sua execução, o GTPOS contava com uma equipe de formadores que se deslocavam para as diversas regiões da cidade, paia ministrar cursos e realizar ações de supervisão, contando com a orientação técnica de uma coordenação geral e outra específica para as ações nos CEls. Com todos os membros envolvidos na execução do projeto e na complexa logística que acarretava, a ava­ liação só poderia ser desenvolvida por um elemento externo. Esta

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opção, porém, não parecia tão segura. Os anos de experiência do GTPOS resultaram na criação de uma metodologia própria, basea­ da na participação intensa dos envolvidos, concedendo uma maior dinamicidade e flexibilidade no atendimento das necessidades dos participantes. Como um avaliador externo contemplaria esta forma de trabalho, fruto de anos de atuação? Uma preocupação compre­ ensível e perfeitamente justa.

Uma proposta de avaliação cooperativa Diante do “tamanho” da demanda, era certo que sozinha pouco poderia contribuir no sentido de atender as expectativas do GTPOS. Tampouco os recursos financeiros disponíveis ariam a contratação de uma equipe específica com as conseqiientes necessi­ dades que uma avaliação dessa magnitude exigiria. Por que, então, não envolver os interessados na avaliação de uma forma ativa? Foi assim que, junto com a coordenação e os formadores, iniciou-se um processo de compartilhamento das atividades de avaliação, discutin­ do-se o que e quando seria avaliado, as técnicas a serem utilizadas e a análise das informações levantadas. Juntamente com um especialista49 na temática objeto do projeto, nos somamos a ele como membros que traziam conhecimentos espe­ cíficos. Desta maneira, pudemos apreender melhor a forma de traba­ lho desenvolvida pelo GTPOS e a dinâmica do projeto, o que possibi­ litou a elaboração de instrumentos e utilização de técnicas mais ade­ quadas às suas especificidades. Com a participação de todos foi pos­ sível abranger a totalidade dos grupos de trabalho e disseminar com melhor qualidade os resultados.

49. Ana Rosa Abreu, psicóloga com mestrado em Psicologia Escolar. Membro associado do iDECA; atuou no projeto até o final de 2003. Neide Nogueira, cientista social com Mestrado em Filosofia da Educação, consultora do IDECA; atuou no projeto entre fevereiro e dezembro de 2004.

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A avaliação do projeto dirigido aos educadores de CEI Originários da área de Assistência Social e recém-integrados à Rede Municipal de Educação, os Centros de Educação Infantil ocu­ pavam na hierarquia do sistema de ensino do município50 51 o seu nível mais baixo. Grande parte de seus quadros era composta por mulhe­ res com nível medio de escolaridade, em muitos casos na modalidade supletiva, sendo que a realização de cursos de formação para habili­ tação para o magistério começava a ser implementada. Por ocasião do projeto, algumas unidades possuíam um coordenador pedagógico, o que era exceção. A função educacional começava a ser incorpora­ da à vida dos CEIs. Como seria recebido um projeto de formação em orientação se­ xual. principalmente considerando-se que os CEIs atuam com crian­ ças menores de 6 anos? Avaliação inicial. Foi sugerido e aceito pela equipe que o pri­ meiro levantamento de informações para a avaliação deveria traçar o perfil dos participantes do projeto. Esse perfil serviria como marco inicial para comparação com os resultados alcançados ao final do projeto. Também traria subsídios para que a coordenação e os for­ madores pudessem planejar de forma mais adequada as ações de capacitação, além de permitir a observação, ao longo do projeto, de mudanças nos educadores participantes. O objetivo era conhecer os participantes, sua experiência profis­ sional. o que sabiam sobre sexualidade e especificamente sobre se­ xualidade infantil; como seus colegas e demais membros do CEI re­ agiriam diante da possibilidade da implementação de um projeto de orientação sexual e se existiriam condições em suas unidades que poderiam favorecer essa implementação.

50. Estamos nos referindo à cultura existente nas organizações públicas de ensino e não a uma estai tu ra formal. 51. O questionário foi aplicado em dois momentos: agosto de 2003 para educadores e outubro de 2003 em turma composta por coordenadores pedagógicos.

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Como decisão da equipe, o levantamento deveria abranger todos os participantes e seria viabilizado por intermédio da aplicação, pelo formador, de um questionário no primeiro encontro do curso inicial51. Os dados levantados e tratados foram analisados e discutidos com toda a equipe, recomendando-se que cada formador também os apresentasse às suas turmas para discussão. Acompanhamento. Além da realização de reuniões mensais entre a coordenação técnica e os formadores, foi proposta a elaboração de relatório mensal de desenvolvimento de cada grupo de supervisão, pelo respectivo formador, garantindo o registro de informações im­ portantes para acompanhar o andamento do trabalho e facilitar seu gerenciamento. Como o projeto constava de duas etapas - curso inicial e supervisão - foram desenvolvidos dois roteiros específicos para cada uma delas. O curso representava a primeira atividade e o primeiro contato com a temática; assim, era importante conhecer a avaliação dos formadores sobre o nível de informação dos partici­ pantes a respeito do projeto e se as condições de infra-estrutura logística eram adequadas. Também interessava levantai* suas impres­ sões sobre o nível de entendimento dos participantes sobre os con­ teúdos tratados bem como a necessidade de abordar / aprofundar temas de interesse. As reações dos educadores ao projeto, às es­ tratégias apresentadas e à eventual implementação da orientação se­ xual no CE1 complementavam o relatório, finalizado com uma autoavaliação do formador sobre seu desempenho. Até o final de 2004, existiam 23 grupos de supervisão. Em cada um, o projeto evoluía de acordo com as necessidades dos participan­ tes e da sensibilidade do formador para explorá-las. Assim, para não se perder a diversidade de situações, o relatório de acompanhamen­ to, neste caso, priorizou dois aspectos: a) o trabalho desenvolvido durante o período, abrangendo conteúdo trabalhado, recursos e ativi­ dades realizadas e reações dos participantes (entendimento, dificul­ dades, participação) e b) análise da supervisão que consistia em des­ tacai* os resultados positivos e avanços percebidos pelo formador, suas dificuldades no desenvolvimento do trabalho, encaminhamentos

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visando os próximos encontros de supervisão e suas necessidades de orientação. A análise dos relatórios pela coordenação trouxe elementos im­ portantes para rever ações e estratégias e orientar os formadores nas discussões mensais. Avaliação intermediária. Os relatórios de acompanhamento apresentavam as opiniões dos formadores sobre o desenvolvimento do projeto. Era preciso, porém, ados oito meses de projeto, co­ nhecer diretamente do participante suas opiniões sobre o trabalho até então realizado. O curso inicial, que tinha como objetivo abordar no­ ções sobre o desenvolvimento emocional e sexual da criança e discu­ tir situações que envolviam a sexualidade e que podiam ocorrer no cotidiano dos CE1, havia sido cumprido. Nova etapa estava em anda­ mento - a de supervisão, consistindo em reuniões quinzenais para acompanhamento e reflexão sobre o trabalho dos educadores, sua atuação diante das manifestações da sexualidade infantil, discussão de diferentes estratégias e recursos e aprofundamento de temas. Assim, um novo levantamento foi realizado. Esse era o momento de conhecer, de forma sistematizada: a) a repercussão do trabalho até então desenvolvido na prática dos parti­ cipantes; b) qual seu nível de satisfação com o projeto em relação ao conteúdo abordado, metodologia utilizada e materiais de apoio distri­ buídos; c) quais suas necessidades de aprofundamento teórico e metodológico e d) qual sua percepção sobre possíveis influências do projeto no CEI. Eram informações necessárias para avaliar o traba­ lho já realizado e planejar a sua continuidade, prevista para mais seis meses. Todos os educadores participaram do levantamento, preen­ chendo um breve questionário, complementado com informações dos formadores a partir de discussões com suas turmas. A tabulação dos dados de cada grupo foi realizada pelos próprios formadores com o auxílio de planilhas preparadas e consolidadas pelos avaliadores. Avaliação final. Tendo como referência o primeiro instrumento de avaliação, aplicado no curso inicial, com pequenas alterações dis­ cutidas com a equipe, foi realizada a avaliação ao final do projeto. Os

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formadores, no último encontro de supervisão, aplicaram o questio­ nário, posteriormente tratado, analisado e discutido. Ainda como par­ te da avaliação final, todos os formadores responderam um roteiro avaliando cada turma que conduziu, segundo os principais objetivos do projeto. Também registraram suas opiniões sobre a estrutura e organização do projeto, o e técnico c de apoio logístico ofereci­ do pelo GTPOS e pelas Coordenadorias Regionais de Educação da Secretaria Municipal de Educação, sobre o significado do projeto para si e, finalmente, sobre as atividades de avaliação. Os resultados de todos os levantamentos foram documentados em relatórios, depois de discutidos e analisados conjuntamente. Deve-se ainda destacar outra atividade de sistematização de in­ formações sobre o projeto, realizada logo após a avaliação intermedi­ ária, que teve por f inalidade registrar experiências práticas relaciona­ das à orientação sexual, realizadas pelos participantes no âmbito do CE1. Um roteiro simples auxiliou os educadores a selecionar as infor­ mações mais importantes e registrá-las. Depois de analisados, alguns registros foram selecionados para serem apresentados em publica­ ção distribuída, posteriormente, a lodos os educadores e CEIs inte­ grantes do projeto52. Além de permitir a di vulgação ampla do projeto, destacando atividades de orientação sexual executadas por seus par­ ticipantes, em unidades de diferentes regiões da cidade, os relatos tiveram igual mente uma função avaliativa, complementando as infor­ mações já existentes. Também foram úteis para as discussões nos grupos de supervisão.

Os educadores de CEI no início do projeto Quem eram os educadores que se interessaram a participar do projeto? O que sabiam sobre sexualidade? Como lidavam com as brincadeiras e manifestações da sexualidade infantil? Existia espaço no CEI para discutir questões sobre sexualidade infantil? 52, Vide o capítulo 13.

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Estas e outras perguntas foram respondidas por cerca de 500 educadores de CEI, entre Auxiliares de Desenvolvimento Infantil (ADI), Professores de Desenvolvimento Infantil (PD1), Auxiliares de Enfermagem, Coordenadores Pedagógicos () e Diretores. A grande maioria ocupava os cargos de ADIs colocar por extenso (64%) e PDIs colocai' por extenso (17%), era predominantemente do sexo feminino, com idade superior a 31 anos, sendo que um pouco mais da metade possuía mais de 41 anos. Eram profissionais que já atuavam há 8 anos ou mais em creches (58%), possuindo nível médio de escola­ ridade, alguns ainda cursando. Com habilitação para o magistério, os PDIs, em sua maioria, trabalhavam com crianças acima de três anos. Como, porém, o processo de formação nessa habilitação ainda estava em curso, cabia aos ADI's suprirem a falta de professores. Assim, embora boa parte deles (42%) dirigisse sua atuação para crianças menores de três anos, parcela um pouco maior (46%) atendia as faixas superiores e, ainda, existiam alguns atuando com crianças de diferen­ tes faixas etárias. Esse era o perfil básico da maioria dos participantes do projeto. Diretores e coordenadores pedagógicos constituíam uma parcela de 15%, observando-se também o interesse de alguns auxilia­ res de enfermagem, representando 3% dos participantes. De forma direta e sincera, os educadores reconheciam, ao iniciai’ o projeto, que possuíam poucos conhecimentos sobre o tema sexuali­ dade e demonstravam desconhecer igualmente as manifestações da sexualidade infantil. A pergunta: “Você já observou brincadeiras e comportamentos sexuais infantis no CEI?" um pouco mais da metade respondeu não ter opinião a respeito e 40% pareceram iden­ tificar essas manifestações, entretanto sua atenção para elas não era tão grande, uma vez que as observaram poucas vezes. E interessante destacar que o tempo de experiência em creches não interferia nesse quadro. O receio c a insegurança para lidar com determinadas situações que podem ocorrer no dia a dia com as crianças foram manifestados pelos educadores, ao serem colocados diante de algumas situações típicas e que envolvem a sexualidade infantil, como crianças que se /

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tocam nos genitais ou se masturbam. Existia uma dificuldade em re­ conhecer o prazer infantil nas brincadeiras sexuais, originária, em muitos casos, no desconhecimento do desenvolvimento da sexualida­ de nas crianças e, em outros, em preconceitos e visões distorcidas acerca da temática. Com efeito, a abordagem da sexualidade nos sistemas de ensino de forma aberta é algo recente, sobretudo a sexualidade infantil. O predomínio da função de “cuidar" atribuída tradicionalmenle às pro­ fissionais de creche, por outro lado, predominou na contratação de pessoas com conhecimentos básicos de higiene, motivação e facili­ dade paia relacionar-se com as crianças. Não era estimulada a fun­ ção educativa, introduzida formal mente apenas com a Lei de Diretri­ zes e Bases da Educação Nacional de 1996, porém colocada cm prática com muito atraso nas redes de ensino. A temática sobre sexualidade, segundo informaram os educado­ res, não fazia parte da agenda de discussões do CEI, que também não dispunha de materiais, entre textos, vídeos ou jogos, específicos para se trabalhar a orientação sexual. De um modo geral, o tratamento das questões ligadas à sexuali­ dade infantil era algo novo para a maioria dos educadores, que reco­ nheciam o pouco conhecimento sobre o assunto e a inexistência, em suas unidades, da discussão sistemática dessas questões. O simples fato, porém, de estarem participando do projeto, en­ frentando dificuldades para se deslocar até o local dos eventos e a conciliação de tempo de trabalho e de outras atividades comprometidas, já era algo positivo, podendo indicar o desejo de adquirir e ampliar conhecimentos, enfrentar os medos e preconceitos e aprimorar seu desempenho. Diante das crianças, a maioria (70%) acreditava que se sentiria à vontade para tratar de temas como “órgãos sexuais" e “como nas­ cem os bebês". Acreditavam (83%), também, que seus colegas rea­ giriam positivamente à possibilidade de se começar a discutir ações de orientação sexual no CEI, embora alguns pudessem sentir algum constrangimento.

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Os resultados desse primeiro levantamento apontaram, para os executores do projeto, a necessidade de um trabalho intenso no sen­ tido de capacitarem teoricamente os educadores dos CEIs, auxiliálos a superar preconceitos e tabus e promover um trabalho de refle­ xão sobre valores referentes à sexualidade infantil, não apenas des­ ses profissionais, mas também do próprio CEI e da comunidade.

A evolução do projeto - a evolução dos educadores ados oito meses de trabalho, os avanços observados pelos formadores e levantados na avaliação intermediária eram significati­ vos. Em depoimentos, os educadores reconheciam mudanças em sua compreensão sobre os temas relacionados à sexualidade de uma for­ ma geral e à infantil e em seus valores e postura, diante de situações que envolviam sobretudo as manifestações da sexualidade infantil. Um novo olhar. Esta expressão, muito utilizada pelos partici­ pantes ao avaliarem sua atuação como educadores a partir da freqüência no projeto, representava mudanças em sua concepção sobre a temática e na forma de lidar com as crianças. Era um novo olhar interior - sua concepção mudou, começaram a enxergar seus tabus c preconceitos, o que os levou a um novo olhar para fora - a entender os comportamentos e atitudes das crianças, porque se tocam e se masturbam, antes julgados como errados e punidos. Como afirmou um educador: o problema deixou de ser problema. Tudo era novo para esses profissionais. Quando poderiam ima­ ginar que aqueles comportamentos das crianças que reprovavam ou faziam que não viam eram parte do seu desenvolvimento emocio­ nal e sexual? O projeto de orientação sexual veio preencher uma enorme lacuna em sua formação e na ação pedagógica dos CEIs, conforme afirmou uma educadora: Pude me aprofundar sobre assuntos que são de extrema importância no desenvolvimento da criança e que estavam abandonados nos projetos pedagó­ gicos dos CEIs.

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Não é de se estranhar, portanto, o reconhecimento, pela grande maioria dos participantes (93%), do apoio que o projeto estava ofere­ cendo para lidarem, em seu ambiente de trabalho, com situações re­ lacionadas à sexualidade. A insegurança ainda existia, o que era per­ feitamente compreensível, pois não se tratava apenas de ampliar os conhecimentos, mas, sobretudo, de trabalhar e refletir sobre valores, atitudes e posturas, bem mais difícil e complicado. Não é à toa que temas como homossexualidade e violência sexual eram recorrente­ mente solicitados a serem abordados e discutidos. Trazem à tona preconceitos, tabus e responsabilidades difíceis de serem enfrenta­ dos. Por outro lado, a demanda indicava o interesse e a vontade de superar as dificuldades. Nesse esforço, foi positiva e eficiente a estrutura do projeto, a forma como foi planejado, principal mente em relação aos encontros de supervisão. Os participantes demonstraram um alto nível de satis­ fação com esses encontros, inicialmente realizados mensalmente, com duração de duas horas, e, a partir de 2004, quinzenal mente. Sentiamse à vontade para expor suas idéias, fazer perguntas e apresentai* situações que os afligiam. Para eles, era um momento rico para tro­ car experiências entre si e com o formador. Sentiam-se respeitados e valorizados por seus conhecimentos e experiência acumulados e es­ timulados com as atividades apresentadas. O entusiasmo dos participantes com o projeto levou-os a iniciar a sua divulgação junto aos colegas, em reuniões pedagógicas ou mes­ mo individualmente. Os materiais didáticos (bonecos, vídeos, livros, jogos) distribuídos aos CEIs serviram de apoio na apresentação do projeto. Entretanto, ainda não era possível saber se a multiplicação de ações de orientação sexual, no âmbito das unidades, teria continui­ dade de forma a permitir o desenvolvimento de ações permanentes que incluíssem também o envolvimento dos pais. Os materiais, interessantes e bem elaborados, sem dúvida repre­ sentavam um ótimo recurso para atrair os colegas, mas esta não era sua principal finalidade. Alguns eram mais utilizados que outros - os bonecos e famílias de pano, o livro “Mamãe botou um ovo", que trata

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do nascimento, e o vídeo “Alegria da vida" que, em forma de desenho, apresenta uma série de histórias sobre diversos temas da sexualidade. O projeto apresentava avanços importantes, considerando seus objetivos, principalmente em relação à qualificação dos educadores: maior compreensão sobre a sexualidade infantil, diminuição dos me­ dos e receios para trabalhar com a temática, interesse no aprofun­ damento dos conhecimentos, percepção de sua função no trabalho de orientação sexual, início de ação com as crianças e melhoria no relacionamento com elas. Em alguns aspectos, porém, seria necessária uma maior aten­ ção: ampliai* as alternativas para a utilização dos materiais juntos às crianças e reforçar as ações de multiplicação do projeto no CEI.

O quanto o projeto avançou Os resultados dos levantamentos efetuados foram analisados a partir de quatro grandes objetivos apresentados a seguir. Formar o educador, possibilitando-lhe condições paia atender ade­ quadamente a demanda de curiosidade sexual infantil. Essa forma­ ção deve abranger o conhecimento sobre o desenvolvimento emo­ cional e sobre a sexualidade infantil e como proceder diante da ma­ nifestação das dúvidas e do comportamento sexual das crianças. Após cerca de um ano e meio de participação no projeto, foi possível perceber que os educadores de CEI reconheciam as mani­ festações da sexualidade infantil c sabiam do que se tratava; de­ monstravam ter construído um repertório para lidai" com elas e con­ seguiam manifestar suas idéias sobre o tema. Ainda existia alguma insegurança para lidar com as brincadeiras e comportamentos sexuais infantis, porém não mais desconheciam a sua existência, como manifestaram ao iniciar o projeto. Para os for­ madores, o avanço nesse sentido foi notável: Saíram do zero e des­

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cobriram a sexualidade, em especial, a infantil, e sua importân­ cia no desenvolvimento infantil. A maior dificuldade ainda residia no tratamento de situações que envolviam homossexualidade, masturbação e violência sexual. Por serem temas muito carregados de valores sociais repressivos e, mes­ mo sendo os valores sociais propostos pelo projeto diferentes dos socialmente hegemônicos, representavam uma dificuldade maior para os educadores superarem suas barreiras pessoais. São temas que, por si, seriam objeto de um projeto específico. Como afirmou um formador: Podem perceber e lidar muito bem, mas há ainda al­ gum preconceito em determinadas questões, sendo necessário mais um semestre. E positivo, no entanto, verificar que iniciaram a abordagem de certos temas relacionados à sexualidade com as crianças, como os órgãos sexuais e a reprodução. São temas tradicionalmente tratados nos espaços escolares, porém de modo diferente daquele proposto pelo projeto. Também é interessante destacar as mudanças de atitude reco­ nhecidas pelos participantes que atuavam com bebês. Diziam que aram a olhar os bebês com naturalidade e a entender as diferen­ tes fases de desenvolvimento, respeitar sua sexualidade, achando normal o bebê se tocar. Mais observadores do comportamento das crianças, os educa­ dores começaram a perceber mudanças positivas a partir do momen­ to que aram a lidar com as manifestações da sexualidade infan­ til. Disseram notar melhorias no relacionamento entre as crianças, na aprendizagem, no interesse e no relacionamento com o educador. Utilizai- estratégias que gerem a reflexão, ajudando o educador a lidar com suas dificuldades, barreiras e preconceitos frente ao tema da sexualidade. A informação de que 90% dos educadores, que durante o projeto conversaram ou trataram com as crianças sobre algum tema relacio­

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nado à sexualidade e tenham se sentido à vontade ao fazê-lo, indica uma possível superação de inibições e receios e a contribuição do projeto para o aprofundamento da reflexão e dos valores e concep­ ções sobre sexualidade. Deve-se explicar que uma parcela dos parti­ cipantes - 20% por ocasião da avaliação final, havia se integrado ao projeto somente em 2004, significando um menor tempo de forma­ ção em relação aos demais. Na opinião dos formadores, o ingresso tardio resultou em algumas turmas com aproveitamento desigual, apre­ sentando resultados menos positivos em relação às demais. Entretanto, como já mencionado, ainda era possível perceber barreiras e preconceitos em relação a alguns temas, que cada um trazia de sua formação e de sua vivência. Além dos já citados, o reconhecimento do prazer das crianças ao se masturbarem continua­ va a ser algo difícil de ser percebido, entendido e aceito por parcela relativamente alta de educadores - 46%. Porém, de forma positiva, não foi reconhecida qualquer postura autoritária diante de brincadei­ ras sexuais infantis. Suas reações denotavam a preocupação com a orientação das crianças em relação ao respeito ao corpo e aos cole­ gas. Da mesma forma, ao definirem sexualidade, suas respostas sem­ pre foram marcadas por uma valorização positiva: como uma mani­ festação natural, normal, biológica, prazerosa. Uma questão detectada na avaliação intermediária - a pequena utilização dos materiais distribuídos pelo projeto - ainda se mantinha. Os mais utilizados continuavam a ser a família de pano e os livros "‘Mamãe botou um ovo" e “De onde viemos"’. Para os formadores, em sua maioria, o tempo de atividades do projeto não foi suficiente para explorar melhor a utilização dos materiais. Cabe ressaltar, po­ rém, o comentário de uma formadora sobre a sua importância relati­ va: Todos os materiais poderiam ser mais explorados. O que im­ porta não é o material em si, mas a capacidade de criar situa­ ções de trabalho em cima dele. No meu modo de trabalhar, o material deveria apoiar o educador, e não o educador se apoiar no material. Acho que, se por um lado, o material é uma forma de materializar o projeto para diretores, coordenadores e outros

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professores, e divulgar o projeto na rede, os educadores do pro­ jeto (os mais inseguros) acabam achando que é no material que está a "força”, e não neles mesmos. Se houvesse mais tempo, eu trabalharia exclusivamente sobre situações da prática, criando problemas e tentando levá-los a pensar em soluções. Espera-se que o trabalho resulte em ações permanentes nos CEls, envolvendo diretores, coordenadores, professores, ADIs e outros profissionais. O objetivo é expandir a conscientização e a abordagem da sexualidade na comunidade escolar, inte­ grando-a de modo permanente ao cotidiano do CEI. Por menor que tenha sido, em um ambiente educacional onde não se contemplava qualquer assunto sobre orientação sexual, nem existiam materiais de apoio para auxiliar qualquer interessado na temática, já foi um avanço o reconhecimento dos participantes que começavam a perceber reações mais tranquilas dos colegas do CEI para conversar, trocar informações a respeito, bem como tentar lidar com situações que envolviam sexualidade. Como multiplicadores, é interessante ressaltar que, embora todos os sujeitos tenham tido mais ou menos o mesmo nível de atuação para a disseminação do projeto nas suas instituições, houve diferença entre eles, dada pelo lugar institucional que ocupavam: ADIs e PDIs atuaram (pro­ vavelmente) mais informalmente, no âmhito de suas relações pessoais no interior das instituições e/ou atuando diretamente com alunos e pais das classes dos colegas, enquanto os Diretores e Coordenadores Peda­ gógicos atuaram mais junto às equipes dos CEls, com mais chances de que essa atuação possa reverter na institucionalização do trabalho. Os participantes mostravam certo otimismo quanto ao interesse institucional, de diretores e coordenadores pedagógicos, na continui­ dade do trabalho de orientação sexual no CEI. Mesmo reconhecendo dificuldade, cerca de 70% acreditava que poderia dar continuidade ao trabalho com as crianças e como multiplicadores do trabalho, e quase 30% o fariam com facilidade.

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Pode-se dizer que a orientação sexual ou a ser reconhecida no âmbito dos CEIs como tema integrante do processo educativo. Entretanto, muito ainda estava por se caminhar no sentido de integrála de forma sistemática e permanente ao cotidiano dessas unidades. Expandir as ações preventivas na comunidade a partir da edu­ cação infantil. Pensando-se no envolvimento dos pais das crianças matricu­ ladas nos CEIs, como um primeiro o visando a disseminação do projeto de orientação sexual junto à comunidade, os resultados revelaram que muito pouco foi realizado nesse sentido. Foram 65% os educadores que apontaram não ter sido feita, aos pais, qual­ quer divulgação do trabalho de orientação sexual realizado nos CEIs. O contato com os pais, segundo os relatos de educadores, vinha sendo realizado em alguns CEIs de forma pontual, atendendo indivi­ dualmente a mãe ou o pai, ou organizada por intermédio de reuniões para informá-los sobre a participação dos educadores em um projeto de orientação sexual. Entretanto, não se devem desprezar os avan­ ços conseguidos nas atividades que foram realizadas: começou-se a conversar com os pais sobre questões que envolvem sexualidade, segundo apontaram 56% dos educadores. Para 31%, porém, nada mudou a esse respeito. Para os formadores, os educadores apresentavam diferenças de aproveitamento no que se refere à preparação para trabalhar com os pais. Alguns apontaram sua insegurança, a falta de prática e o receio de que os pais pudessem impedir o trabalho de orienta­ ção sexual. Outros consideraram suas turmas mais confiantes e fortalecidas para abordar esses assuntos com os pais. As ques­ tões institucionais, principalmente no que sc refere à falta de apoio da direção, também foram mencionadas como obstáculos.

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O que se pode concluir De modo geral, o projeto avançou em todos os seus objetivos, embora desigual mente. Teve mais sucesso em possibilitai' aos educa­ dores maior compreensão sobre a sexualidade infantil e algumas de suas manifestações, criar condições para que atuem com mais segu­ rança, do que para promover a institucionalização do trabalho de orien­ tação sexual nos CEIs e para atingir os familiares das crianças. Quanto à perspectiva de continuidade - necessidade apontada tanto pelos educadores participantes quanto pelos formadores - é interessante atentar para os seguintes pontos: Para enfrentar, com maiores possibilidades de êxito, o de­ safio de institucionalizar o trabalho de orientação sexual, faz-se necessário acrescentar alguma ação especificamente direcionada para essa finalidade, e que contemple, também especificamente, diretores e coordenadores pedagógicos, pelo lugar que ocupam e pela função que exercem nos CEIs. Ações que incluam o trabalho de orientar professores e pais como conteúdo, além dos que já faziam parte do trabalho. Embora tenha sido aberto espaço específico para coorde­ nadores pedagógicos, a participação destes foi pequena e não se manteve, considerando a freqüência no curso inicial e posteriormente nos encontros de supervisão. Na maioria dos CEIs, essa função não estava preenchida. Tratando-se de uma rede ampla, como a do Município de São Paulo, o processo de capacitação poderia ser iniciado com esses profissionais, procurando-se garantir institucionalmente sua participação, com dispensa de ponto, acompanhando poste­ riormente seu trabalho nas escolas por intermédio das su­ pervisões. O envolvimento dos educadores poderia ser rea­ lizado em paralelo e planejado a partir das demandas dos coordenadores pedagógicos. Os educadores manifestaram consciência tanto de suas conquistas quanto de seus limites. O fato de se sentirem

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capazes de dar continuidade ao trabalho, se é um indica­ dor de bons resultados, não deve mascarar suas necessi­ dades de formação. O que afirmaram deve ser compre­ endido, por um lado, como conquista de quem caminhou muito a partir do ponto de partida e, por outro, como capa­ cidade de repetir o que vinham fazendo. Entretanto, é pre­ ciso lembrar que tanto educadores quanto formadores apontaram recorrentemente a necessidade de retomar e aprofundar temas importantes como masturbação, homos­ sexualidade, violência sexual e trabalho com pais. Em ou­ tras palavras, mesmo com os avanços observados, a con­ tinuidade da formação dos educadores colocou-se como necessária para torná-los capazes de realizar o trabalho de orientação sexual na sua real abrangência.

Existem resultados finais em um projeto social? Um equívoco bastante comum ao se avaliar um projeto social é julgá-lo apenas pelos resultados apresentados ao final das atividades planejadas. Lidar com pessoas, individualmente ou cm organizações, exige ter-se em consideração o imponderável - diferentes reações ou reflexos poderão ser gerados após a finalização de um projeto, por um espaço de tempo também pouco previsível. A complexidade do ser humano - suas atitudes, valores, perfil psicológico, conhecimen­ tos e habilidades -, e das organizações - sua missão, cultura, estrutu­ ra burocrática e recursos de que dispõem -, combinadas ou não, ge­ ram inúmeras variáveis e, por conseguinte, diferentes caminhos que um projeto pode trilhar. Essas condições não diminuem a importância da avaliação; ao contrário, reforça a necessidade de cada vez mais estar incorporada desde o início de um projeto, de sua concepção e planejamento. Igual­ mente deve ser lembrado que a avaliação não se restringe apenas ao período em que o projeto se desenvolve. Pode se estender após o seu

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Final, procurando conhecer também os efeitos secundários ocorridos em determinado período. Os procedimentos são vários, mas o mais importante ao se decidir avaliar um projeto social é ter clareza sobre o que se pretende avaliar. Os objetivos propostos pelo projeto do GTPOS eram amplos, extrapolando o tempo planejado para o desenvolvimento das ações de formação. As reações posteriores evidentemente dependeriam do quanto se conseguiria avançar com os educadores na amplia­ ção de conhecimentos, na reflexão sobre valores e atitudes, prin­ cipalmente sobre os preconceitos e tabus, na superação de medos e na motivação para continuar a se aperfeiçoar sobre os temas da área e no estímulo para implementar ações de orientação sexual no CEI. Isto posto, os resultados da avaliação realizada ao final das ativi­ dades do projeto indicariam até onde ele caminhou no sentido de ga­ rantir algumas condições básicas para que seus grandes objetivos pudessem ser alcançados em um futuro não muito distante.

Avaliando a avaliaçao Não diria que o desafio foi vencido, mas ele foi enfrentado pelos avaliadores e pelos executores, respeitando os limites e as possibili­ dades dos dois lados. Seria importante conhecer como o trabalho repercutiu no CEI, acompanhando o desempenho dos educadores em sua unidade, conversando com as crianças, com os pais e outros profissionais? Sem dúvida. Os limites, porém nos fizeram optar pelo foco no educador participante. Também poderia ler sido maior o tempo destinado às dis­ cussões sobre a avaliação. Muitos eram os assuntos a serem tratados nos encontros de formadores e pouco o tempo disponí­ vel. Poderíamos, entretanto, ter insistido e procurado abrir mais espaço para os assuntos de avaliação. Uma lição importante para outros projetos.

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Reconhecidas as dificuldades e os limites, foi altamente positivo observar que os receios iniciais dos membros do GTPOS em relação à avaliação pareciam ter sido superados: Pensando no projeto como um todo, na verdade, acho que o trabalho de avaliação é a grande inovação. Espero que isto possa ser incorporado per manente mente. O diálogo com os avaliadores, o desenho do perfil da avaliação desde o primeiro contato, o método de trabalho que con­ sidera completamente o tipo de intervenção proposta, e o cuidado e seriedade da equipe ao longo de todo o pro­ cesso são aspectos que eu destacaria nesta parceria. Para os formadores, a avaliação foi orientadora de sua ação: Com um petfil traçado a partir das avaliações tive mais segurança em continuar com a linha de trabalho desen­ volvida. Também compartilhar com eles o quanto as ques­ tões são semelhantes nos diversos grupos. Fiquei mais atenta, investiguei a forma que estavam utili­ zando os materiais, se estavam sendo utilizados. Confir­ mar os temas recorrentes que estavam afligindo as edu­ cadoras. Dar feedhack para elas das mudanças que pas­ saram com o tempo. Ficou claro que o trabalho de avaliação de forma cooperativa ampliou as possibilidades mesmo mantidos os limites.

COLOCANDO EM PRÁTICA

Capítulo 13

REFLEXOS DO PROJETO: ATIVIDADES REALIZADAS PELOS EDUCADORES NOS CENTROS DE EDUCAÇÃO INFANTIL Letícia de Jesus Mello Gonçalves Mary Ann Norris Castanho Rondas Rosely Aparecida Pereira

A proposta de desenvolver um projeto de orientação sexual com educadores dos Centros de Educação Infantil - CEI - da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, como já assinalado em outros capítulos, teve como objetivo, além da sua formação e capacitação para atenderem de forma adequada as demandas de curiosidade se­ xual infantil, a implementação de ações permanentes, envolvendo a comunidade escolar c familiar, integrando a temática da sexualidade no cotidiano do CEI. Não são objetivos que possam ser alcançados em curto prazo, pois se trata de construir um processo paulatino que envolve a refle­ xão sobre posturas e valores, a ampliação de conhecimentos, a valo­ rização das capacidades de ouvir e observar, a cooperação e o res­ peito à diversidade de expressões da subjetividade humana.

190 Letícia Gonçalves, Rosely Aparecida Pereira e Mary Ann Norris C. Rondas

Como etapa do processo de avaliação, foi realizado, entre abril e maio de 2004, um levantamento de atividades desenvolvidas por eles em seu ambiente de trabalho. Essa etapa de avaliação tinha como objetivo verificar em que medida as ações propostas pelo projeto es­ tavam repercutindo, mais especificamente, junto aos educadores par­ ticipantes dos CEIs. A intenção era sistematizar as informações dos vários grupos de supervisão, enriquecidas com as avaliações prove­ nientes de cada formador obtidas ao longo do projeto, então com nove meses de trabalho. A semelhança com o período de gestação de uma criança foi mera coincidência, mas oportuna. Foi então solicitado a todos os educadores que registrassem por escrito uma atividade ou experiência que considerassem positiva, desenvolvida no CEI em decorrência do projeto de orientação sexual. O relato poderia referir-se a atividades realizadas com as crianças, com colegas ou pais. A intenção não era obter uma medida quantita­ tiva, pois o preenchimento não era obrigatório. Procurou-se, sim, co­ nhecer o que mudou na prática desses educadores e do CEI, por intermédio de seus relatos e quais caminhos estavam sendo utilizados para integrar a orientação sexual na vida escolar. Os resultados desse levantamento são apresentados neste capí­ tulo. Foram agrupados segundo o objeto da atividade: como os edu­ cadores estão trabalhando a orientação sexual com as crianças, como estão multiplicando os conhecimentos e orientando os demais cole­ gas e outros profissionais dos CEIs e, finalmente, como explicam a orientação sexual aos pais. Foram selecionados alguns relatos que representam e exemplificam o trabalho dos educadores.

O trabalho com as crianças Os relatos das educadoras demonstraram que, ao contrário do que ocorria ao iniciarem o curso, começaram a observar e analisar o comportamento das crianças e a dar respostas às suas demandas e à curiosidade sexual.

REFLEXOS DO PROJETO: ATIVIDADES REALIZADAS PELOS EDUCADORES NOS... 191

Foi possível perceber que estavam apreendendo o conteúdo tra­ balhado no curso e nos encontros, utilizando as dinâmicas e orienta­ ções fornecidas, bem como os materiais de apoio distribuídos. Reco­ nheciam comportamentos e manifestações da sexualidade infantil e procuravam reagir sem preconceito e de forma consciente. Os relatos selecionados, descritos a seguir, apresentam ativida­ des desenvolvidas por educadoras, com crianças de diferentes faixas etárias.

O meu corpo e o corpo do outro Para lidar com questões de curiosidade e descoberta do próprio corpo, do corpo do colega c suas diferenças, em geral as educadoras utilizavam a Família de Pano (bonecos de pano com genitais), procu­ rando diminuir as ansiedades da classe. “Enquanto contávamos a história, usávamos os bonecos como personagens e eles ficavam envergonhados, porém não tímidos em responder ou perguntar algo; ao contrário, eles perguntaram tanto, que tivemos que mudar o planejamento da aula.” (Cleonice Gomes Borges - CEI Jardim Três Estrelas). “Nem sempre, porém, a criança está se masturbando”, dizia Maria Solene Fernandes, do CEI Parque Sabará. Ela contou que uma criança se masturbava sempre na hora de dormir. Depois de conver­ sarem com ela, chamaram a mãe, que a levou ao médico e consta­ tou-se uma infecção que foi tratada e a criança parou de se tocar. “Esta situação, que era vista como sexualidade, era um caso de in­ fecção”, comentou Maria. Quando Ida Rocha de Souza, do CEI Jardim Eliana, percebeu que duas crianças estavam se beijando, sua reação foi calma e segura: “Aqui é uma sala de aula, lugar para aprender a ler, fazer lição, ativida­ des, pintar e brincar, deixem isso para quando vocês crescerem”. Daí para frente, quando na classe se repetia esse tipo de situação, as pró­ prias crianças chamavam a atenção umas das outras.

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Atividades que envolvem a gravidez - a origem dos bebês Com a proximidade do dia das mães, Silvana Aparecida San­ tos de Paiva, do CEI Parque Novo Santo Amaro, aproveitou para trabalhar com as crianças de 3 anos a origem dos bebês. Pediu para cada criança trazer de casa fotos de sua mãe grávida e fotos suas quando bebê. Com as fotos, foram montados dois painéis. Ao olharem tantas mães e bebês nos painéis, as crian­ ças ficaram curiosas a respeito de existir tamanha diversidade de mães e começaram a perguntar: “Por que existem tantas mães diferentes”?; “Por que ele é filho dela?”; “Como era antes dele ser filho dela?”. A partir das questões das crianças, Silvana utilizou o livro “Gravidez - a magia da vida”53, para que pudessem entender a gravidez e visualizassem como foram parar na barriga de suas mães. Após esta atividade, Silvana observou que: “As crianças assimilaram melhor a relação pais e filhos, entenderam quem são e de onde vieram. A minha expectativa era de que as crian­ ças tivessem mais curiosidade, elas não perguntaram como os bebes vão parar na barriga das mães; portanto, não entrei em detalhes, pois sei que curiosidades ainda vão surgir de forma natural". Outra educadora, Aparecida Paranhos, do CEI Penha, diante da curiosidade das crianças ao verem a mãe de um dos colegas grávida, desenvolveu uma atividade utilizando a Família Colchete (família de pano com genitais). “Apresentei a Família Colchete de uma forma não fantasiosa, expliquei para eles de urna forma que eles entendessem, fazendo desenhos na lousa”.

53. LOPES, C. Gravidez - a magia da vida. Coleção Sexo e Sexualidade. Ilustrador Belli Studio. 1 ed, São Paulo, TODOLIVRO, 2001, 16 p.

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Atividades relacionadas a relações de gênero e ao respeito com os colegas Ao perceber que as meninas de uma turma estavam rindo e ca­ çoando de um menino que manifestou o desejo de brincar com bone­ ca, a educadora Lilia Aparecida Pereira Crolino, do CEI Onadyr Marcondes, reuniu as crianças em roda de conversa e discutiu com elas o assunto. Todos podem brincar juntos, as famílias são compostas por homens e mulheres e todos têm os seus direitos e de­ veres, onde o homem pode muito bem cooperar com os afazeres da casaf cuidar dos filhos e nem por isso deixa de ser homem.

Atividades relacionadas ao conhecimento do corpo Na roda de conversa no CEI Américo de Souza, uma criança perguntou à educadora Maria Angela Manara Gonzaga, se ela tinha filho e se dava o peito para ele mamar. “Neste exato momento, pude perceber que o interesse foi geral, pois o silêncio era absoluto e todos os olhares estavam voltados paia mim”. “Por que você está me perguntan­ do isso?indagou. “Porque minha mãe dá de mamai- pro meu irmãozinho". Ao que ela respondeu: “Quando meu filho era bebê, eu dei o peito para ele, mas agora ele já é grande”. Para trabalhar com estas questões, a educadora utilizou um livro onde havia animais amamentando filhotes. Desta forma, as crianças entenderam mais sobre amamentação, desenvolvendo em seguida uma brincadeira com bonecas. Maria Madalena Chagas, do CEI Enedina de Souza Carvalho, trabalhou com a Família Colchete da seguinte forma: “Na roda de conversa, com crianças de três anos, Antônio afir­ mava que era menina. Fui levantando com o grupo as diferenças no A

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vestuário de menina e menino, mas não deu muito certo, pois pela roupa fica difícil exemplificar a diferença. Então, trabalhei com a Família Colchete para que Antônio, de uma forma concreta, pudesse entender as diferenças”. Com um grupo de crianças entre 5 e 6 anos, Monalisa de Paula Ferreira, do CE1 Professor José A. R. Corrêa, utilizou outros recur­ sos paia trabalhar o aparelho genital masculino. “Com o intuito de trabalhar o desenho e o esquema corporal, desenvolvi uma atividade em um único grupão, partindo do contorno do coipo de um aluno, traçado em papel pardo e fixado na lousa. Cada aluno deveria acrescentai- detalhes ao desenho (contorno) para torná-lo similar a nós. Depois de alguns detalhes acrescidos, apare­ ceu ‘o pinto’ e a partir daí trabalhei as nomenclaturas conetas do aparelho reprodutor masculino e os apelidos."

Orientação sexual - sua multiplicação no CEI A discussão de questões relacionadas à orientação sexual entre colegas era algo que não fazia parte da realidade dos CEIs, segundo as informações da maioria dos educadores quando iniciaram sua par­ ticipação no projeto, em agosto de 2003. No entanto, acreditavam que sua introdução seria bem recebida pelos colegas, mesmo que alguns se sentissem pouco à vontade inicial­ mente. Após cerca de nove meses de trabalho conjunto com os forma­ dores do GTPOS, a orientação sexual começou a ser objeto de dis­ cussão, de troca de informações entre colegas, coordenação pedagó­ gica, direção e funcionários. Em seus relatos, percebe-se entre os educadores a importância que atribuíram à socialização das informa­ ções em sua unidade de trabalho e orientações que receberam no curso inicial e nos encontros de supervisão. Abriram espaço para expor o projeto em reuniões pedagógicas ou, individualmente, em simples conversas informais. Geralmente,

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como primeiro o, apresentavam o projeto de orientação sexual e sua importância para o desenvolvimento integral das crianças. Pro­ curavam também estimular os colegas a participarem do projeto, freqüentando os novos cursos abertos, de forma a ampliar as possibili­ dades de implementação de um trabalho de orientação sexual, abran­ gendo todos os integrantes do CEI. Alguns, de fato, foram bem suce­ didos nos seus esforços de envolvimento de outros colegas. Quando iniciei o curso de Orientação Sexual, eu tinha muitas dúvidas, Através dos encontros, fui entendendo, e muitas coisas ficaram claras. Comecei a divulgar indivi­ dualmente as orientações para as outras funcionárias que também tinham dúvidas. (Eliesita Alves da Silva, ADI54 CEI C.E.U. Cidade Dutra) Uma colega do CEI fez uma observação sobre um menino que gosta de brincar de boneca dizendo: *Esse menino, não sei não... Só gosta de boneca... \ Eu disse a ela que toda criança a por essa fase, não é porque ele gosta de brincar de boneca que ele vai ser homossexuai s (Reginalva Santos Oliveira Amaral, ADI - CEI Parque Santa Madalena).

Atividades com a equipe pedagógica Um exemplo da utilização do material recebido, para trabalhar uma situação real marcada pelo preconceito, foi o relatado pela ADI Eliesita Alves da Silva, do CEI C.E.U. Cidade Dutra. Eliesita utilizou o livro “O menino que brincava de ser", para mudar o olhar das demais educadoras do CEI em relação a um meni­ no que só queria fazer as mesmas coisas de meninas como: brincar

54, Auxiliar de Desenvolvimento infantil.

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de boneca, se pintar, colocar laços na cabeça etc. Para as colegas, o menino possuía “tendência homossexual". Após a leitura do livro e conversa, as opiniões sobre o garoto se flexibilizaram. aram a entender que faz parte do desenvolvimento infantil a possibilidade de experimentação de diferentes papéis de gênero. O participante do projeto tornou-se uma referência para os cole­ gas, que começaram a procurá-lo paia discutir e obter orientação so­ bre como lidar com situações que envolviam a sexualidade infantil. Um exemplo disso aconteceu com a ADI Telma Rodrigues de Oliveira, do CEI Jardim Luso. Contou que uma colega de trabalho a procurou para conversar sobre uma criança que não tinha muito interesse em partici­ par das atividades dirigidas. Quase sempre, quando a educadora ofere­ cia algum tipo de atividade, a criança não mostrava nenhum interesse e sempre estava com a mão na região genital. A colega, preocupada, perguntou o que ela faria e se podería lhe dar algum tipo de oríentação. Telma mostrou uma matéria da Revista da Folha de S. Paulo55, que tratava de assuntos sobre a masturbação e outros relacionados a mani­ festações da sexualidade infantil. Discutiram a respeito da situação e Telma orientou a colega para que conversasse com calma com a crian­ ça, tentando descobrir o porquê do seu desinteresse. O aproveitamento do espaço de reunião pedagógica, para envol­ ver os colegas e sensibilizá-los paia a importância da orientação se­ xual. foi utilizado de diferentes formas pelos educadores. Silvia Campos Salomão, do CEI Parque Alto do Rio Bonito, achou importante começar a envolver os colegas logo após o curso inicial: ... queríamos, através das informações que amos, tentar mudar o olhar de algumas educadoras quanto à sexualida­ de. Como aconteciam algumas situações entre as crianças e as educadoras, (estas) às vezes, ficavam tão assustadas que não conseguiam lidar com a situação; senti que o o a algumas informações poderia derrubar alguns tabus. 55. MACEDO, L. Quando a sexualidade engatinha. In: Revisto da Folha. 1 de setembro, 2003, n. 586, pp. 6-11.

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Assim, junto com outra colega que participou do curso, aprovei­ taram a parada pedagógica^6 para socializar as informações e orien­ tações que receberam durante o curso para todos os membros do CEI. Começamos com a dinâmica de confeccionar com massinha um corpo humano; depois explicamos o porquê da dinâ­ mica e lemos textos distribuídos no curso (Conceito da Organização Mundial de Saúde56 57, Orientação Sexual na Escola, Definição de Educação Sexual e orientação Se­ xual, Objetivos do Projeto de Orientação Sexual nos CEIs)58, destacando a definição de sexualidade e a dife­ rença entre Educação Sexual e Orientação Sexuai Como fechamento da atividade, pedimos que escrevessem a de­ finição que cada um tinha de sexualidade antes e se o que amos fez mudar algo. Para as educadoras, o resultado foi bom entre as ADIs: “estão mudando seu olhar em relação às crianças e à sexual idade”. Outra educadora, Vera Lucia Silva de Lima, do CEI Vereador José Molina Junior, também na parada pedagógica, desenvolveu ou­ tra estratégia paia envolver os colegas. Utilizou a dinâmica dos “Três Adjetivos” e logo após solicitou que cada participante escrevesse, sem necessidade de se identificai', qual a questão que gostaria de

56. Reunião periódica, da qual participam todos os profissionais, educadores e operacionais do CEI para discutir questões que afetam o trabalho na unidade. 57. “A sexualidade forma parte integral da personalidade de cada um. E uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado dos outros aspectos da vida. Sexualidade não é sinônimo de coito e não se limita à presença ou não do orgasmo. Sexualidade é muito mais do que isso; é a energia que motiva a encontrar o amor, o contato e a intimidade e se expressa na forma de sentir, na forma de as pessoas tocarem e serem tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e tanto a saúde física como a mental. Se a saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser considerada como um direito humano básico." (Organização Mundial da Saúde - OMS, 1975). 58. Ver capítulo 9,

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discutir e aprofundar, relacionada à sexualidade* “Recolhi os papéis com as questões e propus que no próximo encontro discutiríamos a masturbação, o tema que teve mais pedido." A educadora Andréa de Oliveira Mendes e uma colega do CEI Parque Novo Santo Amaro, em reunião pedagógica, procuraram es­ clarecer 36 colegas sobre alguns temas trabalhados no projeto e que, segundo suas observações, eram pouco conhecidos. Esta atividade foi realizada para transmissão dos conhe­ cimentos adquiridos no curso. Já havíamos percebido que algumas colegas não sabiam a diferença entre sexualida­ de e relação sexual, assim como não tinham conhecimen­ to de que algumas atitudes poderiam causar algum tipo de trauma nas crianças (uso indevido do penico■ retirada brusca da chupeta; repreensão das crianças por coloca­ rem a mão em seus órgãos genitais etc.) Com esta ativida­ de, pretendíamos que todas refletissem sobre as suas ati­ tudes profissionais, além de aguçar sua curiosidade so­ bre o tema abordado. Conseguimos um tempo de trinta minutos durante a Reu­ nião Pedagógica. Neste curto espaço de tempo, organiza­ mos uma palestra de introdução sobre o curso de Orienta­ ção Sexual, enfatizamos a diferença entre sexualidade e relação sexual apresentamos todo o material que foi en­ tregue ao CEI. Abordamos alguns temas específicos como o uso do penico, a retirada brusca da chupeta, o uso de luvas descartáveis, as fases (oral, anal, fálica e de latência). Apresentamos toda a coleção de livros, vídeos, família de bonecos. Os resultados foram positivos em relação ao uso indevido do penico e à retirada brusca da chupeta; percebemos

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que os modos de higiene foram mudados diante das in­ formações obtidas, priorizando então o sentimento da criança. O uso de luvas foi introduzido definitivamente dentro do CEI por meio da diretora e aceito de modo fa­ vorável pelos educadores. A maioria das educadoras mostrou-se interessada pelo tema.

Envolvimento do coordenador pedagógico: melhores condições de implementação da orientação sexual de forma integrada A figura do Coordenador Pedagógico era recente nos CEIs por ocasião do projeto. Sua introdução tinha corno objetivo reforçar a função educativa que essas unidades aram a desempenhar a partir da Lei de Diretrizes e Bases de 1996. Assim, ao participar do projeto de orientação sexual, ofereceriam melhores condições de apoiai* o trabalho dos educadores, respaldando suas iniciativas e, principalmente, possibilitariam a disseminação da proposta para os demais educado­ res de forma institucionalizada, integrada e coerente com o projeto pedagógico do CEI. O relato de Maísa Silva, coordenadora pedagógica do CEI Jar­ dim Ruth, é um exemplo da importância do trabalho desse prof issio­ nal. A coordenadora promoveu uma reunião com todas as educado­ ras do CEI, participantes e não participantes do projeto. Foi mostrado a todos o material referente ao curso e como podemos trabalhá-lo em sala. Uma educadora disse que já usou dois livros recebidos (De onde viemos e Mamãe botou um ovo) e que as crianças gostaram do trabalho desenvolvido. O grupo questionou se trabalhávamos o assunto mesmo quando não havia curiosidade por parte das crianças. Mostramos que não, mas que através do tema gerador do nosso CEI, que no momento é IDENTI-

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DADE, trabalharíamos as diferenças entre meninos e me­ ninas e questões de gênero, que o material e o vídeo seri­ am utilizados para melhor trabalhar o tema. Os livros so­ bre as diferentes idades foram solicitados por várias edu­ cadoras que os levaram para casa para lê-los. O materi­ al foi considerado ótimo e foi manuseado por todos. Ao final foi lido o informativo n. 03 - Março/2004, Projeto de Orientação Sexual nas Escolas da Rede Municipal de São Paulo. A coordenadora pedagógica Sonia Regina Nunes, do CEI Par­ que Fernanda, aproveitou a parada pedagógica para começar a in­ cluir a orientação sexual no CEI. Segundo afirmou, “aproveitamos a ocasião porque todos os funcionários estavam presentes e como so­ mos todos educadores, quisemos unir o útil ao agradável". Pediu para duas educadoras, Maria Rosa M. Capellotto e Luciana Daniela I. Santos, que freqüentavam o curso, falarem a respeito. Contou que iniciaram com a Dinâmica dos Três Adjetivos, “com o intuito de que percebessem que, muitas vezes, nos equivocamos pensando que se­ xualidade somente se refere aos órgãos genitais, ao sexo". Conti­ nuou seu relato com a exposição das educadoras que destacaram: “que a sexualidade diz respeito a tudo que dá prazer ao ser humano, que ela nasce com a criança e a curiosidade é natural e necessita ser satisfeita. Que a criança quer conhecer seu corpo assim como todas as outras coisas; por esse motivo, a orientação sexual deve fazer parte do Plano Político Pedagógico da Escola'1. Esclareceram que “a Educação Sexual acontece dentro de casa e a escola oferece a orienta­ ção sexual. A postura de carinho, de aconchego, o tom de voz, são importantes para que a criança se aproxime e coloque suas dúvidas. Deve-se trabalhar com a questão do toque, respeito ao corpo, para construir o cuidado consigo mesma e a noção de que somente a criança pode se tocar a não ser paia higiene, ou o médico para exa­ me, desde pequena. Incutir a idéia de amor, afetividade, envolvimento, respeito, intimidade para que ela não tenha visão distorcida do sexo.

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O professor tem que ser uma pessoa de confiança para não perder a credibilidade das crianças”. Enfatizaram também que “a curiosidade sexual satisfeita implica em desenvolvimento saudável e, conseqüentemente, em aprendizagem satisfatória. Foi mostrado à equipe as duas famílias de pano e os livros recebidos, cujo acervo estará à disposi­ ção de todos os interessados. Assistiram ao vídeo A origem dos be­ bês, segundo Kiki Cavalcanti, com breves comentários”. No CEI Professor Durval Miola, a coordenadora pedagógica Cleonice de Castro Lira Matiussi conduziu um trabalho com as edu­ cadoras de outra forma. Primeiro, pediu que elas observassem bem o comportamento das crianças, no que se refere às manifestações da sexualidade infantil. A partir dessas observações, muitos casos foram apresentados gerando uma reunião pedagógica específica para se discutir sexualidade infantil. Na reunião utilizou dinâmicas aprendidas no curso e materiais distribuídos aos CEIs.

Primeiramente, li o texto Os sons da Floresta (ver texto em DICAS) e fiz a dinâmica dos carinhos quentes. Disse a todas que iríamos receber um visitante que foi o Bob Es­ ponja, todas deveriam saudá-lo com um carinho; depois o mesmo carinho dispensado a ele deveria ser retribuído para as colegas da direita e da esquerda do círculo. Foi um aquecimento muito bom em que aproveitei para falar sobre a sexualidade. O diretor também contribuiu muito nesse momento, pois, sendo psicólogo, abordou de forma mais contundente a questão, citando o psicanalista Freud e as fases do desenvolvimento da criança. Li o texto Crian­ ças não têm que beijar na boca, da Rosely Sayão (Folha, 6/ 11/2003),para abrirmos a discussão e levantamentos dos casos vivenciados no dia-a-dia. Logo em seguida, entre­ guei um texto das definições de Educação Sexual e Ori­ entação Sexual que recebemos e ei para elas de for­ ma sintetizada e isso serviu de e para responder­ mos ao questionário (Cone o rdo - Discordo) que recebemos

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na supervisão, mas, devido ao tempo, tive que reduzi-lo e trabalhar apenas com as questões que achei mais polêmi­ cas. ei para elas as fitas de vídeo Kiki e Alegria da vida - apenas os dois primeiros episódios - Os meninos e as meninas. Os filmes serviram de parâmetro para discus­ são e direcionamento para o trabalho com as crianças. A coordenadora estava receosa ao enfrentar pessoas que consi­ derava um pouco resistentes, mas ficou surpresa, pois “todas perce­ beram a importância do tema e combinaram de continuar em outra reunião". Avaliou a reunião como sendo muito proveitosa e positiva, sentindo que as educadoras “saíram mais tranquilas para encarar o assunto, que não é um bicho de sete cabeças e que esse e teórico sempre vem a acrescentar”.

Sexualidade infantil - como explicar aos pais? Ao iniciarem o projeto de orientação sexual, a maior parte dos educadores dos CEIs não sabia responder qual seria a reação dos pais das crianças ao serem informados do desenvolvimento de um trabalho sobre essa temática no local onde seus filhos permaneciam grande parte do dia. Alguns até achavam que essa reação seria negativa. Entre os educadores que relataram atividades realizadas com os pais, foi possível perceber maior segurança nesse relacionamento e o propósito de esclarecer os pais sobre questões e situações que envol­ vem a sexualidade infantil. De forma pontual, atendendo individualmente a mãe ou o pai, ou organizada por intermédio de reuniões, observou-se a conscientização da importância do trabalho conjunto entre escola e família no sentido de propiciar o desenvolvimento saudável das crianças. O esclarecimento de pais assustados com comportamentos de seus filhos, que consistem em manifestações da sexualidade infantil

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ou brincadeiras normais nessa fase da vida, mas que são olhadas com preconceito pelos adultos, foi realizado pelos educadores de uma forma natural e imediata.

Uma mãe chegou reclamando que o seu filho tinha brin­ cado de boneca e não era para eu deixar, porque ele era homem e homem não brinca de boneca. Expliquei que era normal o seu filho brincar com boneca e que o fato dele brincar com boneca não queria dizer que ele estava dei­ xando de ser homem. Ela pediu desculpas e disse que não tinha visto dessa maneira. (Maria Helena Alves Barbosa - CEI Jardim São Jorge Arpoador) Uma mãe me procurou nervosa e disse que a sua filha estava tendo um comportamento que ela não aprovava, pois a criança tirava a roupa na hora de dormir e ficava se masturbando como um menino. Ela estava meio des­ controlada. A partir do curso de orientação pude con­ versar com ela e até acalmá-la. Depois de uma longa con­ versa ela se acalmou e viu que a coisa não era como ela estava pensando. (Ana Lúcia Pereira Neves - CEI Ivonny Maluly Joseph Sabga) Uma mãe veio ao CEI reclamando que um menino tinha mexido na vagina de sua filha. Ela estava muito nervosa e foi falando brava com o menino. Nesse momento eu interferi, dizendo que não poderia falar daquele jeito com uma criança de quatro anos. Tirei a criança da sala e falei com ela que aquilo que tinha acontecido era coisa de criança, que não tinha nada a ver com sexo. Que uma criança não tem a mesma visão de sexualidade de um adulto. Após uns minutos de conversa ela se acalmou. Algumas pessoas acham que a criança age com intenção sexual, outras acham que a criança age naturalmente

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movida por curiosidade. (Maria de Lourdes Ferreira de Carvalho - CEI Roberto Arantes Lanhoso) Outra forma apontada de iniciar o envolvimento dos pais foi a realização de reunião informativa sobre a participação de educado­ res do CEI no projeto e o objetivo de que, com sua formação, a orientação sexual começaria a fazer parte das atividades da unida­ de. Na reunião também se iniciaria um trabalho de esclarecimento e orientação sobre questões da sexualidade, de uma forma geral. Procurou-se sensibilizar os pais com temas e conteúdos que nor­ malmente apresentavam dificuldade para lidar com seus filhos* Para tanto, buscou-se despertar seu interesse a partir da utilização de vídeos e dos materiais distribuídos pelo projeto seguidos de discus­ são aberta sobre seus receios e necessidades de maiores informa­ ções. Embora receosos inicialmente com as possíveis reações dos pais, os educadores acabaram percebendo uma receptividade posi­ tiva, a aprovação à iniciativa do CEI e o desejo dos pais em continu­ ar a participai* do processo.

Planejei com minha diretora uma palestra sobre orien­ tação sexual que recebi no curso. Para que os pais mostrassem interesse fizemos um convite para um chá da tarde, acompanhado de uma orientação sexual. Fiz vários cartazes falando sobre o assunto, dando ênfase às informações mais importantes* Com a ajuda dos car­ tazes fui falando do assunto e em seguida ei o vídeo Alegria da Vida. Os pais estavam questionando alguns comportamentos dos filhos em relação ã sexualidade. No começo eu fiquei meio sem jeito em falar no assun­ to para homens e mulheres. Não sabia no que ia dar; se eles iriam entender Mas o resultado foi muito satisfatório. Eles resistiram no começo. Somente depois de questionarem muito é que entenderam e aceitaram que a sexualidade existe desde o nascimento. Eles gos-

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taram tanto da atividade que pediram que fosse feita mais vezes. (Maria Cristina Cipriano Ribeiro - CEI Parque Grajaú) No dia da família, a direção e a ADÍ que está fazendo o curso prepararam uma dinâmica para realizar com os pais. Forramos a sala com colchonetes para as pessoas senta­ rem, colocamos um CD com cantigas de ninar. Lemos uma história infantil ligada ao tema. O objetivo do trabalho era falar do curso de orientação sexual do qual o CEI está participando. Apresentamos dois episódios do vídeo, Alegria da Vida, e em seguida foram apresentados os ma­ teriais que recebemos e lido o livro Mamãe botou um ovo. Tínhamos receio se as mães aceitariam os assuntos sobre sexualidade das crianças, Nesta atividade, porém, ganha­ mos aliados. As famílias acharam interessante. A direção disse que os educadores iriam orientar de acordo com a curiosidade das crianças, não usariam artifícios duvido­ sos e que os pais, também em casa, deveriam ser claros nas respostas. Os pais gostaram dos temas discutidos, das dinâmicas e acharam interessantes os bonecos com os genitais. Na reunião de pais falei sobre o curso que estávamos fa­ zendo, que era muito bom e que gostaria que eles permi­ tissem fazer este trabalho com seus filhos. Procurei expli­ car tudo que já havia aprendido. Em seguida fiz uma per­ gunta — se eles sabiam a diferença entre sexo e sexualida­ de. Um pai falou: — O sexo é a prática, mas sexualidade eu não lembro \ Uma mãe falou: * - E a descoberta do corpo\ Eu confirmei Eles falaram que por mais que o pai seja instruído, nunca está preparado para responder certas perguntas. Disseram não ter nada contra o traba­ lho com as crianças. Senti que ei segurança para os /

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pais quando disse que orientaria apenas o necessário. (Francisco Vítor da Silva - CEI Jardim São Luiz I) Além de apresentar aos pais a intenção de iniciar um trabalho de orientação sexual com as crianças, outro objetivo que motivou a rea­ lização de algumas reuniões com os familiares foi o de orientá-los sobre as doenças sexual mente transmissíveis e como preveni-las.

Foi feita uma palestra para os pais sobre orientação se­ xual e prevenção das DST/Aids. Usamos materiais infor­ mativos, vídeo e entregamos preservativos. Não tinha idéia do resultadoT mas foi bom e as pessoas se interessaram pelo tema. Houve participação e surgiram muitas pergun­ tas e dúvidas. (Maria da Conceição Carvalho - CEI Bar­ ro Branco II B) X.

A medida que os educadores começaram a observar as mani­ festações da sexualidade nas crianças e a responder às suas curiosi­ dades, os pais, por intermédio de seus filhos, aram a questionar essas orientações junto ao CEh propiciando a realização de encon­ tros para esclarecimento e troca de informações.

Começamos a conversar com as crianças sobre o que as deixava curiosas e ficamos sabendo que a curiosidade delas era saber como os bebês entravam na barriga e como saíam. Então eu pesquisei e achei viável usar o livro Mamãe botou um ovo. Só que os pais começaram a questionar sobre o que tínhamos conversado com os seus filhos. Por este motivo foi feita uma reunião com os pais; quando mostramos o livro utilizado. Graças a Deus foi gratificante. (Sônia Regina de Godoy - CEI C.E.U. Curuçâ)

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Valorização do projeto de orientação sexual Não foram todos os educadores participantes que relataram al­ guma atividade. Alguns integravam o projeto há pouco tempo; outros alegaram resistências no CEI onde trabalhavam, ou até mesmo difi­ culdade de o aos materiais específicos do projeto, embora en­ tregues a todos os CEls participantes do projeto. Reconheciam, no entanto, a importância do projeto em suas vidas pessoal e profissio­ nal, percebendo, principalmente, mudanças em sua postura e nos seus valores diante das questões da sexualidade. Sentiam-se mais segu­ ros, confiantes, compreendendo melhor determinadas atitudes e com­ portamentos das crianças:

No meu caso já aconteceu de eu ver crianças se tocando ou abraçadas rolando pelo chão, e procurei ver e agir com naturalidade, sem assustá-los. Aprendi a olhar as situações com diferentes ângulos. O curso veio reforçar e dar mais segurança para orientar tanto pais quanto colegas e crianças. Está ficando bem claro que a maioria das vezes são OS adultos que levam alguma atitude de curiosidade da criança à malícia. Para mim o curso mudou muito o meu modo de pensar e agir, até os preconceitos que eu tinha. Se acaso surgir alguma situação, saberei ou pelo menos tentarei entender e resolver, na medida do possível. Por outro lado, após nove meses de trabalho, as atividades aqui apresentadas evidenciam principalmente a mudança de postura dos educadores e a ampliação de seu olhar para o desenvolvimento glo­ bal das crianças e suas manifestações, bem como da sexualidade infantil. E possível perceber a melhoria da capacidade de observação

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e de reflexão sendo utilizadas para uma melhor condição de interven­ ção em seu trabalho cotidiano. Os relatos revelaram ainda um esforço no sentido de disseminar os conhecimentos e orientações adquiridas junto aos colegas e no envolvimento dos pais, buscando-se, embora com dificuldade, a integração da orientação sexual na vida do CE1.

Materiais didáticos Os materiais didáticos distribuídos pelo projeto aos CEIs foram importantes aliados nessa tarefa. Além de auxiliarem e apoiarem o trabalho de multiplicação entre as educadoras, os materiais destaca­ ram-se por tornarem mais fácil c simples lidar com temas da sexua­ lidade junto às crianças. Entre os materiais e dinâmicas utilizadas, destacavam-se: Vídeos: A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcante; Alegria da vida; Menino preto que ficou branco. Bonecos: Família Colchete; família de pano; casal de bo­ necos com genitais. Massinha de modelar paia fazer a figura humana e traba­ lhar aspectos da sexualidade. Dinâmicas de grupo como: Os Três Adjetivos; Dinâmica dos Bombons; A Linha do Tempo (paia levantar as carac­ terísticas de cada fase do desenvolvimento); O Anel (em DICAS você encontrará a descrição destas dinâmicas). Textos: Sexualidade infantil (Francisca Vieitas Vergueiro); Caderno temático59, Questionário sobre se-

59. Autores diversos. Caderno temático de formação 1 - Leitura de mundo, letramento e alfabetização: diversidade cultural, etnia, gênero e sexualidade. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica - n. 1, São Paulo, SME/ATP/DOT, 2003.

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xualidade infantil (Concordo-Discordo); artigo da Revista Folha de 5. Paulo60.

Livros: ABRAPIA. Abuso Sexual - mitos e realidade. Rio de Janeiro, Autores e Agentes Associados, 2002. _ COLE, B. Mamãe botou um ovo.São Paulo, Alica, 1996. MARTINS, G. C. O menino que brincava cie ser. São Paulo, DCL, 2000. MAYLE, P.; ROBINS, A.; WALTER, P. De onde vie­ /

mos: explicando às crianças fatos da vida, sem absur­ dos. São Paulo, Nobel, 1985. RIBEIRO, M. Menino brinca de boneca? Conversan­ do sobre o que é ser menino e menina. Rio de Janeiro, Salamandra, 1991. HOLDITHC, L. Compreendendo seu filho de 5 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 80 p. M1LLER, L. Compreendendo seu bebê. Coleção Clíni­ ca Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 84 p. MILLER, L. Compreendendo seu filho de 4 anos. Cole­ ção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 92 p. REID, S. Compreendendo seu filho de 2 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 104p. STEINER, D. Compreendendo seu filho de 1 ano. Cole­ ção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 92 p. STEINER, D. Compreendendo seu filho de 6 anos. Co­ leção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1993, 84 p. TROWELL, J. Compreendendo seu filho de 3 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 80 p.

60, MACEDO, L. op, cit.

Capítulo 14

RELATO DE DUAS EXPERIENCIAS DE SUPERVISÃO Rosely Aparecido Pereira Maria Cri st itia Domingues Pinto

Dinâmica com a Família de Pano realizada por Rosely Aparecida Pereira Esta atividade61 foi realizada na supervisão com um grupo de educadoras da Coordenadoria da Casa Verde, Freguesia do O, Lapa, Brasilândia e Sé. O grupo de educadoras, que na maioria trabalha com crianças na faixa etária de dois a cinco anos, estava interessado em trabalhar o tema Família, pois desenvolveriam o tema “Identidade" dentro de seu Planejamento Pedagógico. Também já haviam trazido observa­ ções de que nessa faixa etária as crianças têm curiosidade sobre sua origem e gostariam de usar o material da família de pano para desen­ volver tal tema. Portanto, pretendiam trabalhar com a orientação se­ xual no contexto pedagógico, fazendo uma intervenção educativa e preventiva. 61. Dinâmica elaborada por Francisca Vieitas Vergueiro com educadoras da Coordenadoria de Pirituba.

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Rosely Aparecida Pereira e Maria Cristina Domingues Pinto

Pedi, então, que todas trouxessem as famílias de pano que esta­ vam em seus CEIs (a família branca e a negra e os bonecos gran­ des). E eu traria textos de apoio para discussão. Logo no início da supervisão, fizemos uma roda e coloquei algu­ mas mesas no centro e ficamos todas em volta. Pedi que colocassem seus bonecos misturados no centro da mesa. Em seguida solicitei que cada uma dissesse o seu próprio nome e contasse uma história que soubesse a respeito dele ou de como foi sua escolha. Ouvimos vários tipos de histórias: alegres, tristes, engra­ çadas, outras não foram lembradas e outras ignoradas. Uma conta que o nome era em homenagem a avó, outra porque era o nome de alguém famoso na época, outra veio a saber que era o nome da exnamorada do pai, outra que era o nome de santa, outra de uma tia que morreu, outra continha a mesma inicial de todos os outros irmãos e tantas outras histórias interessantes, intrigantes, curiosas, surgiram. Distribui várias folhas de sulfite sobre a mesa. Pedi que for­ massem famílias das mais variadas composições que conhecessem, deixando cada família sobre uma folha de sulfite. Estávamos em sete participantes e formaram-se 12 tipos de famílias: mãe, pai, filhos; mãe com filhos de dois casamentos; homossexual com filhos; avó, tios, mãe, filho; pai com filhos; mãe com filha etc. Verifiquei se todas as educadoras presentes estavam com suas famílias ali representadas. Se não estivessem deveriam colocar. Pedi que observassem e falassem sobre o que achavam que caracte­ rizava uma família. Fui questionando o conceito de família, o “ideal" que temos em nossa mente, e apontei que atualmente há uma grande diversi­ dade de constituições familiares, como podíamos ver ali representado. Levantaram então a questão dos valores, preconceitos, a questão de quem cuida, morar num mesmo local, ter provedor financeiro, liga­ ção biológica e/ou afetiva, respeito, união, compromisso, responsabili­ dade. E ia questionando-as: Mas se é família, quem mora em um rncsmo local, então quem mora em república é uma família? Elas: “E, quer dizer não é"; e aí refletiam sobre os laços afetivos que às vezes são mais fortes do que os consanguíneos, mas não seriam os consangiiíne/

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os que demarcariam uma família? Foi interessante o caminho de per­ guntas e respostas que surgiram e que levaram a semelhanças entre as famílias e as diferenças. Em cada momento que formavam uma idéia clara do que seria uma ”família de verdade”, logo vinha um argumen­ to, uma pergunta, uma situação que as desiludia de ter encontrado a resposta correta. Começaram a esbarrar em terrenos delicados onde encontramos tabus, preconceitos, cultura, valores, enfim descobriram que havia uma variedade enorme tanto de famílias quanto de sua cons­ tituição, sua composição, seu funcionamento, sua função etc. Para contribuir com a discussão, lemos um texto sobre família e valores. Elas levantaram os pontos principais e viram que muitas coi­ sas já tínhamos conversado só observando as famílias. Acrescenta­ ram com a observação de como as crianças mostram na creche seus problemas e angústias. Todas as educadoras participaram ativamente e foram percebendo que um aspecto c o referencial de família que elas têm e outro é como vão trabalhar com a criança que tem outros referenciais. Constataram seus preconceitos e a dificuldade de trabalhar consigo mesmas. Questionaram também como dar conta de tudo isso tendo um número grande de alunos por classe e ainda com a questão da inclusão, pois recebem crianças com dificuldades ou problemas emocionais. Então, ficou clara a necessidade de se prepararem para lidar com a diversidade e a especificidade de cada uma das possíveis concepções de famílias de seus alunos.

Uma experiência criativa realizada por Maria Cristina Domingues Pinto Quem dentre nós estará a altura da criatividade de seus sonhos? Joyce McDougall Penso que, com esta lúcida indagação, McDougall se refere aos “sonhos” de vigília, aquele “sonhar” acordado, consciente-inconscien-

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temente, que caminha na direção da realização de nossos desejos de forma criativa. Algo que sempre chamou minha atenção em relação à criatividade, à inspiração (tais como os “sonhos”) é que ela chega não se sabe de onde, nem bem como chegou e por vezes irrompe inesperadamente em nossa fala. Traduz-se em palavras. Não há uma compreensão intelectual do que é criado, “sonhado" num primeiro momento. Parece surgir de uma intuição certeira, mas fugaz, de um saber não pensado e na tentativa de capturá-lo, pensá-lo, se esvai como um sonho. Faço essa introdução para relatar o que foi mais significativo na minha experiência com grupos de Escolas Municipais de Educação Infantil (EME1). Uma experiência verdadeiramente criativa, compartilhada. Nos contatos iniciais com as professoras, havia um clima entre apreensão e muita animação. Afinal estávamos todas ali reunidas para uma tarefa estimulante: trabalhar sexualidade com crianças pe­ quenas. Era um desafio! Para mim era o primeiro grupo de supervi­ são pedagógica em sexualidade infantil. Para as professoras, coinci­ dentemente, se dava o mesmo. Apenas em direção inversa. Eu como supervisora, elas como supervisionandas. Aos poucos, sem que percebêssemos claramente, o clima inicial foi sendo substituído por um certo desconforto. Eu, em alguns mo­ mentos, me sentia livre, criativa. Em outros, e esses predominavam, como se não estivesse cumprindo minha função de “ensinar” metodologia, discutir preconceitos, valores... Repentinamente, às vezes, surgia em minha mente o ditado chi­ nês que diz: "O que se ensina não se aprende". Nesses momentos, conseguia resgatar involuntariamente, provavelmente para me acal­ mar, que o saber intuitivo da ciência, como todo processo criativo, brota da mesma fonte consciente/inconsciente e só num segundo momento é elaborado e recebe um tratamento metodológico e teóri­ co... Coisas assim surgiam e sumiam. Perguntava-me o que estaria acontecendo comigo.

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Comecei a vislumbrai- que estava angustiada diante desta nova situação, diante de não saber como seria este sonho! Esta viagem! E, então, precisava preencher nosso espaço com conceitos, dinâmicas, coisas conhecidas e quando não fazia me sentia em falta. Ao me dar conta de meus sentimentos, pude perceber emocio­ nalmente o que já sabia racionalmente. Para o ato do encontro, ape­ nas, o encontro. Teorias, técnicas, ficariam de fora até que, num momento oportuno, captado pela intuição e pelo conhecimento com­ partilhado e construído pelo grupo, pudesse surgir, como criado por nós. Nessa ocasião percebia nas professoras desconforto semelhan­ te ao meu. Apesar do curso inicial, agora era o momento de “pôr a mão na massa”, “massa" de alunos, de pais “furiosos”, de colegas ressabiados, paia dizer o mínimo. Frente a tais fantasias, a angústia gerada era enorme e toda sorte de escapismos surgiam: “Eu não sabia que haveria supervisão... vamos ter que dedicar mais tempo?”. Projetos prontos, extensivos a pais e/ou a escola. Persistência em desfocai- o objetivo do trabalho com crianças, para professores e pais, como se antes de mais nada precisassem torná-los “cúmplices”. Tratei então de entender e traduzir essas resistências em “miú­ dos”, aclarando-as e acolhendo-as como fizera com as minhas pró­ prias, para que fossem usadas a nosso favor. Afinal, certa dose de angústia nos impulsiona a pensar, a criar. Daí em diante, quando alguém saía do “prumo”, podíamos ludicamente reconduzi-lo ao caminho pretendido, porém (pela angús­ tia) desviado. Em outras ocasiões, eu sugeria que a melhor propaganda do tra­ balho de sexualidade infantil, junto aos pais e professores, era o me­ lhor trabalho que pudessem fazer com seus alunos, mantendo o foco sempre neles. Assim, pelo êxito, aos poucos iriam “contaminar” no­ vos parceiros e não opositores. ado o período inicial, de estranhamento e reconhecimento do terreno, quando sentimos que ali a lena poderia ser fértil, um espaço de confiança, companheirismo e cumplicidade se instalou.

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“Nos demos as mãos” no sentido de que com habilidades {escuta afinada, olhar perspicaz para o novo...) e estratégias de interven­ ção (técnicas de dinâmica de grupo e de contar histórias, discus­ sões de vídeos, leituras de livros...) “subverteríamos" a ordem das coisas. A semelhança de um jogo, as regras se estabeleciam. Onde houvesse repressão, supressão de idéias, haveria sexualidade. Trans­ formada em acolhimento, simbolizada em palavras, diria o até aqui proibido. Onde não houvesse compreensão, haveria observação, tolerân­ cia com nossa própria ignorância (aquela que tivemos com nossa angústia) até que com maior clareza pudéssemos intervir.

Hoje, coloquei para o grupo em horário de GEI {Grupo de Educação Infantil) que estou trabalhando com a clas­ se o tema questão de gênero e mostrei a eles os desenhos que meus alunos fizeram depois da leitura e reflexão dos livrinhos de sexo e sexualidade (uma coleção). Uma aluna de 5 anos ou a tarde com a professora eventual. Ela me disse que ficou muito constrangida ao ver como a criança se masturbou, muito. Perguntei como foi. Ela disse que ela ficou balançando o corpo na cadei­ ra o tempo todo. Na minha observação nunca percebi nada. Podia ser pela minha ausência, essa menina é mui­ to apegada a mim. Vou continuar observando... Percebia que com essa atmosfera fértil, de continência e jogo, eu como parte integrante da mesma, era estimulada e estimulava, ou mesmo despertava a criatividade de minhas supervisionandas, no modo em que narravam suas conclusões ou “insights". Estávamos penetrando e nos deixando penetrar por indagações, experimentações, novas formulações paia antigas situações, tanto nossas como dos colegas. Seguíamos atentas contra a simplificação reducionista de sexualidade a sexo, contra tabus, preconceitos,

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dissociações entre teoria e técnica (meu medo inicial), entre mente e corpo, enfim contra toda forma de cegueira. Percebia que, mais que uma epistemologia, se produzia ali en­ tre nós uma ética de liberdade, transformando conhecimento cientí­ fico, metodológico colorido pela pedagogia, pela psicanálise, pela psicologia, em conhecimento popular ível a todos que dele qui­ sessem participar. Fazíamos desta forma um congraçamento legíti­ mo entre técnica e cultura por meio do brincar, criar participativo e compartilhado. Era para mim extremamente prazeroso estar usufruindo e apren­ dendo na companhia de minhas “alunas”. E penso que com elas ocorria o mesmo, pois via seus trabalhos frutificarem por meio de ações com­ plexas e, ao mesmo tempo, sutis, em que muita criatividade e engenhosidade afetiva e mental eram necessárias. Winnicott (1975)62, dizia que o brincar é excitante em si mesmo, não porque envolve instintos, porém, pela magia que contém e pela intensidade das relações afetivas com quem se brinca. O brincar ver­ dadeiro é terapêutico porque é criativo em si mesmo. Assim eu sen­ tia! Através dele se experimenta e se controla a realidade, se distin­ gue entre eu e o outro (“comigo não observei nada, mas vou continu­ ar observando”) enfim, desenvolve a capacidade de “pensar afetivamente, levando em conta o outro. E também por meio dessa liberdade para o brincar compartilhado e verdadeiro que se desenvol­ ve a capacidade para uma espontaneidade genuína". E digo eu, para a singularidade e subjetividade de cada um. Vejam se não tenho razão: *

Com a chegada da primavera, estava no planejamento o plantio de feijão. Plantamos em pequenos copos plásti­ cos com algodão. As crianças adoravam a atividade e se empenharam nos cuidados com o vegetal. Todo dia regá­ vamos e deixávamos ao sol.

62. WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1975,

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Fizemos atividades em várias áreas curriculares, como ciên­ cias naturais (crescimento dos vegetais), matemática (seqüência lógica), linguagem escrita e oral (conto de João e o pé de feijão, texto coletivo instracional Como plantar feijão). ados quinze dias; as piantinhas estavam gran­ des e as crianças levaram para casa. Foi então que eu trouxe o livro Mamãe botou um ovo6i, para conhecermos como nascem os bebês, já que já sabía­ mos como nasciam as plantas. As crianças participaram ativa mente da história, fazendo perguntas e comentando gravuras. Algumas crianças olhavam sem demonstrar muito interesse. Conversamos sobre os espermatozóides (sementes dos papais) e óvulos (sementes das mamães), onde ficam, quando se encontram, o que acontece. Em uma atividade do caderno de alfabeto, chegamos a letra J> e propus a pintura de um molde vazado de jacaré\ e depois a elaboração de uma lista de palavras com J. Propus a leitura do livro Como nasce o jacaré64, e as cri­ anças participaram, fazendo comparações e relacionan­ do conhecimentos adquiridos. Então, as crianças quise­ ram saber como nascem outros animais. Trouxe o livro Como nasce o cavalo-marinho65, dizendo às crianças que havia uma surpresa no livro. Descobrimos que é o cava­ lo-marinho macho que guarda os filhotes até nascerem, em uma bolsa que possui na barriga. As crianças usaram seus conhecimentos e quebraram antigos padrões; pois agora descobriam que não apenas as mamães podem ge­ rar os filhotes. Comparamos com os outros animais que conhecíamos, e conversamos bastante sobre as novas *

63. COLE, B. Mamãe botou um ovo. São Paulo, Atíea, 1996. 64. BRATDO, E. Como nasce o jacaré, ilustrações M. e M. Donizete. Coleção “Vida Nova”. São Paulo, FTD, 1993. 65. BRAIDO, E, Como nasce o cavalo-marinho. Ilustrações M. e M. Donizete, Coleção “Nascer”. São Paulo, FTD, 1998.

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descobertas. Também falamos de répteis, peixes; mamífe­ ros. Agora eles querem saber de outros animais! Lemos Como nasce o golfinho66, e vimos que macho e fêmea cuidam do bebê. Em Como nasce a tartaruga67, é a fêmea que põe os ovos; e os bebês nascem sozinhos. As crianças foram, em todos os livros e discussões, com­ parando o que já sabiam, conflitando as novas desco­ bertas e construindo novos conhecimentos (Relato de Prática: Professora Nicole Pires Capei li, 2° estágio F 2003. EM EI Prof Lourdes Heredia Mello, Sub. Jabaquara)

66. BRAIDO, E. Como nasce o golfinho, ilustrações M. e M. Donizete. Coleção “Vida Nova”. São Paulo, FTD, 1997. 67. BRAÍDO, E, Como nasce a tartaruga. Ilustrações M, e M. Donizete, Coleção “Nascer”. São Paulo, FTD, 1993.

DICAS: Para Ler, Assistir e Refletir CAPÍTUL01. Diálogo sobre sexualidade: da curiosidade à aprendizagem Para Refletir Vocês se lembram como fizeram suas investigações e des­ cobertas sexuais, quando ainda eram bem pequenininhos? E com quem vocês tiravam suas dúvidas? Como foi que o desejo de aprender e de ensinar brotou de dentro de vocês? Como despertar a curiosidade e a paixão de conhecer nas crianças que não tiveram sua curiosidade sexual infantil atendida adequadamente? Como poderíamos pensar nas dificuldades de aprendiza­ gem de nossos alunos a partir dessas palavras e propor encaminhamentos? Para Ler e Assistir ALVES, R. Cenas da vida. Campinas, Papirus, 1997. GTPOS. Sexo se aprende na escola. São Paulo, Editora Olho D'Água, 1995. GTPOS, ECOS e ABIA. (1994) Guia de orientação se­ xual - Diretrizes e metodologia. São Paulo, Casa do Psicólogo. 10a ed., 2004. HOLDITHC, L. Compreendendo seu filho de 5 anos. Co­ leção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 80 p.

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MILLER, L. Compreendendo seu bebê. Coleção Clíni­ ca Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 84 p. MILLER, L. Compreendendo seu filho de 4 anos. Cole­ ção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 92 p. REID, S. Compreendendo seu filho de 2 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, I04p. STEINER, D. Compreendendo seu filho de 1 ano. Cole­ ção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 92 p. STEINER, D. Compreendendo seu filho de 6 anos. Co­ leção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1993, 84 p. SILVA, M. C. P. A paixão de formar - Da Psicanálise à Educação. Porto Alegre, Artes Médicas Editora, 1994. SUPL1CY, M. Papai, mamãe e eu: agora você já pode conversar. São Paulo, FTD, 1990, 63 p. TROWELL, J. Compreendendo seu filho de 3 anos. Co­ leção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 80 p. WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1975. ______ VIDEO. A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti - Funarte/Decine, 1995, Brasil -16 min. VÍDEO. Alegria da vida (The Joy of Life) Synapse Bra­ sil, Canadá, 20 x 5min. /

CAPITULO 3. Características da sexualidade infantil de zero a seis Para Refletir Vocês se lembram de quando eram crianças? Do que vocês mais gostavam de brincar? Vocês se lembram de suas primeiras teorias sobre como nascem os bebês? E como foram respondidas suas dúvi­ das? Quando foi que você soube de verdade como nas­ cem os bebês?

DICAS: PARA LER, ASSISTIR E REFLETIR

Vocês já tinham se dado conta de que a sexualidade e o prazer estão presentes desde tão cedo na vida da gente? Para Assistir VIDEO. A origem cios bebês segundo Kiki Cavalcanti - Funarte/Decine, 1995. Brasil - 16 min. VÍDEO. KUPROCO, de Jean-François Rivard. Court métrage, québecois, em couleurs. 1999 - 13 min. Para Ler BION, W. R. (1962). Aprendiendo de la experiencia. México, Piados, 1991. FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexua­ lidade. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. volume VII, Rio de Janeiro, Imago, 1974. • GTPOS, ECOS e AB1A (1994). Guia de Orientação Sexual - Diretrizes e Metodologia. São Paulo, Casado Psicólogo, 10a ed., 2004. HOLDITHC, L. Compreendendo seu filho de 5 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 80 p. KLEIN, M. (1882-1960) A psicanálise de crianças. Trad. Liana Pinto Chaves. Revisão técnica José A. Pedro Ferreira. Rio de Janeiro, Imago, 1997,352 p. (Obras Com­ pletas de Melanie Klein, v. II) MILLER, L. Compreendendo seu bebê. Coleção Clíni­ ca Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 84 p. MILLER, L. Compreendendo seu filho de 4 anos. Cole­ ção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 92 p. REID, S. Compreendendo seu filho de 2 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 104p. • STEINER, D. Compreendendo seu filho de l ano. Cole­ ção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 92 p. STEINER, D. Compreendendo seu filho de 6 anos. Cole­ ção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1993, 84 p.

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SUPLICY, M. Papai, mamãe e eu: agora você já pode conversar. São Paulo, FTD, 1990, 63 p. TROWELL, J. Compreendendo seu filho de 3 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 80 p. • WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, Imago, 1975.

CAPÍTULO 4. Masturbação infantil Para Refletir Você já percebeu que o corpo todo 6 capaz de produzir sensações de prazer? Observe pessoas em locais públicos e veja como o conta­ to com o próprio corpo acontece de forma espontânea, em geral acompanhado de expressões reflexivas, introspectivas. Quais os comportamentos que podem ocor­ rer em lugares públicos e quais em lugares privados? Qual a diferença entre eles? Procure refletir sobre quais são seus valores pessoais a respeito da masturbação, e veja se e como interferem em sua observação e atuação profissional. Para Ler • CONSTANT1NE, LARRY L. e MARTINSON, FLOYDE M. In: Sexualidade Infantil - Novos Conceitos - No­ vas Expectativas. São Paulo, Roca, 1984 - Capítulo 6, de Langfeldt Thore. DUARTE, R. G In: Sexo, Sexualidade e doenças sexu­ almente transmissíveis. São Paulo, Moderna, 1995. FREUD, S. (1905) Três ensaios sobre a teoria da sexuali­ dade. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. VII, Rio de Janeiro, Imago, 1974.

DICAS: PARA LER, ASSISTIR E REFLETIR

GUNDERSEN, M. e S. Sexualidade Infantil. In: Com­ portamento sexual da criança pré-escolar. São Paulo, Roca, 1984. HOLDITHC, L. Compreendendo seu filho de 5 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 80 p. MILLER, L. Compreendendo seu behê. Coleção Clíni­ ca Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 84 p. MILLER, L. Compreendendo seu filho de 4 anos. Cole­ ção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 92 p. NOGUEIRA, M. In: O prazer em suas mãos - Revista Super Interessante, de 22 de fevereiro, 2004. REID, S. Compreendendo seu filho de 2 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 104 p. STEINER, D. Compreendendo seu filho de 1 ano. ColeÇão Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 92 p. STEINER, D. Compreendendo seu filho de 6 anos. Co­ leção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1993, 84 p. SUPLICY, M. Papai, mamãe e eu: agora você já pode conversar. São Paulo, FTD, 1990, 63 p. SUPLICY, M. In: Sexo para adolescentes. São Paulo, FTD, 1998. TROWELL, J. Compreendendo seu filho de 3 anos. Co­ leção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 80 p.

CAPITULO 5. Homossexualidade em crianças: será que isto existe? Para Refletir Pense sobre esta música: Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria Que o mundo masculino tudo me daria Do que eu quisesse ter

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Que nada Minha porção mulher que até então se resguardara E a porção melhor que trago em mim agora É o que me faz viver Quem dera, pudesse todo homem compreender O mãe, quem dera Ser o verão o apogeu da primavera E só por ela ser Quem sabe, o super homem possa me restituir a glória Mudando como um Deus o curso da história Por causa da mulher (Gilberto Gil, Super Homem) /

A

A cristalização da criança num único papel chama a aten­ ção por seu caráter homossexual ou pela própria dificul­ dade da criança de transitar em diferentes papéis? Será, então, que a homossexualidade que o adulto vê não reve­ la sua própria dificuldade de adentrai- no universo infantil? Chamar de bicha ou sapatão não implica mais uma cristaliza­ ção e aprisionamento da criança? Além da dificuldade de troca de papéis, a criança tem que se haver com mais esse estigma? Será esta a melhor maneira de ajudar as crianças? Que tal apresentarmos novas possibilidades, ao invés de encarcerá-la numa única posição? Para Ler Com as Crianças RIBEIRO, M. Menino brinca de boneca? Rio de Janei­ ro, Salamandra, 2001. MARTINS, G O menino que brincava de ser. São Pau­ lo, Difusão Cultural do Livro (DCL), 2000. Para Assistir ALVES, A. Acorda Raimundo Acorda! Ibase Vídeo e Iser Vídeo, 1990.

DICAS: PARA LER, ASSISTIR E REFLETIR

BERLINER, A. Minlui vida em cor de rosa. Bélgica. 98 min, 1997. DALDRY, S. Billy Elliot. Reino Unido/ França. 110 min.,

2000. FILHO, D. A vida como ela é. Nelson Rodrigues - Epi­ sódio: Delicado. Globo Vídeo. Para Ler GTPOS. Sexo se aprende na Escola. São Paulo, Olho D’Água, 1995. HOLDITHC, L. Compreendendo seu filho de 5 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 80 p. MILLER, L. Compreendendo seu filho de 4 anos. Cole­ ção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 92 p. RIBEIRO, M. O prazer e o pensar: orientação sexual para educadores e profissionais de saúde. São Paulo, Cores, 1999. SPENCER, C. Homossexualidade: uma história. Rio de Janeiro, Editora RCB, 2 ed., 1996,420 p. STEINER, D. Compreendendo seu filho de 6 anos. Co­ leção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1993, 84 p. SUPLICY, M. Papai, mamãe e eu: agora você já pode conversar. São Paulo, FTD, 1990, 63 p. TROWELL, J. Compreendendo seu filho de 3 anos. Co­ leção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, Imago, 1992, 80 p. WINNICOTT , W. D. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, Imago, 1975.

CAPÍTULO 6. Violência sexual infantil Você Sabia... que existe o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescen-

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tes? É dia 18 de maio. Em 2000, a Lei n. 9.970 instituiu esse dia. A data foi escolhida em memória da menina Araceli Cabrera Sanches, morta por espancamento e es­ tupro, aos 8 anos, em 18 de maio de 1973, em Vitória/ES. A comunicação ao Conselho Tutelar, delegacia especi­ alizada, delegacia da mulher, Justiça da Infância e da Juventude, Vara da Família, ao Ministério Público ou a qualquer autoridade judiciária onde reside a vítima pode ser anônima e pode ser feita por qualquer cidadão68. Para informar-se sobre os Conselhos Tutelares ou reali­ zar urna comunicação que pode ser anônima utilize o Ser­ viço cie Denúncia de Violência, Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes pelo telefone 100. A ligação é gratuita. Para Refletir Vamos pensar nas violências cotidianas que sofremos ou impomos. Que sentimentos despertam? Imaginem as mesmas situações de violência da questão anterior colocando-se no lugar da criança. Que sentimen­ tos vocês imaginam que ela sentiria? Com quais ações podemos ajudar as crianças a se defen­ derem de situações de violência? Corno lidar com uma suspeita de violência sexual com uma criança que você tenha contato? Qual seria sua posição ética? Para Assistir O Padre - 1995, 105 minutos, Top Tape. Querem me enlouquecer - Nuts, EUA, 1987. 116 min. Direção Martin Ritt. 68. IPPOLITO, R. (org.). Guia escolar: Métodos para identificação de sinais de abuso e a exploração sexual em crianças e adolescentes. Brasília, Presidência da Republica, Secretaria Estadual dos Direitos Humanos, 2003, 270 p.

DICAS: PARA LER, ASSISTIR E REFLETIR

Festa de família - Dogme 1 Festen, Dinamarca, 1998, 106 min. Direção Thomas Vinterberg. O príncipe das marés - The prince of tides, EUA, 1991. 132 min. Direção Barbra Streisand. Acusados - The accused, EUA, 1988. 105 min. Direção Stanley Kubrick. Lolita - Lolita, EUA, 1962. 152 min. Direção Stanley Kubrick. Taxi Driver - Motorista de táxi - EUA. 1976. 114 min. Direção Martin Scorsese. Afilha do general - The General !S ver grafia Daughter, EUA, 1999. 115 min. Direção Simon West. No limite do silêncio - The unsaid. EUA, 2001. 109 min. Direção Tom Mc Loughlin. Zona de conflito - The War Zone, Inglaterra, 1999. 98 min. Diretor Tim Roth. Abuso sexual - Ultimate Betrayl, EUA, 1994. 95 min. Diretor Donald Wrye. Para Ler ABRAPIA. Guia de orientação para educadores Maus-tratos contra crianças e adolescentes, Proteção e Prevenção, 1997. ABRAPIA. Abuso Sexual contra crianças e adoles­ centes. 3a ed. Petrópolis, Editora Autores & Agentes As­ sociados, 2002,60 p. ■ AZEVEDO, M. e GUERRA, V. N. A. (org.). Infância e violência doméstica: fronteiras do conhecimento. 3 ed. São Paulo, Cortez, 2000. BASS, E. e THORNTON, L. (orgs.). “Nunca contei a ninguém'. Prefácio Fátima Ali. São Paulo, Ed. Harper e How do Brasil, 1985. CEARAS, CRAMI ABCD. Abuso sexual, que violên­ cia é essa. São Paulo, CEARAS, CRAMI ABCD, 2000.

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COSTA, J. de J. Rompendo o silêncio. São Luís, Esta­ ção Gráfica, 1997. FERENCZI, S. Confusão de língua entre os adultos e as crianças (a linguagem da ternura e da paixão). In: Obras completas psicanálise IV, São Paulo, Martins Fontes, cap. 9,1992, pp. 97-106. GABEL, M. (org.). Crianças vítimas de abuso sexual. São Paulo, Summus, 1996. GTPOS, ECOS e ABIA (1994). Guia de orientação se­ xual - Diretrizes e metodologia. São Paulo, Casa do Psicólogo, 10a ed. 2004. IPPOLITO, R. (org.). Guia escolar: Métodos para iden­ tificação de sinais de abuso e a exploração sexual em crianças de adolescentes. Brasília, Presidência da Repúbli­ ca, Secretaria Estadual dos Direitos Humanos, 2003, 270 p. NOGUEIRA, M. R. M. A criança vítima de abuso se­ xual. Monografia. Orientadora Dra. Maria Cecília Perei­ ra da Silva - Uberaba - MG 2004, pp. 36, 38, 39. PIZÁ, G. e BARBOSA, G. (orgs.). A violência silencio­ sa do incesto. São Paulo, 1MESP, 2004, 244p. SOARES, L. Quando a infância é um inferno. In: Revista Veja, edição 1.852. 5 de maio 2004- n. 18 - pp. 152-154. TRINDADE, E. As meninas da esquina - diário de seis adolescentes que vivem no lado selvagem da vida. 1 ed., São Paulo, Record, 2005, 420 p. XINRAN. As boas mulheres da China. São Paulo, Com­ panhia das Letras, 2003, 288 p. Organizações de Apoio 1. ABRAPIA - Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência Site: www.abrapia.org.br 2. ABTOS - Associação Brasileira de Prevenção e Tra­ tamento das Ofensas Sexuais Site: www.abtos.com.br

DICAS: PARA LER, ASSISTIR E REFLETIR

3. CEARAS - Centro de Estudos e Atendimento Relati­ vos ao Abuso Sexual Site: www.usp.brbarr&serviçosbarracearasbarracearhopa.htm 1 4. CECRIA - Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes Site: www.cecria.org.br 5. CIESPI - Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre Infância Site: www.ciesp.org.br 6. CNRVV - Centro de Referência às Vitimas da Violên­ cia do Instituto Sedes Sapientiae E-mail: [email protected] Site: www.sedes.org.br 7. CRAMI - Centro Regional de Atenção aos Maus-tratos na Infância Site: www.crami.org.br 8. LACRI - Laboratório de Estudos da Criança Site: www.usp.br/ip/laboratorios/lacri 9. PAVAS - Programa de Atenção à Violência Sexual Atuação: Estado de São Paulo Fone: (Oxx 11) 3066-7721 / 7100 - E-mail: pavas @ usp.br 10. Projeto Sentinela - Ministério da Assistência e Pro­ moção Social Site: www.assistenciasocial.gov.br 11. CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos das Crianças Site: www.mj.gov.br/sedh/conanda 12. Instituto WCF - Brasil Site: www.wcf.org.br 13. FUNDAÇÃO ORSA Site: www.fundacaoorsa.org.br 14. PACTO SÃO PAULO Site: www.pactosp.org.br

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CAPÍTULO 7. A sexualidade em crianças portadoras de deficiência Drumimond e seu “Nascer de Novo” (in: A Paixão Medida, 1980)

NASCER: findou o sono das entranhas Surge o concreto, a dor de formas repartidas. Tão doce era viver sem alma no regaço do cofre maternal, sombrio e cálido. Agora, na revelação frontal do dia, a consciência do limite, o nervo exposto dos problemas. Sondamos, inquirimos sem resposta: Nada se ajusta, deste lado, ã placidez do outro? É tudo guerra, dúvida no exílio? O incerto e suas lajes Criptográficas ? Viver é torturar-se, consumir-se À mingua de qualquer razão de vida? Eis que um segundo nascimento, não adivinhado, sem anúncio, resgata o sofrimento do primeiro, e o tempo se redoura. Amor, este o seu nome. Amor, a descoberta de sentido no absurdo de existir. O real veste nova realidade,

DICAS: PARA LER, ASSISTIR E REFLETIR

a linguagem encontra seu motivo até mesmo nos lances de silêncio. A explicação rompe das nuvens, das águas, das mais vagas circunstâncias: Não sou eu, sou o Outro cjue em mim procurava seu destino. Em outro alguém estou nascendo. A minha festa, o meu nascer poreja a cada instante em cada gesto meu que se reduz a ser retrato, espelho, semelhança de gesto alheio aberto em rosa. Para Refletir

Algumas histórias (o dia-a-dia..*)

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A polílica de inclusão trouxe às escolas algumas questões no acompanhamento de crianças com necessidades edu­ cacionais especiais: Como garantir um ambiente adequado, estimulação ne­ cessária, segurança? Uma criança com necessidades educacionais especiais be­ neficiar-se-ia mais de uma escola especial ou do convívio na escola “normal” com outras crianças também diferen­ tes entre si? Como garantir experimentação e exploração de todo o po­ tencial destas crianças? Segundo educadoras de escolas infantis, um ambiente mais adequado (chão emborrachado, barras para locomoção, ca­ deiras adequadas, capacitação e informação dos profissionais) pode garantir um salto no desenvolvimento das crianças.

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Uma criança, encaminhada pela AACD, anoxia de parto, não caminhava sem apoio. Estava na idade de maternal, mcM c/j/e ar por todos os módulos para se desenvolver no seu tempo. As outras crianças imitavam-na como se estivessem brincando, experimen­ tando este jeito peculiar de ser: Muitas vezes serviam de apoio para que ela pudesse caminhar pela escola. Uma criança ingressou na escola infantil após ter tido câncer no olho, com uma prótese no lugar Esta prótese era como um “olho móvel” o que dava as outras crian­ ças uma curiosidade especial: “O olho dele sai!!! ”, diziam perplexos, com aquela anatomia tão diferente. Para as crianças, estas necessidades especiais, muitas vezes, são diferenças que geram curiosidade, assim como diferenças de raça, gênero, idade, força etc. Algumas ve­ zes, as crianças parecem excluir colegas com mau cheiro, piolho ou de raça diferente da delas. Cabe ao educador, assim como aos pais e outros profissionais, saber acom­ panhar e gerir estas diferenças.

Cada pessoa dentro da diversidade humana apresenta diferenças individuais, que decorrem da faixa etária, temperamentos, aptidões e habilidades, interesses, compleição física, aspirações e sonhos, experiência de vida, combinação única de inteligências múltiplas com estilos pessoais de aprendizagem (Sassaki, 2002) Tudo que sai da curva normal, do que é esperado, pode se transformar num estigma: criança com piolho, infecções que provocam mau cheiro, portadoras do Hl V, de deficiên­ cias, meninos que brincam de boneca etc. Convidamos você a pensar sobre as questões que se seguem...

DICAS: PARA LER, ASSISTIR E REFLETIR

Vocês se lembram do que acontecia quando vocês fica­ vam envergonhados? De quando ficavam vermelhos? De quando davam um fora? Ou do que acontecia quando ocor­ ria a mesma situação com os seus colegas? Como vocês se sentiam nessas situações? Qual era a reação: cruelda­ de, sadismo, acolhimento, ironia... Na verdade é muito aliviante ter alguém no grupo para ser o chato, o gordo, o burro, o bobo, o retardado, o idiota... da turma para a gente colocar nessas pessoas tudo que é ruim, bem longe da gente. Como você faria para não intensificar atitudes estigmatizantes? Como você contribuiria para que as diferenças e diversidades fossem acolhidas pelo grupo? Como ensinai' respeitando as diferenças dos alunos sem diferenciar o ensino? Quanto mais rico e variado o ambiente mais as crianças se beneficiam. Como você observa a relação das crianças portadoras de deficiências com os outros colegas e profissionais envol­ vidos? E vice-versa? Você já pensou que muitas vezes o trabalho de inclu­ são acaba sendo tão discriminatório quanto o de ex­ clusão? Que tipo de intervenção inclusiva você pode­ ria compartilhar? Você se lembra como construiu suas primeiras teorias, hi­ póteses, descobertas a respeito de como nascem os be­ bês? A respeito das diferenças entre os sexos? Com quem você conversava sobre questões ligadas à sexualidade? Como aceitar que o ser humano pode não ser “perfeito”? E como itir que esse ser “imperfeito" possa ter sexualidade? Como desenvolver um trabalho de Orientação Sexual para crianças com deficiências que seja verdadeiramente inclusivo?

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Para Ler Com as Crianças ALMEIDA, R. E. Aprendendo sobre as diferenças: amiguinhos de coração. São Paulo, Editora Book Mix, 2005. OTERO, R. e RENNÓ, R. Ninguém é igual a ninguém: O lúdico no conhecimento do ser. São Paulo, Editora do Brasil, 1994. RAMOS, R. Na minha escola todo mundo é igual. Ilus­ trações Priscila Sanson. São Paulo, Cortez, 2004. Para Ler BECKER, E. et al. Deficiência - alternativas de inter­ venção. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1997. ANDRADE, C. D. A paixão medida. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1980. GHERPELLI, M. H. B. V. Diferente, mas não desigual: a sexualidade no deficiente mental. São Paulo, Editora Gente, 1995. GIROLAMO, F. P. A sexualidade do deficiente mental. Revista Nacional de Reabilitação. Ano V, n. 24, janeiro/ fevereiro de 2002. MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo, Moderna, 2003. RIBAS, J. B. C. (1954) Viva a diferença: convivendo com nossas restrições ou deficiências. São Paulo, Mo­ derna, 1995 - (Qual é o grilo?). SASSAKI, R. K. (1997) Necessidades especiais, defici­ ências, diversidade humana e diferenças individuais. In: Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro, WVA, 4a ed., 2002. SINASON, V. Compreendendo seu filho deficiente. Tra­ dução Sérgio Nunes Melo. Rio de Janeiro, Imago, 1993. TRABBOLD, A. (2005) Sexo dos anjos. UNESP Link Notícia, http://www.unesp.br/noticia/main20.htrn. WINNICOTT, W. D. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, Imago, 1975.

DICAS: PARA LER, ASSISTIR E REFLETIR

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WINNICOTT, W. D.Tudo começa em casa. São Paulo, Martins Fontes, 1967*

CAPITULO 8. Aids, crianças e as escolas Para Refletir

Conversando sobre a prevenção na supervisão Um grupo de educadores, estimulado pelo depoimento de uma das professoras sobre seus sentimentos quando seu médico solicitou um teste de HIV, começou animadamente a descrever as situações cotidianas na escola, que envol­ vem cuidados com sangue, e que, portanto, demandam cuidados preventivos: “alguém caiu do escorrega, dois trombaram de cabeça, ralou o joelho no cimento, caiu um dentinho, e por aí vai... ” Elas relataram que sempre correm para acudir as crian­ ças acidentadas, sem pensar em mais n a d a O socorro em primeiro lugar Av luvas, se existem, em geral estão dis­ tantes, em algum armário, talvez trancadas. Aos poucos, na conversa, o grupo vai se dando conta de que talvez não fosse assim tão difícil deixar a luva em lugar í­ vel, perto do pátio, nas salas de aula. Mesmo assim, seria preciso que elas se lembrassem de usá-las. “É a impulsi­ vidade! ”, diagnosticam. “Ninguém lembra de luva quan­ do uma criança se machuca. ” Talvez a impulsividade seja mesmo um enorme obstáculo à prevenção. Para dominá-la, é preciso ter a disposição para abrir os armários, a cabeça e os hábitos, incorporan­ do novas práticas ao processo educativo (e na vida tam­ bém). Além disso, incorporar o uso das luvas, por exem­ plo, nas situações escolares que envolvem sangue, des-

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pertará a curiosidade das crianças e criará oportunidades para que se converse sobre isto com elas. Não é um bom começo? Tomemos esta questão da luva: será que o que está em jogo é somente a impulsividade? Ou será que sempre su­ pomos que não estamos convivendo com quem está com HIV/Aids? Após a leitura deste capítulo, de que maneiras você acha que este tema pode ser trabalhado dentro da sua escola, na comunidade ou no serviço de saúde? Como a questão da diferença interfere no olhar que temos em relação à Aids no espaço educacional? Para Ler Com as Crianças CASA Siloé / GIV - Grupo de Incentivo à Vida. Daniel e Letícia falando sobre AIDS... São Paulo, Editora Ave Maria, 1999. OTERO, R. e RENNO, R. Ninguém é igual a ninguém: O lúdico no conhecimento do ser. São Paulo, Editora do Brasil, 1994. RAMOS, R. Na minha escola todo mundo é igual. Ilus­ trações Priscila Sanson. São Paulo, Cortez, 2004. Para Ler ABIA. A Aids e a Escola - nem indiferença nem dis­ criminação. Rio dc Janeiro, editora ? 1993, 2a edição. COTR1M, S. Crianças soropositivas e escolas - Bole­ tim Internacional sobre prevenção e assistência à AIDS. ABIA. Rio de Janeiro, 2003, n. 49, p. 6. CRUZ, E. F. A educação sexual e a formação do edu­ cador de creche e pré-escola. São Paulo, PUC, Disser­ tação de Mestrado, 1996.

DICAS: PARA LER, ASSISTIR E REFLETIR

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MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar. O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo, Moderna, 2003. ■ NEPA1DS/USP/CRT/DST/AIDS/UNICSUL. Crianças e AIDS - Ensaios e experiências. São Paulo, 1999. PEDROTTI, A. 1. Texto jurídico da Aids e do Direito. AIDS e Ética Médica - Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2001, p. 40.

CAPÍTULO 9.0 trabalho de sexualidade na escola e os pais Para Refletir Numa orquestra são muitos e diferentes os instrumentos. Cada um produz som de um jeito. Basta comparar um flautim com uma tuba. Mas todos tocam a mesma música. Todos querem produzir beleza. O corpo é uma orquestra. São muitas as suas partes e diferentes. Mas tocam a mes­ ma música: o prazer. Rubem Alves, 1999. A escola é para os pais ou para as crianças? Como incluir estes pais, que muitas vezes não têm e não tiveram o à escola? Nas questões da sexualidade, qual o limite entre o que cabe à família e o que é tarefa da escola? O que esperam os pais: que no final do dia suas crianças estejam limpas, penteadas, sem machucados ou que te­ nham aprendido e experimentado coisas novas? Em qual espaço deixam seus filhos e quais as suas expec­ tativas? O que é possível oferecer às crianças e aos pais? Para Ler ALVES, R. E aí? Cartas aos adolescentes e seus pais. Campinas, Papirus/ Speculum, 1999.

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FREUD, S. O esclarecimento sexual das crianças. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. IX, Rio de Janeiro, Imago, 1907. GTPOS. Sexo se aprende na escola. São Paulo, Olho D^água, 1995. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/S EF, 1998.

CAPÍTUL010. Como ser multiplicador Para Ler: GTPOS. Sexo se aprende na escola. São Paulo, Olho D’água, 1995. GTPOS, ECOS e ABIA (1994) Guia de orientação se­ xual - Diretrizes e metodologia. São Paulo, Casa do Psicólogo, 10a ed„ 2004. • SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília, MEC/S EF, 1998. SUPL1CY, M. Papai, mamãe e eu. São Paulo, FTD, 1990. • VERGUEIRO, F. V. (2003) Sexualidade infantil. São Paulo, GTPOS, 2 ed. (revisada), 2003,4 p.

CAPÍTUL012. Uma experiência de avaliação cooperativa Para Ler: CALMON, K. M. N. Avaliação de programas e a dinâmi­ ca de aprendizagem organizacional. Revista Planejamento e Políticas Públicas. IPEA, n. 19, junho de 1999.

DICAS: PARA LER, ASSISTIR E REFLETIR

COELHO, S. C. T (2001) Avaliação de Projetos Sociais. Fórum Permanente do Terceiro Setor - 3. Coletânea AS­ SIM? de artigos (julho de 2000 - junho de 2001). SENAC de São Paulo. Centro de Educação Comunitária para o Trabalho. COHEN, E. e FRANCO, R. Avaliação cie projetos so­ ciais. Petrópolis, Vozes, 1993. DEPRESBITERIS, L. Avaliação educacional em três atos. São Paulo, Editora SENAC, 1999, WORTHEN, B.; SANDERS, J. e FITZPATRICK, J. Ava­ liação de programas - concepções e práticas. CIDADE ? Instituto Fonte, 2004.

CAPÍTUL013. Reflexos do projeto: atividades realizadas pelos educadores nos Centros de Educação Infantil Para Refletir

Qual a sua idéia a respeito de intervenção e multiplicação sobre Orientação Sexual em escolas de educação infantil? Através destes relatos, qual idéia de atividade você pode­ ria sugerir para ser desenvolvida em uma escola de edu­ cação infantil?

Para Ler e Assistir Autores diversos. Caderno Temático de Formação 1 Leitura de mundo, letramento e alfabetização: diver­ sidade cultural, etnia, gênero e sexualidade. Secreta­ ria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Téc­ nica - n. 1, São Paulo: SME/ATP/DOT, 2003. ABRAP1A. Abuso sexual - mitos e realidade. Rio de Janeiro, Autores e Agentes Associados, 2002. __ • COLE, B. Mamãe botou um ovo.São Paulo, Atica, 1996. /

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LOPES, C. Gravidez - a magia da vida. Coleção Sexo e Sexualidade. Ilustrador Belli Studio. 1 ed. São Paulo, TODOLIVRO, 2001, 16p. MARTINS, G. C. O menino que brincava de ser. São Paulo, DCL, 2000. MAYLE, P.; ROB1NS, A. e WALTER, P. De onde vie­ mos: explicando às crianças fatos da vida, sem absur­ dos. São Paulo, Nobel, 1985. RIBEIRO, M. Menino brinca de boneca? Conversan­ do sobre o que é ser menino e menina. Rio de Janeiro, Salamandra, 1991. HOLDITHC, L. (1992) Compreendendo seu filho de 5 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro: lmago, 80 p. MILLER, L. Compreendendo seu bebê. Coleção Clíni­ ca Tavistock. Rio de Janeiro, lmago, 1992, 84 p. MILLER, L. Compreendendo seu filho de 4 anos. Cole­ ção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, lmago, 1992, 92 p. REID, S. Compreendendo seu filho de 2 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, lmago, 1992, I04p. STEINER, D. Compreendendo seu filho de 1 ano. Cole­ ção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, lmago, 1992, 92 p. STEINER, D. Compreendendo seu filho de 6 anos. Co­ leção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, lmago, 1993, 84 p. TROWELL, J. Compreendendo seu filho de 3 anos. Coleção Clínica Tavistock. Rio de Janeiro, lmago, 1992, 80 p. VIDEO. A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti - Funarte/Decine, 1995-Brasil, lómin. Bonecos: Família Colchete; família de pano; casal de bo­ necos com genitais. /

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DICAS: PARA LER, ASSISTIR E REFLETIR

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Dinâmicas e Textos Sugeridos Os Três Adjetivos: Técnica de apresentação e descontração. Pede-se para cada participante do grupo escrever 3 adjetivos quais­ quer num pedaço de papel. Num segundo momento, cada participan­ te deverá apresentar o colega sentado ao seu lado direito utilizando a seguinte da apresentação deve dizer FALTA ALGO REVER "‘Na cabeça a pessoa X (nome) é A (1° adjetivo), no coração é B (2o adjetivo) e da cintura para baixo é C (3o adjetivo)”. Embora esta dinâmica seja muito engraçada, ela pode gerar constrangimento. Por meio dos adjetivos escolhidos pelos participantes do grupo podemos observar- tabus, preconceitos, vergonha, descontração etc. Dinâmica dos Bombons: Técnica de descontração c dc reco­ nhecimento das características dos participantes. O coordenador de­ verá embalar antecipadamente balas ou bombons num pacote bem bonito e organizar os participantes em círculo. Dizer: Aqui há um presente que devemos dar a pessoa mais ELEGANTE do grupo, e elege essa pessoa entre os participantes e entrega-lhe o pacote. De­ pois disso, antes que ele abra o pacote, o coordenador continua a ler as instruções seguintes: Mas como sua elegância não permite que carregue pacotes, mesmo sendo um presente, você deve entregá-lo à pessoa mais COMUNICATIVA, e ele elege essa pessoa entre os participantes e entrega-lhe o pacote. O coordenador continua: Mas como você é muito falante, não terá tempo de abrir o presente, por isso deverá entregá-lo para a pessoa mais SIMPATICA, e ele elege essa pessoa entre os participantes e entrega-lhe o pacote. Como você irradia muita simpatia e terá de conversar com todos aqui presentes, deverá dar o presente à pessoa mais ALEGRE. Mas como você brinca constantemente e gosta de pegar no pé, e para pegar no pé você precisa das mãos, logo você não precisa abrir o presente; ofere­ ça-o à pessoa mais BR1GUENTA. Como você gosta de reclamar de tudo, e para que não brigue conosco por ter lhe dado o presente, e-o para a pessoa mais TÍMIDA. Por ser envergonhada e com /

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isso ter ficado vermelha e quase não ter coragem de se levantar e vir até aqui, deverá dar o presente à mais BONITA. Por ser mais bela e por esse motivo ter muitos iradores, não terá tempo de desem­ brulhar nem o papel do presente, então o e para a pessoa mais INTELECTUAL. Mas como você a muito tempo lendo e não se interessa pelo nosso presente, ree-o para a pessoa mais COLA­ BORADORA. Como você a muito tempo ajudando, e não tem tempo de pensar em si, não se importará de á-lo à pessoa mais MAGRA. Como você é muito magrinha e não tem força suficiente para carregar o embrulho, ará o presente para o mais ATENCIO­ SO. Como você gosta de dar atenção a todos, não se prenderá a um * presente, então o e para a pessoa mais SERIA. Por ser uma pessoa tão séria, não aceitará brincadeiras como ganhar um presen­ te, então o e à pessoa mais IMPONTUAL. Como você é uma pessoa que sempre chega atrasada, não chegou a tempo de ganhar o presente, então e-o para a pessoa mais INTROVERTIDA. Mas como você não gosta de brincar, e-o para a pessoa mais AGITA­ DA. Como você é uma pessoa muito agitada, poderá quebrar o pre­ sente, então o e para o mais GULOSO. Como você come muito e ao mesmo tempo não é egoísta, sempre oferecendo o seu lanche para os colegas, você foi escolhido para abrir o presente, mas terá que distribuí-lo a todos os presentes do grupo.

Dinâmica do Anel: Essa dinâmica tem por objetivo mostrar que a sexualidade está na nossa frente, mas nem sempre é fácil percebêla. A proposta é colocar um anel mais ou menos escondido na sala, sem que os participantes vejam. Solicitar que descubram onde está escondido um anel naquela sala e assim que o encontrarem devem voltar a seus lugares sem nada dizer. Depois que lodos tenham visto onde estava o anel e estiverem sentados, podemos conversar sobre essa experiência e compará-la com a dificuldade que temos em per­ ceber que a sexualidade está presente nos comportamentos e nas brincadeiras do dia-a-dia, mas muitas vezes fingimos não vê-la.

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Questionário sobre Sexualidade Infantil (Concordo-Discordo): Neste questionário, solicita-se que se concorde ou discorde de cada questão: 1. A não satisfação da curiosidade sexual na primei­ ra infância pode influenciar na alfabetização e no rendimento escolar da criança. 2. Quando uma criança pequena faz uma pergunta sobre sexo, o professor não pode deixar de esclarecer não só a ela, mas a classe toda. 3. Os pais são os principais responsáveis pela educação sexual da criança. 4. O professor deve preservar sua intimidade da * curiosidade dos seus alunos. 5. E normal que as crianças tenham prazer em tocar e serem tocadas em seus genitais. 6. Criança que se masturba na sala pode estar apresentando indícios de carência afetiva. 7. Meninos que fazem jogos sexuais com os outros meninos têm ten­ dências homossexuais. 8. Menina que fica brincando muito com gru­ pos de meninos precisa ser ajudada, senão corre o risco de virai' lésbica. 9. Os professores só devem abordar questões sexuais se os alunos lhe fizerem perguntas. 10. O professor deve usar o linguajar científico em sala de aula, para não dar uma conotação vulgar à questão sexual. 11. Se você vir uma criança se masturbando no recreio, o melhor é fingir que não viu, pois é absolutamente normal. 12. O pro­ fessor não deve antecipar questões que as crianças ainda não este­ jam preparadas para entender. 13. O uso de material concreto é fun­ damental para se falar sobre o corpo com as crianças. 14. “Brincar de médico" é uma das formas de as crianças satisfazerem sua curio­ sidade a respeito da identidade de gênero. Os Sons da Floresta: No século III d.C., o rei Tsaó mandou seu filho, o príncipe Tái, ir estudar no templo com o grande mestre Pan Ku. O objetivo era preparar o príncipe, que iria suceder o pai no futuro trono, para ser um grande . Quando o príncipe chegou no templo, o mestre Pan Ku logo o mandou sozinho à floresta de Ming Li. Ele deveria voltai' um ano depois, com a tarefa de des­ crever os sons da floresta. ado o prazo, Tái retornou e Pan Ku pediu-lhe para descrever os sons de tudo aquilo que tinha conseguido ouvir: “Mestre", disse o príncipe, “pude ouvir o canto dos cucos, o

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roçar das folhas, o alvoroço dos beija-flores, a brisa batendo suavemente na grania, o zumbido das abelhas e o barulho do vento cortan­ do os céus”. Quando Tái terminou, o mestre o mandou de volta à floresta para ouvir tudo o mais que fosse possível. Tái ficou intrigado com a ordem do mestre. Ele já não tinha distinguido cada som da floresta? Por longos dias e noites o príncipe se sentiu sozinho na flo­ resta, sempre ouvindo, mas não conseguia distinguir mais nada de novo, além daqueles sons já mencionados ao mestre Pan Ku. Então, certa manhã, sentado entre as árvores da floresta, começou a discernir sons vagos diferentes de tudo o que ouvira antes. Quanto mais aten­ ção prestava, mais claros os sons se tornavam. Uma sensação de encantamento tomou conta do rapaz. “Esses devem ser os sons que o mestre queria que eu ouvisse!”, pensou. Sem pressa, o príncipe ou horas lá, ouvindo... pacientemente. Queria ter certeza de que estava no caminho certo. Quando Tái retornou ao templo, o mestre lhe perguntou o que mais ele tinha conseguido ouvir. “Mestre", res­ pondeu reverentemente o príncipe, “quando prestei mais atenção, pude ouvir o inaudível - o som das flores se abrindo, do sol aquecendo a terra e da grama bebendo o orvalho da manhã”. O mestre acenou com a cabeça em sinal de aprovação. “Ouvir o inaudível é ter a discipli­ na necessária paia se tornar um grande ”, observou Pan Ku. “Apenas quando se aprende a ouvir o coração das pessoas, seus sentimentos mudos, os medos não confessados e as queixas silenciosas, um pode inspirai' confiança em um povo, entender o que está errado e atender ás reais necessidades dos cida­ dãos. A morte de um país começa quando os líderes ouvem apenas as palavras pronunciadas pela boca, sem mergulhar a fundo na alma das pessoas para ouvir seus sentimentos, desejos e opiniões reais." (Encontro de Educação Ambiental - Dream - 10)

AGRADECIMENTOS A Marta Suplicy, por sempre acreditar no trabalho de orientação sexual nas escolas e ter sido pioneira na luta pelos direitos sexuais e reprodutivos. A Maria Aparecida Perez, pelo apoio e viabilização do projeto de orientação sexual nos CEls (Centro de Educação Infantil) da Cidade de São Paulo em 2003 e 2004. A Antonio Carlos Egypto, pela coordenação e entusiasmo na ela­ boração do Projeto de orientação sexual nas Escolas Municipais. A equipe istrativa e secretaria do GTPOS (Grupo de Tra­ balho e Pesquisa em orientação sexual) pelo trabalho e colaboração inestimáveis: Angela de Sousa Queiroz, Rodrigo Estramanho de Almeida, Sarah Atra e Sila Maria Kolhy. A equipe operacional da Secretaria Municipal de Educação: Célia Maria de Carvalho da Costa Ferreira, Diana Mendes Machado Silva, Isabel Cristina Santos, Nadir Soares e Selma Auxiliadora Cordeiro, sob a coordenação de Maria Cecília Carlini Macedo, que não medi­ ram esforços para nos atender em tudo que foi necessário. _ _ ________________________ A equipe do IDECA - Instituto de Desenvolvimento Educacio­ nal Cultural e de Ação Comunitária, Mary Ann Norris Castanho Ron­ da e Ana Rosa Abreu, por todo trabalho de avaliação desse projeto. As revisoras Maria Aparecida Barbirato, Francisca Vieitas Vergueiro, Lucimar Medeiros Cabral França, Patrícia Oliveira de Souza, pelo cuidado e dedicação. Aos amigos e autores desse livro, que muito se empenharam para registrar o mais fidedignamente esta experiência: Adriana Canepa \

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Barbosa, Carina Alvarez Gambale, Francisca Vieitas Vergueiro, Kátia Rodrigues Antunes, Letícia de Jesus Mello Gonçalves, Lucimar Medeiros Cabral França, Maria Cristina Domingues Pinto, Mary Ann Norris Castanho Rondas, Patrícia Oliveira de Souza, Priscila de Oli­ veira Galvani, Rodrigo de Marco Veinert, Rosa Maria de Mello Galli, Rosely Aparecida Pereira, Solange de Souza Queiroz e Zélia dos Santos. Por fim, a todos os educadores do Município de São Paulo que participaram da implantação de orientação sexual nas escolas, sem os quais este livro não existiria.

SOBRE OS AUTORES Adriana Canepa Barbosa: Psicóloga. Mestranda em Psicolo­ gia Clínica pela PUC-SP. Acompanhante Terapêutica. Carina Alvares Gambale: Psicóloga, com especialização em Psicologia Clínica. Membro do Instituto Therapon Adolescência. Psi­ cóloga da UBS-Santo Amaro. Francisca Vieitas Vergueiro: Psicóloga pela PUC-SP. Psica­ nalista do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psica­ nálise de São Paulo c Especialização Especialista em Psicanálise da Criança pelo Instituto Sedes Sapientiae. Kátia Rodrigues Antunes: Psicóloga. Psicoterapeuta. Pós-gra­ duada em Psico-Oncologia pelo Hospital do Câncer A. C. Camargo. Educadora do Projeto Viver Criança e Adolescente - GIV - Grupo de Incentivo à Vida. Letícia de Jesus Mello Gonçalves: Psicóloga clínica. Especia­ lista em Saúde Coletiva pela Faculdade de Medicina da USP-SP. Psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae. Lucimar Medeiros Cabral França: Professora de Literatura e Língua Portuguesa. Maria Cecília Pereira da Silva: Psicanalista. Membro Efeti­ vo, Analista de Criança e Adolescente e Docente da Sociedade Bra­ sileira de Psicanálise de São Paulo. Doutora em Psicologia Clínica e Mestre em Psicologia da Educação pela PUC-SP. Professora convi­ dada do Instituto Sedes Sapientiae. Membro fundador do GTPOS. Maria Cristina Domingues Pinto: Psicóloga. Psicanalista. Gra­ duada em Psicopatologia pelo Instituto Sedes Sapientiae. Membro

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associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise-SP. Membro do GTPOS. Mary Ann Norris Castanho Rondas: Cientista Social, com es­ pecialização em Psicologia Social e Sociologia da Educação. Mem­ bro associado do IDECA - Instituto de Desenvolvimento Educacio­ nal Cultural e de Ação Comunitária. Patrícia Oliveira de Souza: Psicóloga Clínica. Psicóloga na Associação Comunitária Monte Azul. Priscila de Oliveira Galvani: Psicóloga graduada pela PUCSP. Acompanhante Terapêutico. Membro do Instituto Therapon Ado­ lescência. Psicanalista em formação pelo Instituto Sedes Sapientiae. Rodrigo de Marco Veinert: Psicólogo Clínico pela PUC-SP. Acompanhante terapêutico do Instituto A Casa. Rosa Maria de Mello Galli: Pedagoga graduada pela USP. Pósgraduada em Filosofia da Educação pela PUC-SP. Especialista Es­ pecialização em Psicopedagogia pelo SEDES. Especialização Espe­ cialista em Psicodrama ABPS-São Marcos. Rosely Aparecida Pereira: Psicóloga Clínica e Escolar. Psica­ nalista. Especialista em Psicopatologia do Bebê pela USP/ Universi­ dade Paris X1II/UVEA (Diplomado à distância). Ex-professora da cadeira de Psicologia da Educação. Formadora do GTPOS. Solange de Souza Queiroz Matos: Psicóloga. Participante na coordenação do Projeto Viver Criança e Adolescente - GIV - Grupo de Incentivo à Vida. Membro do Grupo de Trabalho de Crianças e Adolescentes do Fórum de Ong AIDS do Estado de São Paulo. Zélia dos Santos: Psicóloga Clínica. Especialização em Terapia Familiar PUC-SP. Especialização em Consulta Terapêutica com be­ bês - USP/SP - Universidade XIII - Paris. Atualização no Atendi­ mento a Situações de Violência Sexual - PAVAS.

Sexualidade começa na infância? Penso que muitos de nós, pais ou educadores, responderíamos que não, ou, então, teríamos alguma dúvida em afirmar isso. Mas, o título deste livro, tão oportuno, nos propõe que é assim mesmo: a sexualidade começa na infância! E o texto como um todo nos convence - e bem - disso.(...) Gosto do livro por sua proposição, pela diversidade e oportunidade dos temas refletidos.(...) Em uma sociedade complexa como a nossa, em tempos em que a escola assume tanta importância, refletir, se posi­ cionar, receber orientação, fazer leituras e discussões sobre temas ligados à sexualidade é fundamental para todos nós. (...) O presente livro nos ajuda a promover a inclusão deste assunto de um modo que me parece adequado e oportuno.(...) Uno de Macedo Professor Titular de Psicologia do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

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