Edward Palmer Thompson foi um historiador inglês, famoso por seus estudos relacionados à classe operária inglesa. O autor segue uma orientação marxista, porém traz em seus estudos uma forte abordagem cultural, tendo como destaque as obras “A Formação da Classe Operária Inglesa” e “Costumes em Comum: Estudos Sobre a Cultura Popular Tradicional”, neste texto buscamos perceber as questões centrais apresentadas pelo autor no capítulo 6 – “Tempo, Disciplina de Trabalho e Capitalismo Industrial” do livro Costumes em Comum. Thompson vai trazer ao longo do texto uma série de relatos e estudos de outros autores que expõem como é a percepção temporal entre os séculos XVII e XVIII na Europa ocidental, relacionando essas alterações na forma de perceber o tempo com impactos na disciplina de trabalho. O autor logo no início diferencia a percepção de tempo em “tempo da natureza e o tempo do relógio” (THOMPSON, 1998, p.268). Segundo o autor o tempo da natureza pode ser entendido como uma visão cíclica, isso se deve ao comportamento cíclico da natureza que se expressa nas estações do ano e no comportamento dos animais, já o tempo do relógio é aquele que a a ser expresso em medidas temporais (horas, minutos e segundos), isso irá se intensificar com a gradual produção e disseminação de relógios na Europa. Em locais onde prevalecia à percepção de tempo através da natureza à organização do trabalho era mais centrada nas tarefas, não se tinha muita separação entre o trabalho e o viver, também não havia muita separação entre trabalho e relações sociais, o tempo era algo que deveria ser preenchido (THOMPSON, 1998, p.271). Essa forma de perceber o tempo é mais característica em ambientes rurais e em pequenas comunidades agrícolas, onde as tarefas a serem realizadas dependiam muito das estações da natureza, não existia essa noção de trabalho com hora marcada, o trabalho além de ser uma forma de suprir as necessidades era também uma forma de ar o tempo.
Com a disseminação de relógios, principalmente em áreas mais urbanas as pessoas aram a fazer uma contagem e uma racionalização do tempo, o surgimento de grandes manufaturas, onde a a existir uma mão de obra assalariada marcaram as primeiras expressões dessa noção de tempo como sendo relacionado à produção e ao dinheiro, ou a vigorar uma diferenciação entre o “tempo próprio do trabalhador” e o “tempo do empregador”, ou a existir uma regulação do trabalho, essa regulação é anterior à disseminação de relógios, porém isso aos poucos irá se agravar e tomar novas formas, quando os relógios am a fazer parte da vida íntima das pessoas, dentro das casas e fazendo parte do cotidiano (THOMPSON, 1998, p.272). É claro que essa mudança na forma de perceber o tempo é um processo gradual, e o choque entre o tempo da natureza e o tempo do relógio se expressa na cultura e no folclore da época, como é apresentado pelo autor em trechos de músicas e contos do século XVII e XVIII. Um trecho interessante que o autor traz é de um estudo de Pierre Bourdieu sobre as atitudes dos camponeses na Argélia com relação ao tempo, em que Bourdieu descreve: “Uma atitude de submissão e de indiferença imperturbável em relação à agem do tempo, que ninguém sonha em controlar, empregar ou poupar… A pressa é vista como uma falta de compostura combinada com ambição diabólica.” (in THOMPSON, 1998, p.270). No relato de Bourdieu podemos perceber uma dificuldade de aceitação por parte dos camponeses em relação à necessidade de contar e controlar o tempo, essa será uma questão que irá influenciar na disciplina de trabalho na Europa, principalmente na fase pré-industrial em que os trabalhadores que aram a vender sua força de trabalho, não compreendiam por que motivo o processo de trabalho deveria ser regulado e avaliado segundo a forma como se “gasta o tempo”, o tempo ou a ser uma espécie de moeda que deveria ser gasta de
forma produtiva e as atividades de lazer ou o ócio aram a ser vistas com maus olhos pelos empregadores, por ter um caráter de “tempo perdido” ou “tempo não produtivo”. Também havia uma dificuldade desses trabalhadores manter uma frequência regular no trabalho, principalmente em segundasfeiras, que eram tidas como dias santos e de descanso. Muitos também acreditavam que receber salário por dias trabalhados, representava apenas cumprir horário, como Thompson traz em alguns relatos nas páginas 290 e 291. A indisciplina no trabalho fez com que novas formas fossem buscadas para introjetar essa noção de controle do tempo na sociedade, o autor irá trazer principalmente o papel das instituições educacionais em buscar fomentar uma mentalidade de “uso produtivo do tempo”, vários autores da época acreditavam que era preciso combater o ócio e mostrar para os trabalhadores e suas famílias a importância do uso do tempo como forma de produzir através do trabalho, para isso as escolas já possuíam o papel de ensinar as crianças a ter pontualidade e a cumprir os horários da instituição, ensinando-lhes a ter disciplina e a gastar bem esse tempo. Outra forma de introjetar essa percepção do tempo era através da moral, muitas vezes a partir de discursos que condenavam o ócio, as atividades de lazer ou até mesmo um simples ato de descanso, o trabalho (no sentido produtivo) ou a ser a única forma de salvação e de bom uso do tempo. Essa mudança na percepção do tempo e a imposição de uma nova disciplina no trabalho irá ser um dos pontos fundamentais na ascensão do capitalismo industrial de acordo com o autor, essa racionalização do tempo, combinada com uma disciplina vinculada a produção irá dar bases para novas formas de se pensar a organização produtiva e a divisão do trabalho, um exemplo que o autor vai trazer é o surgimento do Fordismo e do Taylorismo no século XIX e toda essa lógica de uso racional do tempo e da produção em massa.
O texto de Thompson é muito interessante, por nos trazer algumas inquietações que ainda permanecem nos dias de hoje, principalmente no que se refere ao uso do tempo e as possíveis formas de se pensar a disciplina no mundo do trabalho atualmente, onde existe uma institucionalização das jornadas de trabalho, com horários definidos de entrada e saída e também a garantia de direitos trabalhistas que possibilitam ao trabalhador ter uma “divisão” entre o tempo para o trabalho e o tempo para o descanso, também pensando que impactos que isso traz nas nossas expressões culturais. THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em Comum: Estudos Sobre a Cultura Popular Tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.267-304. Arthur Almeida.