www.jconline.com.br - ano 93 - número 359
Promoção R$ 2,00
Brega nada, românticos De hoje até sábado, o JC apresenta série com cantores da música apaixonada brasileira. Na primeira reportagem, conheça a intimidade de Bartô Galeno, com sua voz macia e farta cabeleira. Confira conteúdo extra no JC Online (www.jconline.com.br/ romanticos). k caderno C 1, 6 e 7
Gente simples perpetua lições de Jesus Série mostra que a mensagem deixada pelo aniversariante do dia – de amor, fraternidade e compreensão – é encontrada bem perto de nós. Melhor da festa de hoje é o Baile do menino Deus. Veja, ainda, empresas que dão belos exemplos nesta época do ano. k cidades 1, economia 1 e 2 e arrecifes 6 a 10
k voz do leitor
Isabella Alves/Voz do Leitor Hélia Scheppa/JC Imagem
exemplar do
DOMINGO
Esgoto estourado Isabella Alves mostra “aniversário” do problema em k página 9 rua da Iputinga.
Bastidores
Repórter do JC vê gravação do programa de David Letterman da GNT. k jc tv 6 e 7
Europa na cabeça
Náutico, Sport e Santa vão adotar métodos europeus em suas preparações. k esportes 1
Porteiro larga o alcoolismo e abraça o pedestrianismo
k esportes 4
Após greve, basquete da NBA vai recomeçar hoje k esportes 3
CINEMATOGRÁFICO Ex-vendedor de confeitos, que não quis aparecer, virou milionário e está reformando o prédio do Cine Veneza. k cidades 4
Gravidez Chacina deixa saudável exige quatro mortos muitos cuidados na Macaxeira k arrecifes 18 a 21
k capa dois
Veja caminhos para pagar a faculdade k cidades 2
Presidente quer aproximar TCE da sociedade k páginas 4 e 5
Fotos: Ricardo B. Labastier/JC Imagem; Design Gráfico: Andréa Aguiar e Karla Tenório/Editoria de Arte JC
k Recife, 25 de dezembro de 2011
Divulgação
k Mutarelli volta aos quadrinhos com obra experimental.
k8
k
Editores: Marcelo Pereira
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k Caixa com sete discos celebra 60 anos de carreira de Inezita Barroso. k 3
caderno C Recife I 25 de dezembro de 2011 I domingo
É AMOR Série traz, de hoje até sábado (31), sete cantores da música popular romântica brasileira, focando suas principais canções e a relação dos fãs com cada uma. É hora de abrir uma cerveja, colocar o disco na vitrola e cantar a perda daquela pessoa ingrata
Fabiana Moraes
U
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ma traição, uma despedida, um encontro que não aconteceu. Uma mulher ingrata, um casamento que se acaba, um desabafo de quem já não ama aquela que o magoou. Durante uma semana, o Jornal do Commercio, em sua versão impressa e na internet (http://jconline.ne10.uol.com. br), vai trazer o perfil de sete cantores do gênero popular romântico, aqueles inseridos no que se convencionou chamar de brega. Há, no entanto, um teor pejorativo no termo que não é assumido aqui (o Dicionário da Academia Brasileira de Letras, por exemplo, resume brega a algo “de mau gosto, cafona, sem refinamento”). Dizer que Bartô Galeno, Evaldo Freire, Roberto Muller, Carlos André, Genival Santos, José Ribeiro e Augusto César têm uma produção não refinada é subestimar a capacidade desses artistas em se comunicar com um enorme público. Escrevem e/ou cantam letras de alto teor dramático – e verdadeiro. É essa facilidade em expressar sentimentos, dúvidas, medos e paixões que restringe esses cantores “não rebuscados” a um lugar pouco prestigiado na mídia, como se nossa música popular brasileira fosse formada apenas por Chicos, Caetanos e Jobins. Como se o amor, a perda e a felicidade só pudessem ser traduzidos em metáforas, aquilo que os torna íveis apenas a um público fechado. No entanto, apesar de serem classificados por um termo repleto de preconceito, esses artistas continuam a fazer shows em todo o País e a ter suas músicas tocadas nas casas e bares dos subúrbios, principalmente no Norte e Nordeste. São ainda homens que representam um outro momento da indústria fonográfica nacional, quando um único artista vendia milhões de discos (a exemplo de Carlos André, cantor de Se meu amor não chegar, um milhão de cópias em 1974), momento este que ruiu a partir de fenômenos como o MP3 e a venda de CDs caseiros. Seus discos e músicas, aliás, continuam a ser estrelas nos carrinhos de camelôs vistos nas ruas ou em sites como o YouTube, dois “es” responsáveis pela formação de novos fãs do gênero. Importante dizer que os artistas trazidos aqui representam um amplo universo musical formado ainda por nomes como Luiz Carlos Magno, Reginaldo Rossi, Márcio Greyck, Odair José, Agnaldo Timóteo, Altemar Dutra, Fernando Mendes... Por questões de agenda e principalmente de espaço, trazemos aqueles que sintetizam com louvor esse exuberante gênero, artistas de um tempo em que eles, e não elas, se destacaram ao cantar seus sentimentos. São homens sem vergonha do amor, do bar, da lágrima, da despedida e do encontro que não aconteceu. Homens apaixonados e talentosos que fazem parte de nosso Clube dos Corações Partidos. k Continua nas páginas 6 e 7
Sobre músicas que evocam nossos pais “Essa música é a cara do meu pai.” Esta frase foi continuamente repetida durante o período no qual esta série foi produzida. Falava-se do cantor, às vezes da música, cantava-se um trechinho (“...tenho medo que não sejas a flor do meu triste jardim, lembra qual é?”) e imediatamente um pai surgia na conversa. Alguns estavam vivos, outros não. Alguns faziam parte da família, outros haviam abandonado a casa. Ele, esse homem evocado, parecia bastante com os cantores presentes neste especial: não se importava em demonstrar seus sentimentos. Mas há um porém. Evaldo, Zé Ribeiro, Müller e os outros artistas aqui presentes serviam (e servem) como espécies de mediadores para aquilo que o “chefe da família”, o homem que chegava às 18h depois de um dia cansativo de trabalho, nem sempre tinha coragem de dizer. O pai, é claro, não chegava sozinho à memória: estava sempre acompanhado por outras imagens – todas verdadeiras, mesmo não sendo reais – que circundaram a infância. Manhã de sábado, dia de feira, arrumava-se a casa, a faxina acontecendo enquanto a música era ouvida em volume alto. Ele ia cuidar de algum conserto do lar. Manhã de domingo, dia de lavar o carro ou a moto, ele abria uma cerveja, às vezes chegavam alguns amigos, “bota a caixa de som pra fora de casa”. Aos filhos, a primeira lição: guarde o vinil dentro do plástico antes de colocá-lo de volta na capa. Segunda: drama se ouve no último volume. Por tudo isso, esta série é uma pequena homenagem aos pais: os vivos, os mortos, os que continuam por ali lavando o carro ou a moto, os que abandonaram o lar. É uma homenagem ao seu, que, mesmo ouvindo rock, ou jazz, ou MPB, certamente tem uma música romântica popular guardada em um canto do coração partido. É uma homenagem ao meu, José Manoel, que na minha infância colocava as caixas de som fora de casa (em dezembro, ele a pintava e enfeitava com luzes de Natal) e dizia a todos nós, bem alto e usando Evaldo, Zé Ribeiro e Müller, aquilo o que ele realmente queria dizer. (F.M.)
6 jornal do commercio
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Amanhã: Evaldo Freire, dono de letras e canções confessionais, fala da vida assombrada por lembranças da infância, o álcool que deixou para trás e as disputas presentes no meio musical
Unanimidade entre os fãs da música popular romântica, cantor e compositor citado e gravado por diversos cantores presentes nesta série, Bartô Galeno é tratado como rei por onde a. Humilde, a voz macia e a cabeleira farta, é ainda um dos mais requisitados cantores de seu gênero, com uma agenda que pode chegar a cinco shows semanais. Aqui, acompanhado pela esposa Socorro, ao seu lado desde o início de sua carreira, Bartô conversa sobre sucesso, bebida e uma possível - e sempre protelada - aposentadoria
Foto: Ricardo Labastier/Designers Andréa Aguiar e Karla Tenório/Editoria de Arte JC
entando no camarim improvisado, Bartô Galeno não acreditava: eram 7h30 da manhã de um domingo e o Largo do Arouche, região central de São Paulo, concentrava uma multidão. Esta tinha um caráter universal e particular: era formada pelos novinhos, os coroas, os de mãos dadas, os solteiros, os que haviam acabado de chegar, os que, latinha na mão, aram a noite à procura de algo que não sabiam identificar. Mulheres e homens chamavam por seu nome. Quando ele entrou, os cabelos em dramáticos cachos, veio o barulho: palmas, gritos, fotos, “Bartô!”, “Bartô!”. Era uma recepção e tanto, principalmente para um horário malvado daquele. O cantor, era verdade, estava acostumado a um público efusivo: trinta anos antes daquele 3 de abril de 2009, estava em um camarim improvisado no garimpo de Serra Pelada. Escutou os novinhos, os coroas, os vários solitários, todos homens e poucos sóbrios, as garrafas de cerveja na mão. Chamavam por seu nome. Palmas, gritos, “Bartô!”, “Bartô!” e tiros. Muitos tiros. Se assustou, a voz tremeu. Se acalmou quando explicaram os disparos: “É porque gostam de você”. Era verdade: no fim do show, jogavam pepitas de ouro aos seus pés. Das apresentações nos garimpos da selva amazonense (“era tanto nordestino ali isolado do resto do mundo”) até o show realizado na Virada Cultural paulistana, Bartô, nascido em 1950, 40 anos de carreira, esteve em frente a milhões de pessoas que o trataram como um rei. Modesto, nunca reclamou para si o título relacionado tanto àquele que é sua grande inspiração (Roberto Carlos) quanto a outro cantor que compartilha de sua seara musical (Reginaldo Rossi). Mas a coroa, note-se, não é necessária: um exemplo é que o cantor e compositor de Sousa, na Paraíba, foi constantemente citado tanto pelos artistas que aparecem nesta série quanto pelos fãs da música popular romântica do País. Bartô chama atenção por onde a: foi assim no dia da entrevista para esta reportagem, marcada em um shopping center no bairro do Meireles, em Fortaleza. No jardim do restaurante no qual a foto que ilustra esta página foi feita, um grupo de garçons reuniu-se para ver o cantor posar acompanhado por uma fita cassete. Antes, quando se dirigia ao local, um relógio dourado no pulso, o blue jeans à 70, acenou para fãs nos corredores. Fotos e “Bartô! Bartô!” Não é fácil precisar a afetividade instantânea que sentimos pelo cantor e compositor a partir de qualquer contato mais aproximado (em um show, em uma simples audição ou em uma entrevista de duas horas). Baixa estatura, magrinho, o cabelo RC nos anos Lady Laura, a voz amaciada e meio tremida, ele é dono de uma conhecida simplicidade. Personifica o cara boa-praça que assume o tom conciliatório quando os egos ficam mais alterados, o moço simpático que não precisa sorrir mais alto, nem falar por último, nem mostrar que é o mais sagaz do grupo. Simplificando: Bartô é gente boa. Um exemplo foi a postura do cantor durante esta conversa: várias de suas respostas foram interceptadas pela esposa, Socorro, com quem está casado desde 1975. Perguntou-se quando ele deixou a Paraíba para morar no Rio. “Foi em 1969, no dia 2 de julho de 1969, eu...” Aí vem ela: “Ah, foi no dia em que a Apollo chegou à Lua... Ele sempre conta essa história.” O cantor sorri, toma outro gole de água e só responde: “É, foi, foi”. (A expressão em repeteco seria usada várias outras vezes nos momentos em que Socorro tomou a fala para si.) Mas antes de o homem chegar à Lua e Bartô ao Rio, há, é claro, a gênese do mito: o filho de João de Deus e Carlota foi pequeno, 10 anos, morar em Mossoró, Rio Grande do Norte (terra fértil dos cantores da música popular romântica, como atesta esta própria série). A família, que ava por dificuldades financeiras, logo montou um tabuleiro de frutas em uma pequena feira local. Bastinho Silva, o futuro Galeno, ajudava a vender os produtos enquanto começava a tocar violão e a cantar. A voz agradava e chegou aos ouvidos de um locutor da Rádio Rural, Manuel, dono de um programa de auditório. Bastinho terminou lá no palco, aplaudido (começava ali sua relação de amor com o público). Aí veio 1969: enquanto a Ditadura Militar provocava dor e assombro para alguns e felicidade e segurança para outros, o rapaz vencia o concurso A Mais Bela Voz. O título foi a mola que o impulsionou para o Recife. “Fiquei por lá somente duas semanas.” Trabalhou em um restaurante, arrumou as malas, foi para São Paulo, se aquietou no Rio. Não foi uma chegada solitária, é verdade: quem estava por lá era Oséas Lopes, o futuro Carlos André (presente nesta série), que mais tarde viraria estrela com Se meu amor não chegar. Era, no entanto, já prestigiado por conta do Trio Mossoró – o grupo já havia encontrado o menino de Sousa em São Paulo, e foi lá que Bastinho morreu para dar vez a Bartô. “Isso não é nome de artista”, disseram. Na operação do rebatizado, o Bartolomeu tomou o rumo natural do Bartô, mas o sobrenome era um problema. Pensaram até em manter o Silva, mas era simplicidade demais para concorrer com os Adrianis e Sorianos do momento. Aí surgiu o Galeno, bom reforço para o desenvolvimento da gênese do mito. No Rio, Bartô escreveu canções para nomes como Odair José e Genival Santos (de Eu lhe peguei no flagra, presente nesta série), também para Carlos André e Fernando Mendes. Seu parceiro mais comum era Antônio Pires (irmão do cantor Roberto Müller, outro dos sete cantores de coração partido trazidos neste especial). Havia uma espécie de fraternidade entre os diversos cantores nordestinos que tentavam ocupar um espaço legítimo em meio a imensa produção fonográfica carioca. “Era tudo muito difícil, mas nós nos ajudávamos. Escrevíamos à mesa, saíamos para beber e compor”, lembra. Começou a ganhar dinheiro com a composição, mas não havia esquecido do título de Mais Bela Voz. Queria cantar. Como era comum na época, ou pelos programas de auditório, entre eles, é claro, o de Chacrinha. Bartô lembra-se bem da longa fila para o teste, no qual a triagem era baseada em um enorme pragmatismo: “Esse canta, esse não canta, esse só tem boniteza, bota ele pra cá”. Com a ajuda de Carlos André, que estava trabalhando na Copacabana, conseguiu ser apresentado aos produtores da gravadora Tapecar. Em 1975, gravou o LP Só lembranças, lançado no ano seguinte. O álbum, relançado em 1978, fez sucesso: Cadeira vazia e Amor vagabundo tornaram-se hits. Em 1977, veio Pelo menos uma palavra, que antecedeu aquele que seria o Sgt. pepper's, o Dark side of the moon de Bartô: o LP No toca-fitas do meu car-
ro, cuja faixa-título o elevou para o panteão da música popular romântica nacional. A música, autobiográfica, foi inspirada nos momentos de solidão que o cantor ou enquanto dirigia seu Chevette, o primeiro carro que comprou na vida.
“PAPAI TE OUVIA QUANDO BEBIA”
Bartô diz que praticamente sustentava toda a Tapecar com a venda dos seus discos – o sucesso fez com que o cantor asse por gravadoras maiores, como a WEA, a Continental, a RGE (nos anos 90, ele também foi lançado pela recifense Polydisc). Vendas e cabeleiras ainda mais fartas, ele manteve a mão no freio e não deixou o sucesso provocar abalroamentos: continuou a prezar pela própria humildade. Mantinha, também, o hábito de beber com os colegas cantores e compositores. Socorro, que além da entrevista NO TOCA-FITA compartilhava uma água mineral com o marido, conta que era DO MEU CARRO uma época difícil. “Ele saía e não voltava, ava dias fora de caNo toca-fita do meu carro, sa.” Ela enfrentava, não em um Uma canção me faz lembrar você, Acendo mais um cigarro Chevette, mas em casa, a solidão E procuro lhe esquecer. quando o marido ava meses Do meu lado está vazio, em turnê. “Eu chorava, me senVocê tanta falta me faz, tia só.” Bartô, lembrando-se das -pois cada dia que a farras e dos shows com os amigos, pensa alto o que talvez não Eu te amo muito mais(bis) devesse ser verbalizado: “Mas era tão bom...” Encontrei no porta-luva um lencinho Hoje, com a saúde mais frágil, Que você esqueceu. ele jura ter deixado a bebida pae num cantinho bem bordado ra trás. Precisa de fato cuidar de O seu nome junto ao meu(bis) si para dar conta da agenda apertada: há noites em que faz três, quatro shows. “Eu penso em parar, mas, quando acaba um mês, já tem outro todo lotado.” Geralmente, vende as apresentações em uma espécie de “pacote”: três shows saem por R$ 15 mil. Se for um show único, o preço é elevado. Apresenta-se bastante no Sudeste, onde vive (Rio de Janeiro). Os shows são concorridos e é comum, segundo ele, encontrar jovens que estão o descobrindo agora. Os depoimentos dos noDISCOGRAFIA vos fãs por vezes provocam o riso do cantor. “Eles dizem ‘meu 2009 pai, quando era vivo, gostava de Paixão errante você’, ou então ‘Ele não bebe mais, mas quando bebia, curtia 2006 muito seus discos’”, conta. OuSimplesmente tra gafe comum – e que Bartô adora falar – é confundirem mú1997 sicas populares de outros cantoO peso da saudade res como sendo dele. “Bartô, canta Fuscão preto, Bartô, canta 1994 no hospital, na sala de cirurgia.” Lembrança de nós dois Ri de novo. Pouco depois, quando lhe pedem para se enrolar na 1990 fita cassete que remete ao seu Ecos do meu grito maior sucesso, ele se anima. Apesar de meio abatido (Bartô 1987 estava doente no dia da entrevisMeu lamento ta), apesar de estar há poucas horas de realizar mais um 1985 show, ele a quase uma hora Piquenique em alto mar posando para fotos. No final, enrola de volta toda a fita magnéti1982 ca. “Vão precisar dela? Quero A chuva traz recordações pra mim.” Levou o objeto como uma espécie de suvenir de um 1981 dia que queria lembrar. Como No meu carro por aí se a celebridade, o rei que deveria ser cortejado e lembrado, o 1980 cara gente boa e talentoso, não Bartô Galeno fosse ele. 1983 Enamorado 1979 Tudo é nada sem você
Cintia Leite Rodrigues/Especial para o JC
S
k Continuação da página 1
1978 Só lembranças (relançado) 1977 No toca-fita do meu carro 1975 Só lembranças k Contato para shows: (21)
8668-0623 / 2558-5191 - (91) 8170-4640 (falar com Naldo Kleber)
q Mais na web Acompanhe o especial Clube dos corações partidos na web, onde é possível ouvir músicas e vídeos exlcusivos do cantor http://www.jconline.com.br
PRODUÇÃO Antônio sente falta de novas canções de Bartô
Aprendizado nos bares da zona rural “No toca-fita do meu carro? É a melhor que tem!”, diz o agente de saúde Antônio José de Melo, 61 anos, outro fã que conhece profundamente não apenas a obra de Bartô, mas de cantores também importantes como Waldick Soriano e Evaldo Freire. Sua iniciação começou em meados dos 70, quando começou a trabalhar na Fundação Nacional de Saúde (FNS). Visitava frequentemente povoados pouco urbanizados, sítios onde o consumo musical era pautado basicamente pelas canções dramáticas dos cantores populares. ava dias nestes locais e, à noite, ia se divertir nos bares, onde a tríade cachaça, música romântica e dor de cotovelo predominava. Durante anos na estrada, Antônio terminou levando, à sua maneira, uma vida parecida com aquela
experimentada por Bartô, este andando no Chevette particular, o outro, nos carros institucionais do Governo Federal. A convivência auditiva com os cantores tornou-se paixão e o agente de saúde iniciou a compra de vinis – tem alguns raríssimos, entre eles alguns do próprio Bartô. Vivendo há décadas em Carpina (Zona da Mata Norte), ele também ou a conferir, aos sábados, as apresentações que vários desses artistas realizavam no programa apresentado pelo radialista Paulo Marques. A compra de vinis virou um hábito. Conhecido na cidade por seu enorme interesse nas canções românticas populares, Antônio chegou a receber em casa a visita do cantor José Ribeiro (presente nesta série), que estava na cidade para um show. Lamenta, no entanto, nunca ter visto uma apresentação de Bartô. “Ele não aparece por aqui. Se eu encontrasse ele, ia perguntar porque é que não grava mais”, diz. Com o aparecimento do CD, ou a investir na mídia e deixou de ouvir seus discos de vinil (“É bom ouvir estes discos mais alto, e hoje tá mais difícil”). Também adquire coletâneas vendidas na rua, mais íveis. Como outros entrevistados, reclama tanto do preço dos CDs vendidos em lojas quanto da homogeneização da música popular atual. “É aquele bando de mulher gritando, ninguém sabe quem é quem.”
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Amanhã, Roberto Muller: exemplo máximo de nosso bolero, ele conta porque já não pede uma cerveja – e lembra dos milhares de discos que vendeu
Fotos: Ricardo Labastier/JC Imagem/Designers: Andréa Aguiar e Karla Tenório/Editoria de Arte JC
A voz forte e dolorida é o mais evidente indício do peso que Evaldo Freire leva inscrito na alma. Desiludido com o mundo, o meio musical, as relações estabelecidas entre ricos e pobres, ele leva para suas canções o drama que é ser ele mesmo: já cantou a morte da mãe, as dores de ser deixado, a vingança de não mais querer quem ele amou e não o correspondeu. Aqui, Evaldo fala sobre a expulsão de casa quando ainda era criança, o início da carreira, o sucesso que o levou a morar em hotéis de luxo e os fantasmas que ainda assombram sua estrada singular
Fabiana Moraes
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“Eles sofrem tanto quanto nós”
MEMÓRIA Andréa subia na árvore para ver os homens chorarem
Ritos de iniciação não institucionalizados, aqueles pelos quais amos sem saber que mais tarde ganharão esse título pomposo, formam parte do revestimento dourado de nossa memória. Andréa Xavier estava em cima de uma árvore plantada na casa de praia onde ava os verões, em Maria Farinha (Litoral Norte do Estado), quando viu e ouviu aquele bando de homens bebendo, jogando sinuca, cantando e chorando a cada canção. “Ali era meu esconderijo secreto, minha ‘casa da árvore’, minha melhor brincadeira.” As amigas não entendiam como ela podia prestar atenção nos gostos de homens – e tão mais velhos. Eles ouviam Evaldo Braga, Alípio Martins, Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Fernando Mendes, Reginaldo Rossi, Adilson Ramos. E Evaldo Freire. Chega, maior sucesso do cantor, colou na memória afetiva da jornalista de 26 anos. “Essa música é do tipo que se fixa em você. Seja pela melodia ou pela letra. Aliás, se tem uma coisa bacana nessa música, é a letra. Todo mundo já sofreu de amor e se identifica com o sofrimento do cantor. Como se ele também te entendesse. Rola um sentimento de que o ouvinte e o cantor são amigos, de que ele está compartilhando a história de vida dele e que de alguma forma vai te conformar na sua vida amorosa também.” Evaldo, nesse sentido, personifica de maneira máxima
um tipo de exposição masculina só possível e respeitada, no Brasil, dentro do universo do que se convencionou ser chamado de brega. “Acho que os homens encontraram nessa música uma forma de expor os sentimentos e os sofrimentos de um amor não correspondido, de uma traição sofrida”, diz Andréa, que ainda hoje ouve música popular romântica com seu pai. “Vejo a fragilidade dos homens quando o assunto é amor. Eles sofrem tanto quanto nós mulheres.” Em Chega, adjetivada pela jornalista como linda e envolvente, o homem, aquele que representa todos nós cansados de sofrer, dá o troco na mulher. “Eu imagino até a historinha: eles estavam juntos, aconteceu algo que motivou uma briga. Ele sofreu de amor e, agora que superou, ela percebeu os erros e busca o perdão do amado. Mas ele não quer mais saber dessa mulher ingrata que o fez sofrer.” Apesar de encontrar resistência dos amigos, ela costuma frequentar shows nos quais o “brega” é o mote, seja em espaços mais populares (festas na periferia, em clubes), seja naqueles em que o estilo tanto é respeitado como é consumido com certo folclore. “Choro de saudade da minha infância, das tardes que ei em cima de uma árvore, da vitrola do Bar de Seu Fia. Essas músicas, esses cantores, me marcam porque ouvi-los hoje me remete a um ado de muita alegria.”
valdo Freire deveria estar feliz. Tinha fechado um excelente contrato com uma gravadora de alcance nacional. Seus discos eram um sucesso: só o primeiro havia ado das 500 mil cópias, permitindo que ele pudesse experimentar o dourado título de ídolo popular. Deixou para trás o garoto invocado e pobre que morava em um acampamento cigano no Rio Grande do Norte para ser tratado como estrela no Rio de Janeiro. Evaldo Freire deveria estar feliz, mas aí se viu fechado em uma pequena sala, um psicanalista sentado ao seu lado, o ar condicionado e a penumbra de lá dentro como antítese do sol forte de lá fora. “A Odeon pagou um médico para saber o que era aquela tristeza dentro de mim.” O doutor que vivia na penumbra tentava em vão cavar aquilo o que o cantor, é claro, já conhecia. Aquela tristeza diaba era um troço grande e multiforme, tentacular, esquisito, arrastado, refratário, indizível e adjetivável demais para ser formatado em 45 minutos de conversa. O sentimento monstro foi inaugurado precocemente. Evaldo tinha apenas 9 anos de idade quando foi mandado CHEGA embora de casa. Morava com os pais e os seis irmãos na faEvaldo Freire e Célio Lima zenda de um tio, em Ipanguaçu. O proprietário da casa não gostava dele – e deixava isso claro. Um dia, disse que o Faça um favor de me deixar em paz menino, filho de sua irmã, não poderia mais viver ali. A faJá te amei, não te amo mais mília se preparou para sair, mas a falta de dinheiro, de Agora chega de abusar Quem te amou, não te ama mais perspectiva e de coragem fez com que todos ficassem – Sai de mim, mulher ingrata menos Evaldo. Maria de Jesus, sua mãe, tentou protegêEu não te quero nem virada em prata lo: recomendou-o para uma comunidade cigana, como ela, Você só me fez sofrer que vivia perto dali. Era uma forma de cuidar do menino, Só me fez chorar que foi morar em meio a uma lógica distinta: o pai, o vaNunca mais hei de te amar queiro Eduardo, não compartilhava das práticas da mãe. “Sou batizado na Assembleia de Deus. Minha família é cigana e evangélica.” Ri da própria declaração. “É isso aí, cigana e evangélica. É difícil, viu?” Continuou vendo Maria: ia até a fazenda todos os dias à tarde tomar a bênção. Ao mesmo tempo, se adequava ao dia a dia dos ciganos, aprendendo através da saudade ou da raiva, na verdade os dois sentimentos misturados, o significado de kachardin (triste), de kambulin (amor), de bata (mãe), de bato (pai). Foi nessa imersão e nessa vida na qual via pais e irmãos, de longe, seguindo como família, que ele moldou o troço tão adjetivável cujo rosto encararia mais tarde, na sala escura do psicanalista. No acampamento, o violão era a maior companhia, ajudando-o a sedimentar uma tristeza que, repare, nunca foi silenciosa. Saía como voz, como nota, às vezes com a ajuda de um dose de DISCOGRAFIA ximbira (aguardente). Um dos irmãos criados sob os carinhos de Maria de Jesus e Eduardo um dia o viu tocar. En1991 tendeu rápido: “Você canta pedindo socorro”. Br deserta • RGE • LP Contou todas essas coisas envolvido pelo frio do ar con1989 dicionado, enquanto o sol forte estava lá fora. Contou tamDo mesmo jeito • RGE • LP bém sobre quando foi embora. Tinha perto de 17 anos. Saiu do acampamento para o sétimo Batalhão de Engenha1988 ria de Combate, em Natal. No dia em que chegou, falando Sucessos de ouro • Jangada • LP com um sotaque cigano, tão diferente, logo resolveram a 1987 questão. “Você é comunista?”, perguntou um oficial de alHoje só falo de amor • Jangada • LP ta patente. Em meados dos anos 70, ou você era isso ou aquilo, mas Evaldo ou batido pela polarização políti1986 ca: sua singularidade consistia em ser um rapaz de cabelos Foi por amor • Jangada • LP encaracolados que trazia como bagagem um violão e uma 1985 tristeza grande e multiforme, tentacular, esquisita, arrastaNão te esquecerei • Jangada • LP da, refratária, indizível e adjetivável demais para ser formatada dentro dele mesmo. 1984 ou anos no batalhão. Virou tenente. “O comandante Outro amor • EMI/Odeon • LP me adotou como filho. Aí foi bom.” Ainda sonhava em ser cantor. “Eu ficava pensando: um dia vou chegar perto des1983 Minha gratidão • Jangada • LP ses cabras dos Fevers e vou falar com eles.” Pediu baixa no quartel e novamente ficou só. O mercado musical de Reci1982 fe o atraiu: foi parar na cidade, tentou conversar com alVolte, cigana • Jangada • LP guém da gravadora Rozemblit, então responsável pela metade do que era lançado no mercado nordestino. Foi barra1981 Em busca do teu carinho • Jangada • LP do por um guarda. “Achavam que eu era doido. Pensavam: ‘Mas um cara desses, cigano e pobre, vai ser artista?’” Re1980 solveu gravar uma fita cassete, voz e violão. Mandou para A dor de um apaixão a EMI Odeon. A gravadora, dona do selo Jangada, voltado Jangada/EMI/Odeon • LPS para artistas populares românticos, chamou o rapaz para conversar. Evaldo viu seu discurso do cigano pobre que não faz sucesso desaparecer quando, em 1979, recebeu o k Contato para shows: (81) 96711297 e convite para gravar um disco. “Ganhei tanto dinheiro que (84) 91189192 achei que não precisava mais gravar nada, podia parar por
q Mais na web Acompanhe o especial O clube dos corações partidos na web, onde é possível ouvir músicas e vídeos de Evaldo Freire (ele canta exclusivamente para você!) http://www.jconline.ne10.uol.com.br/cantores/index.php
ali.” O primeiro álbum demorou quase um ano para sair. Durante esse tempo, o cantor ia todos os dias ao escritório local da empresa, na Conde da Boa Vista, na expectativa de ver seu rosto impresso na capa de um vinil. Um dia, ando na frente de uma das lojas de discos A Modinha, ouviu sua voz. Um Evaldo ineditamente feliz escutava um Evaldo triste cantar: “Eu lhe vi sentada, muito alegre/Na mesa de um cabaré/Senti a dor, no meu peito bateu/De lembrar que você/Já foi minha mulher.” Era a música A dor de uma paixão, carrochefe do disco homônimo. “Tocou muito, muito, demais. Tocou tanto que eu tive até raiva.” Estava com 23 anos. Fez shows, vendeu mais discos, lançou outros (Em busca do teu carinho, 1981; Volte, cigana, 1982; Minha gratidão, 1983). A gravadora, feliz com o sucesso do moço de cabelos encaracolados, a voz tão aflita, o mandou para um hotel cinco estrelas carioca. Ficou dois anos no Rio. A tristeza diaba que levou consigo ou a contrastar terrivelmente com a nova vida, o dinheiro, o sucesso, o assédio, o uísque caro, o serviço de quarto, a comida boa, os amigos. Evaldo, sem conseguir dar conta do sentimento monstro, ia se fechando. Foi enviado para a sala da penumbra e do ar refrigerado. Entre os colegas cantores, virou o desvairado, o esquisito, o doido. Só que ninguém o nomeou daquilo o que ele era – e até hoje é: um homem assombrado. Voltado cada vez mais para si, continuou gravando (Outro amor, 1984; Não te esquecerei, 1985; Foi por amor, 1986). No começo dos anos 90, encerrou a longa relação com a Odeon e iniciou outra, mais curta (dois discos) com a RGE. Voltou a morar no Nordeste, desta vez no litoral norte pernambucano. Uma ampla casa a menos de um quilômetro do mar é o local escolhido para viver com os dois filhos e a mulher, Luciene. Ao lado dela, viaja para shows frequentes em cidades do Norte do País, como Rio Branco, Sena Madureira e Esperança. Em agosto deste ano, se apresentou quatro vezes no Acre. Vai para tão longe porque, ao contrário daqui, ali lhe pagam bem – um show sai por, em média, R$ 7 mil. Nas apresentações, o violão que tanto carregou deu lugar a um teclado. As cordas, diz, trazem com demasiada força aquilo o que constantemente o assusta. “Deixei de escutar porque tenho depressão. Deixei de beber. E não me escuto mais não. E tem o medo. O medo de alma, de gente morta. Eu já vi, muito, acredite.” Quem tanto o afetou, tem certeza, não foi a bebida – apesar de os dois, juntos e em excesso, já terem provocado muita coisa ruim. “Quando ele dizia: ‘Nem marque show para mim’, eu já sabia que ele ia sumir. ava dias fora, bebendo, na estrada”, conta Luciene. Evaldo sabe que o detonador da voz aflita foi a solidão que experimentou desde o momento em que saiu da fazenda. “É triste olhar para um lado e pora outro sem saber para onde se vai.” É comum, quando chove à noite, vê-lo na varanda, olhando o mar. Acredita que uma onda enorme, gigante, pode se levantar e levar sua casa, sua esposa, os meninos, os discos de ouro e de platina símbolos de outro momento, o som muito potente que ele coloca no volume máximo para que as visitas percebam que bela máquina de música existe em sua sala de estar. Sua vigília, ao que parece, garante a ele mesmo que tudo vai ficar bem, basta permanecer acordado. Nesses momentos, sabe que não está só. Ali, perto dos diversos objetos dourados que Luciene comprou para evocar a vida um dia cigana de Evaldo, está ele: o troço grande e multiforme, tentacular, esquisito, arrastado, refratário, indizível e adjetivável demais para ser formatado em apenas cem linhas de uma matéria.
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Amanhã: Carlos André, o homem que ameaça quebrar a mesa se seu amor não chegar, fala como vendeu, nos anos 70, um milhão de discos
O Romântico Pingo de Ouro do Brasil, como era chamado por Chacrinha, é o intérprete de uma das canções mais icônicas de nossa música popular, aquela que nos sugere: tem dor que só se cura em mesa de bar. Se ali ele podia beber uma cerveja para esquecer, agora, com a saúde fragilizada, resta-lhe cantar - o que continua a fazer com frequência. Sentado, o terno escuro e a gravata colorida, ele continua, em seus boleros, a evocar o cabaré, a mulher triste, o casamento lamentavelmente fissurado pela presença do Outro Sul de Pernambuco), Pilõezinhos (Paraíba), Barras e Uruçuí (Piauí). Outro fator para o certo silêncio, Müller não tem dúvida, foi a publicação de sua morte em um livro didático (Educação sem fronteiras) agmar está cansada, mas precisa acompanhar mais uma impresso em 2002 pela secretaria de Educação do Piauí. Na página entrevista de uma jornalista interessada na carreira de seu 14 da publicação, lê-se: “Ainda em 1963, Roberto Müller, um piauienmaior cliente. Na sala onde um ventilador não consegue se de Piracuruca, tornou-se sucesso nacional com a música Entre esdar conta do calor, ela, aborrecida, ouve as mesmas perpumas. Faleceu ainda jovem e é lembrado com carinho pela (sic) sua guntas de sempre: quando ele começou a cantar? Que múcontribuição”. Quando descobriu a absurda informação, mostrada sicas marcaram mais a carreira dele? Que cantores o inpor um fã durante um show que ele realizava justamente em Teresifluenciaram? Quando lançou o primeiro disco? As respostas, como não pona (PI), o livro já estava circulando havia quase cinco anos. Hoje deria deixar de ser, também são as mesmas: aos 15 anos; Entre espumas e Müller espera o resultado do processo que move contra o governo do Nunca mais brigarei contigo; Waldick Soriano; 1963. Dagmar está cansada e Piauí. “Muita gente parou de me procurar porque achava que eu tinão esconde a impaciência. “Vocês vão demorar muito? Roberto não tem a nha morrido.” Tal informação encontrou mais força no início de tarde inteira.” A pouca disposição se explica: a produtora desenvolveu certa 2010, quando o artista sofreu um acidente vascular cerebral e ou intolerância com aqueles que chegam, entre ansiosos e deslumbrados, ao semanas internado no Hospital da Restauração. Foi um período difílar modesto do homem que há algumas décadas figurava como um dos mais cil: o AVC comprometeu uma das pernas e importantes cantores do Brasil. Há poucos meses, ela ou horas com o cantor precisou usar, durante meses, cauma equipe carioca que anunciou com pompa e circunstância a realização deira de rodas. Os shows, é claro, foram susENTRE ESPUMAS de um filme sobre a “autêntica música brega brasileira”. Semanas depois, pensos. Hoje, Müller já consegue, apesar de Roberto Muller mais dois jornalistas estiveram toda a tarde radiografando a vida do cantor. certa dificuldade, andar. Melhor ainda: volJá naquele dia, a casa era novamente visitada por outra dupla, que chegou, tou a fazer shows e a encontrar um público Uma noite sentou-se a minha mesa conversou, fotografou, mudou os móveis do lugar, fez Roberto relembrar cativo que nunca o esqueceu. E entre tragos lhe dei todo o meu amor Transcorreram só duas semanas novamente o ado (mais uma vez, ele chorou). Como os entrevistadores Realizar tais show não é tarefa simples: Como em sonho, minha vida se acabou anteriores, tomaram um café e foram embora. E aí tudo voltou ao silêncio. como invariavelmente precisa viajar, ele neDesde então os rios do meu pranto E é na verdade dele que Dagmar está cansada. cessita da ajuda da onipresente Dagmar. confortaram a cruz da minha dor Voz que ou por rádios como a Excelsior, Nacional e Mayrink Veiga, 80 Ninguém sabe que meus males são tão grandes Ela o ajuda a se locomover pelo espaço, às discos gravados, seis deles recebendo o ouro, Müller, 74 anos, não se apresenvezes árido, do palco, onde fios, cabos, peQue me partem, o coração ta há seis anos na capital pernambucana, local que ele escolheu para viver há Mas conforta e eu sei que está em minhas mãos destais de microfones e caixas de som sertrês décadas. Não canta, note-se, na mesma cidade que há alguns anos vem seAliviar-me desta amargura vem como espécie de obstáculos para o canSe um amor nasceu de uma cerveja dimentando em todo o País um lugar de destaque na produção musical do tor, que se submete semanalmente a sesOutra cerveja beberei para esquecer “brega”, inclusive com a enorme adesão de um público jovem e de classe mésões de fisioterapia. Tudo isso, no entanto, Um amor que surge numa mesa dia. “Deixa isso pra lá, não tem nada não”, diz o cantor, tentando aquietar a não arrefece a vontade de Müller se apreentre espumas terá que terminar agonia de Dagmar, refratária ao que lhe parece ser outra falsa atenção. sentar: quem acompanha suas apresentaMüller não: em vez de se aborrecer por ter que repetir sua história – a infânções sabe que o cantor esmera-se para surcia no Piauí, os concursos cujo grande prêmio era uma caixa de Melhoral, o gir bem para o público. Os ternos bem-pastempo que ele vendeu laranja na beira da praia, a época em que cantou nos casados e de cor escura são acompanhados barés de Angola – fica tranquilo. Diz tudo de novo. Sua calma, note-se, não por gravatas de cores fortes – amarelas, versignifica subserviência ao interesse midiático: ela está baseada nos vários melhas – coordenadas com um lencinho. O anos em que o artista lidou cotidianamente com gravadoras, turnês, fãs, aquebigode cheio faz par com a peruca negra les anos em que fez parte de uma imensa engrenagem musical-industrial. que adotou há anos, dois órios estilístiEssa engrenagem foi dissolvida com fenômenos como a popularização cos que estão mais relacionados a um sede s, a distribuição de discos e vídeos no circuito alternativo e a gundo momento da carreira do cantor. No baixa no preço dos computadores, uma mudança radical que inclui forteinício, quando se tornou conhecido como mente o senhor José Ribamar da Silva, nome de batismo do intérprete e O Romântico Pingo de Ouro do Brasil, títucompositor. Apesar de não constar mais no catálogo de suas antigas gravalo conferido por Abelardo Barbosa, Chacridoras (CBS, atual Sony, e as extintas Copacabana e Polydisc), ele continua nha, o cabelo meio encaracolado e castanho a ter sua obra circulando nas coletâneas vendidas nas carrocinhas de CDs, era alisado para trás e o bigode era limado. no YouTube, nos bares, nas festas de cidades do interior. É uma realidade Os ternos, no entanto, já faziam as vezes de de mão dupla: se, por um lado, o intenso e não autorizado compartilhamenarmadura artística do homem baixinho e to de suas músicas deixa de render o dinheiro relativo a direitos autorais, dono de voz potente que popularizou o boesta distribuição não gerenciada permite que sua música volte a ser ouvida lero no País, gênero colocado no mesmo bapor quem não possuía mais seus discos e, mais ainda, termina alcançando laio do brega. “Pois é, eu sou um cantor de novos ouvintes. No entanto, a popularidade que Müller desfruta em espabolero. Mas não me importo com esse rótuços como o YouTube (vide as quase 20 mil visualizações da música Me arlo de jeito nenhum.” rependo, as mais de 45 mil de Fruto amargo, as mais de 27 mil em Vida de Apesar das diferenças estilísticas, o Rocão sem dono) não é refletida na sua agenda de shows: podem surgir três berto que posava de galã em capas de disem um mês, pode não aparecer nenhum. E aí vem o silêncio, aquele do cos (hoje vendidos como raridades nos siqual Dagmar está cansada. “O pessoal chega oferecendo qualquer coisa, tes de compra, venda e troca) continua a 500 reais, mil reais”, diz ele, que, em respeito tanto à sua carreira quanto à ser o homem romântico que canta frases dos colegas cantores, diz não para as pouco vantajosas propostas locais. Escomo “sei que choras”, “se um dia tu voltate não o mantém distante do público do lugar onde vive e onde é bastante res” e “me deixaste”. Ouvidas há décadas consumido, mas não o afasta de cidades como as modestas Maraial (Mata nas popularíssimas rádios ou em programas de auditório transmitidos nacionalmente, elas são hoje proferidas pelo artista que canta sentado em cadeira de plástico posta no meio do palco. É ali, com movimentos contidos, às vezes iluminado precariamente, que ele, a despeito das limitações físicas, a mais de uma hora cantando para uma plateia profundamente distinta daquela de décadas atrás. Brinca, elogia a noite e o público (“vocês são gente bacana”), vende os CDs e DVDs trazidos por Dagmar. “São apenas dez reais, minha gente”. Vem Talvez, talvez, talvez (versão de Quizás, quizás, quizás), Vem Dama da noite (“Do palacete, ela acabou no cabaré”), vem novamente Entre espumas, porque Müller gosta de agradar. Quando o show termina, Dagmar está ao seu lado para ajudá-lo a caminhar pelo palco. Roberto permanece tão DISCOGRAFIA* arrumado e distinto quanto no começo do 1975 1966 * Roberto Müller tem mais de 50 1982 1970 show. Tão arrumado e distinto como quanO romântico de sempre Por uma mulher Perdoada discos lançados, por isso esta Tua lembrança do chegou ao Rio em 1963. Arrumado e dislista, por questões de espaço, tinto como no dia em que foi até a Rádio 1976 1965 traz apenas alguns dos mais 1983 1971 Mayrink Veiga e se apresentou no prograO romântico do povo Amor quando é amor Por um minuto apenas significativos de sua carreira. Meu mundo de esperança ma Pescando Estrelas, de Arnaldo Amaral. “Eu pedi para cantar lá. Disseram que eu po1977 1967 1996 1972 O melhor dos boleros Vítima de amor 20 Supersucessos Roberto Müller dia ir no domingo pela manhã. Daquele dia k Contatos para shows: em diante, graças a Deus, não deixei mais 3338-7305/9234-5206 (falar 1981 1968 2002 1973 de cantar.” Dagmar ouve tudo com a mão com Dagmar) No mesmo lugar Sofro por te amar Fugindo da ilusão Roberto Müller encostada na testa. Sabe de tudo isso. Sabe que já começa outro silêncio. É dele que Dagmar está cansada. Fabiana Moraes
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Fotos: Ricardo Labastier/JC Imagem/Designers: Andréa Aguiar e Karla Tenório/Editoria de Artes JC
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A trilha sonora de um jovem namorador e apaixonado Jader Urbano tinha apenas 17 anos quando começou a trabalhar como sonoplasta na empresa de publicidade Tupã, em Goiana. Gostava daquilo que os jovens de sua idade apreciavam naquele momento: as versões para o português de sucessos dos Beatles, de um lado, a disco que começava a dar seus primeiros os, do outro. As músicas que o chefe escutava durante o expediente, no entanto, compunham a trilha diária do rapaz que, sem saber, ia sendo pedagogicamente preparado para os romances que cimentariam sua história pessoal. “Eu era muito namorador”, comenta ele, fazendo uma anamnese de sua vida amorosa naqueles anos 70. Neste sentido, quem estava no seu topo das “Dez Mais do Sentimento que Faz Doer o Cotovelo” era Roberto Müller. “Entre espumas conta toda a história de um relacionamento que tive, o que vivi naquela época. Naquela hora, foi uma coisa muito ruim, mas hoje eu recordo com certa saudade. O tempo a e a gente vê as coi-
sas de outro jeito”, diz Jader. A conexão com Müller continuou justamente durante esse tempo de amadurecimento: o esclarecimento de que o fim de um amor não era necessariamente o fim de uma era, algo comum nos então 17 anos de Jader, não diminuiu o poder das palavras do cantor. A importância da música moldou a escolha da profissão: Jader tornou-se radialista – e é claro que Müller tem presença maciça em seu programa (Comunidade em movimento, transmitido de segunda a sábado, na Nova FM, em Goiana, das 8h às 12h), além de outros cantores do mesmo naipe. Não satisfeito em transmitir para multidões os boleros de Müller, Jader foi mais longe e organizou uma apresentação do artista na cidade. O restaurante onde o show aconteceu lotou - tanto que muita gente não pôde entrar e terminou ficando meio chateada com o radialista. “Teve amigo meu que brigou comigo. Essas músicas são sempre atuais e continuarão assim enquanto o amor existir.”
q Mais na web ALÔ SOM Jader, hoje radialista, já levou o ídolo Roberto Müller para seu programa
Acompanhe o especial O clube dos corações partidos na web, onde é possível ouvir músicas e vídeos exclusivos dos cantores (inclusive o making of das fotos de Roberto Müller) http://www.jconline.com.br
k Em memória a Dona Nininha, esposa de Roberto, ao seu lado durante 50 anos, amorosa, gentil e dedicada
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Amanhã: Genival Santos: o cantor de Eu lhe peguei no fragra saiu vaiado do programa de Flávio Cavalcanti. Anos depois, era bem mais popular do que Chico, Jobim e Caetano
Quando Carlos André resolveu gravar Se meu amor não chegar, teve gente que o alertou: “essa música é popular demais para o senhor.” Colocaram a canção lá no lado B de um compacto duplo. Em poucos dias, tornou-se sucesso que fez o disco sumir das prateleiras. O hino do homem que sofre à mesa de um bar é até hoje uma das âncoras que mantém o cantor no mercado: além dos shows, de frequência semanal, ele também media apresentações de colegas como Roberto Müller e José Ribeiro. “Se eu gravasse ‘o quebra mesa’ hoje, ficava rico”
“O
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Rei dos Motoristas de Táxi”. Carlos André estava chegando a Manaus para mais um show quando viu o cartaz que anunciava a sua apresentação naquela noite. Era ali apresentado a mais um título que indicava tanto o seu lugar quanto o de seus fãs na pirâmide sócio-cultural do País. Conhecia outros: era “artista de cabaré”, “cantor de brega”, fazia “música de empregada” (e de caminhoneiros, pedreiros, manicures, serventes, estivadores, prostitutas). Carlos, assim como outros cantores do romântico popular, eram os tenores de uma enorme parcela de trabalhadores que prestavam serviços pouco prestigiados para a classe média criada com banquinho e violão. Serviam – antes mais, hoje menos – como contraponto daquilo o que era “de bom gosto” ou, no máximo, cabiam na esfera do folclórico e no risível. Neste sentido, era quase um impropério, entre intelectuais e demais esclarecidos do Brasil de 1975, ouvir e cantar versos como “Não posso mais, eu confesso/Confesso que vou chorar/ Eu hoje quebro essa mesa/ Se meu amor não chegar”. Escondida na última faixa do lado B do compacto duplo O apaixonado, a música Se meu amor não chegar (Lindolfo Barbosa e Wilson Nascimento) provocou um sismo nas rádios do País quando foi lançada. Foi em grande parte por causa dela que o artista nascido em Mossoró, no Rio Grande do Norte, foi parar em Manaus: virou astro nas regiões Norte e Nordeste do País, aquelas que melhor acolhiam tais artistas e que, por isso mesmo, terminavam fazendo parte do cimento do preconceito em relação a tal produção. Esse olhar negativo era duplo: enquanto direitistas julgavam as músicas como cafonas, esquerdistas viam ali o subjugo do intelecto a favor da alienação. “A esquerda era muito elitizada”, conta Carlos André, cujo escritório é decorado com várias capas de discos, inclusive aquele que traz o “quebra-mesa”, como seu maior sucesso ficou conhecido. O enorme interesse pela música agradou imensamente a gravadora Beverly: um milhão de cópias foram vendidas, instigando a empresa a realizar mais cinco discos com o mesmo título O apaixonado (que distinguiam-se pelo número do volume: 2, 3, 4, 5, 6). Foi o momento máximo de um artista que havia iniciado sua carreira no fim da adolescência, quando fez parte do Trio Mossoró (ao lado dos irmãos Hermelinda e João, ele usava o nome de batismo, Oséas Lopes). O trio, formado nos anos 50, fez sucesso em um Sudeste que consumia com certo apetite o forró e o baião, sendo Luiz Gonzaga seu mais cortejado nome. Quando o interesse por tais ritmos começou a arrefecer, foi a vez de a música romântica trazer seus ídolos – e foi aí que Carlos André deixou Oséas para trás, gravou suas dores – e estourou. Queria ser artista desde criança: usava folha de carnaúba como se fosse sanfona, gostava de chamar atenção de quem estava ao seu redor. “No vesperal de domingo, o programa era ir para o cinema ou ver Oséas Lopes pular da ponte.” Prestou serviços pouco comuns, como pintar carroceria de caminhão e entregar bilhetes para o delegado soltar este ou aquele preso. Nessa época, usava uma bicicleta que tinha um motorzinho. Mas gostava mesmo era de cantar, aprendeu ouvindo a própria mãe, que cozinhava e arrumava a casa soltando a voz. Esse gosto foi observado por Canindé Alves, locutor da Rádio Tapuyo, que chamou o rapaz lá no estúdio. Ele cantou uma música para Senhora de Aparecida e fez sucesso. “Eu era o cara mais famoso da cidade.” Só que a cidade era pequena demais para o nível de aparecimento que Oséas queria: decidiu ir para Fortaleza. Também achou pequena. Veio para Recife e se apresentou no programa de Fernando Castelão (o popularíssimo Você faz o show, apresentado aos domingos na TV Jornal). Trabalhou também com Orlando Silva, criador de novelas para a mesma emissora. Mas não era exatamente o que queria: voltou para Mossoró e o emprego, onde ganhava bem. Mas queria mesmo o Rio de Janeiro. Em 1959, arrumou as malas e pegou um navio. Foram sete dias e sete noites navegando até chegar ao porto da cidade. Instalou-se em um dos galpões localizados no bairro de São Cristóvão: lotado de nordestinos que também buscavam algo dourado na cidade, o local quase não conseguia abrigar mais uma rede. “Era um depósito de sal. Não tinha lugar pra mim. Aí um vigia, Calazans, que também era de Mossoró, encontrou um canto pra minha rede rede. Mas era bem no local onde ava o trem. Eu tinha que acordar todo dia às 5h30, pois o trem ava às seis. Calazans me acordava gritando ‘Olha o trem!’. Eu pagava a ele comprando uma abacatada e um pastel, toda manhã.” Apesar de contar com o apoio financeiro do pai, cuja renda permitia uma confortável vida familiar, Carlos André começou a fazer bicos – e foi mais ou menos por causa de um deles que mais tarde obteve a incrível soma de um milhão de discos vendidos. Estava entregando uma carta no edifício da Rádio Nacional quando encontrou o prestigioso Trio Irakitan, contratado da casa. Também vindos do Rio Grande do Norte, Edinho, Paulo e Joãozinho ficaram sabendo que o conterrâneo estava há quase um mês no Rio, experimentando um pouco confortável anonimato após sair de Mossoró, onde era celebridade. Oséas também aproveitou o laço geográfico que os unia: o trio possuía um programa na rádio, o que o ajudou a chegar a nomes como Rildo Hora (caruaruense exímio na harmônica) e Paulo Gracindo, apresentadores do programa Gaita Hering. Conseguiu ser contratado e logo saiu do galpão de sal. Os irmãos vieram do RN e continuaram a parceria iniciada no Nordeste. Em 1962, lançaram Rua do namoro, em 1965, Quem foi o vaqueiro. Ganharam o troféu Elterpe (o maior da música popular nacional nos anos 60) com a música Carcará, aquela que dois anos depois transformaria uma jovem Maria Bethânia, cantando no Teatro Oficina, em mito. Foram mais 10 discos até que, em 1972, Oséas Lopes decidiu ser Carlos
André e o trio chegou ao fim. O apaixonado veio em 1974 e logo todos cantavam as dores do homem que se perguntava “Pra quê dois copos na mesa/e uma cadeira vazia?” Ironicamente, a canção que tornaria Carlos André nacionalmente famoso quase não era gravada – foi considerada por alguns como “popular demais” para ser interpretada pelo cantor. Seu conteúdo atormentado, pouco contido, dramático, soava meio... brega. “Diziam ‘Essa música é muito sem-vergonha para o senhor cantar’. Mas se ser brega é agradar o povão, então eu sou.” Lançou mais 32 discos, boa parte deles gravados enquanto Carlos também trabalhava como diretor artístico da Copacabana, que o contratou em 1979. Produziu trabalhos de artistas como Luiz Gonzaga (“Ele ajudava todo mundo”). Com dinheiro no bolso e fama, Carlos André não entrou na rotina padronizada dos artistas populares que o cercavam, preferindo não envolver-se em farras intermináveis, onde a soma bebida e SE MEU AMOR NÃO mulheres era regra. “Eu era muito família, saía do show e ia direto pro hoEu hoje quebro esta mesa se meu amor não chegar tel.” Nos anos 80, lançou seis discos Também não pago a despesa e mais uma coletânea, trabalhos que Nem saio desse lugar foi realizando até sair da CopacabaTem tanta mulher me olhando na, no fim da década. A década de 90 Querendo me conquistar vaticinou o fim de uma época, e foi Acabo me desesperando justamente nela que Carlos André Se meu amor não chegar iniciou um quase caminho de volta: Pra que dois copos na mesa Com uma cadeira vazia? foi morar em Fortaleza, cidade que E eu aqui na incerteza sempre cortejou os cantores populaVendo amanhecer o dia res – e onde vários deles, a exemplo Não posso mais, eu confesso de Genival Santos, presente nesta séConfesso que vou chorar rie, vivem. Foi o momento no qual reHoje quebro essa mesa gravou um sucesso popular, Siboney Se meu amor não chegar (Ernesto Lecuona e Dolly Morse), que tornou-se famoso nas rádios nordestinas. Recife, no entanto, continuava a ser o polo regional de música, o que logo atraiu o artista: em 1996, veio para a capital a convite de João Florentino, dono da Polydisc, produzir a famosa série 20 Super sucessos (onde os hits de cantores como Roberto Muller, José Ribeiro, Adelino Nascimento, Waleska, Fernando Mendes e Leonardo foram compilados). Trabalhou durante anos na empresa até ser desligado. O mercado já sentia os efeitos da gravação caseira de discos. “A pirataria acabou com a produção”, diz Carlos André, que, naquele momento, voltara a também ser Oséas Lopes, o homem à frente do escritório local da Sociedade Brasileira de istração e Proteção dos Direitos Intelectuais (Socinpro). É desse trabalho, além dos shows que faz e ainda produz, que vive hoje. “Se ‘o quebra mesa’ fosse sucesso hoje, eu estava rico”, comenta ele, que, religiosamente, durante seus shows, desce até a plateia para cantar seu maior hit ao lado dos fãs. “Não acho cansativo, acho gratificante. Quando a música se imortaliza, não se acaba mais. Estamos fazendo shows com sucessos de ontem”, comenta, referindo-se a colegas como Müller e Bartô Galeno (seu maior parceiro nas mais de cem composições que escreveu, músicas como Toma juízo mulher, Vou devolver a cama, Vou dormir no chão). No escritório da Socinpro, ele vai recebendo interessados em contratar seu show ou de outros cantores – é difícil manter sua atenção contínua na entrevista enquanto ele tenta marcar datas e estabelecer preços. Nas cerca de duas horas do primeiro encontro com Carlos, seu telefone tocou 13 vezes (celular e fixo). No último deles, o artista recebia mais uma proposta de show. “Estou em uma entrevista, mas me ligue depois. Você sabe que quando quiser um brega, é aqui. E é de qualidade”.
CHEGAR
DISCOGRAFIA 1998 Seleção de ouro. 20 sucessos 1996 20 super sucessos 1996 Seleção de ouro 1995 Popularidade 1993 Para recordar e xamegar 1990 Não te esquecerei 1989 Na estrada do amor 1987 O que o povo gosta 1986 Na parede da paixão
Fotos: Ricardo B. Labastier/JC Imagem
Fabiana Moraes
1986 Seleção de ouro 1985 Para sempre vou te amar 1984 Volte pra mim 1980 Aquelas canções 1979 O apaixonado 1978 Seleção de ouro 1976 O apaixonado 1974 O apaixonado 1974 O apaixonado
k Contato para shows: 3422-0605/9121-4485
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RODRIGUIANO Queops conheceu a moça em uma catraca de ônibus. Em alguns dias, ela o deixou sozinho a esperar
Eram dois copos, mas um só coração O sucesso do “quebra-mesa” tem uma profunda relação, é claro, com o alto nível de identificação que a música provoca – no público masculino, essa relação afetiva parece ser duplicada. O estudante de comunicação Queops Negronski, 38 anos, poderia ser aqui entendido como um “estudo de caso” em relação ao sucesso de ouro de Carlos André. A música serviu como espécie de escoadouro de mágoa no momento em que ele, como o cantor, não viu o seu amor chegar. Hoje apaixonado e casado com uma arquiteta, ele conta a história que aconteceu há cerca de seis anos. Conheceu a moça em um ônibus, algo rodriguiano e apropriado para esta temática. “Da catraca reparei no pedaço de bom caminho que ela era. Engatamos uma conversa boa e ficamos juntos uns três ou quatro meses.” O namoro seguia bem quando, em um fim de semana, a garota desapareceu. Não atendia telefones, não inventou uma gripe, não falou se ia comprar cigarros, nada. “Liguei pra casa dela, para irmã, para mãe e ninguém me dizia nada. Daí a ficha caiu.” Ao perceber que estava sendo enganado, o estudante foi para casa. Colocou O apaixonado de Carlos André no som e ficou ouvindo a música repetidas vezes. “Só parei quando comecei a querer encher a cara, coisa que me amedronta mais do que mil gaias.” Se na canção não ficamos a par se o amor de Carlos realmente volta, o fato é que, no caso aqui contado, ela, a garota da catraca, chegou. Questionada sobre o sumiço, não tentou ludibriar (de novo) o rapaz: falou naturalmente da traição. Como se fosse algo incluído no contrato, um contrato que o rapaz não leu tão bem quanto deveria. “Esperneei, perguntei mil vezes porque, e como letra de brega, terminamos na cama.”
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Amanhã: Com A beleza da rosa, José Ribeiro, que vive na RMR, consagrou-se como um dos cantores mais populares do Brasil
Foto: Rodrigo B. Labastiter/JC Imagem
Em meados dos 70, boa parte do Brasil cantou com ele a música-denúncia Eu lhe peguei no fraga, um dos muitos sucessos que Genival Santos registrou em 28 discos. Com cinco milhões de LPs vendidos, ele simboliza um momento áureo da indústria fonográfica brasileira, onde discos de ouro eram tão comuns quanto o não enriquecimento de grandes ídolos populares
Fabiana Moraes
O
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“Rebeldia é não ter vergonha de ouvir músicas bregas”
EU LHE PEGUEI NO FRAGA Genival Santos
Eu lhe peguei no fraga E não quero explicação Você beijando um cara Com que cara? Vou lhe dar o meu perdão Eu lhe peguei no fraga E não quero explicação Você beijando um cara Com que cara? Vou lhe dar o meu perdão Não, não, não Você não tem coração Não, não, Não quero amor à prestação Agora estou Estou de mal contigo Você me magoou Perdoar eu não consigo, eu não Não, não, não Você não tem coração Não, não Não quero amor à prestação Eu lhe peguei no fraga... (etc.)
q Mais na web Acompanhe o especial Clube dos corações partidos na web, onde é possível ouvir músicas e vídeos exclusivos dos cantores http://www.jconline.com.br/romanticos
cadas, da casa pobre para os hotéis de luxo, do trabalho braçal para o palco), Genival viu um dinheiro que jamais imaginara, desfrutou-o por alguns anos e depois, olhando para os lados, não o encontrou mais. Esse processo aconteceu simultaneamente ao afastamento de uma lógica familiar a qual estava acostumado. Olhou para os lados e também não achou mais os filhos, a ex-mulher, os pais. “O sucesso vai embora e fica só o nome.” Não a por dificuldades financeiras – faz três, quatro shows por semana – mas não pode mais manter uma casa com sauna e carro jet set, nem farra, nem amigos (daqueles que surgem quando sua maior qualidade é a prosperidade). Boa parte do valor conseguindo com a venda dos discos – aquele que sobrou após ar pela gravadora e pela editora, estas também fascinadas pela prosperidade nas vendas – foi vampirizada pelo governo de Fernando Collor de Mello, que bloqueou a poupança dos brasileiros no início da década de 90. “Quando ele soltou, já não tinha valor.” Há 20 anos, foi morar em Fortaleza, onde sempre teve um público fiel. Gostava do Rio, os filhos, cariocas, continuaram a viver lá, assim como a exmulher. Fala com eles várias vezes por semana, a saudade nunca deixou de existir. Sente falta de lá e diz que não chegou a sentir preconceito na cidade. “É porque não falavam nada sobre a gente.” No Nordeste, apresentase para um público misto, formado por aqueles que tanto conhecem sua carreira, os discos lançados, quanto por quem o entende como o cantor do “fraga”, achando graça no R invasor. Hoje, ele acentua ou brinca com a pronúncia – para deixar claro que trata-se de um erro. Havia neste, sabe, uma denúncia que indicava seu lugar de classe. Também viu seu próprio entorno se modificar e, por tabela, o sentido de suas músicas. “Agora, quando canto ‘Se errar outra vez, dou castigo para não se acostumar’, as mulheres olham para mim e gritam ‘nãããão’”, comenta, referindo-se a um de seus maiores sucessos. Sentado em seu sofá localizado no Bloco B, Genival continua a falar, lembra do ado (os olhos cheios d’água várias vezes). Não há ressentimento: adequou-se, com o conforto provocado pelo o que é inevitável, a sua vida de agora. Sem sauna, sem carro no ano – e, que bom, sem vaias.
O analista de sistemas Marcelo Scanzani, 32 anos, é um hard da música popular romântica – ou brega, ou cafona, ele realmente não se importa qual denominação seja utilizada para enquadrar o gênero. Há anos, o paulistano deixou de ser um mero ouvinte para ser uma espécie de pesquisador informal da música de cantores como Bartô Galeno, José Ribeiro, Waldick Soriano. Genival Santos também tem um lugar cativo entre seus ídolos musicais, e algumas de suas canções, como Preciso parar pra pensar, Coração de plástico e, claro, Eu lhe peguei no fraga, são espécies de totens do sofrer que atingem em cheio o peito do rapaz. “Mais direta impossível: ‘Eu lhe peguei no fraga, você beijando um cara, com que cara vou lhe dar o meu perdão?’ Me marcou bastante”. Para Marcelo, a música é um exemplo do tipo de entrega escancarada e honesta só possível entre os representantes desta música feita de acordes nem sempre tão simples (como convencionou-se a pensar) e extrato de emoção. Seu primeiro contato com o fraga de Genival se deu através de um intermediador, o cantor Falcão, que deu uma roupagem particular ao tema ao investir mais no humor do que no caráter emocional das letras (não que um esteja exatamente desassociado do outro, é claro). “Falcão fez um disco inteiro só com covers do pessoal do brega, o 500 anos de chifre. Carlos Alexandre, Alípio Martins, Bartô Galeno e, claro, Genival Santos, que participava com dois clássicos, Eu lhe peguei no fraga e Coração de plástico. Fiquei impressionado com as músicas, que eram sérias e engraçadas ao mesmo tempo, com letras bastante fortes, e fui atrás dos cantores e versões originais. Aí comprei uma coletânea do Genival Santos, 20 Sucessos de ouro, e também o disco Vem morar comigo, conta. As músicas de Genival terminaram fazendo parte do repertório da banda criada por Marcelo e os amigos, a Olhos de Guaxinim. A adesão do rapaz ao estilo provocou certo espanto de parte da família e de alguns amigos – a situação de classe e o nível intelectual de Marcelo pareciam não bater com o que se pensa dos usuais ouvintes de tais canções. O próprio termo “brega” também contribuiu para tal impressão. “Claro que existe o tom pejorativo de chamar de música brega. É fácil reparar que geralmente os ritmos que vêm de países do Terceiro Mundo são tachados de brega: bolero, forró, rumba, etc. A bossa nova não é considerada brega porque foi misturada com o jazz.” Por outro lado, o termo, para ele, dá conta de um estilo onde o exagerado e o ional são colocados em primeiro plano – além da forma particular de como os instrumentos são tocados. “O brega consegue falar de coisas profundas e comuns a muitas pessoas de uma forma simples, que todos irão entender, de qualquer classe.” Além dessa comunicação direta, o gênero consegue, para o músico, dar conta de uma lacuna deixada por estilos como o rock, que, para o analista de sistemas, foi completamente assimilado pela indústria. “Rebeldia hoje é expressar o que se sente sem medo, não ter vergonha de ouvir e se emocionar com músicas bregas, valendo até beber e chorar. As pessoas querem parecer ou seguir o padrão norte-americano, mas o que realmente tem muito mais a ver com o nosso povo e nosso País é o grito de protesto: Eu não sou cachorro não.” Foto: arquivo pessoal
maestro autorizou: veio a primeira nota. No centro do palco, um homem de estatura média, os modos contidos por conta do nervosismo, começou a cantar: “Se for preciso, eu compro uma casa para você morar/ Se for preciso, lhe dou de presente o meu coração”. O homem nervoso de modos contidos – faltou dizer que usava uma blusa estampada muito comum naqueles anos 70 – seguia vacilante para o restante da música quando foi interrompido. “Pode parar. Você canta pra dentro, Genival”, disse Flávio Cavalcanti, o apresentador que afagava chutando. Era tanto o dono de uns óculos severos, a armação gritando “me respeite”, quanto do programa de sucesso no qual o rapaz da Paraíba tentava uma chance. Os jurados foram chamados para opinar. A cantora Maysa mirou em verde os modos vacilantes, o jeito humilde, a blusa estampada. Deu nota zero. Depois, veio o compositor Ronaldo Bôscoli. Outro zero. O cantor e apresentador José Messias, ainda hoje na TV brasileira, anunciou a mesma nota. Era vez da atriz Márcia de Windsor, cujo sobrenome fictício simboliza um momento no qual a aristocracia europeia era, não sem muita canastrice, emulada em solo nacional. Foi a voz da oposição: dela, Genival ganhou um 10 e uma doce previsão: “Você vai vender mais do que Gil e Caetano”. A gentileza, no entanto, não deu conta do peso dos zeros. Genival, no meio do palco, a blusa estampada e nervoso, nervoso e humilde, humilde e vacilante, chorou. “Fui humilhado, bicho.” Dias depois, a produção de Flávio Cavalcanti começou a receber centenas de cartas: chegaram a 1.500. O rapaz foi chamado para voltar ao centro do palco. Desta vez, cantou Meu coração pede paz, música-título de seu primeiro LP. Na plateia, nordestinos nada vacilantes vibravam. “Olha, tua família é grande, hein? Tem até ônibus vindo de Salvador”, disse, mesclando pilhéria e preconceito, o apresentador que se notabilizou por quebrar discos em cena e analisar moralmente as canções que eram ouvidas ali. Desta vez, Genival não ou por júri, nem por zeros. Cantou toda a canção sem ser interrompido, ouviu os aplausos e foi embora. Nunca mais foi convidado a voltar, apesar de vender tanto quanto (ou mais, há quem diga) do que Gil e Caetano. Foram 28 discos e cinco milhões de cópias comercializadas. O rapaz para quem a família vaticinara um destino para eles já seguro – trabalhar como lavrador – escreveu sua história de maneira particular, na verdade, da maneira particular a centenas de nordestinos que foram para o Rio de Janeiro buscar sucesso. Tinha apenas 6 anos quando seus pais saíram de Campina Grande e se dirigiram até o Estado. Queriam “uma vida melhor”, aquilo que quem fica, sejamos justos, também deseja. Tiveram um sítio em Santa Cruz da Serra, onde pai e mãe logo foram para a roça – é daí que provém o pensamento seguro na futura profissão do filho. “Cantar era coisa de quem tinha dinheiro.” Mas não foi assim: Genival até ajudou a plantar o feijão e o milho, mas o que era de parte do urbano logo o chamou. Adolescente, trabalhou como sapateiro, ajudou a descarregar pedra e cimento de caminhão, foi servente de pedreiro. Tudo isso até começar a fazer o que gostava, cantar alto e dramático. Todos elogiavam sua voz, era o seu melhor, então era isso que tinha que mostrar. Quando foi servir no Exército, 1970, já se apresentava em boates no centro do Rio. Tinha só 17 anos quando começou a cantar em um inferninho da Praça Mauá. “Eu saía sexta à noite do quartel para fazer show e voltava de madrugada. Quantas vezes fui pego dormindo...” Conheceu os compositores João do Vale e Bastinho Calisto. Conheceu Carlos André, que ainda não havia quebrado a mesa. Este o convidou a gravar um disco (a doce previsão de Marcia de Windsor começava a acontecer naquele momento). Meu coração pede paz saiu em 1972 – foi o propósito de divulgá-lo que colocou Genival em frente ao chute de Flávio Cavalcanti. O LP fez sucesso e vendeu 85 mil cópias. Foi um ótimo incentivo para a gravadora mantê-lo no cast. “Eu ganhei tanto dinheiro, tanto dinheiro. E nem peguei nele. Vendi quase seis milhões de discos. Gastei muito. Com mulher, com bebida, com amigo, farra”, diz Genival, sentado no sofá do apartamento do bloco B, localizado na Cidade dos Funcionários, em Fortaleza. É um apartamento modesto (e tratado com carinho), diferente da casa que o cantor comprou no Rio de Janeiro quando seus discos continuaram a sair e a vender para milhares de pessoas (Eu não sou brinquedo estourou com Se errar outra vez, em 1975; Vem morar comigo, de 1976, fez sucesso com Sendo assim; Se for preciso, de 1977, tem o hit Eu lhe peguei no fragra). Com o dinheiro, comprou uma casa grande, com sauna, em nada parecida com a dos lavradores que poderia ter sido. Comprou um bom carro, como era de praxe. Acabou se separando da esposa com a qual gerou quatro filhos, a mulher que viu o marido ar de um constrangimento televisionado para o estrelato. Ela não aceitou o tipo de vida que o ex-ajudante de obra ou a levar: nunca reclamou quando ele chegou trôpego, nem mesmo quando ele levava para casa, após uma noitada, uma, duas mulheres. Afirmava que eram da banda. Ela ficava calada. Um dia, arrumou tudo e avisou a ele: “Estou indo embora”. Genival não acreditou: tentou várias vezes trazê-la de volta, mas ela preferiu o silêncio do estar sozinha ao silêncio de quando estava acompanhada. “Você sofreu muito por amor?” Escuta a pergunta sentado no sofá do apartamento modesto, bloco B. Não respondeu com a voz, mas os olhos, cheios d'água, falaram alto. O afastamento dos filhos foi um dos obstáculos mais difíceis: Sangue do meu sangue (“quero te dar o que não tive na vida...”) foi feita para aplacar a culpa e a distância. Idosos, os pais que o levaram para o sítio lá em Santa Cruz da Serra também partiram: tinham criado Genival a vida toda, como filho sangue do próprio sangue, tanto que ele só veio conhecer o pai verdadeiro, no Recife, quando tinha 35 anos. A mãe biológica, tem 88 anos, ele sabe onde está, mas não a vê. “Eu procurei por ela durante muito tempo, foi como Evaldo Braga, ele também foi atrás da mãe. Mas, sinceramente, a minha já morreu.” O fato é que, como vários cantores de sua geração, aqueles que mudaram a vida de maneira particular (do Nordeste para as listas das mais to-
DISCOGRAFIA 1998 Seleção de ouro
1972 Meu coração pede paz
1978 Preciso parar pra pensar
1973 Morrendo de amor
1979 1985 Meu coração está em greve Nossas brigas
2001 Para sempre: Genival Santos
1975 Eu não sou brinquedo
1980 Livro aberto
1986 O portão da sua casa
2005 20 supersucessos
1976 Vem morar comigo
1981 Crise de amor
1986 Você me mata de amor
k Contato para shows: (85)
1977 Se for preciso
1982 Peço bis
1994 Pensando em você
1983 Porque será
9909-9582
SEM FOLCLORE Para Marcelo, o “brega” é a verdadeira música popular brasileira
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AMANHÃ: Cantando as delícias de uma conquista no hit Escalada, Augusto César virou febre nas rádios e ganhou o público feminino
Fotos: Ricardo Labastier/JC Imagem/Designers: Andréa Aguiar e Karla Tenório/Editoria de Artes JC
Guardião daqueles que não têm medo de assumir a dor, de itir que a partida do outro devasta, daqueles que já levaram uma porta na cara, José Ribeiro é uma antítese de si mesmo. Sorridente e sereno, canta alto, às vezes chora, mas consegue não carregar uma nuvem negra acima de si. Pelo contrário: o homem que vendeu 800 mil cópias do primeiro LP, lançado em 1972, é de uma bem-vinda leveza (parece que, de tanto cantar a música que o consagrou, mimetizou algo próprio de sua famosa rosa)
O Cineteatro Holanda estava lotado: lá dentro, José Ribeiro cantava para centenas de pessoas a música de início dramático, doloroso, alguns acordes de violão, uma quebrada e aí - vai começar - surge a sua voz quase operística informando que ela, seu amor, tem a beleza de uma rosa, uma das flores mais formosas. Manuel Teixeira, vinte poucos anos ali, estava lá fora. Gostava da música e havia comprado o disco do cantor por causa dela. Agricultor e vendedor ambulante, morador de Gravatá, Agreste do Estado, ele havia ado o dia trabalhando, viajou para Camocim de São Félix e chegou tarde demais
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para conseguir uma entrada. Eram os anos 70, e sobreviver no País era tarefa que muitas vezes afastava qualquer um do ouvir e do contemplar. Era o caso de Manuel: seu tempo era gasto vendendo sandálias, chapéu de náilon, botas. Também havia trabalhado no campo, plantando milho e feijão, como milhares de outros que viviam naquela região serrana. Enquanto Manuel e os milhares trabalhavam, avam pelo palco do Cine Holanda artistas que acaloravam os corações de um país militarizado: Nelson Gonçalves, Núbia Lafayette, Altemar Dutra e Noite Ilustrada foram outros nomes que cantaram naquela Gravatá onde os tetos de chalés que remetem ao intenso inverno europeu não haviam chegado. Pouco tempo depois de perder o show, casou. Teve um filho e a situação ficou mais difícil. “Era um tempo mais atrasado.” Seguiu o que era comum então: em 1977, veio morar em Recife. “Fiz serviço pesado. Plantava verdura. Depois botei uma barraquinha em casa”. ou a vender o milho e o feijão que antes cultivava. Vieram mais cinco filhos. Lá em Gravatá, o cineteatro que ficava na Rua Rui Barbosa fechou. Manuel se aposentou. Não sabe qual foi o fim do querido disco de Zé Ribeiro.
Fotos: Ricardo B. Labastier/JC Imagem
Um Zé cantava lá dentro, um Zé ouvia lá fora
Fabiana Moraes
ofrer: enquanto não houver vacina, brigamos contra. Se apressados, buscamos álcool, festa ou Prozac. Se com tempo, amor, terapia ou o Divino. Há, no entanto, quem entende o inevitável: o sofrimento é parceiro do álcool e da festa, namora a fluoxetina, é visto de mãos dadas com o amor e a terapia, comunga com o Divino. José Ribeiro sabe de tudo isso. O aprendizado não foi, é claro, fácil. No começo, ele e o sofrimento brigaram feio, depois foram cúmplices, depois quase se separaram. Mas são próximos demais. Fechou então uma espécie de trato: esse sentir em demasiado pode morar com ele sem ser molestado, desde que pague um aluguel simbólico. É simples: ele aparece, vem um chute, Zé compõe. Aparece, chega um tapa, Zé canta. Aparece, um murro na cara, Zé sobe ao palco. É honesto: o cantor acertou com o próprio sofrer que vai usá-lo continuamente para viver. Não é a toa, atente-se, que o artista o evoque seguidamente: ele aparece em A maior saudade minha (Vou sofrendo a realidade/ Nesta vida em que tudo tem fim); em Aqui estou eu (Embora estivesse/ Ao lado de outra, mas muito sofri); em Canção dos namorados (Não tenho jeito de dizer que já sofri); em Pensando em você (...E que tudo fazia/ Pra me ver sofrer); em Porteiro, suba e diga (A espero tremendo/ Sofrendo e gemendo, morrendo de amor); em Sandra (Em quem me faz infeliz/ Se deixar vou sofrer); em Meu coração não é brinquedo (Às vezes finjo que não ligo/Sofro, mas não digo). Não havia como ser diferente: Zé Ribeiro, 78 anos, não sabe lidar com o mínimo, o sussurro, o volume baixo. O eixo de sua música é feito de abandono, saudade, fracasso, erros, paixão, bebida, mágoa, ciúme, partidas. Música de porta fechada na cara. A voz alta, dolorida, não bate com o atual momento cultural/comportamental no qual o amor surge domesticado em fotos esmaecidas ou sintetizado em um coração no Twitter. Seu amor é do tipo que aparece sublinhado com dois traços de caneta vermelha, é daquele que se traduz em boleros sobre a cerveja, a decepção, a terrível existência daquela mulher - aquela ingraA BELEZA DA ROSA ta mulher - que não soube ser amada. José Ribeiro Essa adesão ao partido dos que item sofrer pode não conversar com o amor performático de hoje, mas, nos anos 70, não era feio dizer que o peito Tens a beleza da rosa doía. Assumia-se a desgraça de não ser querido romanticamente por alUma das flores mais formosas Tú és a flor do meu lindo jardim guém. Tanto que 800 mil pessoas, aquelas que já haviam experimentado o E eu a quero só para mim abandono, o fracasso, a bebida e a porta na cara, compraram o primeiro LP O teu suave perfume de José Ribeiro (CBS, 1972). Compartilharam com ele o medo de perder um As vezes causa-me ciúme Alguém: “O teu suave perfume às vezes causa-me ciúme/ao te beijar sinto Ao te beijar sinto no coração no coração o pulsar da mais pura paixão”. A beleza da rosa (escrita por PeO pulsar da mais pura paixão, porém dro Ferreira da Silva), seu maior sucesso, tem um significado especial 40 Tenho medo que tua beleza de rosa anos após o lançamento: é verdadeira ode a um sentir não estilizado. Se transforme num espinho Quase morro só em pensar Com o tempo, estabeleceu uma relação dual com a sua famosa rosa: toda Em perder teu carinho vez que pedem a música - o que acontece duas, três vezes em um mesmo Tenho medo que esta paixão show -, sente-se envaidecido. Nas primeiras notas, faz a relação clichê entre Seja uma ilusão sem fim a flor e as mulheres e ameniza, talvez sem saber, o peso e a tristeza da letra Tenho medo que não sejas a flor que logo cantará. Ao mesmo tempo, os primeiros acordes o entristecem: sigDo meu triste jardim nificam que novamente ele não poderá mostrar suas novas canções. Quando o faz, percebe uma certa dispersão. “Tem umas 30 músicas que eu não posso deixar de tocar.” Parece ter menos medo do presente do que os seus fãs. As músicas que fazem parte de seu show são apenas uma pequena mostra dos 28 discos lançados ao longo de uma carreira iniciada em 1967, quando gravou o primeiro compacto. Me casava com ela ou seis meses nos primeiros lugares das mais tocadas, um ranking que também incluía Roberto Carlos, o cantor que todos queriam ser - todos, menos José. Namoradinhas, brotos e calhambeques não faziam parte do repertório do rapaz nascido em Minas Gerais que chegou ao Rio sonhando com a possibilidade de ser uma estrela da música. Seu grande ídolo, Luiz Gonzaga, fazia imenso sucesso, e era nele que o jovem se inspirava. Cantava baião e escrevia as letras usando o nome de batismo, José Cipriano. Mas o tom anasalado da voz e o desvio para o vermelho - “loucamente”, “abandono”, “saudade”, “fracasso” - o carimbaram para sempre na música popular que trata das dores do coração. “Eu vivo o drama da música”, diz Zé, sentado no sofá e cercado por flores de plástico que decoram a sala da casa localizada em um bairro popular da DISCOGRAFIA Região Metropolitana de Recife. Foi morar ali depois de um período vivendo no Hotel Central (Rua Manuel Borba), no centro comercial da capital, on1972 de lojas, mercados e escolas misturam-se a bares, boates e cortiços. Lá, era Simplesmente José Ribeiro conhecido entre os ambulantes, trabalhadores, michês e prostitutas, seus vi1973 zinhos e às vezes confidentes acidentais. O quarto de hotel não era novidaMeu coração não te esquece de na vida do artista, que percorria todo o País a cada lançamento de disco: quando estava na CBS (de onde saiu em 76 e depois voltou em 78), entrava 1974 em estúdio todo mês de abril. “Fui um dos primeiros artistas a fazer turnê José Ribeiro no interior do Brasil.” Esse contato aproximado com um público que tinha pouco o à produção musical nacional o notabilizou, impelindo-o ao su1975 cesso popular. Foi disputado por várias gravadoras (Polygram, para onde foi Sempre na lembrança em 77, e Copacabana, para onde foi em 1981, quando gravou Bom dia, meu 1980 amor, outro grande sucesso). Um par de alianças A vida pessoal, é claro, sofreu várias reviravoltas, tanto no momento em que ele estava no auge quando, a partir do envelhecimento do públi1982 co e surgimento de novos estilos musicais, sua carreira foi entrando em Nosso amor ainda existe declínio. Casou-se três vezes, tempo em que negociou quase diariamente 1999 com o sentimento que morava de aluguel dentro de seu peito. Teve quaO sempre romântico tro filhos, que vivem hoje no Rio e em João Pessoa, cidades que abrigam ainda seus seis netos e um bisneto. Seu maior contato com o mundo exte2006 rior é a esposa Mônica, que conheceu em uma das temporadas que moSer feliz é ter alguém rou no Hotel Central. Há mais de dez anos ao lado de José, ela o acompanha em shows, sessões de fotos, entrevistas em rádios. Também criou di2009 versas páginas divulgando o trabalho do marido, onde expõe fragmentos Aquela paixão de sua vida pessoal (“Sou José Ribeiro, o cantor da beleza da rosa, sou casado e muito feliz com a minha esposa”, lê-se em uma das páginas). A vik Contatos para shows: (81)8794-4531/ da atribulada ada foi um processo até certo ponto natural para o can(81)9334-4509/(81) 9662-7507 tor: segundo ele, mulheres e bebidas eram extensões do sucesso musical. O afastamento da família, assim, foi apenas uma consequência dessa justaposição. Há tempos não vê os filhos, sobrinhos, irmãos. “O artista nasceu para sofrer”, observa José, expondo novamente o inquilino que traz consigo e que trabalha constantemente com o cantor: juntos, fazem shows semanais e, cercados pelas flores de plástico, compõem. NOTA: Durante a apuração desta matéria, um parente de José Ribeiro que vive em outro estado entrou em contato com a reportagem. Queria informar que, apesar da distância, nutria carinho pelo tio. Também mandava dizer que uma tia tinha falecido havia mais de um mês. Que não julgaria as decisões que o parente mais famoso tomou na vida. “Agora só tem o senhor, meu pai e a tia”. Finalizava: “Mando foto em anexo”.
q Mais na web PERDEU O SHOW O agricultor chegou tarde e foi barrado pelo teatro lotado
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Voz com timbre de galã, sorriso largo e um icônico corte de cabelo transformam Augusto César em um dos mais marcantes cantores da música popular romântica de sua geração. Último artista trazido nesta série que termina hoje, ele esteve no topo das FM populares, durante o fim dos anos 80, com o hit Escalada. Agora, o cantor dribla as cópias de CDs e a falta de gravadora com garra e criatividade : abastece uma kombi com seus discos e DVDs e sai às ruas cantando, autografando e comercializando as próprias canções. Augusto César, não se enganem, é indie Fabiana Moraes
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afé da manhã, aniversário, bar com chuveirão, supermercado, casamento, bingo, chá da tarde, serenata: Augusto César é, por excelência, o sujeito da frase “todo artista deve ir aonde o povo está”. O seu povo, necessário dizer, não tem filtro nem edição – na verdade, sendo extrato, é povo, aqui sem pretensão excludente. Para ir até ele, o cantor não faz concessões: se não está em shows, abastece uma Kombi com seus CDs produzidos sem apoio de gravadora e vai para o Centro de Recife. Microfone na mão, anuncia o produto que, ali, supera o fetiche para adquirir aquilo o que a indústria hoje tanto pena para colar às suas mercadorias: afeto e diferenciação. Durante a venda, Augusto canta, chama os transeuntes, conversa com fãs, posa com eles para fotos, autografa CDs. É assim que se mantém há anos, sendo a estrela, o produtor e o distribuidor da própria música, sendo o artista e o próprio mecenas, a voz que grita cantando e a voz que grita vendendo. Sem All Star nos pés ou camiseta ESCALADA de banda, sem lei de incentivo ou outro apoio instituAugusto César cional, Augusto César é indie por definição. A autogestão – que pode ser encarada como uma Vou escalar todo o seu corpo verdadeira tomada de armas – não veio do nada. Um como se escala uma montanha dos fatores mais relevantes foi a fissura na estrutura e vou depois gritar bem alto da indústria musical. Como os outros cantores pretodo o prazer dessa façanha sentes nesta reportagem, Augusto não foi apresentaSeu corpo às vezes estremece quando eu subo um pouquinho mais do delicadamente à nova lógica desse nicho específimas nada disso me impede co do mercado: ela simplesmente caiu no seu colo e o e nem me faz voltar atrás encarou. Quando ou a ouvir, continuamente, sua Eu sinto que já estou chegando ao cume música nas centenas de carrinhos conduzidos pelos dessa grande montanha de amor vendedores de CD, fosse no Centro da cidade ou mesque nunca fora escalada antes mo em seu bairro, resolveu dividir o mesmo espaço por isso eu me sinto um vencendor com eles. Não foi fácil agregar os compradores para E continuo a longa escalada buscando em outros braços o prazer si, mas seu indiscutível carisma foi determinante. “O e sinto que ja está perto a chegada pirateador vende meu disco por R$ 2. Eu ofereço por de conseguir possuir você. R$ 10. Mas as pessoas vêm comprar a mim. Pirata Vou escalar todo o seu corpo não vende muito porque vende barato, ele vende muicomo se escala uma montanha to porque está na rua. Eu acredito muito no corpo a e vou depois gritar bem alto corpo”, conta. todo o prazer dessa façanha Sabe, no entanto, que precisa estabelecer uma relaDevagarinho e lentamente eu vou subindo no seu corpo ção de cavalheiros com esses vendedores de enorme me segurando docemente apelo público (de acordo com pesquisa da Fecomérna chama ardente desse amor cio realizada em 2010, 48% dos brasileiros adultos já Eu sinto que já estou chegando ao cume compraram produtos não licenciados). “Nunca vou dessa grande montanha de amor dizer ‘não compre no pirata’. Não vou fazer isso, seria que nunca fora escalada antes um insulto. Mas lhe digo: quando o por um e espor isso eu me sinto um vencendor E continuo a longa escalada cuto a minha música, a o filme inteiro do trababuscando em outros braços o prazer lho que tive para gravá-la. É uma divulgação tame sinto que ja está perto a chegada bém, é verdade. Você hoje sabe quem está fazendo sude conseguir possuir você. cesso pela carrocinha de CD. Se está tocando lá, é porque está vendendo bem. Agora, às vezes acontece até de eles irem vender CD pirata meu no próprio show, onde eu também comercializo meus discos. Aí chamo o público, aviso que estou vendendo também, mas não confronto, nunca.” Além de seu carisma, há outro ímã que puxa o povo para mais perto de Augusto: é a música que louva a cama e o sexo, aquela que abusa da geografia para tratar o corpo da mulher amada, canção-ode ao homem que finalmente deita-se com o objeto de seu desejo – com, aliás, o objeto virginal do seu desejo. Escalada nasceu em 1987 e é sem dúvida a força-motriz que ainda hoje leva o cantor a fazer sucesso nas ruas, nos cafés da manhã, aniversários, bares com chuveirão, supermercados, casamentos, bingos, chás da tarde e serenatas. Por causa dela, recebeu um disco de ouro (cem mil cópias vendidas). Por causa dela, DISCOGRAFIA precisou morar um tempo em São Paulo para divulgar seu trabalho. Por causa dela, participou de progra2002 1985 mas de auditório de alcance nacional, fez turnê em ciAugusto César Caminhando (compacto) dades como Natal, Fortaleza e Belém do Pará. Por 2004 1987 causa dela, mantém uma média de três shows por seAugusto César Augusto César mana. “Canto Escalada no mínimo duas vezes a cada apresentação. Não tem jeito, é sempre muito pedida”, 2007 1989 conta ele, que agrega outros sucessos ao repertório: Augusto César Augusto César Como posso de esquecer, Máquina de amor e Ela acabou comigo. A última tem uma função crucial na car2008 1990 reira de Augusto, que, antes de lançar a canção, tinha Para você amar Augusto César um público quase totalmente feminino. “Mas depois 2011 1992 que cantei ‘Amigo, ela foi embora, quebrou todo o Serestas Augusto César meu coração, eu sei ela não mais se importa, se eu vivo aqui na solidão’, notei que os homens aram a 1994 chegar mais perto do palco na hora do show. É uma Augusto César k Contato para shows: música essencialmente masculina. Não sei dizer 9131-0114 e 8709-2172 quantos homens já choraram na minha frente quan1995 Escalada do eu a cantei.” k Agradecimentos: Agência Una Models 9459-1244 Mas se o que parece uma conversa entre amigos 1998 (obrigada a André e a modelo em uma mesa de bar deflagrou um maior contingenDyane) Augusto César te de homens entre seus fãs, o fato é que elas, as mulheres, são grandes responsáveis por sua carreira, um movimento que na verdade tem via de mão dupla. “Me inspiro na mulher para fazer a música”, comenq Mais na web ta. Neste universo, trabalha antíteses: ou fala de traição (“é um ponto-chave”) ou canta as delícias do viAcompanhe o especial Clube dos corações partidos na web, ver a dois (“como a lua de mel, lua de mel é sempre onde é possível ouvir músicas e vídeos exlcusivos do cantor bom”). Como resposta a essa investigação – às vezes http://www.jconline.com.br
Foto: Ricardo Labastier/JC Imagem/Designers: Andréa Aguiar e Karla Tenório/Editoria de Arte JC
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geográfico-feminina, vide Escalada –, elas colam ao seu lado enquanto ele canta. Algumas pedem só autógrafo e foto ao seu lado, mas outras chegam e lhe oferecem o número do telefone. Augusto César, casado pela segunda vez, pai de quatro filhos, tem azeitada uma boa técnica para dar conta do assédio. “Eu nunca digo não. Mas também não digo sim. Você precisa manter aquela relação, aquele sonho.” Com sua atual esposa, Patrícia, não respeitou o roteiro: ela aproximou-se no fim de um show, depois apareceu em outro, depois em outro. Ele reparou. Disse que sim. Hoje, criam juntos Giovana, 3 anos. A família se mantém basicamente com o dinheiro obtido nas apresentações de Augusto, que cobra de R$ 1.500 a R$ 5 mil por show, dependendo do número de músicos que o acompanham. No último fim de semana de setembro, quando concedeu esta entrevista, o cantor se apresentaria em três locais distintos (dois aniversários e um café da manhã). Vai para todos com a mesma disposição que o motiva a se apresentar para milhares de pessoas (como aconteceu quando cantou no ginásio Geraldão, nos anos 80). Leva sua voz a todas, sem reclamar: segundo ele, todo cantor é um operário. E ele ainda tem um bocado de coisa para fazer, não pode parar. “Tem muita gente interessada na dor de cotovelo, muita gente sofrendo por amor”. Para isso, se utiliza das ferramentas mais poderosas da música popular romântica: falar, sem voltas ou palavras difíceis, sobre aquilo que dói no combo alma, cotovelo e coração. É a síntese, assim, daquilo que ele mesma conceitua sobre o gênero ao qual é circunscrito. “Brega? Acho que brega é a forma mais simples de falar de amor através de uma canção.”
Uma paixão registrada em corte de cabelo
CRIADOR E CRIATURA Gilson sobe ao palco com seu ídolo: sonho realizado
O técnico em informática Gilson Monteiro, 50 anos, voltava de uma cerveja no Mercado de São José quando ouviu a voz: tratava-se do distinto timbre do seu estimado Augusto César. Embalado pela leveza adquirida a goles, mas cético sobre a veracidade daquela voz, achou que fosse música dos camelôs de CD. Dobrou a esquina e deu de cara com o cantor se apresentado no meio da rua. Ao lado, uma mesinha trazia seus CDs e DVDs. Gilson apostou com o amigo que o acompanhava: ia tirar uma foto com aquele cara usando mullet, o corte de cabelo que marcou a década de 80. Chegou perto da banca, começou negociar a compra dos produtos e a pedir autógrafo – e foto. Augusto, o olho treinado para os cumprimentos (como todo bom artista), percebeu do que se
tratava. Parou de cantar e chamou o fã. Para a alegria de Gilson, seu ídolo estava ali, em carne e osso. Para a alegria de Augusto, várias pessoas começaram a se aglomerar para comprar os CDs e DVDs. “Você me deu sorte, fique mais um pouco”, pediu o cantor. “Augusto César é diferente, vai para a rua e anda com o vidro do carro aberto. Não espera o sucesso à beira da piscina”, comenta o técnico em informática, que teve outro encontro marcante com o cantor, este também parcialmente eternizado em foto. Descobriu que ele iria cantar em uma festa na empresa na qual trabalha. No dia do show, sentou-se perto do palco. “Agora eu vou chamar o meu clone”, brincou o intérprete, referindo-se aos cabelos de Gilson, cortados como os seus. A imagem do encontro (a mesma que você vê ao lado) foi parar no bar Princesa Isabel, espécie de segundo lar de Gilson e de outros amigos que prezam pela música popular romântica brasileira. É claro que Escalada já foi cantada várias vezes ali. “Cada música desses caras conta uma pequena história. O que nos fixa em Escalada é que é uma tentativa de amor, a história de uma conquista. E é tudo contado de maneira tão simples que qualquer pessoa pode entender.”