BENJAMIM BLOOM
O MODELO DE ENSINO PARA A MESTRIA
Ramiro Marques Introdução Benjamim Bloom foi um professor da Universidade de Chicago que concebeu uma taxonomia dos objectivos educacionais que exerceu uma influência muito importante nos processos de planificação e de avaliação. A partir dos anos 60, o contributo de B.S. Bloom para a planificação e a avaliação do ensino ou a ser matéria de estudo obrigatória em todos os Cursos de Formação de Professores. As suas principais obras foram: Stability and Change in Human Characteristics (1964); Human Characteristics and School Learning (1976);Taxonomy of Educational Objectives (1956); Handbook on the Formative and Summative Evaluation of Student Learning (1971). Benjamim Bloom escreveu alguns livros e artigos em parceria com J.H. Block, um outro importante teórico do ensino para a mestria. As principais obras de J.H. Block foram: Mastery Learning: Theory and Practice (1971);Schools, Society and Mastery Learning (1974); Mastery Learning in Classroom Instruction (1975). Benjamim Bloom é, provavelmente, um dos autores contemporâneos mais incompreendidos e mais mal lidos. A maior parte dos professores que criticam a teoria de Bloom nunca leram um texto de Bloom. Com efeito, a teoria de Bloom, inserida no paradigma comportamentalista, tem sido alvo de um cerrado ataque por parte dos movimentos pedagógicos não directivos e libertários. Muitas dessas críticas são injustas porque reduzem o complexo pensamento educacional de Benjamim Bloom à planificação por objectivos e traçam dele apenas uma pálida caricatura. Benjamim Bloom foi, sem dúvida, o autor que mais influência exerceu nas teorias da aprendizagem, na segunda metade do século XX. O seu legado educacional mantém uma grande actualidade. Por isso, merece que as suas obras sejam objecto de um estudo sério, criterioso e livre de preconceitos ideológicos. Desenvolvimento A psicologia da educação que subjaz ao modelo de ensino para a mestria está muito próxima da teoria comportamentalista. Considera-se que, em condições apropriadas, quase todos os alunos serão capazes de aprenderem os conteúdos relevantes e de alcançarem os principais objectivos educacionais. O tempo de aprendizagem e as metodologias são as variáveis determinantes do sucesso académico. Quase todos os alunos são capazes de atingir os objectivos educacionais, desde que se lhes conceda o tempo necessário e as condições de aprendizagem apropriadas. Tal como os métodos de ensino directivos, baseadas na divisão das tarefas de aprendizagem em pequenas parcelas, no reforço e na correcção imediata, também o modelo para a mestria concede uma importância cimeira à hierarquização das tarefas de aprendizagem, à definição rigorosa dos objectivos e ao "" imediato. As tarefas de aprendizagem são hierarquizadas de acordo com a complexidade crescente dos processos cognitivos: primeiro as operações mais simples e, de seguida, as mais complexas. A organização de ensino, que daqui decorre, exige "que a aprendizagem de maior inclusividade e abstracção se alicerce nos respectivos constituintes, ordenados em sequências óptimas ou cadeias comportamentais" (Peixoto, 1995, 3). Os estudos de John B. Carroll, sobre a relação entre o tempo real de aprendizagem, o tempo necessário à realização da aprendizagem e o nível de desempenho foram essenciais para a construção do modelo para a mestria por parte de Benjamim Bloom. Para John Carroll " a aptidão do aluno para a aprendizagem reflecte não só os níveis de realização possíveis, dentro dos limites de tempo estabelecidos, mas também o tempo necessário para que os critérios de proficiência fixados sejam devidamente alcançados. Contradiz-se, assim, o modelo convencional de ensino, que fixa rigorosamente o tempo limite da aprendizagem e ite a distribuição normal dos níveis de desempenho. Em sua substituição propõe-se o paradigma inverso, ou seja, aquele que prevê a liberalização do tempo de aprendizagem (em ordem a contemplar as diferenças individuais de progressão) e mantém os níveis de desempenho constantes ( em obediência a critérios de proficiência fixos, dirigidos à totalidade dos alunos) " (Peixoto, 1995, 12). Uma vez que os níveis de desempenho dependem da proporção entre o tempo real de aprendizagem e o tempo necessário à sua realização, torna-se necessário conceder a cada aluno o tempo que realmente precisa para aprender, através das actividades de remediação, assumidas em regime de aulas complementares ou apoios pedagógicos acrescidos. Segundo John Carroll, o tempo real de aprendizagem depende do empenhamento do aluno e da oportunidade de aprender, isto é, do tempo que lhe é concedido. O tempo necessário à realização da aprendizagem depende da aptidão do aluno, da qualidade da instrução e da capacidade de compreensão das matérias (Peixoto, 1995). O modelo de aprendizagem escolar proposto por John Carroll permite contrariar a curva de Gauss, fazendo-a
substituir por uma curva em J, na qual os resultados escolares atingidos por todos os alunos satisfazem os objectivos definidos pelo professor. Análise e Organização do Ensino
1ª Fase: Definição
2ª Fase: Planificação
3ª fase: Realização
Definição de objectivos, hierarquização das tarefas, definição de critérios de desempenho e programação das actividades lectivas
Organização lógica e coerente das actividades de ensino e sua distribuição pelos tempos lectivos
Ensino directo, com base nos objectivos definidos e nos conteúdos seleccionados
O modelo de ensino para a mestria exige uma planificação cuidada e rigorosa e a divisão do processo de ensino em parcelas, numa sequência rigorosa e lógica. Vejamos, de seguida, quais são os componentes essenciais do modelo. Componentes do Modelo Para a Mestria
Ensino
Por turma e, por vezes, em pequenos grupos
Conceito de Proficiência da Aprendizagem
Reportada a todos os objectivos e conteúdos e certificada através da avaliação sumativa
Critério de Performance
80% de domínio das matérias de cada unidade lectiva
Duração das Unidades Lectivas
2 semanas, em média
Organização do Ensino
Sequencial, do mais simples para o mais complexo e do concreto para o abstracto
Modos de ensino
Predomínio do ensino expositivo, mas com recurso frequente à prática supervisionada e a trabalhos em pequeno grupo
Ritmos de Progressão
Imposto pelo professor, mas tendo em consideração que há alunos que precisam mais tempo para aprender do que outros
Diagnósticos de Progresso
Mini-testes semanais sobre todos os objectivos leccionados
Modos de Correcção
Múltiplos, mas regra geral imediatos
Certificação das Correcções Efectuadas
Através de teste formativo
Aplicação
Tanto ao ensino básico como ao ensino secundário
Quadro baseado em informações provenientes do livro de J.H. Block (Ed.). Mastery Learning: Theory and Practice. Nova Iorque. Holt, Reinhart and Winston, 1971 e do livro de Ermelindo Peixoto. Aprendizagem de Mestria - Mastery Learning e Resolução de Problemas. Lisboa. McGrawHill. 1995 A avaliação da aprendizagem é uma componente tão importante como a definição dos objectivos. A sua função não é apenas a de medir o nível de proficiência alcançado pelos alunos, mas também a de permitir ao professor a correcção das suas estratégias, a introdução de mecanismos de remediação da aprendizagem e de informações que permitem uma nova planificação das unidades lectivas. Vejamos, de seguida, as características assumidas pela avaliação no modelo para a mestria. Avaliação da Aprendizagem
Avaliação Formativa
Realiza-se durante o processo de ensino e incide sobre um número reduzido de objectivos educacionais; os resultados obtidos servem ao professor para corrigir
estratégias, identificar dificuldades de aprendizagem e introduzir mecanismos de remediação Avaliação Criterial
É uma avaliação aferida a critério, vulgarmente chamada de sumativa, tendo em conta determinar a capacidade do aluno para atingir o padrão de desempenho, tal como foi estabelecido previamente pelo professor; realiza-se no final de uma unidade lectiva
Padrões de Desempenho
São critérios de proficiência que estabelecem os índices de realização escolar; na perspectiva do ensino para a mestria, implica o domínio total das matérias leccionadas
O modelo para a mestria partilha com os restantes modelos directivos e comportamentalistas o respeito pelo formalismo e pela progressividade, porquanto exige a identificação dos aspectos lógicos da aprendizagem, a análise comportamental dos reportórios que se pretende gerar nos alunos e a simplificação do ensino de tal forma que as matérias sejam decompostas em pequenas parcelas facilmente assimiláveis pelos alunos. Um outro pressuposto importante, também comum aos restantes modelos comportamentalistas, é a rigorosa definição dos objectivos comportamentais, em termos de actividades dos alunos e de forma a que possam gerar comportamentos observáveis e mensuráveis. Mas previamente à definição dos objectivos, é preciso proceder a um diagnóstico inicial que incide sobre os comportamentos de entrada do aluno, de forma a que o professor tome conhecimento do domínio dos pré-requisitos necessários para o alcance bem sucedido dos objectivos propostos. De comum também com os restantes modelos comportamentalistas, a adesão ao paradigma do condicionamento operante, em que a resposta do aluno é seguida de um estímulo reforçante, cuja ocorrência conduz ao aumento da frequência da resposta. A utilização de "" imediato e frequente permite ao aluno quer a correcção pronta dos erros quer a recompensa à qualidade das suas respostas. Vejamos, de seguida, um quadro onde se sintetizam estes pressupostos.
Diagnóstico inicial
Incide sobre os comportamentos de entrada do aluno, para que o professor conheça o domínio dos pré-requisitos do aluno antes do início de nova sequência de ensino
Divisão das tarefas de aprendizagem
Análise lógica da aprendizagem, tendo como referência os objectivos comportamentais de saída e simplificação do ensino de forma a permitir uma decomposição das matérias em parcelas facilmente assimiláveis
Progressão das tarefas
A sequência das matérias respeita o princípio do mais fácil para o mais complexo; só se a às tarefas seguintes quando o aluno mostra um domínio completo das tarefas antecedentes
imediato e frequente
O professor reage imediatamente às respostas dos alunos, corrige os erros e reforça a qualidade das aprendizagens, sob a forma de elogios e outras recompensas
A planificação rigorosa do processo de ensino e aprendizagem constitui um elemento essencial do modelo para a mestria. O professor procura antecipar todos os problemas e dificuldades. A avaliação diagnóstica permite determinar as necessidades de aprendizagem de cada aluno e a selecção das condições de aprendizagem apropriadas ao sucesso académico. Embora o modelo privilegie o ensino por turma, o processo de ensino é fortemente individualizado. Vejamos, de seguida, um quadro que sintetiza as fases do processo de instrução. Fases do Processo de Instrução
Avaliação Diagnóstica
O professor identifica o domínio dos prérequisitos dos alunos
Definição de Objectivos, Selecção dos Conteúdos e Divisão das Tarefas de Aprendizagem
É a fase da planificação propriamente dita; o professor define o que ensinar, o como ensinar e o quando
Ensino Por Unidades Lectivas
É a fase da realização do processo de instrução, com o recurso privilegiado às exposições dirigidas à turma, à prática supervisionada em pequenos grupos e à realização de trabalhos individuais apoiados pelo professor
Avaliação Formativa
A avaliação permite detectar as dificuldades de aprendizagem, rever as estratégias de ensino e promover actividades de remediação, para os alunos que não atingiram o critério de performance fixado; as actividades de remediação podem assumir a forma de revisão das matérias com apoio do professor ou o recurso a formas alternativas de aprendizagem
Avaliação Sumativa
A avaliação sumativa visa a certificação final dos alunos
O modelo para a mestria possui um conjunto de características próprias que o distinguem dos restantes modelos comportamentalistas. Cada aluno progride à medida do seu ritmo, avançando de unidade em unidade lectiva consoante haja demonstrado o domínio através dos resultados dos diagnósticos de progresso. Para cada unidade lectiva exige-se a proficiência total, isto é, o domínio integral das matérias. O professor recorre, sobretudo, às exposições, às demonstrações e aos exercícios no lugar. O veículo de comunicação privilegiado é a palavra escrita. O modelo assegura uma assistência personalizada aos alunos, com a garantia de um imediato constante. É concedido o tempo necessário para que cada aluno realize a tarefa com proficiência. Exige-se um domínio integral das matérias referentes a cada unidade lectiva. O rigor na divisão das tarefas de aprendizagem e a garantia da existência das condições apropriadas para que todos os alunos aprendam exigem materiais curriculares de grande qualidade. O professor usufrui de materiais auxiliares de ensino que incluem listagens dos objectivos comportamentais para cada unidade lectiva, indicações sobre os métodos e as estratégias a utilizar, baterias de testes formativos, exemplos de prestação de assistência personalizada aos alunos e actividades de remediação. A planificação é dada a conhecer ao aluno. Os materiais auxiliares de aprendizagem são distribuídos antes da aula. Cada aluno demora o tempo que considera necessário para a realização correcta da tarefa e o domínio integral das matérias. Antes de ar à tarefa seguinte, o aluno é testado e beneficia de imediato. Caso responda correctamente, a aprendizagem é confirmada e o aluno pode transitar para a tarefa seguinte. Caso responda incorrectamente, o professor identifica a dificuldade, corrige o aluno e presta-lhe assistência personalizada até que o aluno consiga superar a dificuldade. Evita-se, desta forma, o efeito do erro acumulado. Benjamim Bloom, no livro Human Characteristics and School Learning, identifica três variáveis independentes que condicionam o sucesso na aprendizagem: os comportamentos cognitivos de entrada, as características afectivas de entrada e a qualidade do ensino ministrado. Os comportamentos cognitivos de entrada são as aptidões pessoais que se manifestam pelo seu carácter substantivo em relação às matérias, isto é, são o conjunto dos conhecimentos prévios necessários ao aluno para compreender a nova matéria. De uma certa forma, podemos dizer que são o conjunto das competências cognitivas necessárias à realização dos objectivos de aprendizagem. Segundo Bloom, esta variável explica até 50% da variância dos resultados obtidos pelos alunos. Decorre daqui, a necessidade de dividir as tarefas de aprendizagem numa sequência do mais simples para o mais complexo. A agem às tarefas seguintes depende do domínio integral das anteriores. As características afectivas de entrada resultam da existência de uma relação de causa e efeito entre a afectividade e o aproveitamento escolar. Benjamim Bloom considera que a afectividade explica até 25% da variância dos resultados escolares. O apreço pelo professor, o gosto pelas matérias e a adesão a determinado método pedagógico constituem exemplos de características afectivas de entrada. Quanto maior for a relação afectiva entre o aluno e as matérias de estudo maior é o grau de perseverança na realização das tarefas de aprendizagem. A motivação para aprender depende sobretudo da relação afectiva entre o aluno e a matéria de estudo. A qualidade do ensino ministrado explica até 25% da variância dos resultados escolares. Benjamim Bloom chama a atenção para a necessidade de adaptar o ensino às reais necessidades do aluno, imprimindo-lhe alguma directividade, participação, reforço das aprendizagens bem sucedidas, imediato, correcção pronta e actividades de remediação a acompanhar as dificuldades de aprendizagem.
Variáveis Independentes no Modelo para a Mestria
Comportamentos Cognitivos de Entrada
Aptidões pessoais que permitem a compreensão da matéria; competências cognitivas necessárias à realização da aprendizagem; pré-requisitos necessários para realizar novas tarefas de aprendizagem
Características Afectivas de Entrada
Motivação para a prender, gosto pela matéria de estudo, apreço pelo professor e adesão à escola
Qualidade do Ensino Ministrado
Adaptação do ensino às características e necessidades do aluno; imediato e frequente; correcção imediata; reforço das aprendizagens bem sucedidas; actividades de remediação
Crítica O modelo de ensino para a mestria preocupa-se fundamentalmente com a eficácia do ensino. Tendo em consideração as finalidades educacionais privilegiadas pelo modelo, nomeadamente a aprendizagm de conhecimentos básicos por todos os alunos, parece razoável afirmar que o modelo de Bloom é particularmente útil e eficaz. Contudo, parece não haver dúvidas que o modelo de Bloom acentua as aprendizagens relacionadas com os níveis mais baixos da sua taxonomia. Com efeito, o modelo é particularmente eficaz no ensino de conceitos básicos, na transmissão de informações e na realização de tarefas de aplicação. A sua eficácia é menor quando estão em causa aprendizagens que pressupõem operações de análise, síntese e avaliação. Por outro lado, o modelo tem sido criticado pela predominância das aprendizagens rotineiras e repetitivas, baseadas na memorização dos conceitos. A directividade do processo de ensino e a ênfase nos conteúdos disciplinares, em prejuízo da autonomia do aluno e da aquisição de competências cognitivas, tem sido objecto de crítica por parte dos autores que defendem perspectivas cognitivistas e personalistas. Estes autores consideram que o modelo de Bloom não ensina o aluno a aprender, não promove a autonomia da aprendizagem e não é indutor de atitudes de investigação. Apesar destas críticas, o modelo de ensino para a mestria tem mostrado uma eficácia enorme, nomeadamente: no envolvimento dos alunos nas tarefas de estudo; na perseverança do aluno na realização das tarefas de aprendizagem; no cumprimento dos programas de ensino; na melhoria da auto-estima dos alunos mais fracos; no aumento das expectativas educacionais dos alunos mais fracos e; no sucesso generalizado ao nível das aprendizagens básicas relacionadas com os níveis inferiores da taxonomia dos objectivos educacionais de Benjamim Bloom. Referências Bertrand, Y. (1991). Teorias Contemporâneas da Educação. Lisboa. Instituto Piaget Block, J. H. (1971). Mastery Learning: Theory and Practice. Nova Iorque. Holt, Rinehart and Winston Block, J. H. (1974). Schools, Society and Mastery Learning. Nova Iorque. Holt, Rinehart and Winston Bloom, B. S. (1964). Stability and Change in Human Characteristics. Nova Iorque. John Wiley and Sons Bloom, B. S. (1968). "Learning for Mastery". Evaluation Comment, 1 Bloom, B. S. (1977). "Affective Consequences of School Learning". Phi Delta Kappan, 59, 193-98 Bloom, B. S., Englehart, M.D., Furst, E. J., Hill, W. J. e Krathwohl, D. R. (1956). Taxonomy of Educational Objectives (Handbook I: Cognitive Domain). Nova Iorque. McKay Bloom, B. S., Hastings, I. T. e Madaus, G. F. (1971). Handbook on the Formative and Summative Evaluation of Student Learning. Nova Iorque. McGrawHill Carroll, J. B. (1963). "A Model of School Learning", Teachers College Record, 64, 723-33 Carroll, J. B. e Spearitt, D. (1967). A Study of a Model of School Learning. Monografia nº 4. Cambridge. Harvard University Peixoto, E. (1995). Aprendizagem de Mestria - Mastery Learning e Resolução de Problemas. Lisboa. McGrawHill