O controle social em Durkheim: reflexões sobre a intervenção penal Por Rafhaella Cardoso Langoni (*) Em tempos de crise de legitimidade e efetividade da intervenção penal, elucidar a noção de controle social é algo inevitavelmente complexo e necessário, e, sem dúvidas, pode ser vislumbrado a partir de grandes lições iniciadas por Emile Durkheim (1858-1917). Pode-se afirmar que dentro dos estudos de Durkheim, há uma preocupação com os problemas ligados à manutenção da ordem social e ao fortalecimento da consciência coletiva. Isso pode ser facilmente constatado na obra As Regras do Método Sociológico (DURKHEIM, 1978), como também nos escritos do autor acerca do desvio e do conceito de "anomia". Em linhas gerais, quando Durkheim se refere à situação de anomia (a= sem; nomia= normas); representa-se o que, para ele, representaria um colapso na integração social e na estrutura e funcionalidade da relação indivíduo-sociedade. Neste sentido, anomia seria uma situação de total descrédito e quebra das normas postas, gerando-se uma total desarmonia social, onde os indivíduos desconsideram a consciência coletiva (BARATTA, 2001). No entanto, ao tratar de controle social, Durkheim evidencia o papel do crime e da pena, ou seja, aos instrumentos utilizados pelo seio social quando há a desobediência às normas e se gera ameaça à ordem social. Curiosamente, o desvio não é visto como algo totalmente patológico, mas em condições quantitativa e qualitativamente áveis, ele serve, através da imposição de sua pena, para reativar a consciência coletiva e até para incorporar nova moral coletiva. Para o autor, o crime "ofende certos sentimentos coletivos dotados de uma energia e de uma clareza particulares" (DURKHEIM, 1978, p. 120), e, por sua vez, a pena é a reação coletiva que, apesar de inicialmente voltada para o delinquente, objetiva, na realidade, promover um reforço da solidariedade social entre os outros integrantes da sociedade e, por conseguinte, efetivar a integração social. É importante ressaltar também que, para Durkheim, a forma mais decisiva de integração social é através do trabalho, já que, é a partir dele que o homem produz riquezas. Entretanto, com a divisão social deste, a tendência da atomização pode levar a uma sensação de que o trabalhador não é mais parte indispensável para a produção de riquezas, e, com isso, desdobram-se as explicações acerca do suicídio e do desvio (DURKHEIM, 1978). Com base nas ideias expostas por Durkheim, verifica-se que ele aponta a noção de controle social para dois focos: tanto para os mecanismos gerais de manutenção da ordem social quanto para fenômenos ou instituições específicas que primam por fortalecer a integração e reafirmar a ordem social. Apesar de antecipadamente tratado por Durkheim, o conceito de “controle social” foi melhor aprimorado posteriormente, notadamente no século XX, a partir de quando a terminologia é empregada com vistas a elucidar os mecanismos de cooperação e de 1
coesão voluntária da sociedade norte-americana, tal como se percebe na ideologia das teorias ecológicas do crime (Escola de Chicago). Já no pós-guerra, com as críticas marxistas e estruturalistas de FOUCAULT (19261984), o termo “controle social” assume um estigma negativo, já que a coesão social perde o caráter de resultado da solidariedade e da integração social e se torna resultado de práticas de dominação promovidas pelo Estado ou pelas denominadas “classes dominantes”. Sem dúvidas, analisar o complexo emaranhado de mecanismos que circundam o tema do controle social e seus reflexos na forma de se intervir penalmente, só será feito de forma crítica se as práticas de poder forem vislumbradas não apenas em suas formas instrumentais de controle, mas também, no viés que atuam (invisivelmente) como geradoras de ideologias que tanto dificultam a mudança no agir social. ____________________ (*) Professora do curso de Direito da Unitri. Referências: BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e critica do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2001. 256p. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Abril Cultural, 1978. pp.71-161. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1977. 277p.
2