1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS Há pouco mais de um século, cicatrização incompleta e complicações das feridas eram a regra e não a exceção nos processos de reparação tecidual após uma determinada injúria. Os cirurgiões permaneciam impotentes e pouco podiam fazer, além de drenar feridas e supurações invasivas. O desenvolvimento da antissepsia por LISTER e da cirurgia asséptica com HALSTED (Figura 1), representaram dramáticos avanços para a medicina cirúrgica no final do século XIX e início do século XX, tanto até quanto a descoberta da anestesia 1. Apesar disso, ainda nos tempos atuais, a cicatrização pobre ou excessiva e as infecções de feridas operatórias continuam sendo causas de seqüelas e morte (Figura 2). No presente trabalho, objetivamos revisar os mecanismos fisiopatológicos da cicatrização, aplicando-os para prevenir e, onde for o caso, utilizar técnicas apropriadas para intervir onde se possam minimizar os efeitos estéticos dela decorrentes. Aplicaremos, também, tais conceitos em um estudo de caso onde a cicatriz se apresenta de maneira inestética, comprometendo a qualidade de vida do paciente. É fato que as cicatrizes surgem como respostas fisiológicas à injúria tecidual, sejam de natureza energética controlada, tais quais as conseqüentes de procedimento operatório, sejam de natureza não-controlada, tais quais as que surgem em traumatismos diversos. Assim sendo, veremos no próximo capítulo uma breve revisão dos mecanismos envolvidos na reparação tecidual.
1
Embora postulados por LISTER no final do século XVIII, apenas no século XIX, com Von Langenbeck na Europa e Billroth e Halsted na América, a aplicação de técnicas antissépticas comprovou reduzir as infecções operatórias. De fato, Billroth pouco acreditava que microorganismos seriam capazes de causar infecção, mas utilizava as técnicas assépticas em suas cirurgias, por verificar que as mesmas diminuíam significativamente as complicações pós-operatórias (LYONS & PETRUCELLI, Medicine: an illustraded history, Abradale : New York, 1997 ISBN 0-8109-8080-0, pp.550-555 – op.cit.)
2
FIGURA 1 – CIRURGIA USANDO LUVAS DE LÁTEX (HALSTED)
FONTE: LYONS & PETRUCELLI, Medicine: an illustraded history, p.555
FIGURA 2 – OPERAÇÃO CESARIANA (meados do séc. XVII)
FONTE: LYONS & PETRUCELLI, Medicine: an illustraded history, p. 555
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2 - CICATRIZAÇÃO A alteração das relações anatômicas teciduais em resposta a uma injúria, seja essa intencional, por exemplo, em um ato operatório, ou decorrente de um traumatismo ocasional, resulta na formação de uma ferida. A capacidade biológica em repor células doentes ou mortas, assim como reparar os tecidos após a injúria é crucial para a sobrevivência das espécies. Dá-se o nome genérico de cicatrização a esta capacidade. Do mesmo modo que geram desordem no interior celular, as agressões desencadeiam mecanismos que servem não apenas para conter o dano, mas também para preparar aquelas células injuriadas a serem replicadas, repondo as células mortas durante a agressão. Um exemplo é o processo de apoptose, onde células com DNA avariado, potencialmente perigosas para o organismo, disparam sinais intracelulares em resposta aos quais, a célula mortalmente agredida tem suas organelas envoltas por membranas que serão posteriormente eliminadas de maneira ordenada para o interstício tecidual. 2.1 BIOLOGIA DA CICATRIZAÇÃO A arquitetura tecidual pode ser reparada por meio de dois processos distintos: (1) regeneração, ou seja, a reposição das células injuriadas por células do mesmo tipo, algumas vezes sem sequer deixar vestígios da lesão prévia, tal qual ocorre, por exemplo, na regeneração da cauda amputada de uma lagartixa, ou (2) fibrose, que é a substituição das células injuriadas por outras, originadas de fibroblastos, deixando uma cicatriz permanente, isto é, um tecido de preenchimento que não corresponde à arquitetura tecidual antes da injúria. De fato, na maioria dos casos, ambos os processos contribuem para a reparação
tecidual;
não
obstante,
tanto
regeneração
quanto
fibrose
são
determinadas por dinâmicas celulares essencialmente semelhantes, quais sejam: migração celular, proliferação, diferenciação e interações com a matriz celular. Nos tecidos adultos, o tamanho de uma população celular é determinado por um delicado
4 equilíbrio entre a proliferação, diferenciação celular e apoptose (Figura 3). A proliferação celular pode ser estimulada pela injúria, pela morte celular ou pela deformação mecânica dos tecidos, sendo o mecanismo chave na regeneração. A replicação celular é controlada, sobretudo, pelos fatores químicos do microambiente tecidual onde as células estão inseridas, os quais estimulam ou inibem a proliferação. O crescimento tecidual (hiperplasia) pode ser obtido pelo encurtamento do ciclo celular (Figura 4), mas os fatores mais importantes são aqueles capazes de recrutar as células que estão em estado de repouso celular ou quiescente. FIGURA 3 – REGULAÇÃO DA POPULAÇÃO CELULAR (MECANISMOS).
FONTE: COTRAN, KUMAR & COLLINS, Robbins: Pathologic basis of disease, p. 90.
As células que estão em um estado quiescente, possuem um determinado grau de diferenciação e, por isso mesmo, demonstrando um pequeno grau de divisão. No entanto, em decorrência de estímulos químicos ou mecânicos, tais células podem rapidamente sair do estado latente (assim chamado de G0) e entrar em ciclo reprodutivo G1.
5 Nesta categoria encontram-se as células do parênquima de quase todos os órgãos glandulares do organismo, tais quais o fígado, rins e pâncreas, células mesenquimais, ou seja, fibroblastos e músculo liso e as células endoteliais. FIGURA 4 – ESTADOS DO CICLO CELULAR.
FONTE: COTRAN, KUMAR & COLLINS, Robbins: Pathologic basis of disease, p. 90.
Apesar de células lábeis e quiescentes apresentarem capacidade de regeneração, não significa obrigatoriamente que a arquitetura tecidual seja restabelecida. Neste sentido, a integridade da membrana basal, contribui para a organização da estrutura do tecido a ser reparado. Exemplo disso é a infecção pelo vírus da hepatite, que destrói o parênquima hepático, mas não têm capacidade de destruir as células do tecido conjuntivo do órgão. Assim, após a resolução de uma hepatite viral, a arquitetura do
6 lóbulo hepático é restabelecida. Em contraste, um abscesso hepático pode ser agressivo o suficiente para destruir não apenas o hepatócito, mas também o tecido conjuntivo, levando a uma cicatriz, conhecida por cirrose. CICATRIZAÇÃO POR PRIMEIRA E SEGUNDA INTENÇÃO Desde os tempos iniciais da cirurgia científica, costumam-se classificar, em termos de técnica operatória, os processos de cicatrização como sendo de primeira ou de segunda intenção (Figura 5). Cicatrização por primeira intenção (ou cicatrização primária) ocorre quando o tecido está regular e com bordas geometricamente exatas, a reaproximação (coaptação) dos bordos da ferida e o reparo ocorrem sem complicações. A cicatrização por segunda intenção (cicatrização secundária) ocorre nas feridas abertas, mediante o surgimento do tecido de granulação 2 e eventual cobertura do defeito por migração espontânea de células epiteliais. A maioria das feridas infectadas e das queimaduras cicatriza-se deste modo. Observa-se que a cicatrização de primeira intenção é mais simples e requer menos tempo e menor energia que a cicatrização por segunda intenção. Pode ocorrer de a mesma ser possível, mas não haver aporte vascular adequado ou, ainda, pode não haver reserva nutricional no tecido para permitir a cicatrização secundária. Exemplo disso: se um braço ou perna isquêmica, forem operados em ambiente asséptico, podem cicatrizar primariamente, mas, se a ferida abrir e infectar-se secundariamente, não haverá cicatrização. Assim, costuma-se classificar este tipo de cicatrização, como sendo cicatrização por terceira intenção (ou fechamento
primário
retardado),
isto
é,
quando
uma
ferida
é
deixada
propositalmente aberta durante alguns dias e, após o controle da infecção, fechada como se fosse de cicatrização em primeira intenção. 2
Tecido de granulação é o tecido com aspecto úmido, granular e avermelhado que surge durante a cicatrização de feridas abertas. Histologicamente contém neocolágeno, fibroblastos, vasos neoformados e células inflamatórias, especialmente macrófagos (WAY, Lawrence & DOHERTY, Gerard M. eds. Current Surgical Diagnosis and Treatment. 11th ed. Appleton-Lange : 2003, p.16-25)
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Fique-se claro que a classificação anterior é uma classificação empírica, apoiada na técnica operatória em si e na observação experimental do fenômeno de cicatrização. FIGURA 5 – CICATRIZAÇÃO PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA
FONTE: COTRAN, KUMAR & COLLINS, Robbins: Pathologic basis of disease, p.108.
A despeito da classificação vista anteriormente, a cicatrização costuma ser, didaticamente, estudada em três etapas distintas: (1) fase inflamatória, (2) fase proliferativa e (3) fase de remodelagem. Apesar de serem descritas como eventos
8 distintos, há uma grande sobreposição temporal e variabilidade entre tais fases 3 (Tabela 1). FASE INFLAMATÓRIA Imediatamente após à injúria, ocorre sangramento, como conseqüência da ruptura de vasos sangüíneos. A hemostasia é obtida mediante vasoconstrição inicial e subseqüente tampão plaquetário e formação de coágulo. FASE PROLIFERATIVA O coágulo formado na fase inflamatória provê o substrato para a principal célula na fase proliferativa, o fibroblasto. Adicionalmente, fatores de crescimento estimulam a angiogênese capilar. Os fibroblastos e os capilares formam o substrato conhecido histologicamente e clinicamente como tecido de granulação (ver 2.1). Os fibroblastos produzem colágeno, que é a principal molécula da cicatriz final. A síntese de colágeno é um processo dinâmico, na dependência de sinalizadores intra e extracelular. FASE DE REMODELAGEM Em média, 2-3 semanas após a lesão inicial, o acúmulo de colágeno atinge um estado de equilíbrio, onde há quantidade de colágeno produzida é similar à quantidade metabolizada. Durante a remodelação, as fibrilas desorganizadas de colágeno dão lugar às fibrilas estruturalmente organizadas, mediante a ação da colagenase tecidual. Este processo persiste por até muitos anos; a cicatriz continua a ganhar resistência nessa fase sem, no entanto, nunca atingir o valor do tecido original, mas cerca de 80% do mesmo.
3
Embora não haja consenso nesta divisão, os autores, BRAY, Peter - ed. (in Basics on Plastic Surgery, 2006) e KRYGER, Zol & SISCO, Mark (in Practical Plastic Surgery, Landes : 2007 ISBN 9781-57059-696-4) utilizam a classificação aqui mostrada. LOWENSTEIN, Adam (in Plastic and Reconstructive Surgery - Essentials for students, American Society of Plastic Surgeons, 2007) classifica as fases em reativa, proliferativa e remodelagem. MÉLEGA, José M. (in: Cirurgia Plástica – Fundamentos e Arte – Princípios Gerais. Rio de Janeiro : Medsi, 2002) classifica em inflamatória, de epitelização, fibroplasia e remodelação.
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TABELA 1 – AS FASES DA CICATRIZAÇÃO Fase
Resposta celular
Inflamatória (reativa)
Resposta vascular
Características - Limita a agressão;
- Polimorfonucleares;
- Tampão plaquetário;
- Previne injúrias adicionais;
- Macrófagos e
- Vasoconstrição seguida de
- Duração de cerca de quatro dias (se
- Linfócitos
vasodilatação
1a intenção) ou até a ferida fechar (se 2a intenção) - Tecido de granulação; - Síntese de colágeno;
Proliferativa
- Fibroblastos
- Angiogênese;
- Aumento na resistência mecânica;
(regenerativa)
- Células do endotélio
- Deposição de colágeno
- Epitelização; - Duração de cerca de cinco dias até três semanas
Remodelagem (maturação)
- Organização do colágeno; - Fibroblastos
- Equilíbrio dinâmico entre a síntese e a lise de colágeno
- Contração; - Duração de 3 semanas a 01 ano
Nota: os intervalos de tempo aqui apresentados dependem de vários fatores locais ao sítio da injúria e de fatores sistêmicos.
DINÂMICA DA CICATRIZAÇÃO Os principais componentes na cascata de reparação tecidual são: fatores de crescimento, complemento, mediadores inflamatórios clássicos e sinalizadores metabólicos tais quais hipóxia e lactato acumulado nos tecidos injuriados. Freqüentemente, vários sinais podem controlar quaisquer etapas do processo mostrando, dessa forma, que muitos mecanismos da cicatrização são redundantes. A cicatrização, em seu todo, é um processo seqüencial e lógico, que tem início na coagulação e inflamação, chegando até a fibroplasia, deposição de matriz, epitelização, maturação do colágeno e, finalmente, retração da ferida. Imediatamente após a injúria, os produtos da coagulação (fibrina, fibrinopeptídeos) e componentes do complemento atraem células inflamatórias, particularmente os macrófagos. As citoquinas 4, ativadas pela liberação plaquetária, atraem leucócitos e fibroblastos ao sítio da lesão. A lesão endotelial ativa a cascata 4
As principais citoquinas envolvidas são IGF-1, TGF-α , TGF-β e PDGF. Ver glossário para o significado (Nota do autor).
10 do complemento, mediante C5a, TNF-α , IL-1 e IL-8 expressando, na membrana dos leucócitos, receptores para as moléculas de integrinas. Isso permite que os leucócitos circulantes possam aderir ao endotélio lesado. FIGURA 6 – SEQÜÊNCIA DE EVENTOS NA CICATRIZAÇÃO
FONTE: WAY, Lawrence & DOHERTY, Gerard M. eds. Current Surgical Diagnosis and Treatment. 11th ed. Appleton-Lange : 2003, p.17.
Outros
sinalizadores:
histamina,
serotonina
e
bradicinina
agem
inicialmente causando vasoconstrição, no sentido de favorecer a hemostasia; posteriormente, causam vasodilatação, para permitir o livre trânsito de plasma e leucócitos. Tal aporte celular eleva a demanda metabólica no sítio da lesão e, haja vista que a microcirculação está comprometida pelo trauma, aumentam as concentrações de CO2 (i.e., hipóxia) e de lactato. Nessas condições novas células inflamatórias são recrutadas, agora em resposta ao stress metabólico. Certas situações, corpos estranhos ao tecido, fibrina, bactérias, para exemplificar algumas, podem elevar ainda mais a demanda metabólica. Certo é que tais eventos reparativos apresentam-se apoiados nos macrófagos, que secretam a maior parte dos fatores de crescimento quando os eventos de resposta inicial à lesão am não mais desempenhar o seu papel.
11 Ao redor do terceiro ou quarto dia após a lesão, as células começam a se enfileirar, em um padrão espacial bastante peculiar (Figura 7). FIGURA 7 – CICATRIZ NA FASE INFLAMATÓRIA
FONTE: SINGER, Adam J; CLARK Richard A.F., Cutaneous Wound Healing, New England Journal of Medicine, 1999, 341(10) : 738-746.
A
menos
que
a
ferida
torne-se
infectada,
a
população
de
polimorfonucleares, que era a principal população celular no início, diminui. Os macrófagos agora cobrem a superfície incisada, com fibroblastos imaturos (uma resposta aos fatores de crescimento) imediatamente abaixo e neovascularização já pode ser observada. Este arranjo espacial demonstra como os macrófagos promovem um centro de crescimento em resposta ao metabolismo alterado no sítio da
injúria
e
tentam
melhorar
as
condições
de
oxigenação
no
local.
Concomitantemente, fibroblastos maduros sintetizam e depositam colágeno recém formado (chamado de “neocolágeno”) nessa área ainda rica em lactato, mas com melhor oxigenação. Esta oxigenação é a chave para mais síntese de colágeno e sua deposição.
12
Ao longo do curso da cicatrização, a fibroplasia (replicação de fibroblastos) é estimulada por múltiplos mecanismos, iniciando com a liberação de citoquinas plaquetárias, continuando como resposta aos fatores de crescimento liberados pelos macrófagos, pelos próprios fibroblastos e outras células adventícias (músculo liso, lipócitos e pericitos). Nesse aspecto, o tecido conjuntivo cumpre um fator fundamental através das proteoglicanas. A síntese de colágeno não está perfeitamente elucidada, mas é provavelmente multifatorial e dependente da liberação de fatores de crescimento e do aporte metabólico. Os genes que promovem a síntese de colágeno têm sítios de ligação aos corticóides, TGF-β e aos retinóides, controlando assim sua expressão gênica. Evidências sugerem que o RNAm leva a um aumento do procolágeno. Várias enzimas transpeptidases e hidroxilases permitem a deposição do colágeno no espaço extracelular (Figura 8). FIGURA 8 – CICATRIZ NA FASE DE REEPITELIZAÇÃO
FONTE: SINGER, Adam J; CLARK Richard A.F., Cutaneous Wound Healing, New England Journal of Medicine, 1999, 341(10) : 738-746.
O tecido conjuntivo assume ainda o papel adicional na angiogênese, etapa crucial sem a qual não ocorreria a reparação. A angiogênese é visível na histologia
13 no quarto dia, embora os sinais químicos que estimulam iniciem cerca de dois dias antes, com os já citados fatores de crescimento liberados pelas plaquetas e macrófagos. Na cicatrização por primeira intenção, os vasos neoformados encontram-se entre as bordas da ferida, até fecharam a circulação. Contrariamente, nas feridas abertas, os capilares fundem-se com os de sua vizinhança e se forma o tecido de granulação. A angiogênese é uma resposta tecidual visando diminuir a hipóxia e o acúmulo de lactato no sítio da lesão.
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2.2 CICATRIZAÇÃO EM TECIDOS ESPECIALIZADOS Foram vistos vários fatores que influenciam a evolução da reparação tecidual. Alguns destes fatores são, freqüentemente, controláveis (ou reversíveis): natureza da injúria, isquemia, temperatura, técnica operatória, corpos estranhos, infecção, hematoma, seroma. Outros, tais quais idade do indivíduo, nutrição, tabagismo, doenças crônicas, imunossupressão, colagenoses e doença vascular periférica, são considerados irreversíveis ou não-controláveis. Não obstante, sabese que a maior especialização de um tecido implica em células mais diferenciadas e que demandam uma reparação mais especializada. Assim, a despeito do rígido mecanismo de reparação tecidual, é natural esperar-se variações do processo cicatricial entre indivíduos e tecidos histologicamente distintos, conforme será visto a seguir. TECIDO NERVOSO O tecido nervoso no encéfalo cicatriza mediante a diferenciação das células da glia e perivasculares em fibroblastos. Por outro lado, quando um nervo periférico é injuriado, sua extremidade distal degenera-se (degeneração Walleriana), ficando o axônio na dependência da célula de Schwan para orientar sua reparação 5. Desta forma, o resultado funcional da regeneração neural é mais satisfatório quando os nervos periféricos são reaproximados por técnicas microcirúrgicas. Recentes avanços nas pesquisas de reparação com células-tronco apontam para um futuro promissor nesta área. INTESTINO A razão de reparo do tecido intestinal varia, de uma porção a outra do tubo digestivo, dependente de suas respectivas vascularizações. As anastomoses do cólon e esôfago comportam-se de maneira precária, ao contrário daquelas do 5
A extremidade axonal pode regenerar-se até 1mm/dia; infelizmente, devido ao feixe nervoso não ser individualizado, o axônio não consegue orientar-se no sentido de sua extremidade distal original. A conexão distal é feita de maneira aleatória (Nota do autor).
15 estômago e do intestino delgado. Experimentos revelam que certos fármacos, fluoracil por exemplo, limitam a colagenólise, prevenindo quanto à perda precoce de resistência nas suturas colônicas. Aspecto relevante nas cirurgias abdominais diz respeito às aderências. Ao contrário do que se imagina, a lesão peritoneal é insuficiente, per se, para causar aderências. Quando há traumatismos, isquemia, infecção, corpos estranhos e técnica não apurada, aumenta-se a incidência de aderências. As tentativas de prevenir aderências mediante a sutura dos defeitos peritoneais, acaba por piorar ainda mais o problema, pois as suturas causam isquemia e granuloma de corpo estranho. TECIDO ÓSSEO O reparo ósseo é controlado por muitos dos mecanismos de reparação dos tecidos moles. Ocorre também em três estágios funcionais: inflamação, reparação e remodelagem, cada qual dependendo do local e natureza da fratura. Inicialmente após a fratura, há formação de hematoma a partir dos vasos lesados no periósteo, endósteo ou tecidos circunvizinhos. Algumas horas após a injúria, um infiltrado inflamatório de neutrófilos e macrófagos que fagocitam os tecidos lesados e a superfície fraturada; tal processo continua por dias até semanas. No estágio de reparação, o hematoma é gradualmente substituído por tecido de granulação especializado, chamado aqui de calo ósseo. Este tecido se desenvolve em ambas extremidades da fratura e compõe-se de fibroblastos, células endoteliais, condroblastos e osteoblastos. Estas duas últimas células especializadas sintetizam colágeno e possuem a propriedade de depositar cristais de hidroxiapatita; por sua vez, as células endoteliais modelam a vascularização. O resultado final é que o processo permite regenerar o osso propriamente dito, sem deixar uma cicatriz, como a que se vê nos tecidos de partes moles.
TECIDO EPITELIAL
16 As células epiteliais respondem a vários estímulos de maneira análoga a que fazem os fibroblastos e células endoteliais. Uma variedade de fatores de crescimento regula a sua replicação, ao o que o TGF-β tende a manter as células epiteliais em estado de diferenciação e permanente mitose. Os maiores estímulos mitogênicos, no entanto, são o TGF-α e o fator de crescimento dos queratinócitos (KGF). No processo de cicatrização, as mitoses aparecem apenas umas poucas camadas de células abaixo da superfície lesada. Essas novas células migram umas sobre as outras, desde os bordos da ferida, até a área não cicatrizada, através da ação de citoquinas e de fatores de crescimento, ancorando-se umas às outras, formando assim um novo bordo da ferida. Esse arranjo ocorre na presença de baixa pressão de oxigênio, o que estimula as células epiteliais a produzirem TGF-β, o que favorece a diferenciação celular e aumenta o número de mitoses. A epitelização e diferenciação atingem o máximo para uma PaO 2 de 700mmHg e quando a superfície da ferida é mantida umedecida. Ao contrário do pensamento clássico, até mesmo curtos períodos sem umidade no sítio de cicatrização, podem comprometer o processo. As feridas devem ser mantidas úmidas. O exsudato dos ferimentos superficiais agudos e não infectados, ajuda a manter na superfície os fatores de crescimento e o lactato encontrados no substrato mais interno da ferida. O processo de cicatrização do epitélio e da matriz extracelular tem sua chave na maturação das fibras colágenas e do contínuo rearranjo das mesmas através de um processo de colagenólise em equilíbrio com a colagenogênese, num processo extremamente dinâmico.
2.3 CICATRIZAÇÃO PATOLÓGICA
17 Quando os mecanismos de regulação entre síntese e destruição de colágeno são afetados, surgem alterações patológicas no processo de cicatrização, por excesso ou falta de colágeno. Certos mecanismos são constitucionais, alterados por doenças de base: cirrose hepática, esclerodermia, febre reumática, estenose cáustica do esôfago e escorbuto. Outros mecanismos são, por assim dizer, idiopáticos: as cicatrizes hipertróficas e quelóides surgem devido a desordens fibroproliferativas que ocorrem na
derme,
associadas
aos
traumatismos
e
inflamações.
Podem
ocorrer
espontaneamente, em especial na região esternal. CICATRIZ HIPERTRÓFICA Cicatrizes hipertróficas são elevadas, tensas, pruriginosas, hiperemiadas e freqüentemente dolorosas. Não ultraam os limites das lesões que as originaram e apresentam tendência a regressão, ao menos parcial, em intervalos de tempo variáveis. QUELÓIDES Têm a forma tumoral e ultraam os limites dos traumatismos ou inflamações que os originaram. Não apresentam tendência a regressão e, às vezes, são pediculados. São avermelhados ou violáceos, ocasionam dor e prurido e apresentam alta tendência a recidiva após a excisão. Cicatrizes
hipertróficas
e
quelóides
são
processos
anormais
de
cicatrização caracterizados por alterações: na migração e proliferação de células; inflamação; aumento na síntese de citoquinas e proteínas da matriz extracelular e remodelamento da matriz sintetizada. O fenômeno fundamental é a deposição exagerada de proteínas da matriz extracelular. Na derme, a matriz extracelular é composta de fibras colágenas e elásticas, bem como de substância fundamental amorfa.
Os
três
componentes
se
originam
dos
fibroblastos.
Infecção
e
prolongamento da fase inflamatória em grandes feridas aumentam a atividade de citoquinas fibrogênicas. Tanto a síntese exagerada de colágeno, fibronectina e proteoglicanos, quanto a deficiência na degradação e remodelamento da matriz
18 extracelular pelas proteases, resultam em hipertrofia cicatricial. A cicatriz normal resulta do equilíbrio entre síntese e degradação da matriz. Histologicamente, o número de mastócitos está cerca de quatro vezes aumentado na cicatriz hipertrófica; a liberação de histamina por essas células explica o prurido e o eritema. O teor de água está aumentado nas hipertrofias cicatriciais. Cadeias de glícides hidrofílicas, associadas aos glicosaminoglicanos explica tal acúmulo, que se refaz rapidamente ao serem removidas as compressões com gel de silicone e malhas elásticas. Alguns fatores são conhecidamente predisponentes ao surgimento de quelóides e cicatrizes hipertróficas. São estes:
Raça: indivíduos de raça africana e oriental são mais susceptíveis do que os caucasianos;
Hereditariedade: freqüentemente, indivíduos com acometimento severo apresentam história familiar positiva. Entretanto, não foi estabelecido um padrão de transmissão gênico, quer autossômico, quer ligado ao sexo;
Idade: em um mesmo indivíduo, a tendência à hipertrofia cicatricial pode estar presente em certa idade e, posteriormente, ficar atenuada ou desaparecer. Jovens são mais susceptíveis do que adultos; os idosos são menos afetados;
Fatores locais: as regiões mais propensas à hipertrofia cicatricial são as deltóides (Figura 9), a pré-esternal e a face. São comuns os quelóides ocasionados por perfurações nos lóbulos das orelhas. A mesma cicatriz pode apresentar segmentos normais e hipertróficos intercalados. É comum a coexistência, na mesma região, de cicatrizes normais e quelóides. São fatores importantes: a tensão entre as bordas da ferida, a ocorrência ou não de infecções, a orientação da ferida em relação às linhas de tensão da pele e a correta síntese da ferida (sem espaços mortos, corpos estranhos e áreas de necrose por pontos muito apertados).
19 Merece registro o fato de que a pele do quelóide pode servir como enxerto. Os quelóides tendem a recidivar em seu sítio primitivo, mas as áreas receptoras podem não apresentar tal propensão. FIGURA 9 – CICATRIZES HIPERTRÓFICAS
FONTE: Arquivo clínico pessoal.
FIGURA 10 – QUELÓIDE
FONTE: HABIF, Thomas P. Dermatologia Clínica – Guia colorido para diagnóstico e tratamento, 4a. ed. Porto Alegre : Artmed, 2005, p.175.
20 DEISCÊNCIA E ALARGAMENTO DE CICATRIZES Para que uma cicatriz mantenha unidas as bordas dos tecidos que foram suturados, é fundamental que ela desenvolva resistência mecânica à tração, evitando, assim, alargamento da cicatriz (Figura11) Segundo PEACOCK, o cirurgião deve escolher criteriosa e analiticamente a melhor fibra artificial de síntese (sutura) para manter as bordas da ferida coaptadas até que a fibra natural (i.e., o colágeno) seja produzida. Vasos sangüíneos, elementos celulares, substância fundamental amorfa e fibrina contribuem para estabelecer a tênue resistência à tensão nos primeiros dois a cinco dias. A resistência efetiva da cicatriz é fornecida por fibras colágenas. Feridas que foram suturadas com fios que apresentem degradação antes que se desenvolva a resistência ideal sofrem alargamento ou mesmo deiscência. Isso é especialmente verdadeiro quando se refere às estruturas de cicatrização mais lenta (pele, tendão e fáscia). Os objetivos da síntese são: obliterar espaços mortos, promover a hemostasia, alinhar as camadas e restaurar a resistência física dos tecidos lesados pela ferida. Pontos dados no tecido adiposo ou epitelial pouco contribuem para a resistência ao o que pontos dados na fáscia e na derme, unem estruturas fibrosas fortes e lá devem permanecer até que a resistência obtida pela fibroplasia seja adequada. Na maioria das regiões, para que possa haver retirada precoce dos pontos da pele, é necessária a sutura subcuticular da camada profunda da derme com pontos inabsorvíveis ou de absorção lenta. A pele é um órgão de reparação lenta, ao contrário dos órgãos internos, que cicatrizam rapidamente. Em feridas cutâneas incisas e suturadas, a quantidade de colágeno alcança nível máximo por volta de quarenta dias. A resistência tênsil aumenta até cerca de dois anos após a lesão e a ferida mantém níveis elevados de enzimas colagenolíticas.
21 Durante esse período ocorre contínuo remodelamento do colágeno, cujo resultado é uma cicatriz mais resistente. Nunca, porém a resistência tensão do tecido íntegro é atingida, ficando em torno de 70-80% de seu valor. FIGURA 11 – CICATRIZ ALARGADA
FONTE: HABIF, Thomas P. Dermatologia Clínica – Guia colorido para diagnóstico e tratamento, 4a. ed. Porto Alegre : Artmed, 2005, p.175.
22
3 – CORREÇÃO DE CICATRIZES A análise de fatores prognósticos é uma importante ferramenta na avaliação de cicatrizes patológicas. No entanto, freqüentemente torna-se difícil, na prática, prever se uma cicatriz tornar-se-á hipertrófica ou não. Com freqüência a cicatrização é normal, a cicatriz precoce tem excelente aspecto e após algum tempo aparece um quelóide. Isso pode inibir o cirurgião a tomar medidas preventivas precoces para combater a hipertrofia cicatricial, porque freqüentemente essas medidas são caras, desconfortáveis e demandam tempo. A tensão entre as bordas, a orientação da ferida em relação às linhas de tensão da pele, o sítio anatômico, a inflamação prolongada e a idade do paciente, são os fatores prognósticos mais importantes. 3.1 ABORDAGENS CLÍNICAS O tratamento conservador das cicatrizes patológicas aborda uma série de procedimentos não-invasivos destinados àqueles pacientes onde haja contraindicação de correção por meio de cirurgia ou, ainda, onde o não seguimento pósoperatório possa conduzir a resultados aquém dos esperados. COMPRESSÃO Consiste em aplicar roupas de malhas elásticas e talas. A pressão ideal não é bem determinada, parecendo estar acima de 25mmHg, embora sejam relatados bons resultados com pressão entre 5-15 mmHg. O mecanismo de ação da compressão, seja celular, seja molecular, não é bem conhecido. A compressão levaria à oclusão de pequenos vasos dentro da cicatriz, determinando um ambiente de hipóxia que reduziria a proliferação de fibroblastos e a síntese de colágeno na fase proliferativa. O número de mastócitos diminui com o uso de compressão. O número de nódulos vai decrescendo, o espaço entre as fibras colágenas diminui e estas se alinham paralelamente à epiderme.
23 A compressão deve ser usada por cerca de nove meses e de maneira contínua. A interrupção do tratamento pode fazer recrudescer a hipertrofia. CORTICOTERAPIA INTRALESIONAL A injeção intralesional de triancinolona, através de agulhas ou de aparelhos de jato de pressão, tem sido usada com sucesso no tratamento de quelóides e cicatrizes hipertróficas. Em alguns casos há dramática redução do volume das cicatrizes; em outros, há considerável redução da dor e do prurido. O corticosteróide atuaria reduzindo a síntese de macroglobulina-alfa-2, que é inibidor da colagenase. Inibiria ainda a síntese de procolágeno, fibronectina, TGF-β e outras citoquinas. A síndrome de Cushing pode ser evitado, realizando um intervalo de quatro semanas entre as aplicações. Concentrações superiores a 10mg/ml podem causar atrofia de tecido subcutâneo, telangiectasias, necrose, ulceração e alterações de pigmentação. A prudência nas aplicações de triancinolona, usando-se pequenos volumes e baixas concentrações ajuda a evitar complicações. O corticosteróide deve ser diluído em anestésico local e injetado sob a pele fina do quelóide ou na massa do mesmo. Injeções na pele normal próxima ao quelóide ou no tecido subcutâneo levam a atrofias. A maneira mais simples e economicamente viável de se fazer injeção intralesional de triancinolona é com seringa de 1-3ml, tipo Luer-Lock e agulha hipodérmica fina (no máximo, calibre 25X7), ou de aparelhos de jato de pressão. CRIOTERAPIA Tem sido usada em associação com o corticosteróide, para facilitar a penetração deste na cicatriz. Isoladamente, mostra-se mais eficaz se usada em lesões recém formadas. FARMACOTERAPIA Certos fármacos têm sido utilizados com o intuito de tratar as cicatrizes hipertróficas, mediante injeções intralesionais, procurando ativar a síntese de colagenase.
24 Têm sido utilizados bloqueadores dos canais de cálcio (verapamil) e inibidores da calmodulina (trifluoperazina). RADIOTERAPIA A síntese de colágeno pode ser inibida por radiações ionizantes. Ao menos de maneira teórica, é possível irradiar uma ferida com energia tal que se equilibre a síntese e a degradação de colágeno. Deve-se atentar, porém, que a radioterapia encarece o tratamento e pode ter efeitos secundários graves. A radioterapia, seja na forma de prótons, elétrons ou intersticial, tem sido usada como complemento do tratamento cirúrgico dos quelóides. A radioterapia superficial e a β-terapia dão bons resultados quando usadas no pós-operatório e iniciadas no primeiro ou no segundo dia. Radioterapia pré-operatória não gera resultados e não deve ser usada6. LASER O uso do laser na dermatologia baseia-se no conceito de fototermólise seletiva (SPTL). Em 1983, ANDERSON e PARRISH publicaram seus trabalhos, descrevendo o uso do laser como sendo uma alternativa eficaz e segura ao tratamento de manchas vinho-do-Porto. Este conceito também permitiu o desenvolvimento de um laser específico, o Laser de Corante Pulsado, ou P.D.L., para o tratamento de manchas vinho-do-Porto em crianças. A partir de então, o laser, foi sendo empregado para a remoção de tatuagens, remoção de lesões pigmentadas benignas, remoção de pêlos indesejáveis e também na remoção e manejo de cicatrizes patológicas, conforme será abordado no capítulo 04.
6
ALVES, José Carlos Ribeiro Resende, SILVA FILHO, Aloísio Ferreira e PEREIRA, Nárlei Amarante. Cicatrização Patológica e seu Tratamento, in: MÉLEGA, José Marcos (ed). Cirurgia Plástica – Fundamentos e Arte – Princípios Gerais. Rio de Janeiro : Medsi, 2002. p.108.
25 3.2 ABORDAGENS CIRÚRGICAS O objetivo da abordagem cirúrgica de cicatrizes hipertróficas e de quelóides é a remoção da cicatriz e o alívio da tensão mecânica no local da ferida. Esse relaxamento é obtido mediante a mudança de trajeto da cicatriz, seja mediante zetaplastias, seja por outros tipos de retalhos ou enxertos. Grandes quelóides podem ser tratados por excisões intracicatriciais ou intramarginais que deixam intacta a borda periférica da lesão. A área cruenta central é então fechada por deslocamento de bordas e aproximação direta, ou recebe enxertia cutânea. A técnica de excisão intramarginal diminui a incidência de recidivas. As áreas doadoras de enxerto apresentam quelóides com freqüência. Os princípios da técnica atraumática são indispensáveis no tratamento das hipertrofias cicatriciais. Durante o tratamento cirúrgico todo esforço deve ser olvidado no sentido da remoção de quaisquer áreas de inflamação residual, que são fontes de fatores fibrinogênicos, tais quais cistos epiteliais, trajetos fistulosos, foliculites e pêlos encravados. Quelóides dos lóbulos das orelhas podem ser tratados por excisão e corticoterapia local perioperatória, seguidas de compressão local por meio de brincos apropriados que exercem pressão nas cicatrizes. O tratamento cirúrgico isolado dos quelóides implica altas taxas de recidiva. O método cirúrgico deve ser combinado com corticoterapia, radioterapia, compressão e outros. O uso de expansores teciduais no planejamento terapêutico de hipertrofias cicatriciais deve ser sempre considerado.
26
4 – USO DO P.D.L. NA CORREÇÃO DE CICATRIZES As cicatrizes são universais e podem causadas por procedimentos cirúrgicos, queimaduras, traumatismos ou infecção. A lesão epitelial desencadeia uma seqüência de eventos que, como se resumiu no Capítulo 2 culmina no fechamento da ferida e em formação de uma cicatriz. Uma cicatriz plana e flexível é o produto de um processo regenerativo normal. 4.1 ABORDAGEM TERAPÊUTICA Atualmente, o laser de corante pulsado (P.D.L.) é amplamente utilizado e aceito como sendo o laser de escolha para o tratamento de cicatrizes. Em outras épocas, os lasers de Nd:YAG e de CO 2 também foram usados; entretanto, a alta incidência de recorrência e de efeitos colaterais levou à interrupção de seu uso ao longo dos anos. Embora, cicatrizes patológicas já estabelecidas possam responder à terapia, o tratamento precoce, nos primeiros meses, pode prevenir a hipertrofia em indivíduos com tendência à formação de quelóides. Observa-se que o uso do P.D.L. 585 nm é eficaz e seguro na melhora da qualidade e da aparência cosmética de cicatrizes cirúrgicas quando se inicia o tratamento no dia da remoção da sutura. Outras modalidades terapêuticas mostraram potencializar o efeito do PDL, incluindo corticosteróides ou 5-fluororacil (5-FU) intralesionais. Dois estudos compararam os efeitos do tratamento com PDL aos de outras modalidades terapêuticas, particularmente corticóides intralesionais. ALSTER comparou o tratamento isolado com PDL à terapia a laser combinada à aplicação intralesional de corticóide. As duas opções terapêuticas provocaram uma melhora nas cicatrizes, e não houve diferenças significativas entre elas. MANUSKIATTI e FITZPATRICK compararam o tratamento das cicatrizes com corticóides intralesionais isoladamente ou combinando com 5-FU isolado ou o PDL utilizando fluências de 5 J/cm 2. Todas as áreas tratadas apresentaram melhora
27 em relação ao estado basal, e não houve diferenças significativas nos resultados terapêuticos dos diferentes métodos. O maior risco de seqüelas ocorreu no grupo que utilizou corticóides intralesionais, e se chegou a conclusão de que o tratamento com corticóides intralesionais, isoladamente ou combinado com 5-FU ou a terapia somente com 5-FU e o PDL são comparáveis. Quando são utilizados corticóides intralesionais ou 5-FU em combinação com o PDL, é necessário considerar certos aspectos. Se for necessário o uso de corticóides intralesionais, este deve ser realizado após o procedimento a laser. A injeção de corticóides na cicatriz provoca o clareamento da área, o que resulta no risco de perda do alvo do laser (vasos), motivo pelo qual os corticóides não devem ser injetados antes do tratamento a laser. Podem ser utilizados, em média, 10 a 40 mg/ml de corticóides imediatamente após o tratamento a laser (Figura 10).
FIGURA 12 – ABRODAGEM TERAPÊUTICA COM LASER P.D.L.
A lteração cicatricial
Verm elh a
P.D .L. isolado ou com binado a corticos-teróides ou 5-FU a cada quatro sem anas, até que se atinjam os resultados desejados.
N ão-verm elh a
O clusão, corticosteóides ou 5-FU a cada quatro sem anas, até que se atinjam os resultados desejados.
FONTE: NOURI, Keyyan; LANIGAN, Sean W.; RIVAS, Maria Patrícia. Tratamento a laser de cicatrizes, in: DOVER, Jeffrey S. (ed). Laser e luz, v.1: vascular, pigmentação, cicatrizes, aplicações médicas. Série procedimentos em dermatologia cosmética. Rio de Janeiro : Elsevier, 2007, p.75.
28
O tratamento a laser para quelóides é usado principalmente para melhorar a elasticidade, a altura, a vermelhidão e os sintomas, como o prurido. O tratamento mais eficaz para a remoção da massa de quelóide é sua excisão, que deve ser o mais atraumática e com menos dissecção possível. Em um estudo recente, BERMAN e outros demonstraram uma redução na taxa de recorrência de quelóides excisados ao se utilizar imiquimode (Aldara ®) tópico, iniciado no mesmo dia da cirurgia. LANIGAN e outros, em observações não publicadas, observaram benefícios no início do tratamento com PDL de quelóides excisados recorrentes. Em um grupo de onze pacientes tratados dessa maneira, nenhum apresentou recorrência do quelóide. Geralmente é utilizado o tratamento com 6,5 a 7,5 J/cm2 e um ponto de 5 mm ou o tratamento é repetido em intervalos de seis e oito semanas , conforme a resposta clínica. Para os quelóides são necessários múltiplos tratamentos e a resposta é imprevisível. Da mesma forma que nas cicatrizes hipertróficas, o tratamento a laser dos quelóides pode ser combinado a corticóides intralesionais.
29
4.2 BENEFÍCIOS ESPERADOS Em geral, grande parte dos autores são unânimes ao concordar que o tratamento com laser reduz a vermelhidão (eritema), nivela a altura das cicatrizes, melhora a elasticidade e, na maioria dos casos, alivia sintomas disestésicos como o prurido. ALSTER e cols. observaram que o P.D.L. foi capaz de alterar as cicatrizes induzidas por laser de argônio, que são, freqüentemente, eritematosas e hipertróficas. Utilizando medições ópticas por profilometria, ela demonstrou uma tendência de normalização da textura cutânea, assim como uma redução no eritema observado. Esse trabalho foi estendido ao tratamento de cicatrizes eritematosas e desniveladas utilizando-se medições objetivas; foi possível melhorar a aparência clínica (cor e altura), a textura superficial, a elasticidade cutânea e o prurido. O trabalho de ALSTER foi confirmado pelo de DIERICKX et. al. que tratou quinze pacientes com cicatrizes eritematosas/hipertróficas/desniveladas e obteve uma melhora média de 77% após uma média de 1,8 sessões de tratamento. GOLDMAN e FITZPATRICK também trataram 48 pacientes com parâmetros semelhantes. As cicatrizes com menos de um ano de idade responderam melhor que aquelas de um ano, e as cicatrizes faciais obtiveram a melhor resposta. Eles obtiveram uma média de melhora de 88%, com resolução total em 20% após 4,4 sessões de tratamento. O procedimento a laser, geralmente é bem tolerado. Pode causar algum desconforto, que habitualmente, é comparado ao “estalo de um elástico de borracha”. Ao avaliar o nível de dor na clínica de laser, a maioria dos pacientes relatou um escore de 1,0 ou 2,0 (de um total de 5,0 pontos possíveis). Após o procedimento, os pacientes apresentaram uma sensação de queimação ou prurido na área tratada, que geralmente remite cerca de dois dias depois.
30 A púrpura é o efeito colateral esperado com maior freqüência, geralmente surgindo imediatamente após o procedimento e podendo persistir por sete a dez dias. A melhora inicial do eritema e dos sintomas da cicatriz, geralmente é observada no primeiro mês após o procedimento a laser, mas pode demorar até cerca de três meses. Conforme os parâmetros utilizados e o grau ou gravidade da cicatriz, são necessárias múltiplas sessões. Geralmente, é realizada uma média de três a cinco sessões para que se obtenha resultados satisfatórios. As cicatrizes formadas recentemente e que são avermelhadas apresentam uma melhor resposta terapêutica e precisam de um menor numero de sessões terapêuticas. O custo do tratamento varia conforme a extensão e o número de cicatrizes tratadas. A necessidade de múltiplas sessões e a ausência de cobertura dessas despesas pelos planos de saúde é uma questão a ser considerada pelos pacientes. O custo médio por sessão varia na faixa de R$150,00 a R$250,00 mas, em geral, é inversamente proporcional ao número de sessões previstas no plano terapêutico e diretamente proporcional ao número de disparos de laser, isto é, diretamente proporcional à extensão da cicatriz a ser tratada. De qualquer forma, o plano terapêutico fica em torno de R$ 1.500,00 o que é um valor bastante atrativo se considerarmos tratar-se de um procedimento estético e que o mesmo tratamento na Alemanha e Inglaterra custa em torno de US$ 2.500,00. Se levarmos em conta uma paridade de R$ 1,95 por dólar, o mesmo tratamento custaria mais de três vezes em um país de primeiro mundo!
31 4.3 SELEÇÃO DOS PACIENTES Os pacientes com cicatrizes hipertróficas geralmente buscam o tratamento devido a questões cosméticas ou a sintomas associados. Portanto, as cicatrizes hipertróficas são tratadas quando trazem algum prejuízo funcional, quando os pacientes consideram as lesões cosmeticamente desagradáveis ou na presença de sintomas associados, como prurido e disestesias. No tratamento de cicatrizes hipertróficas e necessário considerar fatores específicos do paciente (tipo de pele) e da lesão (idade e cor da cicatriz) ao se avaliar as alternativas terapêuticas, tais como o laser. A maioria dos estudos sobre o tratamento de cicatrizes hipertróficas com laser envolve pacientes com peles dos fototipos I a III (FITZPATRICK). O tom de pele á a principal característica específica do paciente que deve ser levada em consideração ao se avaliar os potenciais candidatos para a correção da cicatriz com lasers. O tom de pele exerce uma grande influência sobre o resultado do tratamento; indivíduos com a pele clara apresentam uma melhor resposta global, com menos efeitos colaterais, tais como alterações na pigmentação. A avaliação do tipo cutâneo do paciente também é usada para estabelecer os parâmetros mais apropriados do laser. Em pacientes com tipos de pele IV a VI de FITZPATRICK, há um grande risco de absorção da luz do laser pela melanina epidérmica; portanto, o alvo cutâneo é atingido com menor eficácia, ocorrendo um maior risco de alteração pós-operatória da pigmentação e uma redução dos resultados terapêuticos desejados. Os pacientes devem ser alertados especificamente sobre o alto risco de alterações da pigmentação que podem resultar do tratamento com laser. Alguns autores sugerem que as fluências do laser sejam ajustadas, devendo ser reduzidas em indivíduos com pele escura. Devido a um ajuste dos parâmetros do laser, geralmente são necessárias mais sessões para se tratar esses indivíduos. Em geral, não se recomenda o tratamento a laser de indivíduos de pele escura; contudo, ao se tratar esses pacientes, pode-se realizar um “ponto de teste”, na tentativa de prever quaisquer efeitos colaterais e de determinar os parâmetros mais apropriados.
32
Resumidamente, os pacientes ideais para correção de cicatrizes com laser são indivíduos com pele clara, com cicatrizes relativamente recentes (menos de um ano), vermelhas e levadas.
33
4.4 ALGORITMO DO TRATAMENTO O tratamento de cicatrizes hipertróficas e quelóides com P.D.L. é ambulatorial. A seguir apresenta-se o algoritmo do tratamento, explicando cada uma das etapas do processo. 1 O procedimento a laser geralmente é bem tolerado, e normalmente não é necessário o uso de anestésico. Contudo, se o paciente o solicitar, poderá ser utilizado um creme anestésico tópico de lidocaína ou xilocaína, que deve ser aplicado entre 30 e 60 minutos antes do procedimento. 2 A maquilagem e o creme anestésico residuais (se utilizado) devem ser removidos (com sabão e água ou extrato de hammamélis) da região a ser tratada, para que não interfiram com a absorção da luz do laser. 3 Deve-se avaliar a lesão a ser tratada, incluindo sua extensão, cor, altura e elasticidade. Recomenda-se que a avaliação seja sempre feita pela mesma pessoa e com os mesmos parâmetros ou escala. Para isso, podese utilizar a escala de cicatrizes de Vancouver (V.S.S.: Vancouver scar scale) ou qualquer outra escala relacionada a cicatrizes. A presença e o grau de sintomas associados também devem fazer parte do registro. 4 Devem ser obtidas imagens da lesão antes da realização
do
procedimento, em cada sessão. Recomenda-se, também, que as fotografias sejam tiradas com a mesma câmera, iluminação e distância, para manter uma imagem padronizada. 5 Deve-se fornecer ao paciente e todos os profissionais presentes os óculos de proteção dos olhos. 6 Deve-se calibrar o laser e determinar os parâmetros que serão utilizados. Em geral, os seguintes parâmetros são os mais usados na prática clínica: (a) comprimento de onda de 585 nm, (b) duração do pulso de 450 µs, (c) “spot” de 10 mm e (d) fluências variando de 3 a 4 J/cm 2. Quando forem utilizados “spots” menores a energia deve ser aumentada. As primeiras sessões de tratamento devem ser realizadas com baixas fluências, que podem
ser ajustadas de
acordo
com
a
resposta
em
sessões
subseqüentes. A densidade de energia também é ajustada conforme as características do paciente e da cicatriz (i.e.; reduz-se a fluência em indivíduos com pele escura).
34 7 Informar ao paciente no momento em que o procedimento será iniciado. Lembra-lo de que ele sentirá um desconforto semelhante ao “estalo de um elástico de borracha”. 8 Posicionar a ponteira sobre uma extremidade da cicatriz e começar a aplicação de pulsos sobre toda a superfície, mantendo um padrão contínuo até atingir a outra extremidade. Uma sobreposição de cerca de 10% geralmente é considerada aceitável. 9 As instruções sobre os cuidados pós-operatórios
incluem
evitar
estritamente a fotoexposição, para prevenir alterações na pigmentação. A área tratada pode ser lavada normalmente com água e sabonete. Deve-se evitar a ocorrência de traumatismos sobre a região. 10 A sessão seguinte de tratamento pode ser realizada em quatro a seis semanas após.
35
5 – RELATO DO CASO A paciente escolhida para o caso a ser relatado, era uma jovem de dezenove anos, que foi submetida, à idade de quinze anos, em julho de 2002, à uma esternotomia com o objetivo de correção de uma cardiopatia congênita (C.I.V. = comunicação interventricular). A cirurgia foi realizada em Porto Alegre (RS) e, a despeito do sucesso da intervenção, o procedimento de esternotomia deixou uma cicatriz hipertrófica e alargada (Figura 13). FIGURA 13 – CICATRIZ DA ESTERNOTOMIA – 1ª. CONSULTA
A fotografia mostrada acima foi retirada no dia 12.jan.2007, data da primeira consulta que a paciente realizou no ambulatório. À época da primeira consulta, a paciente relatou-nos que já havia realizado tratamento prévio com dermatologista, cerca de dois anos após a realização da cirurgia cardíaca.
36
Pelo que nos foi relatado, inicialmente o profissional optou por dermoabrasão, realizada com jato de cristal (“peeling de cristal”). Após cinco sessões, em um período de seis meses, de acordo com a paciente, a progressão do tratamento foi bastante pobre, não atendendo às expectativas do profissional nem às da paciente. Foi proposta uma nova abordagem pelo dermatologista, dessa vez com o “uso de peelings progressivos”. A paciente não nos soube relatar detalhadamente, quais os elementos ativos foram utilizados no processo, mas com certeza, em um dos momentos da abordagem, foi utilizado o fenol a 50%. Após mais um ano de tratamento, a paciente não viu resultados satisfatórios e, por motivo de seleção em intercâmbio cultural, necessitou ficar um ano no exterior. No retorno, após indicação de uma colega, a paciente nos buscou para uma avaliação inicial do problema. Foi realizada anamnese (ver Anexo I) e explicamos à paciente que discutiríamos o caso com colegas e que iríamos propor o tema para o trabalho monográfico no curso de Medicina Estética da ASIME. Discutimos o caso com dois professores da pós-graduação, na UFRGS. O primeiro, cirurgião plástico, propôs, a partir das fotos e da descrição do caso, a realização de uma Zetaplastia na área exposta do colo, sem o uso de expansores teciduais e por simples remoção da cicatriz hipertrófica e nova aproximação dos bordos, com o uso de esparadrpagem.
37 Discutimos o caso com outra colega, preceptora da Residência em Dermatologia junto à Universidade Federal do Rio Grande do Sul Com bastante experiência na área de dermatologia e de cicatrizes, a colega sugeriu o uso do laser de corante pulsado (P.D.L.), com pulso de 585 nm. Além disso, deixou-nos à disposição o espaço para uso do equipamento de laser (Figura 14) FIGURA 14 – SALA DE PROCEDIMENTOS
Após discussão com a paciente, optamos por utilizar a opção de tratamento com o P.D.L., baseados na não-concordância da paciente em submeterse a um procedimento mais agressivo.
38 O procedimento foi realizado no início de março de 2007, com uma sessão de disparos na região de colo, na extremidade cranial da cicatriz, com pulsos de 585nm (do aparelho P.D.L.), com duração de 10ms. O resultado obtido pode ser visto abaixo (Figuras 15 e 16): FIGURA 15 – IMEDIATAMENTE ANTES DO PROCEDIMENTO
FIGURA 16 – PÓS-OPERATÓRIO IMEDIATO DA 1ª. SESSÃO
39 Finalmente, após a execução do plano cirúrgico, em junho de 2007, pudemos obter os resultados abaixo, sem intercorrências e com a satisfação da paciente, que nos encaminhou duas outras colegas da época em que realizou a cirurgia cardíaca. FIGURA 17 – UTILIZAÇÃO DO LASER
FIGURA 18 – CALIBRAÇÃO DO LASER
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6 – SEGUIMENTO (“follow-up”)
Com os resultados conseguidos após cerca de seis meses de tratamento, pudemos manter o seguimento da paciente, sem dificuldades adicionais. As seguidas tentativas de correção acabaram por criar uma certa resistência, compreensível, por parte da paciente, sobretudo quando lhe informamos sobre o tempo previsto para o tratamento e o número de sessões previstas. Inicialmente, a principal dificuldade foi mostrar à paciente, após tratamentos prévios pouco eficazes, quanto ao período de reparação tecidual e que, a exemplo das intervenções anteriores, não havia como prever o percentual de melhora, se é que ocorreria melhora. Houve preocupação na anamnese e na abordagem dos aspectos psicológicos que a cirurgia cardíaca trouxe à paciente, sobretudo porque fora realizada no auge da adolescência, da vaidade e de uma fase de sonhos para o futuro. Obviamente, tivemos o cuidado para não criar falsas expectativas quanto a resultados e veementemente frisamos que o tratamento teria um enfoque voltado para o meio acadêmico e de pesquisa. A lesão em si, causava comprometimento da qualidade de vida da paciente, já que a mesma, sendo jovem, vaidosa e sem outros inesteticismos, considerava-se
impedida
em
usar
decotes,
biquínis,
causando
certo
constrangimento quando na presença de pessoas de seu convívio pessoal. Após as duas primeiras sessões, com uma melhora significativa do releve e diminuição do alargamento, a paciente questionou-nos se o tratamento poderia apresentar piora caso interrompesse as sessões, o que poderia demonstrar confiança na técnica do laser, mas insegurança quanto à durabilidade do tratamento.
41 Após cinco sessões, ao longo de oito meses de tratamento, a paciente compareceu à última consulta em 30.out.2007, para receber as instruções quanto à proteção solar. Ressalte-se que, ao longo do tratamento, a paciente compareceu a todas as consultas agendadas e foi demonstrando confiança progressiva à medida que o tratamento evoluía correspondendo às expectativas.
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7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso do laser, mesmo já sendo uma técnica consagrada e difundida na correção de cicatrizes, tal qual a aqui estudada, mostrou-se bastante promissor. Pode-se, após o final do tratamento proposto, verificar que a laserterapia é a abordagem padrão ouro para as cicatrizes hipertróficas e quelóides. Ao tratar cicatrizes relativamente novas e avermelhadas, alguns dermatologistas e cirurgiões plásticos são favoráveis ao uso de corticóides e ao uso de 5-FU após realizar procedimento a laser. Quando forem tratadas cicatrizes antigas e sem hiperemia, o P.D.L. costuma não ser tão efetivo; muitos autores sugerem a associação à corticoterapia e/ou 5-FU sob oclusão. Tal abordagem tem sido apresentada em vários trabalhos, mostrando-se eficaz na redução do alargamento e da altura da cicatriz, além da melhora da elasticidade e diminuição do prurido e dor associados a ela. No caso da técnica aplicada em nosso caso, a injeção intralesional foi realizada imediatamente após o procedimento a laser; do contrário, pode haver clareamento da área (por atrofia) e conseqüente perda do alvo de disparo, que são os vasos sangüíneos. O uso da triamcinolona (Kenacort ®) intracicatricial, em concentração de 10-40mg/ml, A aplicação de triamcinolona pode ser realizada a cada quatro a seis semanas, até que o efeito desejado seja atingido. O 5-FU, em concentrações de 4550mg/ml, pode ser injetado em diferentes intervalos, que variam de três vezes por semana a uma vez por mês, conforme o grau de induração e inflamação. Os efeitos da associação entre laser e imunossupressores incluem a inibição da migração de células inflamatórias, pela vasoconstrição e a inibição da proliferação de fibroblastos e queratinócitos. O principal mecanismo relacionado à eficácia do 5-FU no tratamento de cicatrizes é a inibição da proliferação de fibroblastos.
43
Tanto o 5-FU quanto a triamcinolona causam dor considerável no local da injeção. Pudemos trocar experiências com cirurgiões plásticos que usaram a betametasona
(BetaTrinta®)
na
injeção
intralesional,
tentando
diminuir
o
inconveniente da dor. Uma dermatologista que usa rotineiramente o 5-FU, ounos a experiência de diluir 0,2ml de lidocaína a 2% em 5ml de 5-FU, o que não tivemos, efetivamente, a necessidade em aplicar, haja vista que a nossa paciente ou bem a terapia intralesional. Imediatamente após o tratamento com laser, referiu uma sensação de prurido ou queimação, que persistiu durante cerca de 24horas, aliviado com o uso de compressas úmidas com gaze embebida em água gelada. No procedimento que serviu para estudo, pudemos observar concordância com a literatura, no sentido de que uma pequena região púrpura após o procedimento perdurou por cerca de 15 dias (há que se lembrar que a paciente tomava anticoagulante e retornou o seu uso cinco dias após o primeiro procedimento). Crostas, exsudatos e vesículas, assim como infecção secundária não foram observados, o que corrobora a segurança do procedimento, além de ser um argumento poderoso na hora de expor a técnica ao paciente. Cumpre-se, ainda, ressaltar que o equipamento vem com uma cartilha de segurança quanto à operação e à proteção do paciente e de todas a equipe auxiliar que se fizer necessária no instante do procedimento. Enfim, a experiência do uso desta técnica e de um equipamento com tecnologia de ponta (e custo correspondente na mesma medida), foi bastante gratificante e interessante enquanto trabalho monográfico do curso de pósgraduação em Medicina Estética da IAAM/ASIME. Os desafios futuros apontam na direção de que a técnica tornar-se-á cada vez mais aprimorada, não apenas do ponto de vista de equipamento, mas, também,
44 do ponto de vista farmacológico, sobretudo na dependência da viabilidade comercial da síntese de fatores teciduais de crescimento e de citoquinas.
45
REFERÊNCIAS ALSTER, Tina S.; ZAULYANOV-SCANLON, Larissa. Laser Scar Revision: a Review. In: Dermatologic Surgery. 2007; 33(2) : 131-144. BAUMANN, Leslie. Cosmetic Dermatology – Principles and Practice. New York : McGraw-Hill, 2002. BONDI, Edward E.; JEGASOTHY, Brian V. e LAZARUS, Gerald S. DermatologyDiagnosis and Therapy. New York : Appleton Lange, 1998. COLEMANN III, William P. et. al. Cirurgia Cosmética – Princípios e Técnicas 2a.ed. Rio de Janeiro : Revinter, 2000. DOVER, Jeffrey S. (ed). Cutaneous Medicine and Surgery. Philadelphia : W. B. Saunders, 1996. DOVER, Jeffrey S. (ed). Laser e luz, v.1: vascular, pigmentação, cicatrizes, aplicações médicas. Série procedimentos em dermatologia cosmética. Rio de Janeiro : Elsevier, 2007. EVANS, Gregory R. D. Cirurgia Plástica – Estética e Reconstrutora. Rio de Janeiro : Revinter, 2007. MANUSKIATTI, Woraphong; FITZPATRICK, Richard E. Treatment Response of Keloidal and Hypertrophic Sternotomy Scars - Comparison Among Intralesional Corticosteroid, 5-Fluorouracil, and 585-nm Flashlamp-Pumped Pulsed-Dye Laser Treatments. In: Archives of Dermatology. 2002; 138 : 1149-1155. Disponível em:
. o em 27 jul. 2007. MÉLEGA, José Marcos (ed). Cirurgia Plástica – Fundamentos e Arte – Princípios Gerais. Rio de Janeiro : Medsi, 2002. PETERS, Johannes: Dermatologic Surgery - Textbook and Atlas. Philadelphia : W. B. Saunders, 2005. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Sistema de Bibliotecas. Referências. Curitiba : UFPR, 2000. _____. Sistema de Bibliotecas. Teses, Dissertações, Monografias e Trabalhos Acadêmicos. Curitiba : UFPR, 2000. _____. Sistema de Bibliotecas. Citações e Notas de Rodapé. Curitiba : UFPR, 2000.
46
ANEXOS
47
ANEXO I (Propedêutica)
48
ID
Karla, 19 anos, secundanista do curso de direito da UFRGS, solteira, caucasiana, natural de CANOAS-RS e residente em Porto Alegre-RS,
QP HMA
indicada pela Sra. Renata (prima). “cicatriz no peito” Paciente busca tratamento para cicatriz, com cerca de 25cm em região mediana esternal, decorrente de esternotomia há quatro anos, para correção de C.I.V. Refere que houve alargamento da extremidade cranial da cicatriz, quando da retirada dos “staples”, com oito meses de poósoperatório. Iniciou sucessivas tentativas de tratamento para correção da cicatriz (“peeling”, cremes). Refere sentir-se tímida quanto à exposição corporal, não tendo usado biquínis, maiôs e também não teve namorado
HMP
após a cirurgia. Refere foco de percepção corporal alterado. Portadora de C.I.V., corrigida cirurgicamente em 2002. Nega outras cardiopatias, nega diabetes, nega câncer, nega alergias, nega outras
HMF CHV
patologias. Nega cardiopatias familiares, nega Ca. familiar, nega D.M. familiar. Nega tabagismo, etilista social, atividade física regular 2x/semana, dieta hipossódica e hipocalórica. Em uso continuado de A.A.S. em dose de 200mg/dia.
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ANEXO II (Termo de Consentimento Informado)
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