POPULARIZAÇÃO, VULGARIZAÇÃO: TRAJETOS DE SOCIALIZAÇÃO DO DISCURSO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E SEUS EFEITOS DE SENTIDO. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES. Larissa Montagner Cervo1 ABSTRACT: In this paper the main objective is to analyse the ways of socialization of scientific discourse, its popularization and vulgarization, intending to observe in those the way science is divulged and with this to reflect about its signification in our society, in politics, in history. The research corpus comprises reports published in scientific divulgation magazines in order to understand effect of sense produced in these textual forms. PALAVRAS-CHAVE: Discurso científico. Discurso de divulgação científica. Popularização. Vulgarização. Efeitos de sentido. Os estudos científicos, contemporaneamente, assumiram uma velocidade sem precedentes na história da humanidade. Produzir gestos de interpretação a fim de melhor compreender, explicar ou até mesmo justificar o real daquilo que concerne à natureza, ao homem e à vida social tornou-se um dos imperativos do mundo moderno. Sem pretender sugerir completude, arrisca-se dizer que muitos dos sentidos produzidos e significados na/pela história, hoje, estão ou podem estar sujeitos à cientificidade, isto é, a significarem também em meio ao “conjunto das diferentes ordens do discurso científico” (ORLANDI, 2002, p.111). Anterior e ao mesmo tempo constituinte dessa dimensão atingida pela produção de conhecimentos na história, está a relação estabelecida entre ciência e sociedade. Considerando-se essa relação, a ciência pode ser observada, nas sociedades capitalistas ocidentais, como um lugar de políticas que mobilizam relações de poder, excluindo, incluindo, promovendo, legitimando (ORLANDI, 2004, p.129), estando, assim, intrinsecamente associada ao modo de organização das relações sociais. Se o movimento dos sentidos produzidos pela ciência está presente no urbano, logo, nas práticas sociais dos sujeitos – atestando, de certa maneira, a constituição própria destes - de direito e de conhecimento (Id.ibid, p.133) -, importa, em meio a esse contexto, pensar na forma como esse discurso da ciência é constituído, formulado, bem como nas formas como ele é posto em circulação, o que engloba, portanto, o discurso de divulgação científica. Este, por sua vez, significa o ‘público’ em relação ao conhecimento, em outras palavras, a discursivização pública da informação sobre as pesquisas e descobertas científicas; um discurso secundário, portanto, ao discurso da ciência (GUIMARÃES, 2001a, p.79). Um dos lugares de observação da materialização desse discurso de divulgação, considerando a mídia – o meio mais imediato e de maior abrangência da difusão da ciência ao grande público (IVANISSEVICH, 2001, p.72), é o jornalismo científico. Por meio de jornais, de revistas e de outras novas tecnologias de linguagem – de escrita (ORLANDI, 2004, p.131), o jornalismo científico exerce a função de ‘popularizar’ o saber erudito, reproduzindo-o a sujeitos-leitores especialistas e a sujeitos-leitores não 1
Aluna do Curso de Pós-Graduação em Letras - Mestrado em Letras/Estudos Lingüísticos - UFSM/RS, sob a orientação da Professora Dra. Amanda Eloina Scherer.
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especialistas em uma linguagem técnica mais coloquial, de maneira a dar, geralmente, relevância às implicações éticas, políticas e sociais desse conhecimento. Assim, tendo em vista essa popularização dos conhecimentos científicos, podese afirmar que, por e nesse processo de formulação, constituição e circulação do discurso de divulgação científica está implicado um compromisso ou talvez uma responsabilidade ética de grande relevância. Ética, nesse caso, significada na relação do sujeito-autor desse texto de divulgação e do meio em que este vai ser divulgado tanto com o sujeito-autor da pesquisa e, em decorrência, com o conteúdo desta, quanto com o sujeito-leitor. Em torno disso seria importante refletir sobre questões como o fato de que talvez, nessa reprodução jornalística dos conhecimentos, não se possa crer nem em tradução tampouco em neutralidade. De acordo com Orlandi, o que acontece é um duplo movimento de interpretação: interpretação de uma ordem de discurso que deve ao produzir um lugar de interpretação em outra ordem do discurso, constituir efeitos de sentidos que são próprios ao que se denomina “jornalismo científico” que, ao se produzir como uma forma específica de autoria, desencadeará por sua vez novos gestos de interpretação, agora produzindo um certo efeito-leitor (2001, p.23).
Sendo assim, se o processo envolve duas diferentes ordens de discurso, é porque há deslocamentos no modo de significar desses textos, o que torna essa relação ética talvez mais tensa e conflitante. É certo que, entre outras adequações, é preciso que a matéria, no meio de comunicação, desperte interesse - daí a manutenção de certos aspectos formais e também as adaptações, reformulações, substituições de outros, o que se constitui na/pela sujeição do texto de divulgação da ciência à ordem de sentidos do lugar no qual ele vai ser publicado, grosso modo, aos ‘interesses’ que constituem e regem funcionamento desse lugar. Nesse sentido, em se tratando de mídia, só é notícia aquilo que, na mídia, considera-se relevante em uma dada formação sócio-histórica, operando, assim, efeitos de sentido na memória desse conhecimento que vai ser divulgado – pensando em termos de temporalização - e na memória da massa, concomitantemente. Isso, de certa maneira, significa que os postulados apresentados devem ‘argumentar’ em direção a respostas imediatas às questões de interesse do sujeito-leitor (IVANISSEVICH, 2001, p.73), ou seja, são produzidos efeitos ideológicos de temporalização do presente da notícia, do conhecimento (GUIMARÃES, 2001b, p.20), ao que subjaz a idéia de que, em geral, seja mais adequado priorizar a significação simbólica de utilidade do conteúdo da matéria, o que tem relação com deslizamentos de sentido de ciência como utilitarista, sinônimo de progresso, ligada à tecnologia, às ciências da natureza, às ciências exatas (GUIMARÃES, 2001a, p.77), resultado de gestos de interpretação que constituem a história da produção de conhecimento no Brasil. É por todo esse deslizamento de sentidos entre um texto e outro que em vez de apenas se falar, hoje em dia, em popularização da ciência, vai-se falar também em vulgarização, designação cujo sentido, no contexto em questão, pode não somente remeter a um sinônimo de popularizar. É possível popularizar vulgarizando, banalizando, muitas vezes demonstrando descompromisso com a ciência em si e com a sua relevância na conjuntura sócio-histórica, o que pode ser um sinal de que, talvez, muitas vezes, no discurso de divulgação da ciência, a própria ciência possa estar sendo apagada ou silenciada. E, nesse caso, se se está tratando de questões éticas, então é
possível pensar, por exemplo, que uma das lacunas que podem estar sendo produzidas remete à relação da ciência com o sujeito, afinal, no cotidiano, “o sujeito mobiliza diferentes formas de conhecimento, entre elas, para além do senso comum, também as formas do saber erudito” (ORLANDI, 2004, p.133), estando, portanto, a ciência relacionada com o lugar social desse sujeito, com os modos de significação, de subjetivação deste numa formação social dada. Sendo assim, tem-se por objetivo, neste trabalho, refletir sobre as formas de socialização do discurso científico, a popularização e vulgarização, tendo em vista a relevância da ciência e da sua divulgação na constituição da sociedade e da própria história, o que foi procurado discursivizar até então. Para melhor analisá-las, serão utilizadas como corpus reportagens publicadas em revistas de divulgação científica, procurando-se, naquelas, observar e compreender os efeitos de sentido produzidos por/no processo discursivo em que estão inscritas. Importa ressaltar que, com esse estudo, não há a pretensão de se categorizar e/ou classificar as matérias científicas, qualificando os seus veículos de divulgação, e sim de refletir sobre os modos de divulgação da ciência e sobre a significação desta na sociedade, na política, na história, considerando sempre que “falar em ciência [...] é um gesto político por excelência com conseqüências sociais relevantes”, conforme afirma Orlandi (Id.ibid., p.129). REFERÊNCIAS GUIMARÃES, Eduardo. A ciência entre as políticas científicas e a mídia. In: ______ (org.). Produção e circulação do conhecimento. Estado, Mídia, Sociedade. Campinas: Pontes 2001a. ______. O acontecimento para a grande mídia e a divulgação científica. In:________. ______. Campinas: Pontes: 2001b. IVANISSEVICH, Alicia. A divulgação científica na mídia. Ciência e Ambiente Divulgação Científica, Santa Maria, n. 23, jul.-dez. 2001. ORLANDI, Eni P. Divulgação científica e efeito leitor: uma política social urbana. In: GUIMARÃES, E (org.). Produção e circulação do conhecimento. Estado, Mídia, Sociedade. Campinas: Pontes: 2001. ORLANDI, Eni P. O conhecimento sobre a linguagem: mercado e interesse. In: ________. Língua e Conhecimento Lingüístico. Para uma História das Idéias no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002. ________. Linguagem, ciência e sociedade: jornalismo científico. In: ________. Cidade dos Sentidos. Campinas: Pontes, 2004.