Anime | 18/11/2012 01:42 Atualizado em 03/02/2015 12:35
Entenda o que é um doujinshi e a cultura ‘doujin’ do Japão Entenda o 'fan fiction' e o 'indie' (só que não) japonês. Grande parte das produções é erótica e vendida em pequena quantidade. por Altieres Rohr
Retratação do Comiket, chamado de Comifes, no animê Genshiken. Quadrinhos à venda são ‘doujinshi’.
Quando se pensa em mangá ou animê é fácil pensar em títulos populares como Dragon Ball, Naruto ou Sakura Card Captor. Mas o Japão também conta com sua “cultura alternativa” ou “independente” e, além do que já conhecemos no ocidente – como música independente, livros publicados pelo próprio autor, etc, o Japão ainda conta com mais uma: a “doujin” ou dōjin. Não pretendo cobrir aqui extensamente o que é doujin. Ao contrário, estou escrevendo porque acho que a página da Wikipédia faz atualmente um péssimo trabalho para explicar de forma sintética do que se trata, então vamos direto ao ponto: Na maioria dos casos, quando se fala em “doujinshi”, o material em questão é uma história em quadrinhos feita e publicada por fãs, usando personagens de uma série popular (inclusive com direito a misturar séries sem relação entre si) em situações eróticas/pornográficas. Não seria totalmente errado chamar doujinshi de “mangá independente”, mas o termo “mangá” costuma ser reservado para trabalhos profissionais, sejam eles eróticos (hentai) ou não. Logo, é bom não confundir uma coisa com a outra. O doujin normalmente não tem objetivo de gerar lucro ao desenvolvedor, logo, não equivale a um trabalho profissional. Isso difere de outras produções ditas “independentes”, que normalmente não são um mero hobby e acompanham trabalho de mídia e etc para divulgar algo. O doujinshi, por normalmente se tratar de um trabalho derivado, não pode ser “divulgado”. A quantidade de produções de que se fala aqui é enorme, no entanto elas costumam ser vendidas em quantidades limitadíssimas e em apenas um único dia em uma das convenções de quadrinhos do Japão, principalmente a Comiket. Essa publicação limitada, junto aos modelos de personagens normalmente distorcidos, contribuem para a “vista grossa” que a maioria das empresas adota em relação à prática, que é ilegal por serem trabalhos derivados.
Em Genshiken, os protagonistas criam um doujinshi para ser vendido no “Comifes”, que nada mais é do que o “Comiket” com o nome trocado. O doujinshi criado, que é de uma subsérie de animê do próprio animê, jamais é exibido, justamente porque o conteúdo ali presente é erótico. Claro que nem todos os doujinshis são eróticos. Alguns artistas profissionais de mangá fizeram doujinshi. Outros iniciaram séries como um doujinshi nãoerótico – caso de Haibane Renmei, de Yoshitoshi ABe. É difícil definir doujinshi com exatidão, mas tendo a definição do que “normalmente” é – ficção criada por fãs de uma série, vendida e em quantidade limitada , podese ter ideia do resto e de possíveis usos profissionais do meio.
Gêneros Doujinshi são os quadrinhos, mas existe “música doujin”, “jogo/software doujin”, entre outros gêneros. É notável, por exemplo, que a TypeMoon, criadora da série “Fate”, começou como um círculo de doujin, até que seu jogo “Tsukihime” virou uma série de anime, possibilitando a série de filmes “Kara no Kyoukai” e todo o restante que veio em seguida. Outro doujin game clássico é a série “Touhou“, que é um jogo no estilo shoot’em up. “Space Invaders no inferno” seria uma forma correta de descrevêlo. O jogo é Old Home no Haibane Tachi 2, volume de doujinshi que virou animê de Yoshitoshi ABe.
bastante popular e “bate ponto” no Comiket com novas versões desde 1996. Chegou a entrar para o livro Guinness em 2010 como “série de tiros mais prolífica feita por fãs”. Além do game, doujinshi e CDs também existem. Ele já foi mencionado em vários outros trabalhos, como na série Ef (veja o vídeo).[1. Confira outras referências
a Touhou: http://en.touhouwiki.net/wiki/References_to_Touhou] Já a doujin music nada tem a ver com a música independente normal. É um estilo específico, normalmente baseado ou influenciado por compositores de animê e videogame. Um grupo bastante conhecido que trabalha com esse gênero é o Sound Horizon. O principal compositor, Revo, chegou a lançar um single com Yuki Kajiura, compositora de diversas séries de animê. O uso de softwares sintetizadores de voz (Vocaloid), que permitiram a compositores hobbystas incluírem voz em suas músicas, também é normalmente considerado uma forma de “doujin music” devido à ligação próxima destas produções com a cultura de anime e games. Inclusive, composições dessas pessoas (que normalmente ficam famosas no Japão por meio do site de vídeos “Nico Nico Douga”, que é o “YouTube Japonês”) foram usadas por jogos oficiais das personagens e tocadas em shows especiais em que a personagem da voz ganhou vida em um holograma.
Relevância Não seria errado equiparar a cultura doujin do Japão com o campo de várzea para o futebol brasileiro. É o que mantém o interesse vivo, fãs engajados e revela novos talentos. Compositores e artistas surgem dessa cena ou conhecem pessoas envolvidas. Além do caso já citado da TypeMoon, no caso de softwares, o compositor “Ryo”, do Supercell, é um exemplo no ramo da música, que acabou compondo a música do animê “Black Rock Shooter” e também o encerramento de “Bakemonogatari”. Nada disso é específico do Japão, claro. “Fan fiction” existe também por aqui, e fan fiction pornô de toda forma possível também não é nenhuma exclusividade de lá (Slash é tudo que vou dizer sobre isso). No entanto, o alcance dessas produções, com alguém disposto a fazêlas, eventos dispostos a mostrálas e público disposto a consumilas (e pagar relativamente caro por isso) é algo muito mais específico. Comparemos com o Brasil, onde eventos de anime têm estandes de loja querendo vender apenas ‘industrializados’ de séries famosas e DVDs — e a diferença fica clara.
E sim, a ComicCon, em San Diego, é grande – coisa de 130 mil pessoas, porém ainda assim sobrevive mais com gente “do ramo” do que fãs. E não vamos errar a escala: público na Comiket a de 500 mil.
CONHEÇA O AUTOR Altieres Rohr é editorchefe do Garagem 42, jornalista, fã de anime e RPG. Diz também que é colunista no G1 e o responsável pelo Linha Defensiva. Também arrisca escrever literatura e opiniões que só ele acha interessantes no blog pessoal.