~AO REV 1STA E AMPLIADA
Carlos Nelson Coutinho ·.
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Um estudo sobre se u pensamento político Nova edi~áo ampliada
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CIVILIZACÁO BRASILEJRA
Río de Janetro 1999
COPYRlG HT ~Carlos
Nelson Coutinho, 1999
CAPA
Evel}'n Grumach PROJETO GRÁFfCO
Eveiyn Grumach e ]oiio de Souza Leite EDITCRA~ÁO ELETRÓNICA
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Dedico este livro amemória do meu Nathan Coutinho (1911-1991), e de meus amigos fraternos, Ivan de Otero Ribeiro (1936-1987) e Roberto Gabriel .Dias (1941-1997) CIP-BRASIL CATALOGACAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C895g
Coutinho, Carlos Nelson, 1943Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político 1 Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civiliza~ao Brasileira, 1999
320p.
ISBN 85-200-0494-6 l. Gramsci, Antonio, 1891-1937.
2. Ciencia política.
3. Comunismo. I. TítuJo.
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CDD 320 99-0163
CDU 32
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodu~o, armazenamento ou transrnissao de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autoriza~ao por escrito~ Direitos desta edi~ao adquiridos pela BCD Uniao de Editoras S.A. Av. Río Branco, 99 1 20? andar, 20040-004, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Telefone (021) 263-2082, Fax 1 Vendas (021) 263-4606 PEDIDOS PELO REE.\ofBOLSO POSTAL
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1999
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RJ. 20922-970
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1. O CONCEITO DE ,SOCIEDADE CIVIL"
Quando nos referimos, em capítulo anterior, as primeiras formula~oes do conceito gramsciano de hegemonía (enquanto concretiza~ao e supera~ao dialética das formula~oes de Lenin), observamos que faltava ainda um elemento essencial na determina~ao da especificidade e da novidade da teoría política de Gramsci: o conceito de "sociedade civil" como portadora material 4a figura social da hegemonía, como esfera de media~ao entre a infra-estrutura económica e o Estado em sentido . Esse conceito tomará carpo nos Cadernos. Norberto Bobbio, que escreveu urna das mais completas análises filológicas desse conceito, observou corretamente: "Para uma reconstru~ao do pensamento político de Gramsci, o conceito-chave, o conceito que devemos tomar como ponto de partjda, é o de sociedade civil." 1 Independentemente de seus méritos fjlológicos, porém, a análise de Bobbio me parece conduzir a falsas conclusoes teóricas. O pensador italiano indica corretamente urna diferen~a essencial entre os conceitos de sociedade civil em Gramsci e ern Marx: enquanto Marx identifica sociedade civil com base material, com infra-estrutura económica, "a sociedade civil em Gramsci nao pertence ao momento da estrutura, mas ao da 1
Norberto Bobbio, Gramsci e la concezione del/a societa civile, Miláo, Feltrinelli, 1976, p. 21.
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TEORIA AMPLIADA DO ESTADO
GRAMSCI : UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICO
superestrutura".2 Mas, a partir daí, Bobb_i~ chega a urna ~als~ conclusiio: como em Marx a sociedade ctvtl (a ~ase _econo~I· ca) era 0 fator ontologicamente primário na e_xphca~ao da bis/ · Bobbio parece supor que a altera~ao efetuada por toria, ¡·dad sci 0 leve a retirar da infra-estrutura essa centra 1 e G ram .b , l 1 ontológico-genética, explicativa, para ~tn m- ~ ~ u~ e emento da superestrutura, precisamente a soctedade ClVll. Ero M~rx, esse momento ativo e positivo é estrutur~l; e~ Gramsct, .é superestrutural."3 Gramsci seria. assim uro tdeahsta em teona · 1 na medida em que arta a colocar na superestrutura socia , . política, e nao na base econOmica, o elemento determmante
do processo histórico.
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complexa e mediatizada onde a sociedade civil é mais forte), isso nao anula de modo algum, como vimos também, a aceita~ao gramsciana do princípio básico do materialismo histórico: o de que a produ~ao e reprodu~ao da vida material, implicando a produ~ao e reprodu<;ao das rela~ües sociais globais, é o fator ontologicantente primário na explica~ao da história. Fixar corretamente esse ponto me parece essencial para avaliar de modo justo nao só o lugar de Grarnsci na evoluc;ao do marxismo, mas
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Na verdade, a interpreta~ao eqmvocada de Bobb10 decorre de dois mal-entendidos. Em primeiro lugar, terr:os urna f~lta de nseqüencia em sua argumenta~iio: se o concetto de soctedade co M _ civil em Gramsci nao é o mesmo que em arx, por que entao atribuir-lhe, no autor dos Cadernos, a mesma func;io (de de:_ermina~iio "em última instancia") que tinha no p.ensador al.emao? E em seaundo lugar. em estreita conexao com 1sso, Bobb1o exa' o ' . 1 ·na a questao da sociedade civil em Gramsc1 em re a~ao com ffil . f vínculo de condicionamento recíproco entre m ra-estrutura e 0 superestrutura, sem ver que o conceito se_ refere, ~a. ~;r~ade, ~o roblema do Estado: o conceito de "soc1edade clVll e o meto p . . privilegiado através do qual Gramsct ennquece, c?m novas . determina<;óes, a teoría marxista do Esta~o. E se e verd~de, como vimos, que esse enriquecimento motiva urna concr"et~a- c;iio dialética na questáo do modo pelo qual a base econorruc.a determina as superestruturas {ou seja, essa determina~ao é maiS
!bid., p. 27. . bb' d 3 !bid., p. 28. Para urna eficiente crítica das post~oes de Bo ,, 1~) · T x 1'er "Gramsci Theoretician of the Superstructures , m C. aloques e , ' . K an J~fouffe (ed.), G-ramsci and lv!arxtst Theory, Londres, Rolltledge & eg _
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Paul, 1979, pp. 48-79.
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também seu conceito de sociedade civil~ Gramsci nao inverte nem nega as descobertas essenciais de Marx, mas "apenas" as enriquece, amplia e concretiza, no quadro de urna aceita~ao plena do método do materialismo histórico. E de que modo Gramsci "amplia", com seu conceito de sociedade civil, a teoria marxista "clássica" do Estado?4 A grande descoberta de Marx e Engels no campo da teoria política foi a afirma~ao do caráter de classe de todo fenomeno estatal; essa descoberta os levou, em contraposi~ao a Hegel, a "dessacralizar" o Estado,s a desfetichizá-lo, mostrando como a aparente autonomia e "superioridade" dele encontram sua genese e explica~a.o nas contradi~oes imanentes da sociedade como um todo. A genese do Estado reside na divisao da sociedade em classes, razao por que ele só existe quando e enquanto existir essa divisao (que decorre, por sua vez, das rela~oes sociais de produ~ao); e a funf[lo do Estado é precisamente a de conservar e reproduzir tal divisao, garantindo assim que os
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eu saiba, a expressao "teoria ampliada do Estado" para designar as reflexoes de Gramsci foi usada pela primeira vez por Christine BuciGiucksmann, Gramsci et rf.tat, Paris, Fayard, 1975, pp. 87-138 (ed. brasileira, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, pp. 97-153). Desenvolvi mais amplamente a relac;ao entre Gramsci e os "clássicos", no que se refere a essa "amplia~ao" da teoria do Estado, em Marxismo e política, cit., pp. 13-69. 5 A expressao é de Valentino Gerratana, "Lenin e la dissacrazione dello Stato", in Id., Ricerche di storia del marxismo, Roma, Riuniti, 1972, pp. 173-211.
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GRAMSCI : UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICO TEOR I A AMPLIADA DO ESTADO
interesses comuns de urna classe particular se imponham como o interesse geral da sociedade. Marx, Engels e Lenin examina. . ram também a estrutura do Estado: indicaram na repressao no monopólio legal e/ou de fato da coerc;ao e da violencia o modo principal através do qual o Estado em geral (e, como tal, também o Estado capitalista liberal) faz valer essa sua natureza de classe. Em suma: os "clássicos", tendencialmente, identificam o Estado a máquina estatal com o conjunto de seus aparelhos repressivos. Seria prova de anti-historicismo apontar essa caracteriza~ao como resultado de urna visao unilateral dos clássicos, do mesmo modo como seria anti-historicismo acusar Marx por nao ter tratado do imperialismo em sua obra principal. Pois essa percep~ao do aspecto repressivo (o u ditatorial) como aspecto principal da domina~ao de classe corresponde, em grande medida, a natureza real dos Estados com os quais se defrontam Marx, Engels e Lenin. Numa época de escassa participa~ao política, quando a a~o do proletariado se exercia sobretudo através de vanguardas combativas mas pouco numerosas, atuando compulsoriamente na clandestinidade, era natural que esse aspecto repressivo do Estado hurgues se colocasse em primeiro plano na própria realidade e, por isso, merecesse a aten~ao prioritária dos clássicos. Gramsci, porém, trabalha numa época e num ambito geográfico nos quais já se generalizou urna maior complexidade do fen6meno estatal: ele pode assim ver que, com a Y~ intensificac;ao dos processos de socializa~ao da participa~o - política, que tomam carpo nos países "ocidentais" sobretudo a ~· partir do último ter~o do século XIX (forma~ao de grandes sin- "'dicatos e de partidos de massa, conquista do sufrágio universal, etc.), surge urna esfera social nova, dotada de leis e de fun~óes - relativamente autónomas e específicas, tanto em face do mundo .!._ económico quanto dos aparelhos repressivos do Estado. ~= Precisamente num trecho dos Cadernos onde analisa "a doutrina de Hegel sobre os partidos e as associa~oes como -~-=
'tr~ma' privad~ do Estado"
um trecho que está entre as rimetras anota~oes carcerárias de G . d d p atan o provavelramsc1, mente d e mar concetto e "socied d · .1, _ tado . a e CIVl ' sua concep~ao ampliada do ~ ' pa:r~ precisamente do reconhecimento dessa socializa~ao ~e. políttc~ "!lO capitalismo desenvolvido, dessa forma iio SUJeitos p ohttcos coletivos de massa. Ele diz: "S ~ ~ao de associarao [d H l] ~ . ua concep. ~ e ege so pode ser atnda vaga e p · · ·_ va, Situada entre o político e o eco "' . d d rlllttl . ,. . nonuco, e acor 0 com a experiencia da época · . ' que era mwto restr1ta e fornecia um úni~o ~xem~l~ co_mple.ro de organiza~ao, a organiza~iio "cor oratlva (polrtica tnserida na economia) Marx di p ·"" · hi , . · · nao po a ter expertenctas stortcas superiores as de Hegel (p I . . ) e o menos mwto supert?res . (... ) O conceito de organiza ao em M nece atnda p · ~ arx perma. . res~ aos .segumtes elementos: organiza~Oes profisstonais, clubes Jacobmos consp· d . _ . ' rra~oes secretas e peguenos grupos, organJzac;ao JOrnalística . "6
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portanto, nao pOde conhecer ou nao pod J na devtda co t d e evar n a . os gran es sindicatos englobando milhoes de pessoas os partrd 1.. · d ' os po 1t1cos operários e populares lega· e massa, os -!'arla~entos eleitos por sufrágio universal dir~t~ e secreto, os JOrnais proletários d . . ~d e Imensa trragem, etc Nao po e,leU: suma, captar plenamente nma dimensao ess~ncial das re a~oes de pode ·d d . . . r numa socte a e capitalista desenvolvida· preasa~ente aqueJa "trama privada" a que Gramsci se refere. que m~IS tarde ele irá chamar de "sociedade civil" de " ' lh os nv . ,, ' apare-
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ramsct, como VImos, se afasta termino1ogicamente
' Quaderni, pp. 56-57.
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de Marx;7 ao contrário, e como o próprio texto recém-citado o indica, ele parece aproximar-se de certo modo da concep~áo.de Hegel, o qual introduzia na "sociedade civil" con~~btda como a segunda figura da eticidade, situada entre a faiDlha e o Estado as "corpora~oes", ou seJa, assoc1a~oes econormcas que podem ser vistas como formas. prin:itivas dos m~dernos sindicatos. s Mas essa parcial aproxuna~ao a Hegel nao deve ocultar a novidade do conceito gramsciano: com ele, Gramsci expressa um fato novo, urna nova determinat;áo do Estado, que náo nega ou elimina as determina~Oes _registr~das p~los "clássicos", mas representa e Gramsct esta consctente disso - um enriquecimento e um desenvolvimento das mesmas. A teoría ampliada do Estado em Gramsci (conserva~áo/su pera~áo da teoría marxista "clássica") apóia-se nessa descoberta dos "aparelhos privados de hegemonía", o que leva nosso autor a distinguir duas esferas essenciais no interior das superestruturas. Justificando, numa carta a Tatiana Schucht, datada de setembro de 1931, seu novo conceito de intelectual, Gramsci fomece talvez o melhor resumo de sua concepc;áo ampliada do Estado: "Eu amplio muito diz ele a not;ao de intelectual e náo me limito not;ao corrente, que se refere aos grandes inte- .· lectuais. Esse estudo leva também a certas determinafi5es do •
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Gerratana, em sua resposta as teses de Bobbio anterionnente discuti..~s., ~ observou que o afastamento de Gramsci é consciente: quando, nos exerct~os _de tradu~:io feitos no cárcere, ele traduz a express:io marxiana "bürgerltche .· Gesellschaft", nao o faz como tenno habitual de "sociedade civil"' ~as SliD _coma express:io literal ~sociedade burguesa", como a indicar a diferen¡¡a , entre os dais conceitos (Valentino Gerratana, in V ários Autores, Gramsa ela : cultura contemporanea, cit., vol. 1, pp. 169-173 ). & Cf. G. W. F. Hege:, Príncipes de la philosophie du droit, cit., PP· 254- . 257. Destaquei a expressio "de certo modo" porque essa aproximat;ao ~ ape· ·, nas relativa, já que Hegel ao contrário de Gramsci incluí tarobe~ as relac;óes eoonOmicas (a produ~lio e reproduc;:io da vida material) na "sooeda· "
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conceito de Estado, que habitualmente é entendido como sociedade polític!} (ou ditadura, ou aparelho coercitivo para adequar a massa popular a um tipo de produ~ao e economia e u.m dado momento); e nao como equilíbrio entre sociedade política e sociedade civil {ou hegemonia de um grupo social sobre a ~teira ~ociedade nacional, exercida através de organiza~oes ditas pnvadas, como a Igreja, os sindicatos, as escolas, etc.). "9.. Portanto, o Estado em sentido amplo, "com novas detern1ina~óes", comporta duas esferas principais: a sociedade política (que Gramsci também chama de "Estado em sentido estrito'' ou de. "Estado-coerc;ao"), que é formada pelo conjunto dos mecantsmos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressao e da violencia e que se identifica com os aparelhos de coer~ao sob controle das burocracias executiva e policial-militar; e a sociedade civil, formada precisamente pelo conjunto das organiza~oes responsáveis pela elabora~ao e/ou difusao das ideologias, compreendendo o sistema e~col:r, as I~ej~s, o~ partidos políticos, os sindicatos, as orgaruza~oes profissionats, a organiza~ao material da cultura {revistas, jornais, editoras, meios de comunicac;ao de massa), etc. . Duas problemáticas básicas distinguem essas esferas, justificando que elas recebam em Gramsci um tratamento relativamen~e autónomo. Em primeiro lugar, ternos urna diferen~a na fun(ao que exercem na organiza~ao da vida social, na articula~ao e reproduc;ao das rela~oes de poder. Ambas, em conjunto, formam "o Estado (no significado integral: ditadura + hegemonia),';10 Estado que, em outro contexto Gramsci define ~ ' tam b ern como "sociedade política + sociedade civil isto é he. ' ' gemon1a escudada na coer~ao" .11 Nesse sentido, ambas ser-
a
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Gramsci, Lettere dal carcere, cit.~ p. 481. 10 Quaderni, p. 811. 11 lbid. A clareza dessas duas formula~6es desautoriza a leitura do rusto-
de civil".
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militar),_ os portadores materiais da sociedade civil sao o que Gramsct chama de "aparelhos privados de hegemonía" ou
vem para conservar ou promover urna determinada ba.se económica, de acordo coro os interesses de urna classe soctal fundamental. Mas o modo de encaminhar essa prom~ao ou conserva~ao varia nos dois casos: no imbito e através ~a socie~ de civil as classes buscam exercer sua hegemonta, ou se]a, buscam' ganhar aliados para suas posi~Oes mediante a direfiio política e o consenso; por meio da sociedade política, a~ contrário as classes exercem sempre uma ditadura, ou, ma1s precisam~nte, urna dominafiíO mediante a coerfáO. Assim, como podemos ver, é a sociedade política (ou o Estado~coer~iio) _o momento do fenómeno estatal que recebeu a aten~ao prioritaria dos clássicos, enquanto as novas determina~Oes descobertas por Gramsci concentram-se no que ele chama de sociedade civil. E a novidade introduzida por Gramsci nao diz tanto respeito a questao da hegemonia, já abord~da por L~nin, mas ao fato de que a hegemonía enquanto figura soctal recebe agora urna base material própria, um espa~o aut6nomo e específico de manifesta~ao.
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seja, organismos sociais coletivos voluntários e relativam'ente aut~nomos em face da sociedade política. Gramsci registra aqw o. fato novo de que a esfera ideológica, nas sociedades
. ...
Precisamente aqui reside o segundo ponto de d1ferenc1a~ao entre as duas esferas: elas se distinguem por urna materialida-
de (social-institucional) própria. Enquanto a sociedade ?olítica
tero seus portadores materiais nos ~parelhos .repress1vo.s. de Estado (controlados pelas burocracias execut1va e pohctalriador ingles Perry Anderson, segundo a qual Gramsci os~la~ia e~tre. vários conceitos da rela~ao sociedade civil/Estado, um dos quats tmpücana urna nor;ao de hegemonia como síntese de diradura e consenso (P. Anderson, "M antinomias de Gramsci", in Vários Autores, As estratégias revolucionárias na atualidade, Sao Paulo, Jorues, 1986, pp. 7-74); essa equivocada concep~o de hegemonia é também adotada entre nós p~r Alba Ma~a. P. de Carvalho,! . questiio da transformaf(io e o trabalho soeza!. Uma anal!Se gramscrana, Sao Paulo, Cortez, 1986, pp. 41 e ss. Urna demolidora crítica conteudística e filológica das inexatidoes interpretativas de Anderson, que resga ta a o ~esmo te~ po o caráter substancialmente unitário e nao antinomico das reflexoes carcerarias de Gramsci, está ero G. Francioni, L'officína gramsciana, cit., PP· 147-228.
capitalistas avan~adas, mais complexas, ganhou urna autonomia material {e nao só funcional) em rela~ao ao Estado em sentido . Em outras palavras: a necessidade de conquistar o consenso ativo e organizado como b3:se para a domina~o . .u.ma neces~idade gerada pela amplia~ao da socializa~ao da ?oh_nc~ _ cr1~u. e/ou renovou determinadas objetivac;oes ou mstltul~o~~ soctats,., ~ue aran1 a funcionar como portado.res matena1s_ especi.fi~os (com estrutura e legalidade próprias) das rela~oes soc1a1s de hegemonia. E é essa independencia material ao mesmo tempo base e resultado da autonomía relativa assumida agora pela figura social da hegemonia - que funda ontologicamente a sociedade civil como urna esfera própria, dotada de legalidade própria, e que funciona como media~ao necessária entre a estrutura economica e o Estado-coer~ao. Ternos aqui mais um exemplo de aplica~ao concreta po~ Gramsci, na esfera da práxis política, da ontologia matenalista do ser social que está na base da produ~ao teórica de Marx: para este, nao há forma ou fun~ao social sem urna b~se., ~aterial, nao há objetividade histórica que nao resulte da dialet1ca entre essa forma social e seu portador material. Concretamente: em Marx, nao há valor-de-traca sem valor-de-uso
~~ há mais-valia sem produto excedente, nao há rela~Oes so: de produ~ao sem for~as produtivas materiais etc.· em Gramsci, nao há hegemonia, ou dire~ao política e ideoló~ica se~ o con~~to de organiza~Oes materiais que compOem ~ soctedade c1vil enquanto esfera específica do ser social.12
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12 Sobre
a dialética entre base material e forma social, cf. o excelente livro de lsaak llitch Rubín, A teoria marxista do valor, ed. brasileira, Sao Paulo, Brasiliense, 198O.
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GRAMSCI : UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLiTICO
Embora insista sobre a diversidade estrutural e funcional das duas esferas da superestrutura, Gramsci nao perde de vista o momento unitário.13 Assim, ao definir a "sociedade política", ele a mostra em rela~ao de identidade-distinc;ao com a sociedade civil; a sociedade política é o "aparelho de coer~ao estatal que assegura 'legalmente' a disciplina dos grupos que . . , nao 'consentem', nem anva nem 1vamente, mas que e constituido para toda a sociedade, na previsao dos momentos de crise no comando e na dire~ao [nos aparelhos privados de 4 hegemonía], quando fracassa o consenso esponcineo".1 E, em outro local, ele explicita melhor ainda a dialética (unidade na diversidade) entre sociedade política e sociedade civil: "A supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como 'domínio' e como 'dire<;ao intelectual e moral'. Um grupo social é dominante dos grupos adversários que tende a 'liquidar' ou a submeter também mediante a for~ armada; e é dirigente dos grupos afins ou aliados. "15 Nesse texto, o termo supremacía designa o momento sintético que unifica (sem homogeneizar) a hegemonia e a dominafJo, o consenso e a coer~o, a direfO,o e a ditadura. Cabe ainda recordar que, para Gramsci, essas duas fun~oes ou dois feixes de fun~oes -
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Em dado momento, Gramsci afirma que "a distin<;ao entre sociedade polirica e sociedade civil (... ) é urna distin~o metodológica [e nao] urna di~o
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organica; (... ) na realidade efetiva, sociedade civil e Estado se identifica m" (Quaderni, p. 1590). A afirma~ao pode se prestar a urna interpreta'JaO.~ da (já endossada, aliás, por vários estudiosos), segundo a qual Gramsc1 nao afirmaria a distin<;ao material-ontológica ("organica" } entre as duas esferas. Essa interpreta<;ao nao a penas se choca com todo o espírito das reflexó~ gramscianas (negando objetivamente sua novidade e originalidade}, m~s e literalmente contraditada por outro trecho dos Cadernos, onde Gramsa se refere de um modo dialeticamente correto "identidade-distiniflo entre
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sociedade civil e sociedade politica" (Quaderni, p. 1028}.
Ibid., p. 1385. ts Ibid., p. 2010.
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existem em qualquer fortna de Estado; mas o fato de que uro Estado sej a mais hegemónico-consensual e menos "ditatorial ", ou vice-versa, depende da autonomia relativa das esferas superestruturais, da predominancia de uma ou de outra, predomi" . . nanc1a e autononua que, por sua vez, dependem nao apenas do grau de socializa~ao da política alcan~ado pela sociedade em questao, mas também da correla~ao de for~as entre as classes sociais que disputam entre si a suprernacia. Parece-me importante sublinhar aquí a questao da autonomia material da sociedade civil enquanto tra~o específico de sua manifesta~ao nas sociedades capitalistas mais complexas. E isso porque estamos diante de um tópico sobre o qual bá nos Cadernos urna certa ambigüidade: Gramsci parece oscilar entre urna posi~ao que afirma a presen~a da sociedade civil mesmo em sociedades pré-capitalistas urna posi~áo menos freqüente e que vai desaparecendo a medida que suas notas avan~am no tempo , e outra posi\ao mais sólida e fundamentada, que afirtna ser a sociedade civil urna característica distintiva das sociedades onde existe um grau elevado de socializa~ao da política, de auto-organiza\ao de grupos sociais. A ambigüidade encontra urna certa justificativa no fato de que também as formas pré-capitalistas de domina~ao de classe, mesmo as abertamente ditatoriais e despóticas, apoiavam-se igualmente na ideologia, carecendo de algum modo de legitima~ao para poderem funcionar regularmente . Papel decisivo, na conquista dessa legitimidade por um Estado de tipo feudal-absolutista, por exemplo, era desempenhado pela ideologia religiosa: a Igreja era um "aparelho ideológico de Estado,., fundamental na época feudal e na época do absolutismo, o que certamente explica a razao por que Gramsci, em algumas notas dos Cadernos, parece identificar a relac;ao Igreja-Estado, coro a rela~ao sociedade civil-sociedade política, mesmo em epocas onde nao existe urna sociedade civil no sentido • •
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palavra no sentido que é dominante nas reflexoes derno da mo ' 'f' ·¿ d 16 gramscianas e que marca sua originalidade e esp~c1 tc~ ~ e. Nao usei por acaso o termo "aparelhos tdeologtc~s de Estado", 0 qual como se sabe foi cunhad? P?r Loms Alt7 Esse termo a rneu ver e como o proprto Althusser t h usser. ' ~ se preocupa em deixar claro, niio é sinó~~o do termo gramsciano "aparelhos privados de hegemom~ , com _o_ qual nosso tor denomina os organismos da soc1edade civil moderna. au il . [ Para Althusser, "Gramsci obscurece mais que umma a ~ues1 quando retoma a velha distin~o burguesa entre socledat ao d d. . de política e sociedade civil, [porque] se fun a na tstm'j:ao jurídica corrente (burguesa) e~tre 'púb,lic~' _e ·~rivado'. _< ... )_É do ponto de vista da burguesta que ha dtstm(j:aO en~e socte· dade política' e 'sociedade civil'."18 Por out_ro lado, amda ~on tra a coloca¡;áo mais madura de Gramsct, Althusser ~mna que "o Estado foi sempre 'ampliado', [sendo] ~ eqwvoco 19 fazer dessa 'amplia<;áo' um fato recente" . Cre10 que, dess~ modo Althusser nao apenas deforma as reflexoes de Gramsc1 e lhes' retira o tra<;o original, mas se impede também de compreender a especificidade da esfera id~ológica no m~d~ do capitalismo desenvolvido. Perde-se asslffi o que nao e de Cf., por exemplo, ibid., pp. 763-764. . . , . , , . _ 11 Cf. Louis Althusser, "ldéologie et apparetls tdeologtques d État , m Positions Paris E.d. Sociales, 1976, pp. 67-125. Nesse ensaio~ ~thusser Id., ' ' ' d ' · diz ue refere-se a Gramsci apenas urna vez, em nota de pe e pagtna, para qas ele foi "o único que avan~ou no caminho que empreendemos agora , que "nao sistematizou suas intui~oes, que se conservaram como anota4Woes argutas mas parciais" (ibid., p. 82). Na verdad:, com~ tentei demo~ar:' as posir;óes de Gramsci sobre o Estado "ampliado const1tue~ ~ma_teon~ SIS~ mática; a questáo é que essa teoria é diversa e mesmo antagoruca a teona ap rentemente análoga de Alth.usser. . ts Althusser, "Il marxismo come teoria 'finira~", in Vá nos Autores, Discutere lo Stato, Bári, De Donato, 1978, pp. 9-10 e 11. t9 Ibid., p. 12.
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esttanhar, em se tratando de Althusser precisamente a dimensao histórica da questao proposta por Gramsci. Portanto, se mesmo recusando o embasamento teórico e as conclusües de Althusser utilizei sua expressao "aparelho~ ideológicos de Estado" (que ele contrapoe a "aparelhos repres~ sivos de Estado"), foi porque ela me parece designar a situa~ao da ideología como fonte de legitima~ao precisamente nas épo~ cas ou situa~6es em que o Estado ainda nao se tinha "amplia-1 do", o u seja, nas sociedades pré ou protocapitalistas: em tais. sociedades, havia urna unidade indissolúvel, por exemplo, entro a Igreja e o Estado, de modo que a Igreja nao se colocava aindas como algo "privado" em rela~ao ao Estado como entidade "pública". A ideología que a Igreja veiculava (e deve-se lembran que ela controlava o sistema educacional) nao tinha nenhumru autonomia em rela~ao ao Estado-coer~ao, a "sociedade política". Coma ajuda do Estado, a lgreja oficial impunha essa ideo-.. logia de modo coercitivo, repressivo, com os mesmos meios de~ que o Estado se valía para impar sua domina~ao em geral.. Com as revolu~oes democrático-burguesas, e já na época daJ implanta~ao dos primeiros regimes liberais (de participa~ao po-.. lírica restrita), acontece um fato novo: o que poderíamos cha-.. mar de laiciza~ao do Estado. Os instrumentos ideológicos de~ legitima~ao, a come~ar pelas Igrejas, am a ser algo "priva-.. do" em rela'fao ao "público"; o Estado já nao impoe coerciri-.. vamente urna religiao; e até mesmo o sistema escolar, controla-.. do agora em grande parte pelo Estado, a a itir cada vez! mais uma disputa ideológica em seu próprio interiot As ideolo-~ gias, ainda que obviamente nao sejam indiferentes ao Estado,e tomam-se algo "privado" em rela~áo a ele: a adesao as ideolo-~ gias em disputa torna-se um ato voluntário (ou relativamente~ voluntário), e nao mais algo imposto coercitivamente. Criam-se assim, enquanto portadores materiais dessas vi- · soes do mundo em disputa, em !uta pela hegemonía, o que ! Gramsci chama de "aparelhos privados de hegemonia": e nao· 133
132
GRAMSCI: UM ESTUCO SOBRE SEU PENSAMENTO POL(TICO TEORIA AMPLIADA DO ESTADO
se criam apenas novos "aparelhos hegemóni_cos" ger.ados _pela luta das massas (como os sindicatos, os partidos, os JOrnals de opiniao etc.); tatnbém os velhos "aparelhos ideológicos de Es-
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tado" herdados pelo capitalismo, tornam-se algo "privado", a~do a fazer parte d~ socie~de civil em .seu sentido moderno (é o caso das IgreJas e, ate mesmo, do sistema escolar). Abre-se assim a possibilidade, que Althusser nega explicitanlente,20 de que a ideología (ou sistema de ideologias) das classes subalternas obtenha a hegemonia no interior de u~n ou de -vários aparelhos hegemonicos privados, mesmo antes que tais classes tenhan1 conquistado o poder de Estado em sentido estrito, ou seja, tenham se tornado classes dominantes. É a possibilidade que Gramsci entre~~ quando diz ~u~ "m~- grupo social pode e mesmo deve ser dirigente [hegemontco] Ja antes de conquistar o poder governamental"; urna possibilidade que, aliás, no quadro das socieda~es compi:xas, o?~e o Estado se "ampliou", torna-se tambem necess1dade, Ja que "essa é uma das condi~oes principais prossegue Gramsci para a própria conquista do poder" .21 . Portanto, a distin~ao entre os conce1tos de Althusser e de Gramsci nao é apenas teórica ou histórica, mas implica também importantes conseqüencias no plano da política. Considerando os organismos da sociedade civil como parte integrante do Estado em seu sentido , Althus_ser propoe urna estratégia política que acentuando excess1vamente o caráter "separado, do partido operário e sua radical d~ere?~a em rela~ao ao Estado prega urna luta a se travar mteuamente {ora do Estado: "Por principio, coerenternente com sua raza o de ser, o partido [operário] deve estar (ora do Estado (... ).Jamais deve se considerar como 'partido de governo'."22
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1
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2. "SOCJEDADE REGULADA" E FIM DO ESTADO ~
~ de grande
importancia observar o modo pelo qua!, em fun~ao dessa autonomía relativa (funcional e material) das esferas da superestrutura, Gramsci concretiza e, ao mesmo tempo, supera a teoría de Marx, Engels e Lenin sobre a extin~iio
- .
20
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Perde sentido, entiio, o núcleo da estratégia gramsciana da "guerra de posi~Oes", ou seja, a idéia de que a conquista do poder de Estado, nas sociedades complexas do capitalismo recen:te, deve ser precedida por urna longa batalha pela hegemoma e pelo consenso no interior e através da sociedade civil ísto é, no interi?~ do próprio Estado em seu sentido amplo: Enquant~ a post~a~ de_ Aithusser leva necessariamente, esteja ele conscte?_te ou ~~o dtsso, idéia de um choque frontal com o Est;do (Ja ~u: e 1mpossível. enfraquece-Io progressivamente p~la ocupa~a~ . de ~spa~os Situados em seu interior), a posi~~o de ?ra~s~t !mpltca a idéia de urna "longa marcha" atrav~ ~as msttt_Ut~oes da sociedade civil. Como diz argutamente BtagiO De G10vanni: "Gramsci p6e no centro da análise dos Caderno~ a idéia da transifijo como processo. É afastado, sub.stanctalmente, o conceito de um colapso repentino da socte~:de burguesa-capitalista. {... ) No centro dessa idéia da transt~a? como processo, está o tipo novo de reflexiio que G~msct desenvolve acerca do Estado. "23 Em outras palavras: esta a sua concep~iio do Estado como síntese de sociedade po.lítica e sociedade civil, de Estado-coer~iio e de aparelhos przvados de hegemonia.
Althusser, "Idéologie et appareils idéologiques d'État", cit., p. 86. 21 Quaderni, p. 2010. 22 Althusser, "ll marxismo come teoria 'finita'", cit., p. 15.
1
23
Biagio D G. · "G · . e tovannt, ramscJ e l'elaborazione successiva del Partito comu ta" - V ' - A . -~s · , tn anos utores, Egemonia Stato Partito in Gramsci Roma RiUilln, 1977, p. 56. ' ,
134
135
GRAMSCI : UM ESTUOO SOBRE SEU PENSAMENTO POL[TICO TEORi.A AMPLIADA DO ESTADO
do Estado na sociedade comunista sem classes, que ele (por causa da censura) chama de "sociedade regulada". Como vimos, a teoria do fim do Estado é um aspecto essencial da "crítica da política", que é por sua vez momento ineliminável assim como a "crítica de economia política" da teoría social marxista. E, também aqui, Gramsci me parece estabelecer urna rela~ao de continuidadelsupera~o com os "clássicos". Esse desenvolvimento tomou-se possível, em grande parte, porque Gramsci teve a oportunidade de avaliar a experiencia concreta de constru~o do socialismo na Uniao Soviética, quase quinze anos depois da Revolu~áo de Outubro. Nesse sentido, acredito que as notas de Grarnsci a respeito, que analisaremos a seguir, indicam urna clara discordancia com os caminhos seguidos na URSS, após a virada de 1928-1929, ou seja, após o fim da concep~o gradualista e consensual de transi~o ao socialismo, implícita na NEP, e o início da "revoluc;ao pelo alto", encarnada na coletiviza~ao for~ada e na industrializa~ao acelerada. É certo que, nos Cadernos, a única referencia feita a Stalin é urna referencia positiva: considerando-o "intérprete do movimento majoritário", Gramsci se coloca ao lado de Stalin contra Trotski na questao da disputa sobre a possibilidade de constru~ao do socialismo em um só país.24 Mas deve-se notar que, em primeiro lugar, esse apoio a Stalin é anacrónico em rela~o a época em que Gramsci escreve esse trecho {provavel- _ _ mente em fevereiro de 1933): ele apóia o "intérprete do movi- .-: mento majoritário" liderado nao só por Stalin, mas tam- ·_ bém por Bukharin que derrotou, em 1925-1928, a chama- ;_ da "oposi~ao de esquerda", fazendo prevalecer a política da 7 NEP contra a política anticamponesa da coletiviza~ao for~a- -~ da.25 E, em segundo lugar, pode-se ver que o apoio é dado na -_
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24
Quaderni, pp. 1728-1730.
25
Cf. supra, cap. m.
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136 •
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luta contra Trotski cujas po . das na carta de 1926 ao ~~~es
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., )a as~eramente critica-
frontal num período em .teorico político do ataque derrotas" 26 G · -que esse tipo de ataque só é causa de " . .. ramsct nao tem em vist
rencra posrtiva a Stalin . , a, portanto, nessa refe1 e a "oposirao de d. . ' ~~ sua Im? acavelluta contra Bukhárin . ~ treita , que t1vera · " · que vrra Stalin se alinhar b" . llllCio em 1928-1929, e . o )etivamente co Ji · m1ca da oposi~ao trotskista- . . . m a po t1ca econoA
dua1ista da NEP. deíend"d '
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zmlOVIevtsta contra a política graa pe o u . . 1 criticado diretamente nas
notas do cárcere Gramsc1· n' ao · ou
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rinha com seus companhe'?"o d ~~as conversas quemans e pr1sao As · f. 1 d 1930, Gramsci teria confi.d . d · Sllll, em Ina e . encta o a seu · Enzo Riboldi: "É preciso· levar em amtgo e. camarada de Stalin é bem diferente do d L ~onta q~e o habttus mental LL
muitos anos no exterio.r e, erun. L~~ •. tendo vivido por 0 problemas político-soci;isp osswa ~a VIsao Internacional dos ' que nao se pode d. d S lin que sempre permanecen na R, . IZer e ta ' de nacionalista que se e ussJa, conservando a mentalidarr b, xpressa no culto dos ' ' J am em na Internacional Stal. , . . grao-russos . comunista: é preciso ter e ~d d m e primerro russo e depois . _ UI a o com ele "27 E ga de pr1sao, Ercole Piacentini · um outro cole-
. u uas o u tres . d · conhecra o testamento d L . r vezes, lSSe que gante e grosseiro" e ed: erun que chama Stalin de "arrado Partido] e concor~ seu afastamento da secretaria-gerai ava com seu conteúdo "28 M · · _ · a1s unpor-
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26
Quaderni, p. 1523. l 7 C· d
Ita o por PaoJo Spriano St
. anni de/la clande.stinita Tunm· Ei'. ordi,t~ el Partrto comunista italiano, ll: Gli nau 1969 275 28 Ercole Pjace · ' · "C , . 'p. · de 1974, p. 32. ntmJ, on Gramscr a Turi"'' in Rinascita, 25 de outubro
137
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GRAMSCI : U M EST
tantes do que essas
UDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLfTICO
recorda~Oes, po~ém,
que podem sempre · · d or uro certo anacrorusmo, parecem-me ser as estar v1c1a as P f -es contidas nos próprios Cadernos e que se re erem o b serva~o . · d " · d " d 1929 indiretamente a atua~ao de Stalm depms ': vrra a e . Voltemos, antes de abordar essa questao,_ ao_pro_ble~a da · - do Estado. Para Grarosci, essa extm<;ao s1grufica o extm~ao · d ·mento progressivo dos mecan1smos e coer~ao, ou , . · d d · ·¡, 2 d esaparect · " bsorra-0 da sociedade pohttca na socte a e ,ctvl . 9 se)a, a rea y .. d'd As fun<;Oes sociais da dominat¡áo e da coer~o a me 1 a ~ue nstrurao do socialismo cedem progressivase avan~a n a Co ~ " Es ,a hegemonía e ao consenso. O elemento tamente espa<;o . . diz Gramsci pode ser tmagtnado como capaz . d o-coer~ao · do medida que se af1rmam elementos cada ,· d e se Ir· exaurerosos de sociedade regulada (ou Esta d o et1co ou vez mats num - d · d d · ·1) '' 30 Por outro lado essa re a bson;ao o Estado soc1e a e c1VI . .' _ , . . dade ci·vil 0 fim da ahena~ao da esfera políttca pela socte , . .. . _ uma preocuparao bas1ca revelada por Gramsc1. a de 'T d' · l1ga se a · nrre governantes e governados, entre rrtgentes que a divtsa o e . , . · ·d que ele reconhece necessária ero determmado ruvel e du1g1 os, . _ , . · - d ·d - social (no qual eXlsta nao so a dtvtsao a socte a. _ , . d a evo1u~ao mas inclusive um certo grau d e divtsao tecruc~ " , d' ·~ d e em e l as ses, do trabalho), nao seja considerada como uma perpetu~ ~~:" d , . h mano" mas "apenas [como1 um fato histon? sao o genero u ' . ~-~correspondeme a certas condi~Oes". Torna-se asstro ~ece~;: e~,· "criar as condi<;Oes nas quais desaparer;:a a necesstdad~ · sarto d l" 31 dessa divisiio [entre governantes e governa os . . -~ ~ ado e a revolurJío sabe que Lenm revelav:t Est O uem eu y. · d -1 Q urna roesma preocupa~ao coro a coro~l~ta s_oCiahza~ao o p~ der, o u, mais precisamente, com a partlctpa~ao de todos na m·
1
TEORIA AMPLIADA 00 ESTADO
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Quaderni, p. 662. 30 Ibid., p. 470. J t Ibid., p. 1352.
táo das rela~oes económicas e sociais. Mas, enquanto Lenin (e rnais ainda Engels) preveem urna extin~o quase automática do Estado, como resultado da extin~ao progressiva das classes no plano económico e da difusao do saber entre as massas, Gramsci parece supor a necessidade de urna luta no terreno específico da política e das institui~oes socialistas a fim de tornar possível o fim da aliena~ao que se expressa na existencia de uro Estado separado da sociedade, qualquer que seja seu conteúdo de classe. É o que me parece resultar de suas notas sobre "Estatolatria"' nas quais ele adverte que "a 'estatolatria' nao deve ser deixada a seu livre curso", mas "deve ser criticada" .32 É como se ele dissesse que o "Estado operário com deforrna~óes burocráticas" (como Lenin o caracterizou, em 1921) teria urna dinamica própria, gerando interesses que apontam para sua perpetua~ao. Daí a necessidade de urna permanente "crítica
socialista", enquanto parte integrante do processo que Gramsci freqüentemente designa como "reforma intelectual e moral". Nao é difícil ver nessa formula~ao gramsciana do fim do Estado através da cria~ao de urna "sociedade (auto-) regulada", ande desaparec;a a distin~ao entre governantes e governados urna posi~ao contrária as teorías divulgadas por Stalin, segundo as quais o Estado-coerc;ao tinha de se fortalecer ao máximo durante o período de transic;ao ao comunismo. Nao me parecem ter outro sentido as observa~oes contidas na referida nota sobre "Estatolatria", redigida em abril de 1932. Gramsci come~a reconhecendo que, em determinados países, é necessária urna fase de fortalecimento do Estado durante as primeiras etapas de constru~ao do socialismo: "Para alguns grupos sociais, que antes da ascensao a vida estatal autónoma nao tiveram um long o período de desenvol vimento cultural e moral próprio e independente (como podia ocorrer na socie32
138
Ibid., pp. 1020-1021.
139
TEORIA AMPLIADA DO ESTADO
GRAMSC1: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POL f TICO
dad e medieval e nos governos absolutistas, p~r. ca~sa da exis" . . ~d· de estamentos e ordens prtvilegtados), um tencta JUrl tea , , . ~ rtu' odo de 'estatolatria' e necessarto e ate mesmo opo . peor~33 Ou se·Ja: onde a sociedade civil é fraca, onde as t:adin · , . d · ular a utono~oes de democracia polltica e e orgaruza~ao pop ma sao débeis ou inexistentes, a agem para um..-a nova ordem nao pode contar com os mesmos pressupostos qu: ~urna sociedade "ocidental"; e, desse modo, torna-se necessarl~ um
a tarefa do Estado socialista é fortalece-la depois, como condi~áo para sua própría extin
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Ibid. 34 !bid.
33
140
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V. L Lenin~ "Une caricature du marxisme et propos de l'économisme' impérialiste", in Id., Oeuvres, cit., tomo 23, p. 81. 36 Quaderni, p. 1509.
15
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GRAMSCI : UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POL(T JCO
'estatolatria', podemos concluir que se o partido se identifica com o governo, com o Estado ocorre urna tendencia a que o Estado-coer~ao (na forma do Estado-Partido) se perpetue, sem que se tenha um instrumento adequado para criticar o burocra.. tismo autoritário que dele emana e para lutar por sua reabsor.. ~ao na "sociedade regulada". Por outro lado, numa nota em que fala da "luta por urna cultura superior autónoma", Gramsci a define como "a parte positiva da luta que se manifes. ta, em fortna negativa e polemica, nos meros 'a-' e 'anti-' (anticlericalismo, ateísmo, etc.). Empresta-se urna forma moderna e arual ao humanismo laico tradicional, que deve ser a base ética do novo tipo de Estado" .3 7 Nessa defesa do Estado socialista como um Estado laico, humanista e nao estreitamente ideológico, Gramsci se opoe a outro dos pilares do "modelo" stalinista: aquele que, identificando Partido e Estado, identifica tambérn a · ideologia do Partido com a ideologia do Estado. Para concluir, podemos observar que o conceito de sociedade civil nao apenas fornece a Gran1sci os instrumentos para concretizar a teoria "clássica" do fim do Estado, que é parte integrante da crítica da política marxista, mas o leva também a dar indica~óes concretas ainda que breves e sumárias -:sobre os problemas colocados pela constru~ao do socialismo~ Essas indica~oes, como vimos, foro.ecem elementos para um~ crítica marxista do modelo stalinista imposto na URSS, sobrei. tudo depois de 1929, um modelo que Gramsci parece consi4~ rar "estatolátrico", burocrático-autoritário, centrado numa~ falsa identjfica~ao entre Estado e Partido. Seria certamente wmanacronismo fazer de Gramsci um "eurocomunista" ou uñt "gorbachoviano" avant la lettre, r.11as também seria errad
37
TEORJA AMPL.ADA DO ESTADO
qu~ o~entou o ca~~~ seguido na URSS e em outros países SOCialistas. Sua Originahdade, assim, nao se limita a formulaf.áo. de un:~, nova estratégia de luta pelo socialismo nos países o~1denta1s embora resida aqui, certamente, seu legado mats fecundo e consistente.
lbid., p. 1527.
142
, 43
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CAPíTuLo v1
A estratégia socialista no ''Ocidente''
•
1. GUERRA DE MOVIMENTO E GUERRA DE POSl<;AO
A teoria ampliada do Estado é a base que permite a Gramsci responder de modo original a questao do &acasso da revolu~ao nos países ocidentais: esse fracasso ocorreu, supoe Gramsci, porque nao se levou na devida conta a diferen~a estrutural que existe entre, por um lado, as forma~oes sociais do "Oriente" (entre as quais se inclui a da Rússia c2arista), caracterizadas pela debilidade da sociedade civil em contraste com o predomínio quase absoluto do Estado-coer~ao; e, por outro, as forma~oes sociais do "Ocidente", onde se dá urna rela~ao mais equilibrada entre sociedade civil e sociedade política, ou seja, onde se realizou concretamente a "amplia~ao" do Estado. E, a partir dessa resposta, Gramsci póde formular, de modo positivo, sua proposta de estratégia para os países "ocidentais": nas forma~oes "orientais", a predon1inancia do Estado-coer~ao imp6e a luta de classes urna estratégia de ataque frontal, urna "guerra de movimento" ou "de manobra", voltada diretamente para a conquista e conservac;ao do Estado em sentido ; no "Ocidente", ao contrário, as batalhas devem ser travadas inicialmente no ambito da sociedade civil, visando conquista de posi~oes e de espa~os ("guerra de posi\ao"), da dire~ao político-ideológica e do consenso dos setores majontários da popula~o, como condi~ao para o o ao poder de Estado e para sua posterior conserva~ao. Antes de mais nada, cabe dissipar um possível mal-enten-
a
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GRAMSCI: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POL(TICO
A ESTRATtGJA SOC I AUSTA NO •octOENTE•
elido: a "ocidentalidade" de urna forma~ao social nao é, para Gramsci, utn fato puramente geográfico, mas sobretudo urn fato histórico. Ou seja: Gramsci nao se limita a registrar a presen~a sincrónica de formac;oes de tipo "oriental" e "ocidental", mas indica também os processos histórico-sociais, diacronicos, que levam urna forma~ao social a se "ocidentalizar". Ao se referir a teoria da "revolu~ao permanente" na formula~ao que lhe haviam dado Marx e Engels,l ou seja, "como expressao cientificamente elaborada das experiencias jacobinas" na Revolu~ao sa, Gramsci observa: "A fórmula é própria de um período histórico no qual nao existem ainda os grandes partidos de massa e os grandes sindicatos económicos, e a sociedade ainda estava, por assim dizer, em estado de 'flui. dez' sob muitos aspectos. "2 Paulatinamente, porém, na medi.. da em que o desenvolvimento dos processos de socializa~o das for~s produtivas leva a urna socializa~ao da participa~ao política, em que essa "fluidez", própria da época do liberalismo de participa~ao restrita, cede lugar a "estrutura maci~" das democracias modernas e Gramsci coloca o ponto de inflexao em 18703 , as sociedades européias am a se "ocidentalizar'': impoe-se assim urna mudan~ na estratégia da luta socialista. "A fórmula tipo 1848 da 'revolu~ao permanente' conclui Gramsci é elaborada e superada na ciencia política pela fórmula da 'hegemonía civil'. Ocorre, na arte polític~ o que acorre na arte militar: a guerra de movime:J.to torna-se cada vez mais guerra de posi~ao. "4 Nessa importante anota~ao de Gramsci, há dois tópicos a _; assinalaL Em primeiro lugar, vemos que -a necessidade de urna -
-
Karl Marx e Friedrich Engels, "Mensagem do Comite Central a Liga dos Comunistas", in Marx-Engels, Obras escolhidas, cit., vol. 1, p. 97. O textoé ---. de 1850. 2 Quaderni, p. 1566. 3 lbid., p. 1567. 4 Ibid. . .. t
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148
nova estratégia nao é imposta . . · 1 .. apenas pe1a diferenr · ca, srmu tanea, entre sociedad " 'd . ~a srncrorues oct enta1s" e " · . " , roas tam bem pela diferenra d" Orientais , . · y tacronica no · · cledades hoje "ocidentais, ., Interior das sodebilidad e da organizara-o d entre penados marcados pela ·~ · e mass · , ' que ronta socia IZarao d ]" · a conquista paulatina de po . ~ a po 1t1ca (onde , . SI~oes ocupa 0 Iug trateg¡a operária). Nesse sentid " ar ce_ntra1 na esA
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tipo "oriental" mas tambe'm s aEs~ Utist~s ou despóticos de .
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nos. (É claro que essa periodizar-
' lid ocraticos moder~ao, va a para a E _ se repete em outras regioes do mundo· . - uropa, nao mo veremos mais adiante que p ' mdas tsso nao nega, co. d. ' rocessos e "ocident liz - " mais tar Ios ocorram tamb., 1 a a~ao ao se re ere ape , concreta aplicada pelos bol h . · nas a estratégia
E 1 b orni a~oes de M nge s, so retudo por volta de 1848-1850 arx e vam ou com Estados semi-ah 1 . , quando esses lida-
estabelece entre "guerra de m . orrelac;ao que Gramsci , ovunento" e " 1 neme 'por tun lado e entre " d revo u~ao perma' guerra e posi~ao · - " e conquista da "hegemonia civil" . _ , por outro· a eh " aos paises OCidentais ,, o u 5
Sobre isso cf. C. N. Coutinho, Marxismo e p ¡~ . ' • pp. 17-25. o tttca, Cit.,
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GRAMSCI
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UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POL[T I CO
que se "ocidentalizam", reside precisamente na luta pela conquista da hegemonía, da dire~áo política ou do consenso. Ou, para usarmos as palavras do próprio Gramsci: "Uro ~upo social pode e mesmo deve ser dirigente já antes de conqutstar o poder governamental (é essa urna das condi~Oes principais para a própria conquista do poder); depois, quando exerce o poder, e mesmo que o conserve firmemente nas maos, torna-se 6 dominante, mas deve continuar a ser também 'dirigente' ." Essa aguda percep~ao das transforma~oes históricas ocorridas nas sociedades capitalistas, cuj a conseqüencia inevitável é a necessidade de urna renova~ao da estratégia marxista de transi~áo ao socialismo no nível teórico, nao deve ocultar o fato de que Gramsci ao formular sua teoría estava travando também urna batalha política atual, precisamente contra os que nao advertiam a necessidade dessa renova~áo. Para ele, "a agem da guerra de movimento (e do ataque frontal) a guerra de posi~ao também no campo político (... ) parece ser a mais importante questáo de teoría política colocada pelo período do pós-guerra e a mais difícil de ser resolvida cor~eta mente." E, logo em seguida, ele critica duramente Trotsk1 por continuar a propor a teoría da "revolu~áo permanente", do ataque frontal, "num período em que esse tipo de ataque só é causa de derrotas" .7 Para sublinhar a atualidade da batalha política de Gramsci, seria interessante observar que, embora suas críticas se dirijam explícitamente a Trotski e (como veremos) a Rosa Luxemburgo, ele também se opóe aquí, na verdade, a toda a . linha política seguida pela Internacional Comunista no período que vai de 1929 a 1934: urna linha baseada, como se sabe, na falsa suposi~ao de um iminente colapso do capitalismo, da abertura de urna crise revolucionária mundial (co~cebida em
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Quaderni, p. 2011 ~ 7 Ibid., p. 802 .
150
A ESTRAT~GIA SOCIALISTA NO ·oCIDENTE•
termos de "catastrofismo económico"), com a conseqüente dedu~ao da necessidade de adatar urna tática de ataque frontal, de ofensiva em todos os planos, tática segundo a qual até -a social-democracia devia ser tratada e combatida como urna "irma gemea do fascismo". Nao é preciso insistir aqui sobre os trágicos resultados a que levou essa retomada aventureirista da "guerra de movimento" como estratégia dos partidos comunistas ocidentais, num período em que ela como Gramsci insiste "só é causa de derrotas". Escrevendo em 19301932, quando a aplica~ao da «virada esquerdista" da IC estava em pleno andamento, Gramsci nao podia ignorar que seus entao politicamente derrotado e no exilio ataques a Trotski - aplicavam-se com rnuito maior propriedade a política da própria IC. Combatendo o trotskismo e, ao mesmo tempo, a "virada esquerdista" de Stalin depois de 1929, Gramsci mantém-se fiel as diretrizes indicadas por Lenin no m Congresso (1921) da IC, quando o "esquerdismo" é duramente combatido e a IC propoe urna política de "frente única" com as demais forc;as operárias e socialistas, urna política que intuía a maior complexidade das sociedades "ocidentais", mas que seria abandonada por Stalin precisamente a partir de 1928-1929. "Pareceme que llitch [Lenin] compreendeu observa Gramsci que era necessária urna mudan~a da guerra de movimento, aplicada vitoriosamente no Oriente [isto é, na Rússia] em 1917, para a guerra de posi~ao, única possível no Ocidente (... ). Esse me parece ser o significado da fórmula da 'frente única'." E Gramsci prossegue, colocando de modo concreto a determina~o central da diferen~a entre Oriente e Ocidente: "No Oriente, o Estado era rudo e a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, entre Estado e so<:iedade civil havia urna rela~ao equilibrada: a um abalo do Estado, imediatamente se percebia urna robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas urna trincheira avan~ada, por trás da qual estava 151
A ESTRATfGIA SOCJAUSTA NO •oCIDENTE•
GRAMSC I: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICO
urna robusta cadeia de fortalezas e casamatas; a propor~ao varia de Estado para Estado, como é evidente, mas precisamente isso requeria um cuidadoso reconhecimento de caráter nacional. "8 O conceito de "sociedade civil", como vemos, introduz aqui urna concretizac;ao essencial em rela<;ao a urna formula~ao similar de 1924, já citada no capítulo m. É precisamente essa "rela~ao equilibrada" entre Estado e ·sociedade civil que desautoriza, no "Ocidente", a superestima<;ao do papel das crises económicas no processo de desagrega~ao do bloco dominante e, em conseqüencia, a fixa~ao da estratégia socialista na idéia de um "assalto revolucionário" ao poder. A polemica de Gramsci toma aquí como alvo Rosa Luxemburgo, mas as críticas que ele dirige ao economicismo e ao catastrofismo da grande revolucionária polonesa valem para as tgualmente e talvez ainda com maior adequa~ao posi'f6es defendidas pela IC no período 1929-1935. Contra · Rosa, Gramsci insiste no fato de que, "[nos] Estados mais avan~ados, (.... ) a 'sociedade civil' tornou-se urna estrutura muito complexa e resistente as 'irrup~oes' catastróficas do elemento económico imediato (crises, depressoes, etc.): as superestruturas da sociedade civil sao como o sistema das trincheiIbid., p. 867. Cabe aqui um parentese: ao contrário do que supoe urna leitura corriqueira de Gramsci, nao é correto imaginar que, nas sociedades "oci- = dentais", o fortalecimento da sociedade civil implique um debilita mento do _=~ Estado. O "Ocidente" nao é inversamente simétrico ao "Oriente": no primei· =:ro, entre os dois momentos da superestrutura, se dá urna "rela~o equilibra· _da", razao pela qual o extraordiná rio fortalecimento do Estado ocorrido nas _·
ras na guerra moderna" .9 Esse sistema de media~oes impll cando um "recuo das barreiras económicas",. o u seja, u m. rnaior autonomia do político toma as crises revolucionária nas sociedades "ocidentais" unt fenómeno bem mais comple xo. Tais crises já nao se manifestam imediatamente como re sultado de crises economicas, mesmo aparentemente catastró ficas, e nao impoem, portanto, urna solu~ao rápida e um cho que frontal; elas se articulam em vários níveis, englobando un período histórico mais ou menos longo. Daí por que Gramsci para definí-las, refere-se a no~o de "crise organica", ou seja a urna crise que diferentemente das "crises ocasionais" ot "conjunturais" nao comporta a possibilidade de uma solu· ~áo rápida por parte das classes dominantes e significa um~ progressiva desagrega~ao do velho "bloca histórico" .10 Se a "crise organica", em seu aspecto económico, apresenta-se como manifesta~ao de contradi~oes estruturais do modo de produ~ao, ela aparece no aspecto superestrutura1, político-ideológico como crise de hegemonia. E Gramsci assim a define: "Se a classe dominante perdeu o consenso, ou seja, nao é mais 'dirigente', porém unicamente 'dominante', detentara da pura for~a coercitiva, isso significa precisamente que as grandes massas se separaram das ideologias tradicionais, que nao creem mais no que antes criatn, etc. A crise consiste preci-
8
sociedades de capitalismo tardio
um fenómeno que Nicos Poulantzas (O
Estado, o poder, o socialismo, ed. brasileira, Río de Janeiro, Graal, 1980, PP· ~ 233 e ss.) chamou de "estatismo autoritário" nao anula o caráter "ociden· tal" das mesmas, na medida em que os organismos da sociedade civil penn.a· · ne~am fortes e articulados, ainda que muitas vezes de modo libe~~~- corporativo. O próprio fascismo "clássico", enquanto regime readonano ~- que pressupoe urna base de massas organizada, é um fenómeno típico de _"' sociedades "ocidentais".
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9
Quaderni, p. 810. lO De agem, cabe notar que Gramsci usa a expressao "bloco históri
co" em duas acep~oes diversas, ainda que dialeticamente interligadas! 1) como a rotalidade concreta formada pela articula~ao da infra-estrutura material e das superestruturas po1ítico-ideológicas; 2) como urna alian~a de classes soba hegemonia de urna classe fundamental no modo de produ~ao, cujo objetivo é conservar ou revolucionar urna forma~ao economico-social existente. A liga~o dialética se dá na meilida em que a constru\io de u m "bloco histórico", no segundo sentido, implica a cria~o de urna nova articula~ao
entre economia e política, entre infra-estrutura e superestrutura. Sobre as determina~oes do conceito de "bloco histórico", cf. a didática exposi~o de Hugues Portelli, Gramsá et le bloc historique, París, PUF, 1972.
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GRAMSCI: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLfTtCO A ESTRATtGJA SOCIALISTA NO "OC I DENTE"
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samente no fato de que o velho morre e o novo nao pode nas.. cer. "11 A crise de hegemonia, enquanto expressao política da crise organica, é o tipo específico de crise revoluc.ionária nas sociedades mais complexas, com alto grau de participa~ao organizada. Ela se caracteriza ao contrário da crise "catas.. trófica" por tun período relativamente longo de matura~ao, no qual se dá urna complexa luta por espac;os e posi~oes, u.m movimento de avan~os e recuos. Como toda crise, também a de hegemonia pode dar lugar a diferentes alternativas, isto é, po.. de ter diferentes solu~oes. De imediato, a classe dominante pode ter condi~oes de continuar dominando através da pura coer~ao; a médio prazo, ela pode certamente recompor sua hegemonía, por meio de concessoes, de manobras refor1nistas, etc., para o que contará com a incapacidade das for~as adversárias de apresentar solu~oes positivas e construtivas. Urna outra possibilidade é a de que as classes dominadas favore- ciclas pelo caráter estrutural da crise ampliem seu arco de alian~as e sua esfera de consenso, invertam em seu favor as rela~oes de hegemonía e, desse modo, ao se tornarem classes dirigentes (ao apresentarem e conquistarem consenso para propostas de solu~ao dos problemas do conjunto da nafao), criem as condi~oes para chegarem a situa~ao de classes dominantes. De qualquer modo, contra a "impaciencia revolucionária",_Gramsci observa que a a~ao em face desse tipo de crise requer="qualidades excepcionais de paciencia e espírito inventivo" .12 .,-· Portanto, na "guerra de posi~ao" que atravessa urna crise de hegemonía, preparando-a ou dando-lhe progressivame~ ~ solu~ao, nao há lugar para a espera messianica do "grand_e-= dia ",para a ividade espontaneísta que conta como desen· ~ -
Quaderni, p. 301. Sobre o conceito de crise em Gramsci:- ct o belo ensaio de Juan Carlos Portantiero, "Notas sobre crisis y producción de acción hegt- mónica", in Id., Los usos de Gramsci, Buenos Aires, Folios, 1983, PP· 141· tl
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175. u Quaderni, p. 916.
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cadeamento de urna explosao de ti , . ~o para o "assaito ao pod , O p~ ~a~astroflco como condi-
pela conquista de espa~os . - , e Iutar cotidianamente objetivo final ou SeJ·a o de e posJ~oes, sem perder de vista o ' ' romov Se a crise econOmica nao se : d
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onomtco-soctal capitalista.
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e mas pode até . ~oes, avorecer urna reagreg - d ' em cenas condia~ao esse · · ..
classe dotninada de fazerpot+· amente da capactdade da . ¡,zca; em outras pal d
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sc1ana e tr · uma estratéo-ia que ale"m d . anst~ao ao socialismo· er ' e un osta . '
"a 'guerra de posi~ao' ~ma ~ os, po~ _se~~o Gramsci mente" .13 E nao e" d' . ez vencida, e decidJda definitivaemars recordar q como Gramsci já 0 indic d d ue, para se tornar _,
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lea, a e asse oper ., . d uasse nacional: ou SeJ·a d aria eve se tornar .. , eve superar qualq ., . ratlVIsta e assumir com d uer esprrito corpoo seus to os os probl r . na~o. Como veremos no ; . emas eietivos da prox.uno capítulo Id . . nessa transfornla~o da classe ; . ' um pape ecJsivo desempenhado por seu partido opl~~aria em classe nacionaJ é Lo ; po Itl CO. . go apos a agem onde Gramsci . . . -
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u lbid., p. 917.
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e ar da guerra de
GRAMSCI : UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITlCO
A ESTRATEGrA SOCIALrSTA NO ·ocJDENTE•
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movimento para a guerra de posi~ao, ele diz o seguinte: "Ilitch nao teve tempo para aprofundar sua fórrnula, mesmo levandose em conta que ele só poderia aprofundá-la no nível teórico, já que a tarefa fundamental era nacional, ou seja, requeria um reconhecimento do terreno e urna fixa~ao dos elementos de trincheira e fortaleza, representados pelos elementos da sociedade civiL"14 Na verdade, essa coloca~ao de Gramsci pode também ser lida como um programa de trabalho: ao longo dos Cadernos, ele se empenha precisamente em aprofundar os dois momentos, em fazer aquilo para o que Lenin "nao teve tempo". Em prímeiro lugar, ele empreende o a pro fundamento no nível teórico, com sua teoria ampliada do Estado, com a formula~ao da diferen~a entre as forma~oes "orientais" e "ocidentais", com os conceitos de "guerra de posi~ao" e de "crise organica", etc. E, em segundo, ele opera um profundo reconhecimento do "terreno nacional', italiano, gra~as a seus detalhados estudos sobre o processo peculiar de transi~ao para o capitalismo na Itália (através de urna "revolu~ao iva" ou "revolu~ao sem revolu~ao''), sobre a centralidade nacional das questoes meridional e vaticana, sobre o caráter cosmopolita e nao nacional-popular da cultura e dos intelectuais italianos, etc. Lugar de destaque, nesse reconhecimento do "terreno nacional", é ocupado pelas formula~5es de Gramsci sobre a "fase de transi~ao" que, a seu ver, deveria intercorrer entre a queda do fascismo e a revolu~ao socialista na Itália. É t::na ~ questao que merece ser examinada mais de perto, nao só por seu interesse intrínseco, mas porque ternos aqui um exemplo talvez o único de aplica~ao concreta, pelo próprio Gramsci, dos princípios gerais da sua nova estratégia de tran--. _ si~ao a urna situa~ao nacional concreta. ~-
2. DA PROPOSTA GRAMSCIANA DE "AS
Todos os dados e depoimentos h . ·
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scor anc1a tra notas do carcere, através de um l" . . . nsparece nas · d. a po effi!ca 1nd1reta 1 a1vo Ime lato da crítica nao é IC ' na qua o ~
ra, arn a que brev ., emente, asrazoes que motivaram a opos· _ d G . . I~ao e ramsci as co .. " c1as nactonais que a nova dire - d PC . · nsequenT ¡· · ~ao 0 I lide d tog latti extraiu da "virada" d lC 15 ~ ra o por
. , . ~ rgencta e uma crrse 1uctonarta uninente a partir de p t . revo- d . ' . re ensos Sin tomas de des a ga~o o regime fasctsta; estariam assim col d gre
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proposta por Gramsci em 1925) . d. poneses , tariado, a ser implantada med· ' mas su:; a ztadura do prole. . Iante um assalto a d " d tipo msurrecional. A polemica contr . o p~ er. e de tipo liberal-democráti·co s a os partidos antifascistas e acentuou· · . . ' vo pr1nc1 a dos . .
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socia - asc1smo" ( . a social-democracia como "al d d . ou seJa, · · a esquer a o fascts " · d mats pengosa do que esse, dado seu d . -~o ' ain a massas proletárias). po er de mtstif¡ca~ao das
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Ibid., p. 866.
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A ESTRAT~GfA S
OCIAliSTA NO •ociOENTE•
tada.t6 Segundo as recorda~oes de Bruno Tosin, que conviveu com Gramsci no cárcere de Túri, entre 1930 e 1931, esse último nao partilhava o juízo da IC sobre a situa~ao italiana: nao acreditava tratar-se de urna situa~ao revolucionária, cujo desenlace devesse necessariamente conduzir a urna insurrei~ao proietária. Tampouco lhe parecia correto afrrmar que os partidos burgueses ou reformistas da oposi~ao antifascista estivessem se preparando para urna convergencia com o regitne mussoliniano, como era afirmado pela dice~ao do PCI. Em sua opiniao, havia certamente uro descontentamento ruante do fascismo, particularmente entre os operários, os camponeses e as camadas médias; mas esse descontentatnento embora se expressasse claramente em posi~oes contrárias a monarquia, identifi.. , cada com o fascismo e com a opressao estava longe de conduzir a urna posi~ao inequivocamente socialista, favorável a ~ ditadura do proletariado. Tudo indicava que, levando em conta esse descontentamento, os partidos liberal-democráticos e re-_ fortnistas acentuariam sua oposi~o a Mussolini (ao invés de convergirem como fascismo), o que tornava verossímil a possi- :.. bilidade de substitui~ao do fascismo por um regime liberal-~ democrático.t7 Gramsci, assim, mostrava-se fiel nao apenas -a realidade objetiva, mas também a sua antiga concep~ao: tud~ = fazia prever urna fase intertne
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O mesmo ocorreu com outro importa'lte dirigente comunista presot Umberto Terracioi, antigo companheiro de Gramsci na época do L'OrdÍJil_ Nuovo semanal. O próprio Terracini narrou suas experiencias desse perí~~ .: referindo-se também ao isolamento a que Gramsci foi submetido no cán:~ por seus companheiros de partido, por ca usa de suas divergencias,} tt Intervista sul comunismo difficile, Bári, Laterza, 1978, pp. 81-131. 17 Bruno Tosin, Con Gramsci, Roma, Riuniti, 1976, pp. 93-106. . 16
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!bida.' p. 98 .
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A ESTRAT~GIA SOCIAliSTA NO ·ociOENTf•
comunicar na época a dire~ao do Partido as posi~ües do dirigente preso: "O primeiro o através do qual é preciso conduzir esses estratos sociais [camponeses, pequenos-burgueses] consiste em fazer com que se pronunciem sobre o problema institucional e constitucional. A inutilidade da Coroa é atualmente compreendida por todos os trabalhadores, inclusive pelos companheiros mais atrasados da Basilicata e da Sardenha., A luta pela Constituinte aparece como a oportunidade nao apenas de promover urna alian~a com outras for~as, de '•fazer política", mas também de conquistar posi~oes na luta pela hegemonia da classe operária. "Por isso, a tática do Partido continua Gramsci, ainda segundo o relatório de Lisa deve se centrar nesse objetivo, sem temor de parecer pouco revolu .. cionário. Deve fazer sua, antes dos demais partidos em luta contra o fascismo, a palavra de ordem da 'Constituinte', nao como fim, mas como meio. A 'Constituinte, representa a forma de organiza~ao no seio da qual podem ser colocadas as reivindica~oes mais sentidas da classe operária tra balhadora; no seio da qual pode e deve se explicitar, através de representantes próprios, a a~ao do Partido, que deve ter como meta des mistificar todos os programas de reforma pacífica, demonstrando a classe trabalhadora italiana como a única solu~ao possível na Itália reside na revolu~ao proletária." 19 A importancia de urna Constituinte enquanto etapa na "guerra de posi~ao" pelo socialismo é urna convic~ao que acompanhará Gramsci por Athos Lisa, Memorie, Milao, Feltrinelli, 1974, pp. ~2-95. Urna naua~i{) detalhada e objetiva das difíceis rela~oes entre Gramsci e o PCI no período do cárcere está em Paolo Spriano, Gramsci in carcere e il Partito, Roma, Riuniti, 1977. A documenta~ao apresentada por Spriano poe por terra as afinna~óes levianas de Ñ!aria-Antonietta ~lacciocchi (Pour Gramsci, Paris, Seuil, 1274, pp. 40 e ss. ), segundo as quais Gramsci teria sido expulso e até mesmo perse- _ guido pelo PCI. Escrito com a extra vagante inten~ao de "provar" que :: _~ Gramsci é o "Mao do Ocidente", o livro de Macciocchi é, no geral, um boro =-=-_ exemplo de falta de seriedade intelectual. ~ 19
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todo_ o período carcerário: ainda em 1935, ele pede a seu amigo P1ero Sraffa que transmita ao Partido a mesma recomenda~iio, lembrando que a Constituinte é a forma italiana da "frente pop~lar" proposta no VIT Congresso da IC, quando finalmente e abandonada a estratégia esquerdista anterior.20 Mas niio s~ deve atribuir a Gramsci o que é de seus sucessores, em particular de Togliatti. É cerro que Gramsci em seu período carcerário, niio tinha dessa fase intermediária ' desse "período de transi~iio" democrático a visiio ampla e articulada que, sobretudo a partir de 1944, depois das experiencias das "frentes populares" e da coaliziio dos países democráticos c~ntra o ~az¡~fascismo, irá aparecer nas formula~Oes que Pal~ro To~Iatti e Eu?erúo Curi~l, entre outros, deram ao conceJtO ~~ democ~acta progress1va": ou seja, de um regime democratic? republicano que, gra~as a articula~ao dialética entre os orgamsmos tradicionais de_rep!esenta~iio democrática (parlamentos, etc.) e os novos mst1tutos de democracia direta (cons~lhos de fá~rica, de bairro, etc.), permite o avan\o progress:vo no sentido de transforma\oes sociais e económicas pro~das, ~ conquista permanente de posi~Oes no rumo do soc1a_h~mo. ~os_ que nos perguntam que república queremos diz1a ToghattJ em 1945 , respondemos sem hesita\Oes: queremos urna ~e~ública democrática dos trabalhadores, quer~mos urna repubhca que se conserve no atnbito da democraCia e na qual t~das as reformas de conteúdo social sejam realizadas no respe1to ao método democrático. "21 Na formula~o 20
Cf. Spriano, Storia del PCI, II, cit., p. 285.
Palmiro Toglia~ "Rapporto al V Congresso del PCI" in Id. Opere scelte' Rom~, Ri uniti, · · 197~' P,P· 440-441. É interessante observar ' que,' embo21
ra o~ C~dernos de Gramsct so tenham come~ado a ser publicados em 1948 Togliattt que, a¡·ras, ' rOI ~ · um dos orgaruzadores · ' de sua primeira edi~o ·, tomara _contara_direto com os mesmos em 1938, um ano após a morte G~amsa. Sobre tsso, d. o documentado ensaio de Giuseppe Vacca "Togliatti edltore delle 'Lettere' e dei 'Quademi del carcere'", in Id., Tog/ia~i sconosciuto, Roma, Unita, 1994, pp. 123-169.
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GRAMSCt: UM ESTUOO SOBRE SEU 9ENSAMENTO POLITICO
de Togliatti, portanto, a democracia política perde seu ~;ráter de etapa a ser cumprida e abandonada no momento do assalto a o poder", no pretenso "grande dia", para ganhar a característica de uro conjunto de conquistas a serem conservadas e elevadas a nível superior ou seja, dialeticamente superadas . . - na democracia socialista. Essa coropreensáo de urna transi¡;áo para o soctahs~o através da consolida¡;áo e do aprofundamento ~a dem~racta política aparece também clara~ente ero Euger:to Cunel, um jovem comunista italiano assassmado pelos fasctstas ero 1945, durante a Resistencia. Ero apontamentos que datam de mar~o 'oril de 1944 Curiel além de definir corretamente a ou a ' d ~ . relac;áo entre luta pela hegemonía e avanc;o emocra~co para socialismo formula também urna nova concep~ao so~re 0 as formas da ruptura revolucionária nos países "octdentats": "A democracia progressiva nao significa apenas urna etapa, urna fase a qual se chega e na qual se fica por alguro t~mpo a fim de retomar folego para seguir adiante: a de~ocrac1a progressiva é a formulac;áo P?lí~ic~ do processo soctal _da revolu· c;áo permanente. (... ) A eX1stenc1a de urna democr~cta progres· siva é condicionada pelo contínuo progresso soctal, por urna participaiiáo popular cada vez mais decisiva no gove~o, pela hegemonía cada vez mais madura da classe operana. (.:.} Remeter-se necessariamente as formas que a ruptura as~unuu na URSS é uro critério historicamente falso. As modahdad:s da ruptura assumem formas diversas a depender do pats. Podem assumir., ero certos casos, a forma de uma tran_sforma· yáo qualitativa diluída."22 Come¡;avam assim a assu_nnr tra~os concretos, já na época da Resistencia, as formulac;oes ~rams· cianas sobre a transil;áo no "Ocide11te" · Ponto culmmante nessa concretiza¡;iio é o Vlli Congresso do PCI (1956), quando 22 Eugenio
Curiel Scritti 1935-1945, Roma, Riuniti, 1973, vol. 2, PP: 7
4 5
·~ ·
Ao contrárío de Togliatti, Curiel certamente desconhecia os manuscntos os
Cadernos.
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ganha urna forma plenamente explicitada a proposta de urna "via italiana para o socialismo". Comentando-a, observa Amendola: "A estratégia de avan~o democrático para o socialismo num país de capitalismo desenvolvido, elaborada explícitamente após o VIII Congresso (1956), mas seguida de fato desde a fortna~ao em 1944 do 'partido novo', exclui a hipótese de urna crise revolucionária que se desenvolva, segundo as indica~oes fornecidas com base na experiencia soviética, até a conclusao da conquista do poder por meio de urna insurrei~ao armada. A transforma\ao do poder num sistema de capitalismo monopolista de Estado impoe classe operária outros e diferentes caminhos de o dire\ao do Estado. A conquista do poder nao pode se realizar através de um ou mais fatos ' concentrados no tempo e no espa~o, corno numa tragédia clássica, mas se realiza nurn processo multiforme e prolongado de transforma~ao revolucionária da sociedade. "23 As formula~oes de Gramsci sobre o papel de urna Constituinte na transi~ao entre fascismo e socialismo já indicam certamente urna tentativa, ainda que tímida e insuficiente, de concretizar taticamente suas notáveis descobertas estratégicas. Caberia porém aos herdeiros de Gramsci, que trabalharam e trabalham em condi~oes históricas mais favoráveis, transformar as indica~oes do grande marxista sardo num conjunto consistente e articulado de formula~oes políticas e ideológicas concretas. Mas a novidade dessas fortnula~6es24 nao pode e
a
a
Giorgio Amendola, "la crisi della societa italiana e il Partito comunista" , in Id., Gli anni della Repubblica, Roma, Riuniti, 1976, pp. 115-116. 24 Urna dessas navidades é a concretiza~ao do conceito de hegemonía mediante sua articula\aO com o pluralismo: ~Falamos hoje de hegemonía e de pluralismo. Diria de modo mais preciso: hegemonia da classe operária no pluralismo; batalha por urna hegemonia operária que se explicite no pluralismo. É uma fórmula que nao se limita a indicar uma direc;ao da classe operária fundada no consenso; é urna fónnula que já alude a urna precisa forma política e estatal de éonsenso" (Pietro Ingrao, "Perché il dibattito su Gramsci", cit., p. 240). 23
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GRAMSCJ: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POL r TICO
nao deve fazer esquecer seu profundo vínculo de continuidade dialética com as reflexoes carcerárias de Gramsci. Ingrao, um dos mais lúcidos dirigentes comunistas italianos, observa corretamente: "Nossa atual referencia a Gramsci nao é un1 fato filológico, nem tampouco um rito litúrgico. É o encontro com a pesquisa teórica maís avan~ada que foi feita, depois das derrotas proletárias e populares dos anos 20, no movimento ope. . rário mundial e, em particular, no arco das for~as que se vin.. culavam Terceira Internacional." 25 Por isso, tinha plena razao o marxista austríaco Franz Marek quando disse: "Nao eremos cometer um erro quando afirmamos que a grandeza e a influencia do Partido Comunjsta Italiano se devem, e nao em último lugar, ao fato de que ele foi modelado e marcado pelo espírito de Gramsci. ''26 E mesmo boje, quando já nao mais existe o PCI, permanece válida a sugestao de que a modernidade e o poder de incidencia de um partido socialista depen- dem em notável medida de sua capacidade de assimilar criadoramente os elementos universais contidos na teoria política -
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gramsc1ana. •
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Ibid., p. 241. Sobre a rela~ao entre Gramsci e seus herdeiros italianos, cf._ ~
também o ensaio de Biagio De Giovanni, "Gramsci e l'elaborazione successiva ~"" del Partito Comunista", cit., pp. 55-81. · 26 Franz Marek, "Gramsci e il movimento operaio dell'Europa • Occidentale'\ in Vários Autores~ Prassi rivoluzionaria e storicismo m Gramsd, cit., p. 207. •
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CAPfruLo vu
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O partido como "intelectual coletivo"
GRAMSCI: UM ESTUCO SOBRE SEU ~ENSAMENTO POLITICO
A teoría do partido político da classe operária cuja assimila~ao, como vimos, foi un1 dos pontos essenciais do aprendizado de Gran1sci no período anterior ao cárcere ocupa igualmente uro lugar de destaque na estrutura dos Cadernos. Gramsci pretendía, inclusive, dedicar-lhe um estudo específico, sob a inspira~ao de O príncipe de Maquiavel o qual deveria sistematizar os tra~os distintivos do partido revolucionário moderno, do partido comunista, que Gramsci designa pelo nome de "modet-no Príncipe". Primeira novidade, em compara~ao coma pesquisa de Maquiavel, é que o "moderno Príncipe" o agente da vontade coletiva transformadoranao pode mais ser encarnado por um indivíduo. Nas sociedades modernas, mais complexas, cabe a um organismo social o desempenho das fun~óes que Maquiavel ainda atribuía a urna pessoa singular. E Gramsci, como materialista, nao pretende "inventar'' esse organismo, pois ele "já foi dado pelo desenvolvimento histórico e é o partido político" ,t ou seja, um dos_ elementos mais característicos da rede de organiza~oes que _~forma a moderna sociedade civil. ~ O vínculo de dependencia entre as formula~oes gramscianas sobre o "moderno Príncipe" e a teoría do partido em Lenin é bastante evidente.2 Talvez seja esse um dos tópicos concretos da teoria política onde, apesar de importantes difeQuaderni, p. 1558. . 2 Cf., sobre isso, Palmiro Togliatti, "Il leninismo nel penstero ~ _ nell'azione di A. Gramsci" e "Gramsci e illeninismo", ambos in Id., Gramsa, 1
renc;as de enfase, é menos marcada a capacidade renovadora de Gramsci em rela~ao a heranc;a de Lenin. (Essa renova~ao necessária aparecerá mais claramente nas formula~oes de Togliatti sobre o "partido novo", apresentadas sobretudo, em estreita rela~ao com o conceito de "democracia progressiva ", a partir de 1944).3 O primeiro ponto de continuidade entre Gramsci e Lenin se revela na própria fun~ao que ambos atribuem ao partido em sua rela~ao com a classe. Todo leitor do Que fazer? se recorda dos elementos básicos, universais, nao específicamente "russos", da concep~ao leniniana do partido. Entre tais elementos de alcance universal, destaca-se a compreensao por Lenin de que a tarefa básica do partido operário, do partido da revoluc;ao socialista, é a de contribuir para superar na classe operária urna consciencia puramente tradeunionista, sindicalista; isso implica fornecer os elementos teóricos e organizativos para que essa consciencia possa se elevar ao nivel da consciencia de classe, isto é, ao nível da totalidade, da compreensao nao de urna conflitualidade imediata entre patroes e operários na luta pela fixac;ao do salário {urna luta que nao poe em discussao a própria rela~ao capitalista do salariado), mas sim dos vínculos políticos globais da classe operária com as demais classes da sociedade, antagonicas, aliadas ou potencialmente aliadas. Só situando-se nesse nível, gra~as amedia~ao do partido, a classe operária pode enfrentar diretamente a questao do Estado, a questao do poder.4 Roma, Riuniti, 1967, pp. 135-155 e 157-182. Apesar do interesse desses trabalhos de Togliatti, cabe ressaltar que eles sublinham excessivamente o momento da continuidade entre Gramsci e Lenin, deixando na sombra o decisivo momento da renova<;ao. 3 Uma exposi~o sintética dos conceitos togliattianos de "democracia progressjva" e de "partido novo" está em C. N. Coutinho, "lntrodu9áo a Togliatti", in Id., A democracia como valor universal, dr., pp. 97-110. Para urna análise mais ampla e detalhada, d. Donald Sassoon, Togliatti e la via italiana al socialismo, cit. 4 V.l. Lenin, Que fazer?, in Id., Obras esco/hidas, cit., voL 1, pp. 412 e ss.
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O PARTIDO COMO •INTELECTUAL COLETIVO•
Traduzindo na linguagem peculiar de Gramsci, a tarefa do "moderno Príncipe" consistiría em superar os resíduos corporativistas (os momentos "egoístico-ionais"} da classe operária e ·c ontribuir para a forma~ao de utna vontade coletiva nacional-popular, ou seja, de utn grau de consciencia capaz de permitir urna iniciativa política que englobe a totalidade dos estratos sociais de urna na~ao, capaz de incidir sobre a universatidade diferenciada do conjunto das rela~oes sociais. O partido, assim, aparece como urna objetivac;ao fundamental do que Gramsci chama de ''momento catártico"; nao é casual, por exemplo, que ele afirme explícitamente que, "nos partidos, a necessidade se torna liberdade" .s O partido, portanto, nao é um organismo corporativo "um comerciante nao entra num partido político para fazer comércio, nem um industrial para produzir mais" ,6 etc. , mas sim um organismo "catártico", universalizante: "No partido político, os elementos de um grupo social económico superam esse momento [corporativo, egoístico-ional] de seu desenvolvimento histórico e se tornam agentes de atividades gerais, de caráter nacional e internacional". 7 E se o partido, enquanto organismo coletivo, representa a eleva~ao de urna parte da classe, de sua vanguarda, da fase económico-corporativa a fase política, •
da particularidade a universalidade, da necessidade a liberdade, é natural que urna mesma eleva~ao ainda que em diferentes níveis ocorra também em cada um de seus membros individuais. Em outras palavras: nao só o partido como tal é uma objetiva~ao do "momento catártico", urna sua fixa<;ao estrutural, como cada pessoa singular ao ingressar no partido realiza total o u parcialmente esse "momento'', ca pacitanda-se a atuar de modo mais livre e mais consciente na sociedade em que vive. 5 Quaderni,
p. 919. 6 lbid., p. 1518. 7 lbíd., p. 1519.
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GRAMSCf: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICO
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e esses orgarusmos e mstitutos gra~as media~ao do partido tomam-se as articula~Oes do corpo unitário do novo "bloco histórico~'· ~Ainda nao há em Gramsci a idéia explícita ~e qu~ essa ~e-~Ia~ao possa ser realizada por mais de um parodo· e urna 1de ' " ' . 1a que so tomara corpo na elabora~ao teórica ~e seus h~rderros, em particular na teoria togliattiana da democracia progressiva" .)
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central do partido comunista, de resto, já havia sido indicada por Marx e Engels, etn 1848: "Os comunistas só se distinguem dos outros. partidos operários e m dois pontos: 1} nas diversas lutas nacionais ~os prolerários, destacam e fazem prevalecer os interesses comuns do proletana· do, independentemente da nacionalidade; 2) nas diferentes fases por quepas· sa a lnta entre burgueses e proletários, representam, sempre e em toda parte, os interesses do movimento em seu con;unto" (Marx e Engels, Manifestado Partido Comunista, i1z. Marx-Engels, Obras escolhidas, cit., vol. 1, p. 36). 8 Essa característica
particul~es da c!a.sse .op~rária (sindicatos, etc.), mas também em fun~ao dos . vanos .mstitutos das demais classes subalternas·,
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Por conseguinte, assim como, em Lerun, a expertencta tme.diata do conflito entre patroes e operários, sendo resultado de urna práxis particularista e repetitiva, leva apenas a urna consciencia limitada, "sindicalista", também em Gramsci a fixa\ao no momento econormco-corporanvo mantem a consctenc1a no nivel da ividade, da impotencia objetiva em face da necessidade social. A explicita~ao e o conflito en~e interesses corporativos leva, em última instancia, areprodu~ao da forma~ao económico-social existente. Somente a agem para o mo. mento "ético-político" para o que Lenin chama de "cons.. ciencia que vem de fora" (de fora da práxis económica, nao de fora da ampla práxis totalizante que envolve o conjunto da sociedade) , tao-somente essa agem permite ao proletariado superar suas divisoes corporativas e tornar-se classe nacional, dirigente, hegemonica.s Para Gramsci, a possibilida.. de de tornar-se classe hegemónica encama-se precisamente na capacidade de elaborar de modo homogeneo e sistemático urna vontade coletiva nacional-popular; e só quando se fonna essa vontade coletiva é que se pode construir e cimentar um novo "bloco histórico" revolucionário, em cujo seio a classe operária (liberta de corporativismos) assuma o papel de classe dirigente. A constru~ao homogenea dessa vontade coletiva é obra prioritária, segundo Gramsci, do partido político: aparece, assim~ com clareza, o papel de síntese, de media~o, que o panido assume, nao apenas em fun~ao dos vários organismos A
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. Emb_ora Gramsci "flerte" em alguns momentos com a termmoiogia de Georges Sorel, nao se deve de modo algum supor que. e~e .conceba a forma~cio dessa vontade coletiva de modo s~b~~tiVIsta, voluntarista, como simples constru\iiO de urna "tdeia-forra" o d " · " Y u e um nuto que movesse a classe, mas sem nada ter ~ ver c~m a realidade objetiva concreta (como é o caso do IDJto da greve geral" em Sorel).9 Essa vontade coletiva é concebida por Gramsci como "consciencia operosa da necessidade históri·ca" , lO o u SeJa, · como a necess1'da de elevada a consciencia e convertida em práxis transformadora. E, dado que urna vontade coletiva só pode ser suscitada e desenvolvida quand~ existem condi~Oes objetivas para tanto, o partido tem de .realiZar " urna ana"lise histortca ' · (econótnica) da estrutura 11 soctal d_o. país dado" como condi~ao para elaborar urna li'
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- nesse sentid~ que devem ser lidas as in1portantes observa~oes de Gramsc1 sobre Espontaneidade e direfiío consciente. u Nelas, Gramsci coloca-se certamente contra o fetichismo da espontaneidade, criticando os que recusam ou minimizam a Para as rela~oes entre Gramsci e Sorel, cf. Nicola Badaloni JI tnarxismo di Gramsci, T urirn, Eina udi, 197S. ' 10 Quaderni, p. 815. u lbid., p. 816. 12 lbid., pp. 328-332. 9
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GRAMSCI: UM ESTUOO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICO O PARTfDO COMO •INTELECTUAL COLETIVQ•
luta persistente e cotidiana para dar aos movimentos espantaneos urna direc;ao consciente, ou seja, urna síntese políticointelectual que supere os elementos de corporativismo e trans.. forme tais movimentos em algo homogeneo, universalizante, capaz de a~ao eficaz e duradoura . Mas ele tampouco ere que a vontade coletiva possa ser suscitada apenas "pelo alto", por um ato arbitrário do partido, sem levar em conta "os sentimentos 'espontaneos' das massas" .13 Esses sen timen tos prossegue ele devem ser educados, purificados, orientados, mas nunca ignorados. "Essa unidade da 'espontaneidade' com a 'dire~ao consciente' (o u seja, com a 'disciplina') é precisamente a a~ao política real das classes subalternas, enquanto política de massa e nao simples aventura de grupos que dizem representar as massas . " 14 E nao é preciso insistir no fato de que a luta por essa unidade entre movimento de massa e dire<;ao consciente, esse momento de síntese "disciplinadora" e de mediafao político-universal, é a tarefa central do partido: de um partido que Gramsci concebe já como partido de massas, e nao como seita doutrinária e aventureirista. Superando o sectaristno doutrinário de Bordiga (contra quem as observa~6es acima parecem ter sido dirigidas), mas também o espontaneísmo de Sorel ou de Rosa Luxemburgo, Gramsci reencontraaquí a carreta dialética entre objetividade e subjetividade, en- · tre espontaneidade e consciencia, que está na base do núcleo_ nao "datado" da teoria leniniana do partido. L~:-~~. A forma~ao de uma vontade coletiva liga-se organicamente~~ ao que Gramsci chama, repetidas vezes, de "reforma intelec:~ .,_-,r tual e moral". O partido nao !uta apenas por urna renova~ó ~ política, económica e social, mas também por urna revolu~aó~: cultural, pela cria~ao e desenvolvimento de urna nova cultur~~ · "O moderno Príncipe diz Gramsci de verá e nao poder~:;:-
deixar de ser o pregador e organizador de urna reforma intelectual e mora_l, o que significa, de resto, criar o terreno para um desenvolvun~nto ulterior da vontade coletiva nacionalpopular ~o. ~ent~do da realiza~ao de urna forma superior e total de C1v1hza~ao moderna. "15 Gramsci retoma aq · ,_ 1 · . w, em ru ve superior, suas anttgas preocupa~oes juvenis com 0 trabalho cultural, com a batalha das idéias. Como poucos marxistas de seu tempo, ele compreende plenamente o valor da indica\iiO de Engels e de Lenin, segundo a qual a &ente cultural juntamente com a frente económica e a frente política constitui um terreno decisivo na Juta das classes subalternas. Mas essa continuidade com os "clássicos" nao deve ocultar o elemento de novidade, pelo menos quanto a enf . ~ · d ase . se a estrate~a e transi~iio para o socialismo no "Ocidente" implica um Intenso esforc;o pela conquista da hegemoru·a d . _ , o consenso e da d1rec;ao político-ideológica já antes da tomada d~ poder, e_ntao a batalha cultura] momento fundamental da agrega~ao do consenso adquire urna importancia decisiva. Sem urna no~a cultura, as classes subalternas continuarao sofrendo tvamente a hegemonía das velhas cJasses dominantes e nao. dpoderao se elevar a condirao de classes dir. ~ ~ tgen tes. Gramsc1 lZ sempre que a direrao política e" t b, · _ lim' 1m ~ am em e me tnave ente dire~ao ideológica: lutando pela difusao de massa de ~ma ~ova cultura ou seja, de urna cultura que recolha e smtettze os momentos mais elevados da cultura do ado, ~ue una a profundidade intelectual do Renascimento com o"' c~at~r popu__lar : de massa da Reforma 16 , 0 "moderno Prmc1pe estara cnando as condi~Oes para a hegemonía
, ;.F_-
13
~oes
Ibid., p. 325. 14 !bid.
15
pelo socialismo .
lbid., p. 1560. 16 Ibid., p. 1860.
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GRAMSCI: UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLfTICO
Mais ainda: como a construr;iio plena da nova so~iedade "regulada" o u comunista implica em Gramsci, como VIID?s, o fim da divisao entre governantes e governados, ou seJ.a, a absor~áo do Estado-coer~iio pelos me~~u_Usn:os consensuats da sociedade civil, é imprescindível suprlffilr n~o apenas a a~r?" eliminar a apropria~ao priva o u e 1t1sta o mas tam b em ,. fi . . di · . . saber e da cultura. Só assim será possível por m a v1sao entre "intelectuais" e "pessoas simples" e, desse mo~o, suprimir a apropria~ao grupísta (burocrática), dos ~ecamsmos de "reforma intelectual e moral , entao, revela um po der.. A . _ , . . segundo aspecto: se ela é cond1~a? n~cess:rta. para ~ ~onqwsta da hegemonía nas sociedades capitalistas octdentats c~mplexas, é igualmente elemento decisivo na. ba~a~ha, pelo fu~ ?a "estatolatria" ou do "governo dos func10nanos no soctahsmo ou seja, é decisiva na luta pela dissolu~á.o do Estadocoe~~áo e pela conseqüente cria~áo do "autogoverno dos pro- ..
dutores associados".
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Esse lugar decisivo que a "reforma mtelectual e moral ocupa na reflexá.o de Gramsci :ai determin_ar o destacado papel ·. que ele atribuí aos intelectuais na forma~ao e na construc;ao doc~ parti.do político. "Todos os membros ~e ~ pa:ttdo dev:m ser e considerados intelectuais", diz Gramsct; e tsso nao ~lo ruvel ~e . sua erudi~o, mas pela funfáo que e:cer~em por ~e1o do p~rtl-/ do, fun~iio "que é dirigente e orgaruzanva, ou se) a, educanva; · isto é, intelectual".17 Por isso, interpretando adeq~adamente Q·~~~, operária como "intelectual c~let1vo .1,8 ~as, . se examll_larmos a. '•
para nosso autor, também o intelectual tem fun~oes similares as de um partido político. Esse estreito vínculo entre a fun~o intelectual e á fun~ao político-partidária levou o estudioso s Jean-Marc Piotte a observar corretamente: "O partido corresponde tao bem a n~ao de intelectual que se poderia crer que Gramsci definiu o intelectual em rela~ao ao partido e pensando no partido. O estudo do partido, portanto, seria a melhor maneira de compreender a no~ao de intelectual. "19 Existem segundo Gramsci dois tipos principais de intelectual. Em primeiro lugar, ternos o "intelectual organico", que surge em estreita liga~ao com a emergencia de urna classe social determinante no modo de produ~ao económico, e cuja fun~ao é dar homogeneidade e consciencia a essa classe, "nao apenas no campo economico, mas também no social e no político"; e, em segundo, ternos os "intelectuais tradicionais ", que - tendo sido no ado urna categoria de intelectuais organicos de dada classe (por exemplo, os padres em rela<;ao a nobreza feudal) formam hoje, depois do desaparecimento daquela classe, urna camada relativamente autónoma e independente.20 O que importa ressaltar aqui é que ambos os tipos exercem objetivamente fun~oes análogas a do partido político: eles dao forma homogenea a consciencia da classe a que estao organicamente ligados (ou, no caso dos intelectuais "tradicionais", as classes a que dao sua adesao) e, desse modo, preparam a hegemonia dessa classe sobre o conjunto dos seus aHa-
19 Jean-lv!arc Piotte, La
pensée politique de Gramsci, Paris, Anthropos, 1970,
p. 71.
ná.o seja exagerado inverter a afmna¡;ao de Togbatu e dlzer qu '.. ~
11Jbid., p. 1523. . u~ . oedi -~18 Cf., por exemplo, Togliatti, "Il leninismo nel pens1ero ene wo ~ _.. ,. . .
Gramsci", cit., p. 151.
Quaderni, p. 1519. Portanto, é um erro grosseiro
infelizmente muito comum entre os que conhecem Gramsci de segunda mao identificar "intelectual organico" com "revolucionário,. e "intelectual tradicional" com "conservador" ou "reacionário". A burguesi_a tem seus intelecruais "orginicos", assim como há intelectuaís "tradicionais" {por exemplo, padres o u professores) ligados as lutas do proletariado. 20
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dos. Sao, em suma, agentes da consolida~ao de urna vontade lectu~is italianos ao contrário, por exemplo, dos ses coletiva, de um "bloco histórico". - nao foram capazes de desempenhar adequadamente a funAssim, já em seu ensaio de 1926 sobre a "questao meridio~áo de construtores de urna vontade coletiva hegemónica.24 nal", Gramsci mostrava como a hegemonía dos latifundiários . Mas, ~omo vimos, se todos os membros de um partido sao sobre os camponeses do Sul se dava nao através de um partido mtelecturus, nem todos o sao no mesmo nível. E é sobre essa político, mas sim da camada dos intelectuais rurais médios, os diferen~a de nivel que Gramsci constrói sua conhecida teoría quais dirigidos ideologicamente por Croce e por Giuseppe da estrutttra interna, organiza ti va, do "moderno Príncipe". Fortunato agregavam os camponeses atomizados e os Essa estrutura deve se hasear em "tres grupos de elementos'': subordinavam aos interesses do bloco histórico industrial1) urn estrato de "homens comuns, médios" caracterizados agrário que dominava a Itália da época. "O campones merimais "pela disciplina e fidelidade" do que "pel~ espírito criatidional observava Gramsci é ligado ao grande proprietávo"; ~} um es~a~o coesivo principal, que organiza e centraliza, rio rural através do intelectual. "21 E, nos Cademos, nao serao ou seJa, que drrtge o partido; 3) e um estrato intermediário poucos os locais onde ele indica como grandes intelectuais que serve de liga~iio entre os dois outros, apresentando tra~o~ individuais (ou grupos de intelectuais agrupados em revistas, de um e de outro.25 (De agem, cabe advertir que Gramsci jornais, etc.) exercem freqüentemente a fun~ao de partidos nao concebe essa diferen<;a, ao modo da "teoria das elites" de políticos. É assim, por exemplo, que ele se refere ao "partido Mosca ou de Pareto, contra os quais polemiza como urna constituído por urna elite de homens de cultura, que tem a fundivisao "eterna" entre indivíduos superiores e i~eriores· ele , "' ' ~ao de dirigir, do ponto de vista da cultura, da ideologia, um nao so preve urna grande mobilidade interna no partido, mas grande número de partidos afins";22 ou quando afirma que ,a l?ng? prazo ere que seja tarefa do partido eliminar a "um jornal (ou usn grupo de jornais), urna revista {ou um propr1a diferen~a, assim como o comunismo deverá eliminar grupo de revistas), sao também 'partidos', ou 'fra~oes de _ _ a_ difere~~a entre governantes e governados, no processo de partidos"' .23 E Gramsci chega mesmo a supor que foi o caráter ~ dissolu~_ao do Estado nas organiza~Oes da "sociedade civil".) cosmopolita dos intelectuais italianos (o fato de serem intelec- _:--< Gramsc1, de certo modo, concentra sua aten~iio no segundo estrato, no que ele chama de estrato dos "capitáes": só com tuais organicos de urna for~a nao nacional-popular; o u seja, a .--,~<--= como "é Igreja Católica) urna das causas principais da tardia unifica~áo;-~--~~ el~, d~c.erto, niio existiría um partido; poré~ nacional italiana; os intelectuais, desvinculados do povo-na~o _ ~- · ma1s facil formar um exército do que formar capitiies" ,26 é a nao foram capazes de dar expressao coerente a consciencia da _-~~ 24 classe burguesa e de torná-la elemento hegemónico na a~ao de~-' ~:2~- · E, recíprocamente; quando surge o partido político moderno, ele a a um bloca histórico anticosmopolita. Em suma: numa época em _-~-~ ~r, para Gramsci, urna das principais fontes de cria~o de intelectuais orgaque ainda nao existiam os partidos políticos de massa, os inte-,:--i~. rucos: "Deve-se sublinhar a importancia que tem os partidos políticos, no . :nundo moderno, na elabora~ao e difusao das concep~ñes do mundo (... ). Por 21
-~~o, pode-se dizer que os partidos sao os elaboradores das novas intelectua-
Gramsci, "Alcuni temi della quisrione meridionale", in C, p. 152. 22
lidades integrais e totalitárias" (Quaderni, p. 1387). 25 lbid., p. 1733. 26Jb"d . t ., pp. 1733-1734.
Quaderni, p. 877.
n Ibid.
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partir desse estrato que um partido poütico d~ ~assas pode se estruturar. Parece-me evidente que, ao redigtr essas notas, Gramsci pensava na experiencia de seu partido durante os anos da repressáo fascista: a manuten¡;iio de ~ estrat~ _de "capitaes" dotado de coesiio orginica e de umdade política era a condi~iio prévia para transformar o PCI nu~ grande partido de massas, táo logo fosse possí~el . co~ ? flm do fascismo e da repressáo reagrupar o exercrto de fihados. Na medida em que Grarosci (como Lenin) concebe o partido de vanguarda da classe operária como um tod~ coeso e estruturado e nao como urna agrega<;iio amorfa de mteresses ' ' d , . corporativos; e na medida em que só quan o e assJ.-tn coe~o e estruturado é que o partido operário pode se tornar organizador e expressiio de urna vontade coletiva, é compreensível que Gramsci conceda um privilégio orginico ao estrato dos "capitiies" ao núcleo dirigente. Mas o fato é que Gramsci n3.o deix; de observar os riscos de que um partido centralizado perca o caráter democrático de seu c~ntralismo e ~~su~a, ao contrário, os tra¡;os de um "centralismo burocrattco . _Um partido coeso e centralizado é democrático, pensa G:amsct, 1) quando se dá urna circula<;iio permanente entre os tres es~atos _ em seu interior· 2) quando sua fun¡;iio náo é regresstva e repressiva, cons;rvadora do existente, mas progressista, volta· da para "elevar ao nível da nova legalidade as mass~s atras~- _das", 3) quando nao é u m "mero executante", mas , ~ deli· ' berador" ,27 Todavia, se perde esse caráter democranco, nm partido coeso e centralizado burocratizando-s_e co~;e~e: se num "órgáo de polícia, e se u no me de 'parndo P?lmco e 28 urna pura metáfora de caráter mitológico" . Grams:I, prova· velmente tinha em vista, ao formular essa observa¡;ao, o Par· tido Nacional Fascista; mas niio é de excluir que ele pensasse ·
27
Ibid., p. 1692. 2&
Ibid.
também nos tra~os novos que o Partido Comunista da URSS ia assumíndo depois, sobretudo, da involu~ao stalinista de 1928-192?. Também nesse caso, gra~as a identifica~ao rígida entre p..art1do e Es~ado (criticada, como vimos, por Gramsci) e ao carater represstvo assumido em sua vida interna o PCUS . . ' tornou-se mutto mats um executante do que um deliberador· e
o cencra~smo. democrático, teorizado e quase sempre a plica do por Lenm, fo1 claramente substituído por um centralismo de tipo burocrático-autoritário.29 Ou seja: o PCUS assumiu precisamente os tra~os que Gramsci critica duramente em suas notas. E, se Lenin nao é inteiramente responsável por essa involu~áo, ~ramsci . que enriqueceu a teoria leniniana do partido, mclustve advert1ndo para os riscos autoritários e "policiais" que um par:ido centralizado pode comportar tarnpouco pode ser considerado defensor de urna concep~ao stalinista e totalitária do partido e da sociedade socialista em geral.30 É certo ~ue ele nao formulou de modo claro, nem talvez pudesse faze-lo em seu tempo, urna teoría explícita do pluralismo socialista; também aqui, essa tarefa caberia aos herdeiros de Gramsci, em particular a Togliatti, cuja teoria da "democracia •
2~
Sobre os proc~ssos involutivos e degenerativos sofridos pelo PCUS soba dtta,dura de St~~, cf. o excelente livro de Giuliano Procacci, Il partUo nell Unmne Sovtettca 1917-1945, Bári, Laterza, 1975, sobretudo pp. 101-169. Essa posi~~o insustentável é a pe~a de acusa<;ao da grosseira polemica cont:a Gramsct encetada pelo social-democrata de direita Luciano Pellicani, Gramsci e la questione comunista, Floren~a, Vallecchi, 1976, sobretudo PP· 55 e ss. Ainda que de modo mais sofisticado, urna posi~ao semelhante aparece em Massimo L. Salvadori, "Gramsci e il PCI; due concezioni d~ll'egemon~a '~ e "Gramscí e l'eurocomunismo", ambos in Id., Eurocomu~JSmo e soczalzsmo sovietico, Turim, Einaudi, 197 8, pp. 13-38 e 39-59. Va~ a p~na observar que, alguns anos antes, Salvadori havia escrito um sugesov~ livr~ sobre ?r~sci, no qual se revelava extremamente simpático ao penodo conselh1sta de nosso autor (cf. Id., Gramsci e il problema storico de/la democrazia, E.inaudi, Turim, 1974, im}. 30
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progressíva" implica a clara afirma~ao da possibilidade e, em muitos casos, da necessidade de construir o socialismo com pluralidade de partidos e de movimentos sociais. Mas, na própria concepc;ao de Gramsci em sua teoria do fim do Estado, em su a crítica "estatolatria", em sua recusa de identificar partido e Estado no socialismo, em sua defesa do fonalecimento da sociedade civil depois da tomada do poder, etc. - estao contidos in nuce os fundamentos da supera~ao dialética de alguns aspectos excessivamente "datados" da teoria leniniana {por ele assirnilada) do partido da classe operária. Mais que isso: é o próprio historicismo de Gramsci que o leva a afirmar claramente a necessidade de u1na pertnanente renova~ao da teoría e da prática do partido dos trabalhadores, em consonancia com a renova~ao do próprio real e como condi\ao para desempenhar adequadamente a fun<;ao para a qual tal partido foi criado. "Pod-e-se dizer observa Gramsci que um partido jamais está completo e formado, no sentido de que todo desenvolvimento cría novas tarefas e fun~oes; e no sentido de que, para certo partidos [os partidos da revolu~o socialista], é verdadeiro o paradoxo de que se completam e se formam quando nao existem mais, ou seja, quando sua existencia tornou-se historicamente inútil [porque cumpriram os objetivos para os quais foram criados]." 31
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Quaderni, p. 1732.
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AP~NDICE 1
GRAMSCI : UM ESTUCO SOBRE SEU PENSAMENTO POLiTlCO
nas reflexoes filosófico-políticas de Gramsci a prpblemática da
''vC?ntade" te!!!.J.l~ lugar central, pres~nte em toda a evolu~ ao de -~eu _p_ens~mento, desde a j~~~n~de a_!.é _os Caii~r~os o cárce_re. Na primeira etapa de seu itiñerário intelectual,'aconcep___. . d ~áo gramsctana e " vontad" e apresentava tra~os marcadamente idealistas, na medida em que ele contrapunha de modo radical a "vontade'' e as "determina~óes objetivas", priorizando unilateralmente a primeira. Em 1918, por exemplo, no célebre texto em que defende a revolu<;ao bolchevique até mesroo contra o suposto "positivismo" de Marx, Gramsci formula do seguinte modo a questao da "vontade". "O máximo fator da história nao sao os fatos económicos, brutos, mas o homem, a sociedade dos homens, que se aproximam uns dos outros, entendem-se entre si, desenvolvem através desses contatos (civiliza~ao} urna vontade social, coletiva, e compreendem os fatos económicos, e os julgam, e os adequam a vontade deles, até que essa se torna o motor da economía, a plasmadora da realidade objetiva, a qual vive, e se move, e adquire caráter de matéria telúrica em ebuli~ao, que pode ser dirigida para onde a vontade quiser. "24 Ainda que de modo um pouco for~ado, poderíamos dizer que nesse momento de sua evolu~ao Gramsci estava muito próximo do voluntarismo sub- ~
4. GRAMSO E A HEGEMONlA COMO CONTRATO
, ·do e esquemático esbo<;o da problemática da vontade . b. . . Esse rapt
geral em Rousseau e em Hegel tem aqm um o 1envo prec~so: o de sugerir que, na obra de Gramsci, ~-orre urna r~cep~ao. do que há de mais válido e lúcido na post\ao desses d01s classtcos da filosofia política moderna; mas, ao mesmo tempo, de que . h' b'm nessa obra fecundas indica\Oes acerca do modo . a tam e · di ' pelo qual superar os limites e as aporías do~ mesmos, .m ca~Oes que estáo contidas, sobretudo, no conce1to gramsctano de hegemonía. b Contudo, antes de falar de hegemonía, cabe lembrar ~e- como em Rousseau· e em Hegel tambem vemente que
k
jetivista que antes criticamos na reflexáo de Rousseau. A "vontade coletiva ou social" ainda lhe parece capaz de ser o \ "motor da economía" e de "plasmar a realidade objetiva".~ Já nas reflexoes da maturidade, contidas nos Cadernos, Gramsci sem abandonar a importancia que atribui avontade como momento constitutivo do que entao chama de "filosofia da práxis" assume, ao contrário, urna outra posi~ao, bem mais mediatizada. Vejamos, como um exemplo entre
0 jovem Marx já havia corretamente criticado esse aspecto "fatalista" da . filosofía política hegeliana: "Mas náo é verdade que no o segundo Hegel, é a presen¡;a suprema da liberdaJ_e ~ a . exlste~cla da ra autoconsciente o que govema náo é a lei, a exlstenclll da hberdadEse, m~s .dad l) r ] H gel busca sempre a presentar o ta~o siro a cega necessl e narura . ~··· e . difíceis como a realizac;áo do espírito livre; mas, re vera, ele d~olve tod~s ~a liber- . colisóes por meio de urna necessidade natural, que esta em opost~ . · articular para o mteres-dade. Com isso, até mesmo a agem do mteresse P . ~ -: se geral niio é urna lei consciente do Estado, mas alg? med¡ad~ pelfi a: -~ algo que se realiza contra a consciéncia" (Jivlarx, Crztlca della filoso a eg , ~.
23
~t~do_
q:~
24
Gramsci, "La rivoluzione contro 'll Capitale",, in Scritti giovanili 19141918, Turim, Einaudi~ 1958, p. 150. Sobre as tendencias idealistas do jovem Grarnsci, cf. supra, cap l.
e:
liana, cit., pp. 68-69)
4
_
244
_:
-~
245 -. --
GRAMSCI: UM ESTUOO SOBRE SfU PENSAMENTO POLfTfCO
AP~ND I CE ¡
outros~ a seguinte formula~o: "Para escapar ao mesmo tempo do solipsismo e das concep~oes mecanicistas [... ], é preciso
autor dos Cadernos deu-se conta de que, no capitalismo mais recente, surgiu urna esfera nova do ser social, que ele chamou de "sociedade civil"; a o contrário de lvtarx, a sociedade civil náo designa nele o m1md.o g_as rela~oes de_pr_odu~ag~ !_lem tampouco -~e i~~~~~~~ co~ o E§_t~_~O_§_~ri~!O_§§nSU. A s~iedade civil gramsci~!la é_ f~w~cfa pe~9conjunto do que _ ele <;~mo\Lde -
colocar a questao 'de modo histórico', mas sem com isso deixar de colocar na base da filosofia a 'vontade' (em última instancia, a atividade prática ou política), mas ~!!!!l vontade racional, nao arbitrária, que se realiza _n;z_ ~_gfl~c]'! _e m que corresponde a necessidades históricas objetivas, isto medida em que ela é a própria história u ni no Jllo~nto de sua prQgressiva efetiva~io. "25 N urna- outta-{)aSs~¡g~~, em que explicita o seu projeto de trabalho, Gramsci diz ainda: "O moderno Príncipe deve ter urna parte dedicada ao jacobinismo [... ],para exernplificar como se fortnou concretamente e atuou urna vontade coletiva que, pelo menos em alguns aspectos, foi cria~ao ex novo, original. E é preciso [ também] que seja definida a vontade coletiva e a vontade política em geral no sentido moderno, ou seja, a vontade como consciencia operosa da necessidade histórica, como protagonista de um real e efetivo drama histórico."26 Gramsci, como podemos ver, efetua aqui um rnovimento de supera~ao dialética nao só em rela~ao suas formula~oes juvenis, mas também em face da posi~ao que · Rousseau e Hegel assumem em face da definic;ao de "vontade": nos Cadernos, ele nos diz claramente que a vontade _e, em particulat; a vontade coletiva , embora seja historicamente determinada (como em Hegel), já que "corresponde a -necessidades históricas objetivas", nem por isso deixa de ser também "cria~ao ex novo, original" (como em Rousseau), ainda que com a justa restri~ao de que isso se dá somente "em-_ alguns aspectos". - Mas voltemos ao conceito de "hegemonía" e recordemos :-brevemente o que Gramsci pretendía denotar com ele. 2Z
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Gramsci, Quaderni, cit., p~ 1485. u; Ibid., p. 1559. 27 Pennito-me aqui expor apenas brevemente os conceitos centrais de : ~ -=--~---~:~·
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"aparelhos .llrocadtl$:,_ g,e_hege_~on~~~~ ~ jem_su~__g@_nese nos proce~só~· · 9e ...~.,aciaü.z~au-,da -política,_ gu~ _f~~~~ a o mes m o rempo ca~~~=~--~~~-~2-- ~~~--~~a- cre~~eº"_t~ cotnP!_exifica~? -dos mecanismos de r~pre~g_t?~ao do~jn~eres_ses__e dQ mundq_ dos valóres, corripfé~i_fa~-ªqq;e·, - ~m . IJ.Jtimª_lrJ$tan~~~'- !esultou - ---- - - por sua vez -~~ _lillla~maior estratifica~ao social.28 Nao me parece casual que, como disse antes, Gramsci aluda pela primei-.
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ra vez a o que depois chamaria de "sociedade civil" numa referencia a Hegel e ao "associacionismo": se Hegel percebeu que o "sistema da atomística" gera interesses coletivos particulares que se expressam no que ele chama de "corpora<;oes", Gramsci deu-se canta, por sua vez, de que os grupos e classes ~ociais, em seu processo de auto-organiza~ao e de defesa dos próprios interesses, criam aparelhos "privados" de hegemonia. Esses aparelhos sao privados porque pressupoem de seus membros urna adesao voluntária, contratual, nao formando assim parte do que Gramsci chamou de Estado-coer~o, Estado em sentido estrito ou ainda "sociedade política"; mas sao "privados" (entre aspas} porque, com sua a<;áo, tem um inegável papel nas reia~oes de poder, na determina~ao do modo pelo qual se constitui a esfera pública da sociedade. Podemos assim dizer que Gramsci, por um lado, recolhe
Gramsci, já que os mesmos estao tratados com maiores detalhes em supra, caps. V e VI. 2S Para o conceito de "socializac;ao da polirica", tao caro ao marxismo italiano, cf. em particular Umberto Cerroni, Teoria po/itica e socialismo, Roma, Ríuniti, 1976, sobretudo pp. 49 e ss. ,...-/
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APtNOICE 1
GR.t.MSCI: UM ESTU[)O SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICO
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·d'. nao apenas de 1 29 Nao é preciso recordar que Gramso reco e essa 1 eta ssim.ila e - Hegel, mas também e sobretudo d~ Marx, o qual, por sua vez, a supera a ne«3.o hegeliana de bürger/Jscbe Gesellschaft.
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"lntrodu~ao"
[1&95] a K. Marx, As Jutas de classe na Franfa, in Marx-Engel~, Obras escolhidas, Río de Janeiro, Vitória, 1956, vol. 1, pp. 121-122. ~ ~teressante observar como essa afrrma~ao do velho Engels contrasta explicaamente com a posi~ao de Hegel expressa na cita~ao da Filosofia do direito reproduzida na nota 20. 31 P. Anderson, Ambiguita di Gramsci, Roma-B~ Laterza, 1978, pp. 9 e ss. Para urna convincente refuta~ao dessas posi~es de Anderson, cf. Gianni Francioni, L,officina gramsciana, Nápoles, Bibliopolis, 1984, pp. 147 e ss.
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Engels,
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GRAMSCI : U M ESTUCO
AP~NOICE'
SOBRE SEU PENSAMENTO POLiTICO
articula numa totalidade diferentes grupos sociais, todos eles..)· ·sta do Estado e da políti~a. O conceito gramscia~o de hegext -, f t , capazes de operar, em maior ou menor medida, o movimento monia unplica, por um lado, um contra:~ 9.~~ -~. ~el ? no. ~ro_"catártico" de supera~ao de seus interesses meramente "eco- ·/ . ível da sociedade civil, gerañdo em consequencta_suJettos nómico-corporativos", no sentido da cria~ao de urna conscien~~~~t~os (siriOicatoS, páftidos,··movirnéntOS--S6ci~is, e_tc.) que cia "ético-política", universalizad ora. Essa agem "catártitein uma clara dimensáo pública, "estatal". Mas t_!Ilphca t@lca" do particular a o universal, porém, nao significa para béffi, por outro lado,· a· necéSsiOadé Oe formas de_-~ontrat~n Gramsci, diferentemente do que ocorre em Rousseau, urna retre iovemantes e governados (~ntre Est.:'d~ e so~te~de), ~om pressao das vontades singulares, mas sim, tal como em Hegel, báse no fato de que, nessas soctedades octdentats , a obngauma supera~ao dialética, na qual o "ético-político", a vontade ~áo política se funda numa ac:i~a~áo consensual, po~ gove~ coletiva, conserva e ao mesmo tempo eleva a nível superior os nantes e govemados, de u~ numm? ~e regras procedtmemats interesses singulares e particulares dos diversos componentes e de valores ético-político~. Neste ultliDO caso, esta~os cenaplurais do "bloco histórico". Portanto, em Gramsci, é como se e diante de contratos que freqüentemente coextstem (e de t mendo d f d nao só a política stricto sensu (a rela~ao entre governantes e conflitivo) com a permanéncia e. or_mas e coer_?o.32 mo ...,.. ,, , governados), mas, também a eticidade a esfera axiológica Também nao se deve esquecer, de resto, que tats contratos que empresta conteúdo concreto a vontade geral ou coletiva estáo su jeitos a permanentes revisO~ e mudan~as:. segundo_as também ela resultado de um contrato, de urna interafosse varia~Oes do que o próprio Grams_c~ chamou correla\oes ~ao intersubjetiva cada vez mais livre de coerc;ao. Para o pende for~a". Nesse sentido, a propost~ao. gramsctana do contrasador italiano, ao contrário de Hegel, a "eticidade" (o "éticonos seus termos, de un1a soc1edade baseada no cond to o u, ". , . " . político") nao é fruto do movimento fatalista e impessoal de 1 senso pode ser lida como urna tdeta regu a ora no sentl· um "espírito objetivo"; e tampouco é, como nos "marxistas do kantiano, isto é, como urna meta para a qual de~emos vulgares", o mero "reflexo" de "leis históricas" de base ecoavan~ar (através da "guerra de posi\áo") ca?a vez mrus, no nómica, concebidas de modo férreo e ferichizado. Se Gramsci rumo de urna "sociedade regulada" ou comun1sta. ,~ certamen te recolhe de Hegel a n~ao de eticidade {que nele Outrossim, do mesmo modo como há em Rousse~u um ganha os nomes de hegemonia e de "ético-político"), recolhe estreito vínculo entre contrato e vontade geral, tambero .ern :_ Gramsci tem lugar urna íntima articula\áo entre hegemo~.e __ de Rousseau, a o mesmo tempo, a concep~ao da política como que ele chama de "vontade coletiva nacional-popula~ ·~'A . contrato, como forma~ao intersubjetiva de urna volonté géné0 rale, que no pseudo-italiano ganha o nome de "vontade coletinia gramsciana se materializa precisamente na cr1a~~o hegemo hi ~ · " que ~ va nacional-popular". bl dessa vontade coletiva, motor de um " oco stonco " __ _ - .-- ... Por recolher de Hegel {e de Marx) a n~ao de que a vonta-
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"a parelho de 32 Gramsci- é preciso nao esquecer tam bé m se re ere a e atrav~sªac;ia pelas contradi~6es soc1ais, Gramsci tem plena / coerc;ao estatal que assegura 'legalme_nte' a disciplina da~u~::J~rasp~~~~ ~onsciencia de que na social considerada em seu con- '/ nao tconsentem' nern ativa nem 1vamente, mas que e e clire- ,.,,.• ¡un~o nem tudo é fruto de um contrato. Com base na onto-! toda a sociedade na previsáo dos momentos de crise no comando e na -_ c;ao nos quais desaparece o consenso"(Quaderni, cit., p. 1519~ l-~-~-S:,__:2~ ogJa social de Hegel e de Marx, Gramsci sabe que a sociedade
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GRAMSCI : UM ESTUDO SOBRE SEU PENSAMENTO POLITICO APtNDICE 1
é urna síntese _!Ínica e._esp.ecífi~ª_sle __ca usalidade e teleología, de determinismo Para ele, na trHhade Marx, os - --- e liberdade.33 - homens fazem certamente sua história, mas nao a fazem nas condi~6es que escolheram: ao lado da a~ao teleológic~_JLyre, h3Jambém um determinismo histórico, urna_~ál{~_a_lj~ads.obje tiva que embora gerada pela própria práxis d
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que garanta o ideal republica d . . l sobre o privado. Ademais é cno a priorid?de do público 1 . _ ' omum ao 1 . d . ,. , , ao p ena esse e a , .emocratrco so ~ PQ~sível nos quadros o u I~o
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G V p . .' acca, ensare zl mundo nuovo Per l . . Turun, San Paolo, 1994. . a democrazza del XXI seco/o, Js
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